sábado, 24 de novembro de 2018

A Revolução de 1930: historiografia e história


  • Sobre o autor: Boris Fausto nasceu em São Paulo no dia 08 de dezembro de 1930. Filho de imigrantes judeus, concluiu graduação e mestrado em Direito e História pela Universidade de São Paulo (USP). Durante anos foi assessor jurídico da USP e historiador. Como historiador, tem larga pesquisa sobre a História do Brasil e com ênfase no Brasil Republicano. No que tange a sua produção intelectual, Boris tem como principais obras: a) História Concisa do Brasil; b) O Pensamento Nacionalista Autoritário; c) Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. Além dessas obras citadas podemos destacar a que vamos resumir logo abaixo e também a Coleção História Geral da Civilização Brasileira onde, junto com o sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, Boris escreveu 11 volumes que abarcam a análise do Brasil Colônia até o Brasil República. Renomado autor, Boris Fausto ganhou em três oportunidades o prêmio Jabuti (1995, 1998 e 2000) e em 2001 tornou-se membro da Academia Brasileira de Ciências. 

A Revolução de 1930: historiografia e história - Boris Fausto - Editora Brasiliense


Introdução - Essa obra foi lançada em 1969 - em meio a Ditadura Militar Brasileira - e visa contestar a visão dualista que alguns autores utilizavam na análise do Brasil. A visão dualista enxergava que a sociedade brasileira era terreno de uma oposição entre o setor agrário e exportador - ligado a relações feudais ou semifeudais de produção -; e o setor urbano, então voltado para o mercado interno e ligado a relações capitalistas e modernas de produção. Na conjuntura política da chamada Primeira República (1889-1930), o primeiro grupo tinha ao seu lado o imperialismo; enquanto o segundo tinha a classe média como vanguarda de suas demandas. A ascensão de Prudente Morais ao poder, substituindo Floriano Peixoto, marcava o início do predomínio do setor agrário e exportador que teoricamente dominou o Brasil até a Revolução de 30 que colocaria fim a chamada República Velha ou Primeira República. Essa revolução seria responsável por colocar no poder a burguesia industrial urbana. Boris Fausto se coloca crítico dessa visão metodológica dualista e se coloca ao lado de autores como Caio Prado Júnior, Andrew Gunder Frank, Rodolfo Stavenhagen etc. Para ele existia uma "inexistência de contradições antagônicas entre setor capitalista exportador e de mercado interno; impossibilitando de se reduzir uma instituição como o Exército às classes médias; necessidade de relativizar a noção de que o setor agrário exportador está associado ao imperialismo" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 9/10). E por que ele utiliza o evento da Revolução de 30 para refutar essa teoria? Boris justifica a escolha desse marco histórico porque, na teoria, foi através desse acontecimento que a República Velha foi derrubada (sendo aí presente a oposição entre setor agrário x setor industrial) e pelo papel que desempenha o Tenentismo que está vinculado a ação política das classes médias. Logo, é através da Revolução de 30 que ele analisa a ligação burguesia industrial/revolução e classes médias (tenentismo)/revolução. Para ajudar nessa linha interpretativa ainda em desenvolvimento, Boris trás à tona a importância da História Comparada ao trazer os estudos sobre os demais países latino-americanos no plano externo, enquanto que no plano interno destaca inúmeras brechas não explicadas. Por fim, ele afirma buscar criticar a linha interpretativa que enxergava na Revolução de 30 como uma revolução das classes médias que deu o poder político a burguesia industrial e urbana. 

Capítulo 01 - Burguesia Industrial e Revolução de 1930

Boris Fausto divide o primeiro capítulo em 04 pontos, são eles: 1) As Teorias Dualistas: política e historiografia; 2) A Indústria na Década de 20; 3) A Fração de Classe e sua Intervenção no Episódio Revolucionário; e 4) O Estado como Representante da Burguesia Industrial. Explicarei ponto por ponto. Na primeira parte do capítulo, intitulada As Teorias Dualistas: política e historiografia, Boris problematiza as análises que a intelectualidade ligada a posições políticas de esquerda realizavam sobre a América Latina e o Brasil em específico. Para esses intelectuais a sociedade brasileira abarcava dois setores antagônicos: um pré-capitalista, feudal ou semifeudal que localizado no campo tinha o latifúndio como expressão típica e, por outro lado, um setor capitalista, moderno que localizado na vida urbana tinha a burguesia industrial como sua principal expressão. Essa teoria da dualidade, marcada por uma polaridade estrutural, caracterizava o continente latino-americano e por consequência também o Brasil. Fausto trás um resumo simples dessa teoria feita por Rodolfo Stavenhagen, sociólogo alemão, que traremos abaixo:

