sábado, 1 de dezembro de 2018

Trabalhismo e Socialismo no Brasil: a Internacional Socialista e a América Latina


  • Sobre o autor: Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, ou simplesmente Moniz Bandeira, nasceu em Salvador-BA no dia 30 de dezembro de 1935. Foi professor universitário, cientista político e historiador. Seu foco de pesquisa foi a política externa brasileira, principalmente, analisando a relação que o país estabeleceu com a Argentina e os EUA. Moniz tem origem aristocrática, sendo descendente de Garcia D'Ávila, filho de Tomé de Sousa. Graduou-se em Direito e doutorou-se em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). De orientação socialista, foi filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e um dos fundadores da Política Operária (POLOP). Após o golpe civil-militar de 1964, rumou para o Uruguai junto com o presidente deposto João Goulart. Voltou algumas vezes para o Brasil, mesmo na clandestinidade, chegando a ser preso por dois anos. Entre suas principais obras, podemos citar: a) Formação do Império Americano; b) Presença dos Estados Unidos no Brasil; c) O Governo João Goulart; d) A Desordem Mundial. Como acadêmico, lecionou na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sendo professor visitante em várias outras universidades no Brasil e do mundo. Moniz Bandeira faleceu no dia 10 de novembro de 2017, aos 81 anos, na Alemanha, onde era cônsul honorário na cidade de Heidelberg. 



Trabalhismo e Socialismo no Brasil: a Internacional Socialista e a América Latina - Moniz Bandeira - Editora Global


Prefácio - A obra a ser resumida foi publicada em 1985 pela Editora Global e contém apenas 56 páginas (contando com algumas destinadas à notas). É um livro pequeno, enxuto, objetivo e que sequer encontramos uma introdução onde o autor prepare o leitor para o debate que deseja incitar. O prefácio aqui iniciado, já tem discussões sobre a temática desde sua primeira página. Rapidamente darei um panorama geral do livro, antes de entrar em sua discussão. No índice, o livro é dividido em duas partes. Na primeira, contando com esse prefácio que iniciarei o resumo logo abaixo, temos um total de 09 subtemas bem divididos pelo autor, mas que não formam um capítulo. Os subtemas são: 01) Origens da Legislação Social; 02) Vargas e os Socialistas; 03) A Revolução de 30 e a Legislação Social; 04) O Estado Novo; 05) Criação do PTB; 06) A Evolução de Vargas; 07) A Era de Kubitschek; 08) O Governo de João Goulart; 09) O Papel de Brizola. Após o debate dessas temáticas que vai traçar um resumo histórico da ligação entre Trabalhismo Brasileiro e Socialismo, Moniz encerra o livro com três pequenos artigos relacionados à temática. São eles: a) Aliança Trabalhista-Socialista; b) Do PTB ao PDT; c) A Internacional Socialista e a América Latina. 

Da página 07 à 10, temos um "prefácio" que na verdade já é o início da discussão do tema com um rápido panorama histórico da inserção das ideias socialistas no Brasil. Aqui vai um adendo: quando Moniz Bandeira se refere a Socialismo, ele se refere a uma vertente específica do movimento que é a Social-Democracia. Logo, as ideias socialistas que ele cita são as ideias socialistas/social-democratas. Não está no centro do seu debate as ideias socialistas/comunistas que tem como baluarte o Marxismo-Leninismo e o pressuposto de que a revolução socialista virá através de uma revolução popular armada, não de forma pacífica e sob os métodos eleitorais/democráticos. 