  • Polo Negativo: sociedade rural, arcaica, caracterizada por relações de parentesco, movidas por instituições tradicionais e estratificação social rígida baseada no conceito de status social que determina o indivíduo pelo local de nascimento;
  • Polo Positivo: sociedade urbana, moderna, caracterizada por relações impessoais, movidas por instituições racionais e com uma estratificação social mais flexível baseada na meritocracia medindo o indivíduo por sua renda, nível de escolaridade ou ocupação profissional. 
Essa teoria dualista dentro do movimento comunista sul-americano, teve duas fases. Na primeira, pré-1928, se seguia a cartilha da III Internacional Comunista que se baseando na experiência chinesa compartilhava a tese de que era preciso primeiro uma revolução democrático-burguesa (que na China era posta em prática pelos operários, camponeses, intelectuais e democratas urbanos) que a priori iria separar as forças atreladas ao imperialismo de um lado contra as forças inimigas do imperialismo de outro. Nessas forças inimigas do imperialismo era possível crer na presença da pequena-burguesia e também da chamada burguesia nacional. Com a traição do Kuomintang e consequente enfraquecimento das forças comunistas na China em 1928, a III IC modifica sua análise do mundo subdesenvolvimento, dando uma guinada à esquerda que postulava total intransigência com qualquer tipo de aliança política feita com os chamados reformistas. A ideia era que se aproximava uma contradição inter-imperialista e daí teria-se como resultado um avanço revolucionário.  Nesse chamado Terceiro Período, "conservava-se a teoria da dualidade e as concepções da revolução democrático-burguesa, mas a revolução seria levada a cabo, fundamentalmente, pelo proletariado e as massas camponesas" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 14). Dentro dessa concepção, apenas sob a liderança do proletariado a revolução democrático-burguesa obteria êxito em: combater o semifeudalismo, entregar terras aos camponeses e combater o imperialismo. Isso porque a pequena burguesia industrial latino-americana, estaria aliada aos interesses do imperialismo e seus representantes tradicionais na região. A pequena-burguesia, classe social vacilante, também não poderia tocar esse processo revolucionário.

Esse foi o comportamento político do ainda pequeno Partido Comunista do Brasil (PCB) após 1928. Reconhecendo a aliança entre latifundiários semi-feudais e burguesia industrial, se mostraram críticos a Revolução de 30. Isso ficou claro nas eleições presidenciais em 1930 quando o PCB, representado pelo Bloco Operário e Camponês (BOC), lançou Minervino de Oliveira como candidato próprio e se levantou tanto contra a proposta de Julio Prestes (ligado a Washington Luís, então atual presidente) quanto à Aliança Liberal representada pelo gaúcho Getúlio Vargas. A crítica a plataforma da Aliança Liberal ficaria mais nítida a partir de maio de 1930 quando, através de seu célebre manifesto, o então militar Luís Carlos Prestes rompe ideologicamente com o Tenentismo. Após a Revolução de 30, o PCB mantinha a posição de achar o movimento parte de uma luta inter-imperialista onde os vencedores ditos "revolucionários" representariam os interesses norte-americanos e os derrotados os interesses ingleses. Por fim, Fausto encerra essa primeira parte comentando por cima outras visões historiográficas e ideológicas sobre a Revolução de 30. Passando por Azevedo Amaral (que via na revolução o triunfo das elites empresariais), Nélson Werneck Sodré (que via na revolução uma cisão dentro da classe dominante com elementos consideráveis da classe média presente) até Ruy Mauro Marini (que via na revolução um resultado da crise do café e pressão da burguesia industrial em adquirir o poder político).

Em A Indústria na Década de 1920, Boris começa a aprofundar o debate ao trazer todo o cenário que a indústria nacional se encontrava no Brasil dos anos 20. Segundo ele, "a indústria se caracteriza nesta época, pela dependência do setor agrário-exportador, pela insignificância dos ramos básicos, pela baixa capitalização, pelo grau incipiente da concentração" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 19). Baseando-se em censos, Boris constata que a indústria nacional se limitava ao setor têxtil e alimentar. Tendo a infra-estrutura (siderurgia, mecânica etc) representatividade pífia ou nula. No recenseamento do país de 1920, a indústria que mais tinha representatividade no país era a do setor alimentício com 40,2%, seguido pela têxtil com 27,6%. Em seguida vinha a indústria do vestuário (8,2%), de produtos químicos propriamente ditos e análogos (7,9%) e outros grupos somavam os restantes 16,1% (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 20). Boris trás uma revelação: a indústria no país de 1920 a 1940 permaneceu frágil, pois "dos 13.336 estabelecimentos industriais recenseados em 1920, apenas 482 tinham mais de 100 operários; pelo censo de 1940, de um total de 40.860 indústrias, havia 1.236 com mais de 100 operários" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 20). E no ponto de vista geográfico? Bom, aqui a superioridade da cidade de São Paulo permanece, seguido por: Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco. Os paulistas representavam 31,5% da produção industrial nacional. No que tange aos outros setores da economia, temos em 1920 "o setor primário abrange 69,7% da população ativa, o secundário 13,8% e o terciário 16,5%, proporcionalidade que sofre poucas alterações 20 anos depois, com 65,1% para o setor primário, 14,8% para o secundário, 18,2% para o terciário." (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 22). Para Fausto, a chamada burguesia industrial não era tão grande numericamente, mas pelo que produzia já era capaz de se expressar bem politicamente. Porém, por falta de representantes essa burguesia industrial não apresenta nenhum projeto industrialista e que venha a ser alternativa real aos interesses cafeeiros.

Após essa base mais geral, Fausto entra nos nuances do comportamento das classes sociais frente a conjuntura de 1930. Ele inicia a terceira parte, intitulada A Fração de Classe e sua Intervenção no Episódio Revolucionário, com um questionamento: a Revolução de 30 representou a ascensão política da burguesia industrial, sob interferência de uma fração de classe no episódio revolucionário? De inicio, Boris relata o imediato apoio da burguesia industrial (através de suas associações industriais) paulista a campanha de Julio Prestes. Não iriam apenas apoiar formalmente como ajudar na campanha, conclamando operários voluntários para arregimentarem forças em prol de Prestes. Tudo isso está relatado no jornal Correio Paulistano da época de 03 e 10 de agosto de 1929. Essa rejeição da elite industrial paulista a Revolução de 30 não ficou apenas no período eleitoral, mais também no pós-processo revolucionário onde até a eclosão da revolta de 1932 o estado passou por uma desestabilização tendo três interventores num curto espaço de 02 anos. Essa revolta em 1932 teve o apoio, participação e articulação do maior ideólogo da industrialização na elite nacional: Roberto Simonsen. Esse fato diz muito não sobre Simonsen, mais sobre o projeto que se intitulava revolucionário. No mais, seja cafeicultores ou industrial, os paulistas tiveram um rechaço total a Revolução de 30. Sabido essa inicial rejeição paulista ao episódio revolucionário, Boris Fausto pula para uma análise mais detalhada da classe dominante ou setores dela que apoiaram a Revolução de 30. Se São Paulo se postou contra os outubristas antes e depois da revolução, até mesmo figuras que defendiam uma agenda industrializante como o caso do Simonsen, como pensavam e agiam os setores que deram suporte ao processo revolucionário? Será mesmo que representavam um grande projeto nacional com teor industrializante? É a partir daí que Boris problematiza e demonstra as contradições desses setores participantes da Revolução de 30. E três são os recortes feitos por Boris, sendo assim ele analisa:

  • O Partido Democrático de São Paulo e a Indústria -  o Partido Democrático (PD) foi o único setor organizado em São Paulo que apoiou a Revolução de 30, apesar de se manter afastado de todo o processo. Para Boris, a hipótese de que o PD representava setores sociais novos, insatisfeitos com o atraso cafeeiro que o estado representava e defensores de uma política industrial para o país é totalmente falsa. E para comprovar tal afirmação, ele trás vários exemplos no texto. O primeiro envolve a proposta de Roberto Simonsen de por em vigor no Brasil um protecionismo alfandegário. Para os democrático, em seu jornal (Diário Nacional, datado do dia 07/06/1928), o Brasil era essencialmente um país agrário e que seria mais proveitoso que os operários das fábricas fossem para as lavouras. O segundo exemplo envolve as consequências causadas pela crise do café em fins do ano 20, criando um recesso na produção têxtil de tecidos de má qualidade que se voltavam para o consumo interno do campo. A indústria nacional ao buscar cobrir essa dificuldade interna, encontrava a concorrência desleal dos ingleses. O PD se postou contra a proposta que buscava aumentar as taxas dos tecidos importados alertando em seu jornal do dia 29/11/1928 um tratamento especial do Governo Washington Luís aos industriais. O ideal liberal, centrado no mantra da livre concorrência sem interferência estatal, era seguido à risca pelo democráticos que não aceitavam qualquer ação à fim de ajudar a indústria nacional. Esse combate do PD aos industriais era tanto que algumas críticas beiravam a xenofobia, tendo em vista a origem estrangeira de muitos empresários. Então, "o PRP procurou sempre arregimentar estrangeiros na área de sua influência, servindo-se inclusive de seus "votos" para fraudar eleições; o PD tratou de aparecer como legítimo herdeiro das melhores tradições paulistas" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 36). E como podemos observar, esse PD não representava nenhuma proposta industrializante ou modernizadora para o país. Sua ação política, pelo contrário, era de veemente crítica aos industriais e também as oligarquias que dominavam na então República Velha. O PD para Boris representava "uma aliança das classes médias de São Paulo com elementos descontentes do setor agrário" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 38). A indústria e seu desenvolvimento no país seria sinônimo de elevação do custo de vida, favorecendo exploradores estrangeiros que lucravam produzindo produtos de má qualidade;
  • As Cisões Gaúcha e Mineira - aqui Boris inicia a discussão questionando se a burguesia industrial, pensada como a classe a ser beneficiada pela Revolução de 30 seja conscientemente ou inconscientemente, gaúcha e mineira estava desenvolvida e se apoiou tal processo político. Tendo vista o já relatado rechaço da burguesia industrial paulista, caso fosse repetido nesses dois estados, seria no mínimo de se estranhar uma revolução que não consegue apoio mínimo do núcleo mais significante do seu projeto. Começando pelo Rio Grande do Sul, Boris de imediato deixa claro que a burguesia gaúcha não é nem de longe tão desenvolvida quanto a paulista. O estado representava apenas 11% da produção industrial do país. Sobre os políticos envolvidos, "é uma composição de velhos oligarcas da política estadual e alguns jovens que surgem no interior das agremiações partidárias, mais como equipe de substituição do que de ruptura" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 39). Dentre essas lideranças políticas antigas estavam figuras como Borges de Medeiros e Assis Brasil, fazendeiros ligados a vida rural. E os jovens quadros? O autor trás rapidamente a origem de cinco dos principais quadros políticos gaúchos e que foram fundamentais no pré e no pós-revolução. São eles: a) Getúlio Vargas, filho de um militar ex-combatente da Guerra do Paraguai, republicano e fazendeiro de São Borja; b) Osvaldo Aranha, ligado a políticos tradicionais de São Paulo; c) Lindolfo Collor, filho de imigrantes alemães e de origem mais modesta que os colegas; d) João Neves da Fontoura, filho de fazendeiro; e) Batista Luzardo, idem. Como podemos observar, nenhum tem em sua origem a indústria e para Fausto eram indiferentes as pautas propostas pelo setor. Lindolfo, Aranha e João Neves são citados por Fausto que busca mostra a oposição que eles tinham da política industrializante. Por fim, a cisão mineira é apontada como escandalosamente concentrada na vida rural. Ainda em 1940, a agricultural e pecuário representavam "apenas" 82% da população ativa em Minas Gerais. A política mineira é representada como "uma poderosa e quase impenetrável oligarquia que se divide e se entrelaça na medida dos interesses comuns e ligações familiares" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 43);
  • Ideologia da Aliança Liberal - por fim, Boris navega sobre o projeto de país proposto pelos aliancistas nas eleições de 1930. Na plataforma da Aliança Liberal não se encontra um projeto industrializante nítido para o país, apesar de o diálogo com o chamado campo brasileiro ser menor que o feito pelo adversário. É fato que existia em sua plataforma algo de novo, principalmente em relação a vida dos operários, como: lei de férias, salário mínimo, desenvolvimento da siderurgia etc. Essa última também se encontrava na plataforma de Júlio Prestes. Apesar disso, Boris adverte que "esta linguagem diversa não se concretiza em uma perspectiva industrializante, se por tal perspectiva se entender medidas como o controle do câmbio para favorecer às importações essenciais à indústria, incentivos fiscais, investimentos estatais nas indústrias de base" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 44). Pelo contrário, se critica os privilégios dados aos industriais e em contraponto se propõe direitos aos operários. A plataforma aliancista detinha avanços em comparação com o projeto de Prestes, porém, ainda distante de um projeto industrializante para o país. 
Após essa explanação, Boris ressalta que a elite nacional (composta pelo setor agrário e o industrial) se não são antagônicos também não são convergentes. Existiu nos anos 20 certa oposição entre os setores, tendo o setor agrário colocado no setor industrial uma imagem negativa onde imperava o parasitismo e consequente aumento do custo de vida. Essa ideia foi bastante comprada pelas classes médias da época. Entretanto, também é fato que esses dois setores se completam e formam juntos os núcleos dominantes do país. Isso decorre porque a indústria brasileira muito deve ao capital gerado pelo café, sendo o boom do produto agrário entre 1907-1913 coincidente com a ascensão da indústria. Com isso, apesar de receber uma quantia menor do bolo, a burguesia industrial brasileira dos anos 20 fazia parte dos setores hegemônicos e por isso não tinha tantos motivos para defenderem um projeto de nação diverso do já existente. A burguesia industrial representava um setor significativo e subordinado ao mesmo tempo. E encerrando essa terceira parte do capítulo, Fausto questiona: "por que iria a burguesia industrial se ligar a um agrupamento político de oposição, onde nem os nomes, nem o programa tinham para ela qualquer apelo especial?" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 47).