Pois bem, tendo isso em mente, Moniz inicia a análise da inserção das ideias socialistas/social-democratas no Brasil e começa pelo fim do Século XIX. Várias foram as tentativas de desenvolver partidos socialistas, tendo São Paulo e o Rio de Janeiro como palco pioneiro. Em São Paulo tivemos a fundação do Partido Socialista do Brasil, em 1902, mas que logo faleceu. Já em solo carioca tivemos a fundação do Partido Socialista Coletivista, que também teve vida curta. Influenciados pelas leituras de Karl Marx e, principalmente, de Eduard Bernstein, Jean Jaurès, Filippo Turati e Richard Avenarius; alguns estudantes fundaram a União Socialista no Rio de Janeiro que logo se tornaria Partido Socialista do Brasil. Esse PSB, composto por figuras como Nelson Peixoto de Oliveira e Murilo Araújo, era ligado ao Centro Socialista Internacional situado em São Paulo. Fundado em 1917, funcionou precariamente até 1919 onde publicava no jornal Tempos Novos, publicado quinzenalmente. O propósito do PSB era se filiar à Internacional Socialista no Congresso Socialista Pan-Americano em Buenos Aires, porém, não conseguiram ir ao evento por falta de recursos. Entre 1919 e 1920, temos registro de outras tentativas de construção de um partido socialista. Moniz destaca o Partido Socialista Cearense, Partido Socialista Baiano, Partido Operário de Petrópolis, Partido Operário Independente e Partido Trabalhista sendo os dois últimos sediados no Rio de Janeiro. 

Apesar de várias tentativas, nenhuma de fato vingou. Isso porque os ditos socialistas tinham um conhecimento superficial da obra de Marx e ainda nutriam forte influência do Socialismo Utópico, baseado num Socialismo Evolutivo. Essas ideias, porém, não galgaram simpatia da massa trabalhadora brasileira que lutando por pautas reais como aumento salarial e redução da jornada de trabalho para 8h passaram a enxergar no Anarquismo sua ideologia norteadora. As ideias de Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin ganhavam mais aceitação num país onde a massa de operários era formada por homens de origem camponesa e imigratória. Antes até da fundação de um partido socialista, tivemos em 1922 a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) que surgiu através de um racha do movimento anarquista, sendo o inverso do que ocorreu na Europa onde os PC's surgiram de uma cisão dos partidos social-democratas. Nessa conjuntura, tivemos uma forte contestação da República Velha, principalmente após a Revolução Russa de 1917 que exerceu bastante influência sobre os operários nacionais. Dessa contestação, tivemos o surgimento do movimento tenentista que a partir de 1922 começou a criticar o velho domínio dos oligarcas do café. 

Moniz destaca o movimento tenentista como difuso ideologicamente, tendo figuras simpáticas da esquerda e até das ideias fascistas que ganhavam força com a ascensão de Benito Mussolini no poder na Itália. Dos tenentes com simpatia pelo pensamento político de esquerda, Moniz destaca João Alberto Lins de Barros que chega a cunhar o capitão Juarez Távora como socialista. Outra figura é o general Isidoro Dias Lopes que manteve diálogo com Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PCB. Isidora afirma que "não éramos ainda comunistas mas poderíamos vir a sê-lo porque não tínhamos o fetichismo por nenhuma forma de governo" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.10). Outro simpatizante esquerdista é o general Olinto Mesquita de Vasconcelos que doaria terras a indígenas em São Paulo, incitando-os a "varrer o capitalismo do Brasil". Por fim, no Amazonas tivemos o tenente Ribeiro Júnior que "criou o tributo de redenção (imposto cobrado aos ricos para socorrer os pobres), acabou com as casa de tavolagem, combateu os açambarcadores de gêneros alimentícios e expropriou o matadouro, de propriedade de um grupo inglês, transferindo-o para o controle da chamada Comuna de Manaus" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.10). Esses são exemplos que mostram uma ligação entre o movimento tenentista e o pensamento político de esquerda. 

Origens da Legislação Social - Após esse apanhado histórico, Moniz dar continuidade ao debate chegando na primeira parte do livro, onde destaca que foi a partir da Revolução de 30 que se iniciou uma preocupação da classe dominante em oferecer aos trabalhadores direitos sociais básicos. É bem verdade e, Moniz destaca, que já na República Velha encontramos no Governo de Artur Bernardes essa preocupação. Porém, nada foi posto em prática. Seu sucessor, Washington Luís, permaneceu tratando as questões sociais como questão de polícia o que culminou na Revolução de 30. Desse episódio revolucionário, Luis Carlos Prestes e os comunistas do PCB se mantiveram distantes. Atitude mal avaliada pelo autor, pois "aferrados a uma concepção sectária e dogmática, não perceberam que a oportunidade revolucionária amadurecera com o cisma das classes dominantes e que, se participassem da luta, poderiam imprimir-lhe uma diretriz mais consequente e aprofundá-la no sentido social e anti-imperialista" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 12/13). Sem a participação dos comunistas a Revolução de 30 foi capitaneada pelas classes médias e oligarquias dissidentes (Minas Gerais e Rio Grande do Sul), sem um projeto consequente de superação radical da ordem. Essa falta de uma diretriz consequente fez "que Getúlio Vargas, ao derrubar a República Velha, jogasse com a direita e com à esquerda e emergisse como autêntico líder bonapartista, no sentido sociológico do termo, ou seja, aparecesse como árbitro em meio à crise do poder, seu Governo aparentemente flutuando acima das classes sociais, mas, favorecendo, ultima ratio, o desenvolvimento capitalista do país" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.13).