É na quarta e última parte, intitulada O Estado como Representante da Burguesia Industrial, que Boris busca responder esse questionamento. Inicialmente, trazendo uma citação de Fernando Henrique Cardoso, Boris reforça a ausência de um projeto nacional da burguesia do mundo subdesenvolvimento e põe como motivos dessa ausência a  taxa de acumulação pequena e volume de lucros baixo. O Estado surge como figura central nesse cenário, sendo um investidor para o desenvolvimento da burguesia. Segundo Celso Furtado, a burguesia industrial se desenvolveu após 1930 porque o Estado tomou poder dos investimentos e com medidas com combate a crise do café e substituição de importação trouxe desenvolvimento com industrialização. E é justamente essa visão de um Governo Vargas, pós-30, chefe de um Estado provedor da industrialização que Boris Fausto busca contestar no fim do capítulo. E para isso ele trás algumas ações do Governo Vargas que prejudicou os industriais como o acordo assinado por Osvaldo Aranha com os EUA, em 1935, que abria espaço para a exportação do café brasileiro mas ao mesmo tempo reduzia as taxas de importação de vários produtos manufaturas que já eram produzidos no país. Concorrendo com a indústria norte-americana, era óbvio que os industriais nacionais se postaram contrários a essa política. Porém, apesar dessas políticas o Governo pós-30 não foi totalmente contrário a burguesia industrial. Além de obter postos de importância como a presidência do Banco do Brasil, esses setores viram uma restrição das importações em alguns setores como o agro-industrial e extrativa. Um decreto obrigou a Lloyd Brasileiro e a E. F. Central do Brasil a comprarem carvão nacional. Além disso, todo importador deveria adquirir produto nacional somado em 10% do que importou, porcentagem aumentada para 20% após 1937. A proibição das exportações de ferro, metais favoreceu a indústria metalúrgica. Incetivos diversos foram dados a outros setores como o da carne. 

Para Boris, essas medidas esparsas apesar de beneficiar setores importantes e relevantes da burguesia industrial, não representava necessariamente um política de industrialização com modificações estruturais em nossa economia. Logo, "os primeiros anos posteriores a 1930 se caracterizavam pela atenção dada às diversas frações burguesas e não uma ação efetiva do Estado" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 50). Com isso, Boris Fausto conclui que a Revolução de 30 (seja vista como uma "revolução do alto" ou realizada por fração de classe) não constituiu uma dominação política pela burguesia industrial.

Capítulo 02 - Revolução de 1930 e Classes Médias

Boris Fausto divide esse segundo capítulo em 04 pontos, são eles: 1) Historiografia; 2) As Classes Médias na Década de Vinte; 3) Classes Médias e Tenentismo; 4) Autonomia Política e Classes Médias. Na primeira parte, chamada de Historiografia, Boris faz um breve resumo sobre as interpretações diversas que existem sobre a Revolução de 30. O historiador Virgínio Santa Rosa, com sua obra "O Sentido do Tenentismo", funda a ideia de que essa revolução foi uma "revolução das classes médias". Para ele, a Primeira República (1889-1930) tem como principal antagonismo a burguesia nacional de um lado (industriais, latifundiários, grandes comerciantes etc) e a pequena-burguesia do outro (funcionários públicos, empregados do comércio, proletariado, campesinato etc). Dito isso, ele acreditava que "o choque de forças sociais seria redutível a uma oposição entre as classes médias urbanas, com insuficiente consciência política, e as oligarquias, que só pôde evoluir para a crise revolucionária de 1930, pela cisão das oligarquias e pelo fato das classes médias terem encontrado uma expressão política no movimento tenentista" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 51). As interpretações de Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe, vistas por Boris como semelhantes, também são expostas no texto. O primeiro ao utilizar o conceito de classe social, faz com base no nível de conhecimento/especialização que têm o indivíduo. Para ele, a classe média foi representada pelos governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, estando também presentes em figuras como Rui Barbosa (que foi Ministro da Fazenda) e da Campanha Civilista de 1910. Após a fundação da chamada República do Café com Leite, as classes médias perdem espaço e se rebelam contra as oligarquias dominantes a partir das revoltas militares que tem início em 1922 desembocando na Coluna Prestes e em seguida na Revolução de 30. Ainda para Guerreiro Ramos, o fato da proposta política das classes médias ter forte cunho reformista focando apenas numa reforma das instituições, facilitou seu acesso ao poder e fez com que ela pactuasse um acordo com a burguesia agrária e industrial, cujo resultado é o golpe de 1937. Já Jaguaribe, enfatiza o caráter limitado da Revolução de 30 levada a cabo pelas classes médias. Seu espírito conservador fez com que o processo revolucionário fosse bem menor do que poderia ser, fundando um Estado cartorial que não investiu pesado na industrialização do país. Porém, tanto em Guerreiro quanto em Jaguaribe temos "presente a noção  de que a Revolução de 30 foi realizada pelas classes médias; a identidade entre classes médias e tenentismo; a distinção entre revolução efetuada por uma classe e seu posterior ascenso ao poder, em caráter não exclusivo" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 52).

Encerrando essa primeira parte, Boris trás a visão do sociólogo argentino José Nun que em seus trabalhos investiga intervenções militares na América Latina e os interesses das classes médias da região. Para Nun, as Forças Armadas é uma instituição onde as classes médias domina. Ela representa a tal proteção de um grupo social não-burguês que a burguesia necessita para dominar. São através das Forças Armadas que as classes médias são enxergadas pelas oligarquias e é também através delas que as classes médias se contrapõe a radicalização política levada a cabo pelas classes populares. Sendo um estrato protetor das classes médias, "o Exército permitiu a Vargas chegar à presidência em 1930 como representante da classe média; foi ele quem levou a seguir esta classe ao governo, com o golpe de Estado de 1937; mas em outubro de 1945 e agosto de 1954 o Exército exprimiu os temores desta mesma classe média diante do caráter mais popular de que se revestia pouco a pouco o regime" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 53).

Em As Classes Médias na Década de Vinte, Boris faz um panorama geral quantitativo sobre as classes médias que para ele estão vinculadas ao meio urbano. Seu recorte é simples, "o conceito é sinônimo aqui de população civil urbana, que trabalha por conta própria ou que recebe salários por trabalho não-manual, abrangendo os pequenos empresários e comerciantes, funcionários públicos, empregados no comércio, profissionais liberais" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 54). Passado uma rápida análise quantitativa, mostrando população do país em 1920 nas capitais e sua devida distribuição profissional (onde apenas 30% tinha profissão definida); Boris pula para a terceira parte do capítulo intitulada Classes Médias e Tenentismo onde procura fazer uma análise qualitativa das classes médias. De imediato ele admite a dificuldade em traçar uma linha geral do posicionamento político das classes médias, pois sua principal característica é sua heterogeneidade enquanto grupo social. Porém, quando falamos do Brasil dos anos 20 e 30, é impossível não concordar com a ligação entre as classes médias e o movimento tenentismo que desde 1922 vinha se rebelando contra as oligarquias que dominavam o cenário político na República do Café com Leite. Entendendo o importante papel desses "tenentes" no processo revolucionário, Boris procura fazer uma análise do movimento tenentista pré e pós 1930 ao mesmo tempo que pincela sobre a íntima ligação entre o movimento e as classes médias. Dessa divisão pré e pós 1930 do movimento tenentista, temos:
  • O Tenentismo enquanto movimento de rebeldia - a primeira pergunta que norteia Boris na análise pré 1930 do movimento tenentista é a seguinte: até que ponto é possível definir o tenentismo da década de vinte como núcleo organizatório das classes médias? Boris define o movimento tenentista como, em linhas gerais, difuso ideologicamente predominando um teor reformista e autoritário entre suas principais figuras. Se inicia nos meios militares e até a Revolução de 30, apresenta uma postura de isolamento mantendo assim uma distância da sociedade civil. É apenas no estado do Rio Grande do Sul que o movimento ganha um alcance mais popular. Os "tenentes" se enxergam como salvadores da nação e se colocam como representantes de um povo inerte a fim de purificar as instituições republicanas no país. Um grande exemplo do isolamento do movimento tenentista é a Revolução de 1924 em São Paulo. Quatro dias após sua eclosão, escreve o jornal Estado de São Paulo sobre o ocorrido, "há 05 dias que a população de São Paulo, completamente isolada do mundo, assiste perplexa a verdadeiros combates em vários bairros da Capital, nos quais entram em ação o fuzil, a metralhadora e o canhão. Nada se pôde ainda apurar acerca das origens e dos fins do movimento militar que põe em justa inquietação toda a cidade" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 58). No parlamento, o discurso do senador paulista Alfredo Ellis é transposto no texto e nele percebemos o completo desconhecimento que o mundo político tinha dos "tenentes" rebeldes. A partir de 1924, o movimento começa a se relacionar com outros setores da sociedade. Seja em São Paulo com o diálogo com a Liga Nacionalista, seja no Rio Grande do Sul com civis ligados a caudilhos. Mas foi a partir da Coluna Prestes (junção dos rebeldes paulistas com os gaúchos), em abril de 1925, que o movimento começa a ter grande repercussão na vida política nacional. Os "tenentes" passam a percorrer o país, principalmente o campo brasileiro, se relacionando com o submundo que se tinha escondido do