Vargas e os socialistas - Moniz deixa claro a ausência de uma trajetória revolucionária em Getúlio Vargas. Além de se colocar contra a revolta tenentista de 1924, Vargas foi ministro da Fazenda no Governo Washington Luís. E usando como fonte o livro "A Revolução de 30" do historiador Boris Fausto, Moniz chega a afirmar que existe uma aproximação ideológica entre Vargas e o Fascismo Italiano, apesar de destacar na nota do livro que "lamentavelmente, Fausto não indica a fonte da citação de Vargas" (nota 39 da página 40). Entretanto, é um fato que durante a campanha eleitoral da Aliança Liberal, Vargas dialogou com diversos socialistas como Agripino Nazareth e Joaquim Pimenta com o intuito de elaborar um conjunto de direitos sociais na plataforma de governo. Segundo Isaac Isecksohn e Nestor Peixoto de Oliveira, Vargas era o político tradicional com uma maior sensibilidade para o Socialismo. Defendia uma espécie de um Socialismo Evolutivo, vago e confuso. Essa ideia tem fundamento, pois após a Revolução de 30 vários socialistas participaram do novo governo. Além de Agripino Nazareth e Joaquim Pimenta, já citados, nomes como Evaristo de Moraes e Francisco Alexandre aparecem na gestão pós-revolução. Vargas não só dialogou e cedeu espaço para esses socialistas como incentivou a fundação do Partido Socialista Brasileiro no Congresso Revolucionário em 1932. Esse congresso reuniu a variedade de correntes ideológicas presentes no movimento tenentista, reunindo socialistas, comunistas, integralistas, democratas e até anarco-sindicalistas. O manifesto do PSB, partido socialista proposto por Vargas, foi encarregado para o major Juarez Távora e teve a participação até de figuras reacionárias como Goés Monteiro. A proposta era construir um tipo de socialismo modificado para a realidade brasileira. Porém, a fundação do PSB não vingou, recebendo críticas da direita e da esquerda. O próprio Vargas, advertido por setores da classe dominante, acabou abandonando o projeto. Mesmo assim, todos os socialistas citados permaneceram com participação no governo e foram essenciais na garantia de direitos trabalhistas realizados pelo recém-criado Ministério do Trabalho, então gerido por Lindolfo Collor. 

A Revolução de 30 e a Legislação Social - Entre 1931 e 1936, tivemos uma série de garantias de direitos trabalhistas concedidos ano após ano. Enumerando as principais, temos: 