Brasil. Apesar disso, "a Coluna não logrou estabelecer vínculos com as massas rurais, nem se propunha a isto. A marcha se destinava a "manter vivo o facho da revolução", isto é, visava a realizar um protesto heróico, com os olhos voltados para o meio de onde provinha - os centros urbanos" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 61). Fausto adverte que apesar da eclosão e repercussão da Coluna Prestes, houve certo distanciamento entre o movimento e setores civis. Isso era consequência do uso da violência por parte dos "tenentes", quebrando a lógica do jogo político vigente. Essa visão afastada só teria fim na conjuntura de 1929/1930 quando finalmente os oligarcas dissidentes deixam a desconfiança de lado. Apesar disso, podemos concluir que o movimento tinha um considerável apoio popular. Logo, "o prestígio do movimento não advém de sua relativa autonomia em face das demais forças sociais, mas sim do fato de ser visto como braço armado da dissidência civil" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 63). Mas era o tenentismo dos anos 20 um movimento ideológico das classes médias? Antes de afirmar qualquer coisa, Boris adverte ser necessário analisar a casca ideológica do tenentismo e das classes médias para daí concluir se existe uma ligação ou não. Sobre a casca ideológica do movimento tenentista, Boris enxerga como uma crítica pobre da República Velha e que foca numa superficial crítica jurídico-política das instituições. Essa pobre crítica, é fundamentada em três bases ideológicas que Boris define como: forte propensão a um centralismo político, "elitismo" e um vago nacionalismo. Essas três bases são explicadas de forma detalhada por Boris. A descentralização política foi defendida por importantes figuras do tenentismo como Juarez Távora que enxergava nesse "liberalismo excessivo" um divórcio das nossas peculiaridades culturais. Esse unitarismo reclama uma uniformidade nas instituições, junto a uma revisão constitucional. Essa última, "fixaria o princípio pelo qual as Constituições estaduais seriam modeladas pela federal, poderia fim à dualidade de magistraturas, unificaria a legislação processual, o ensino, o regime eleitoral e tributário"  (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 64).  Mas reforçar a unidade não significa dar poderes excessivos ao Executivo, pelo contrário, "acentua-se a necessidade de restaurar o equilíbrio entre os três poderes, admitindo-se a hipótese de uma predominância do Judiciário, cuja independência seria assegurada pelo auto-renovação dos quadros" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 65). A centralização vem dar exercício ao Judiciário, pensado como o poder mais afastado dos políticos e por isso mesmo árbitro na eclosão de possíveis desequilíbrios. A segunda base, o elitismo, se configura mais como uma estratégia dos tenentistas que se mantém afastados da sociedade civil e principalmente das classes populares. Busca-se evitar excessos dessas classes populares no processo de derrubada das oligarquias dominantes. Alguns revolucionários como Nunes de Carvalho chega a defender voto censitário e indireto. Por fim, temos o vago nacionalismo dos "tenentes" que está presente em diversos momentos durante os anos 20. Juarez Távora ao criticar uma missão econômica britânica e líderes tenentistas no Amazonas nacionalizando um matadouro que tinha como proprietário um inglês são exemplos disto. Porém, esse vago nacionalismo não tomava forma de um programa político definido e delineado. Boris conclui afirmando ser problemático colar essas três bases ideológicas descritas acima (centralização política, "elitismo" e vago nacionalismo) as classes médias urbanas. Pois se é um fato que pautas como voto direto, voto secreto e nacionalismo difuso pode manter uma ligação entre movimento tenentista e classes médias, de outro outro, vale destacar que os setores majoritários dessas classes tem a democracia liberal como horizonte político e essa está atrelada aos interesses ideológicos dos setores agrários dominantes. Isso fica claro após a Revolução de 30 quando a classe média paulista se organiza em torno da chamada Revolução Constitucionalista de 1932. Enquanto a maioria está ligada ideologicamente aos setores dominantes, a minoria acaba se radicalizando após o processo revolucionário caminhando para a Aliança Nacional Libertadora (ANL) de Luis Carlos Prestes ou para a Ação Integralista (AI) de Plínio Salgado;