  • Em 1931: estabilidade das pensões, aposentadoria e no emprego aos servidores públicos; 
  • Em 1932: limitação da jornada de trabalho para 8h dos empregados da indústria e do comércio; regulamentação do trabalho feminino e dos menores; estabilidade das pensões, aposentadoria e no emprego aos mineiros; criação de juntas de conciliação e julgamento; instituição das convenções coletivas de trabalho;
  • Em 1933: estabilidade das pensões, aposentadoria e no emprego para os marítimos; direito a férias para os comerciários; 
  • Em 1934: estabilidade das pensões, aposentadoria e no emprego para comerciários, estivadores e bancários;
  • Em 1935: estabilidade das pensões, aposentadoria e no emprego para os operários; instituição da indenização por demissão injusta para trabalhadores da indústria e do comércio;
  • Em 1936: criação do Instituto dos Industriários. 
Dos principais direitos trabalhistas, apenas o salário mínimo começou a vigorar após o Estado Novo, sendo "a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, não significou nada mais nada menos, como o próprio nome indica, a codificação de leis preexistentes" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.16). Mas a regulamentação desses direitos não foi uma doação do Governo Vargas aos trabalhadores, muito pelo contrário, foi o resultado de muita luta do movimento operário que desde o início do Século XX derramava sangue em prol das suas bandeiras. Moniz aqui critica o conceito de Populismo que enxerga a garantia desses direitos como uma generosidade em troca de subserviência, menosprezando a dinâmica da luta de classes e o papel do proletariado nessa empreitada. Endossando a crítica a esse conceito, afirma que "essa teoria do Populismo assim se converte no populismo da teoria, pois falar de Estado populista ou democracia populista é mistificar o caráter de classe do Estado e da democracia burguesa como forma de Estado" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.16/17). Além da existência da luta dos trabalhadores, outro motivo real que leva a garantia desses direitos é a busca pela não radicalização do movimento operário. O que Vargas fez foi apenas cumprir as pautas dos trabalhadores e também do Bureau Internacional do Trabalho. Encerrando essa parte do texto, Moniz adverte que mesmo com uma estrutura sindical inspirada na Carta del Lavoro objetivando subordinar o movimento operário ao Estado então representado pelo Ministério do Trabalho, O Governo Vargas não pode ser comparado com o Nazifascismo europeu. As semelhanças para Moniz se encontravam mais na forma que no conteúdo, pois "o Estado Novo não expressou social e politicamente os interesses da oligarquia financeira e do grande capital, que era estrangeiro, não representou uma situação de guerra civil aberta" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.17). Pelo contrário, através de um Estado dominado por um aparelho militar-policial, Vargas acabou reprimindo uma latente guerra civil e promoveu uma forte intervenção estatal na economia que buscou burlar as barreiras impostas pelos monopólios internacionais. Enfim, "seu nacionalismo, o nacionalismo de um país atrasado, não encapava as pretensões hegemônicas dos trustes e cartéis, mas, exatamente, espelhava uma reação a elas. O Estado Novo foi a forma possível de ascensão da indústria brasileira, historicamente retardatária, numa conjuntura mundial de crise e decadência do capitalismo" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.17/18).

O Estado Novo - Tendo uma oposição à esquerda que tentou derrubá-lo em 1935 e a direita que centrada na figura de Goés Monteiro articulava um golpe contra seu governo, Vargas em novembro de 1937 dar um golpe que institui o Estado Novo e seis meses depois sufoca o Levante Integralista que teve ajuda da embaixada alemã, setores das Forças Armadas e até de liberais como Otávio Mangabeira. O Estado Novo não se caracteriza enquanto uma ditadura fascista, segundo Moniz, "mas uma ditadura burocrática, que, sustentada pela repressão militar-policial, permitiu a execução de um projeto nacional de desenvolvimento capitalista, a despeito da oposição de vastos segmentos da própria burguesia e do conjunto do grande capital, predominantemente estrangeiro" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.18). A proibição das greves serviu para garantir a acumulação do capital necessária para o desenvolvimento industrial e urbano do país, enquanto que a instituição do salário mínimo proporcionou uma movimentação do mercado interno. Já externamente, Vargas utilizou-se das contradições inter-imperialistas para garantir meios desenvolver o país economicamente. 

Para o autor, o bonapartismo varguista mesclou durante 16 anos de poder tendências fascistas e social-democratas. E isso ficou claro após o fim do Estado Novo com a criação de dois partidos sob sua liderança. O principal deles e que o livro foca, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), não surgiu de um simples decreto de Vargas. Em 1932 já existia uma organização chamada Partido Trabalhista do Brasil que se organizava no Rio de Janeiro. Naquele ano, Vargas tentava fundar o Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Congresso Revolucionário já citado. Não vingado esse projeto, ele ainda tenta fundar em 1937 o Partido Nacional do Trabalho (PNT) que teria como inspiração o Partido Trabalhista Inglês. Sua ideia era anistiar militantes do PCB presos por conta do Levante Comunista de 1935, principalmente aqueles que não pegaram em armas, e em troca receber deles a garantia do fim da ANL por meio de um manifesto. Seu principal objetivo era esvaziar a candidatura do representante da burguesia cafeeira, Armando Sales de Oliveira, e ocupar o espaço do PCB na esquerda. Porém, a conjuntura política adversa em 1937 fez Vargas voltar-se para a direita e liderar o golpe que daria origem ao Estado Novo. Um golpe que seria dado com ou contra ele. 

Criação do PTB - Com o desgaste político do Estado Novo, Vargas buscou criar um partido sob sua influência para o novo período democrático que figurava. Esse partido seria o Partido Social-Democrático (PSD) que reuniria segmentos de várias classes sociais. Sua ideia era abrir no partido uma ala trabalhista que articularia o proletariado urbano, junto com os setores que deram sustentação ao Estado Novo como a burguesia industrial e a oligarquia rural. Entretanto, as lideranças sindicais que surgiram durante o Estado Novo não aceitaram tal conciliação e Vargas teve que aceitar as articulações que deram origem ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Logo, "o PTB nasceu, assim, numa das vertentes do bonapartismo de Vargas (da outra o PSD), quando o Estado Novo agonizava e alicerçou sua organização no proletariado, apesar dos elementos pequeno-burgueses e das peculiaridades regionais que o influenciavam" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 20). O PTB tinha a estrutura sindical montada desde 1930 como sua base, sendo o Ministério do Trabalho uma espécia de central operária para o partido que se limitava a luta economicista (melhorias salariais) e a disputas eleitorais. O gaúcho Alberto Pasqualini, oriundo da União Social Brasileira, que partilhava de um socialismo evolutivo era o intelectual do partido. A oposição do PTB estava nos limites tolerados pelo capitalismo, sendo o partido uma espécie de Social-Democracia européia. Para Vargas, o PTB seria socializante e não socialista, servindo de opção a direita para quem não quisesse o PSD ou a UDN e à esquerda para quem não simpatizasse com as ideias do PCB. Apesar disso, o PTB não agradou as classes dominantes que nunca enxergaram no partido uma instituição onde se sentiam representadas. A defesa da intervenção estatal na economia, separava drasticamente o partido desses setores dominantes que se articularam no PSD e, principalmente, na UDN. Logo, "o aguçamento da contradição anti-imperialista, entrançando-se com as lutas sociais, contribui para afirmar o PTB na direção da esquerda, como um partido de reformas populares, não populista" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p.22).

A Evolução de Vargas - Moniz destaca a evolução política-ideológica que Vargas passou após o fim do Estado Novo. Em aliança com os interesses internacionais, setores expressivos da classe dominante organizaram um golpe em 29 de outubro de 1945 que depôs o presidente Vargas do poder após 15 anos. Já se tinha eleições marcadas, mas mesmo assim não recuaram na ofensiva golpista. Nos anos que sucederam o golpe, Vargas ajudou a fundar o PSD e o PTB, buscando conciliar os interesses desses dois partidos. Porém, a medida que o tempo passava as contradições entre essas organizações se mostravam cada vez mais nítidas. O PSD, ligado as figuras administrativas e militares do Estado Novo, permanecia no poder com a vitória eleitoral de Eurico Gaspar Dutra. Reacionário, Dutra teve logo o apoio da UDN e instaurou no país uma forte repressão ao PCB e movimentos sociais. Escanteado pelo PSD, Vargas encontra abrigo no PTB onde adentra de vez e começa uma campanha de oposição ao PSD/UDN. Em janeiro de 1947, em campanha para governador do Rio Grande do Sul, Vargas afirmou serem partidos com nomes diferentes mas com os mesmos interesses. Coloco-os como "expoentes da democracia burguesa, da velha democracia liberal, que afirma a liberdade política e nega a igualdade social" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 22). No mesmo discurso, diz que contra essa democracia existe outra que seria "a democracia, a democracia dos trabalhadores. A esta me filio. Por ela combaterei em benefício da coletividade" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 23). Sua evolução enquanto figura política anti-imperialista e com forte tendência aos princípios social-democratas fica nítido na sua Carta Testamento de 24 de agosto de 1954.

A Era Kubitschek -  Após o suicídio de Getúlio Vargas em agosto de 1954, o PTB passou a se posicionar ainda mais à esquerda, ofuscando o Partido Socialista Brasileiro (PSB) de João Mangabeira que procurava ser o partido mais radical dentro da esquerda reformista. No governo do mineiro Kubitschek, o então líder do PTB João Goulart, manteve um posicionamento crítico por conta de uma política econômica que buscava desenvolvimento econômico com dependência das potências capitalistas. Foi em 1959 que as tensões entre Jango e o Governo Kubitschek aumentaram quando "o ministro da Fazenda, Lucas Lopes, restringiu o crédito, concedeu bonificação aos exportadores, reduziu os subsídios as importações de trigo e petróleo, tentando executar um programa de estabilização monetária, segundo as diretrizes do Fundo Monetário Internacional" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 25). Jango enxergava que o desenvolvimento econômico não deveria estar à serviço do capital estrangeiro, por isso era necessário a intervenção do Estado como árbitro. Ainda no Governo Kubitschek, ele tentou ementar uma aliança com o PSD com o intuito de aprovar emendas constitucionais como a reforma agrária e redistribuição da renda pública para estados mais pobres. No mais, apesar de ter recuado frente as propostas econômicas do FMI afastando Lucas Lopes, o Governo Kubitschek não fez avançar no parlamento as necessárias reformas propostas por Jango. Essa guinada à esquerda do PTB, agora liderado por Jango, fez o partido crescer nas eleições de 1962 onde saiu de 66 deputados (nas eleições de 1958) para 116. Se levantando contra o capital estrangeiro e seus monopólios, Jango avançava como uma figura social-democrata ou até socialista.

O Governo de João Goulart - Bem alinhado, o PTB tinha na carta de testamento de Getúlio Vargas o guia para sua ação política. O programa do partido, baseado nas chamadas Reformas de Base, mostra sua evolução ideológica que tinha na arcaica estrutura agrária do Brasil seu cerne de ação. O líder desse partido era o gaúcho João Goulart, principal herdeiro político de Vargas, e que "se assentou fundamentalmente na massa organizada, nos sindicatos e num partido político, o PTB, bem ou mal um partido de composição operária, cuja práxis mais se assemelhava à da Social-Democracia européia depois da guerra de 1914-1918, nas condições históricas do Brasil, do que à práxis do populismo"  (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 29). Após o suicídio de Vargas, o PTB cresceu eleitoralmente e amadureceu politicamente. Nas eleições de 1946, pós fim do Estado Novo, o partido elegeu um total de 22 deputados (7,7%). Nas eleições de 1956, pós morte de Vargas, o partido pulou para 66 deputados (20,2%) e em 1962 pulou para 116 deputados (28,4%). Nas eleições de 1962, Jango seria eleito vice-presidente e Jânio Quadros o presidente. Após a renuncia de Jânio, Jango assumiu o poder após muita resistência frente a uma tentativa de golpe militar. No governo, Jango enfrentou uma nova conjuntura internacional. As principais potências imperialistas, preocupadas até um momento com a garantia de direitos sociais na periferia a fim de evitar uma revolução socialista nesses países, acabou mudando de posição após a Segunda Guerra Mundial tendo em vista a chamada internacionalização das economias. Com essa internacionalização, "as chamadas corporações multinacionais, não podendo deixar de atender às reivindicações do poderoso proletariado europeu e norte-americano, expandiram seus investimentos através do Terceiro Mundo, com o propósito de explorar a força de trabalho abundante e barata e assim compensar a queda da taxa de mais-valia em sues países de origem"  (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 29). Nesse novo cenário internacional, as pautas reivindicatórias da classe trabalhadora brasileira afetavam diretamente os interesses do imperialismo. O PTB, enquanto partido que defendia um desenvolvimento com a intervenção forte do Estado e mantinha posicionamentos anti-imperialistas, não poderia ser aceito pelas corporações internacionais e nem por seus representantes nacionais. Desse aguçamento da luta de classes, surgiu o golpe militar de 1964.

O Papel de Brizola - Para Moniz Bandeira a figura política que mais encarnava o PTB à esquerda era o gaúcho Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul que já tinha entrado em conflito com os interesses internacionais ao nacionalizar duas empresas norte-americanas (ITT e Bond & Share) atuantes no estado. Brizola ganhou projeção nacional ao liderar a resistência ao golpe de estado orquestrado após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Dessa resistência, ele conseguiu garantir a posse de Jango que se encontrava em serviço na China no momento da renúncia. Sua figura "utilizava uma linguagem fura, frequentemente agressiva e bastante apaixonada, sem eufemismos ou requintes de retórica, mas com muita eficiência pedagógica, repetindo, sistematicamente, as mesmas ideias e as ilustrando com parábolas e imagens de fácil percepção popular" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 30). Embora com longa e longa trajetória na política tradicional, Brizola nunca se meteu em negociatas e se mostrava um político à serviço da coletividade, procurando sempre ir nas raízes dos problemas. Um anti-imperialismo nato, Brizola se preocupava com as ações movidas pelos EUA no Brasil e em toda América Latina. Por isso era defensor das chamadas Reformas de Base que buscava desenvolver o Brasil autonomamente. Porém, sabia que "a execução das reformas, reclamadas pelo desenvolvimento do Brasil, só seria possível com o estancamento do processo espoliativo, à base de profunda revisão nos termos de intercâmbio com os Estados Unidos. E isso acarretaria a sua reação. Brizola não se iludia" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 33). Inconformista, defensor apaixonado de suas ideias e anti-imperialista convicto Brizola defendeu que se ocorre entrave no parlamento na aprovação das Reformas de Base era colocá-las em prática interpretando os dispositivos da Constituição conforme o critério dos interesses populares e não dos interesses da elite nacional e internacional.

Assim Moniz Bandeira encerra a primeira parte do livro. Como vimos, ele faz uma breve trajetória histórica do Trabalhismo Brasileiro indo de acontecimentos anteriores a Revolução de 30 até o aparecimento da figura de Leonel Brizola. Na que entendo como segunda parte do livro, Moniz organiza um conjunto de três curtos artigos, intitulados: a) Aliança Trabalhista Socialista; b) Do PTB ao PDT; c) A Internacional Socialista e a América Latina.  Abaixo farei um breve resumo desses artigos.

No artigo Aliança Trabalhista Socialista, curtíssimo diga-se de passagem, Moniz Bandeira destaca as relações entre o PTB e o PSB. O PSB, liderado por João Mangabeira, manteve até a morte de Vargas um posicionamento crítico ao PTB e não associação a Internacional Socialista. Após 1960 com o aguçamento da luta de classes no país, o PSB estreitou laços com o PTB. Juntos, a Aliança Trabalhista Socialista chegou a lançar o deputado Sérgio Magalhães como candidato a governador do Estado da Guanabara. Apoiaram o Marechal Henrique Lott (presidente) e João Goulart (vice-presidente) nas eleições de 1962 e juntos ajudaram na eleição de Leonel Brizola como deputado federal pelo Rio de Janeiro, tendo a maior votação da história política brasileira. No futuro Governo Jango, o PSB participou com seu líder João Mangabeira sendo Ministro da Justiça. Após o golpe militar de 1964, os partidos foram extintos e várias de suas figuras se reorganizaram junto ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Enquanto que em Do PTB ao PDT, Moniz debate a formação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). No exílio e mantendo diálogo com a Social-Democracia européia, Leonel Brizola buscou reorganizar o PTB frente a próxima anistia política que se aproximava. Em 1978 no chamado Encontro de Lisboa, Brizola reuniu socialistas e trabalhistas para se debater o ressurgimento do PTB que deveria ser um partido diferente do MDB, então dominado por liberais. Mas a sigla PTB acabou sendo perdida por Brizola num imbróglio judicial, sendo então necessário a fundação do PDT que teria como norte ideológico as ideias debatidas no Encontro de Lisboa.

Por fim, Moniz chega no artigo A Internacional Socialista e a América Latina onde vai discutir as relações que a Internacional Socialista estabeleceu com a América Latina. Traçando as mudanças ocorridas na estrutura do sistema capitalista, Moniz começa debatendo a construção do Estado de Bem Estar Social a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). As potências capitalistas cresceram ao ponto de necessitar exportar seus capitais para outras regiões do globo, explorando nelas uma mão-de-obra barata enquanto troca seus produtos industriais por matéria-prima. Buscando evitar uma convulsão social que originasse uma revolução socialista, que chegou a ocorrer em 1917 na Rússia, as principais potências combinaram essa exportação de capitais com um conjunto de garantia de direitos que proporcionavam a classe trabalhadora desses países uma melhor qualidade de vida. Para sustentar essa qualidade de vida, financiada por um Estado de Bem Estar Social, era necessário manter os países do Terceiro Mundo no completo atraso. Com isso, "a ampliação da miséria, como consequência do processo de concentração e centralização do capital, ocorreu, porém, ao nível das nações, à medida que algumas, industrializadas, se opulentaram à custa do empobrecimento de outras, exportadoras de matérias-primas" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 49). Explorando o atraso dos países periféricos as potências capitalistas como os EUA e aliados europeus conseguiram desenvolver um sistema de proteção ao trabalhador nunca visto na história.

E qual o comportamento dos partidos socialistas/social-democratas nessa conjuntura? Esses partidos, ligados a Internacional Socialista ou II Internacional, não só apoiaram seus respectivos Estados na Primeira Guerra Mundial como após esse conflito contribuíram para a formação do Estado de Bem Estar Social que predominaria na Europa a partir de então. Baseados nas garantias propostas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada no Tratado de Versalhes, esses partidos "compatibilizaram as demandas da classe operária com as necessidades da acumulação capitalista, ajustando-as a limites suportáveis para o funcionamento do sistema e impedindo, em contrapartida, a exploração excessiva da força de trabalho" (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 50). Essas ações serviram para frear o avanço do movimento comunista na Europa e nos EUA. Mais e os países do Terceiro Mundo? Bom, a posição da Internacional Socialista e dos partidos socialistas/social-democratas que o compunham era de completo esquecimento a esses países que acabaram simpatizando com as propostas revolucionárias da III Internacional ou Internacional Comunista. Não era interesse da Internacional Socialista que um Estado de Bem Estar Social fosse desenvolvido no Terceiro Mundo, pois assim a base de sustentação que mantinha a ordem na Europa e nos EUA desmoronaria. Por aqui era preciso sustentar "o estabelecimento de regimes autoritários, que reprimissem a classe operária emergente, nos novos países industrializados, e bloqueassem, sobretudo, a elevação dos salários, de sorte a assegurar a apropriação de um excedente econômico suficiente para equilibrar, ao nível internacional, a taxa média de lucro"  (MONIZ, Bandeira. São Paulo, Global, 1985, p. 51).

A implantação desses regimes autoritários na América Latina a partir dos anos 60, possibilitaram uma crise do Estado de Bem Estar Social a partir dos anos 70. Tendo em vista a segurança de investimento na América Latina, Ásia e África junto com uma mecanização crescente da produção (robôs, por exemplo) ocasionou uma crescente taxa de desempregos nos países capitalistas centrais. Essa exército industrial de reserva possibilitou o despertar do movimento operário nesses países de capitalismo central, sendo a luta pela derrubada desses regimes autoritários no Terceiro Mundo uma de suas bandeiras. A partir dessa nova conjuntura internacional, os partidos socialistas/social-democratas passam a se posicionar mais à esquerda, apoiando a patrocinando resistências contra esses regimes autoritários, vide o caso de El Salvador e Nicarágua. Essa atenção da Internacional Socialista na América Latina chegou até ser motivo de elogio do líder cubano Fidel Castro no congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) em 1980. Assim como o movimento comunista precisou de remodelar na Europa onde vingou o Estado de Bem Estar Social, o movimento socialista seguiu o mesmo caminho ao mudar sua atitude de até então desleixo com o Terceiro Mundo. Moniz Bandeira encerra o livro afirmando que a Internacional Socialista busca oferecer uma alternativa a atual conjuntura política internacional, então centrada na rivalidade bipolar gerada pela Guerra Fria.







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