  • Os tenentes no governo - ao analisar o movimento tenentista pós-1930, Boris usa a ideia de "classe apoio" de Karl Marx no "18 Brumário de Luis Bonaparte" para dizer que as classes médias contribuíram com o processo revolucionário, porém, não ocuparam o Estado de forma hegemônica após o acontecimento. No poder, os "tenentes" ocuparam cargos administrativos de grande importância, mas junto com Getúlio Vargas não lideraram mudanças significativas na estrutura sócio-econômica do país. Existe também um desacordo dentro do movimento, uma falta de norte ideológico que é perfeitamente exemplificada por Boris Fausto na disputa entre os revolucionários João Alberto e Miguel Costa pela interventoria do estado de São Paulo. Enquanto o primeiro busca um diálogo com o PRP e o PD, ligados com os interesses cafeeiros, o segundo busca um diálogo com os movimentos sociais lembrando o embrião do que Boris chama de Populismo. No Nordeste, mais confusão. Juracy Magalhães na Bahia oscila entre acordos com as oligarquias e tímidas reformas. Hercolino Cascardo se demite da interventoria do Rio Grande do Norte por ser acusado de querer impor uma socialização integral. Carneiro de Mendonça no Ceará se demite por recusar diálogo com as velhas oligarquias. E "sem base popular, destituído de maior coesão, atingido nos setores em que poderia encontrar apoio, o tenentismo desaparece como força autônoma. Individualmente, com raras exceções, os "tenentes" são atraídos para a órbita do Poder Central - onde sua ação e sua influência ideológica têm um papel significativo mas subordinado - ou se dividem entre organizações situadas politicamente em posições opostas, como é o caso da Aliança Nacional Libertadora e da Ação Integralista"  (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 73). O tenentismo não teve forças para ser uma ferramente política das classes médias após a Revolução de 30. Seria essa crise do tenentismo um traço da própria incapacidade política das classes médias em se organizar politicamente? Essa tese não se sustenta para Boris e ele cita como exemplo o abandono da classe média paulista do tenentismo, assim que eclode o movimento regionalista de 1932, ficando esses grupos sociais ao lado do Partido Democrático (PD). Logo, "as evidências vão no sentido de que o tenentismo não foi um movimento organizador das classes médias, nem o seu representante peculiar, nas condições específicas de desorganização destas classes. No entanto, as relações entre ambos não estão de todo ausentes" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 75). O tenentismo para Boris Fausto é um movimento difuso que surge como crítico da dominação política das oligarquias cafeeiras, propondo para o país um conjunto de reformas jurídicas-administrativas tímidas em sua essência. A expressão política mais ousada do tenentismo surge com um programa "nacional-burguês" realizado pelo "Clube 3 de Outubro" em fevereiro de 1932. O documento conciliava nacionalismo com atendimento a direitos sociais básicos. A ideia de planejamento econômico e Economia Nacional, surgem assim como a proposta de nacionalização das minas, vias de transporte, vias de comunicação e desenvolvimento de uma indústria siderúrgica. As concessões que o Poder Público ofertava também estava no documento, apontando para uma revisão dessas e o cancelamento de concessões que afetem os interesses nacionais. A conciliação entre capital-trabalho é vista no documento quando o mesmo propõe salário mínimo, direito a greve, seguro social e até participação dos operários nos lucros das empresas. Por fim, um quadro estável de funcionários públicos é proposta presente no documento que é visto por Boris como "uma antecipação ao desenvolvimentos pequeno-burguês dos anos 50, vinculado aos grupos técnicos das classes médias" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p.78). Na prática do movimento, enxergamos alguns pontos desse documento. Entre algumas ações temos a crítica de Juarez Távora as concessões dadas a Itabira Iron, pedindo anulação das mesmas pela força; uma comissão designada a estudar a siderurgia no país e a consequente defesa do monopólio estatal na exportação do minério de ferro e manganês; e críticas do Clube 3 de Outubro a José Américo, acusado de defender os interesses da Itabira Iron. Por fim, Boris afirma que "a aproximação mais segura entre a categoria social e a corrente deriva do fato de que um setor do movimento, detendo alguns postos na direção do Estado, propõe-se a realizar um programa de reformas, pequeno-burguês em essência, embora com escassa correspondência na pequena-burguesia do tempo" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 82). E conclui afirmando que essa ligação entre movimento tenentista e classes médias não é determinante para taxar a Revolução de 30 como acontecimento político que ascendeu essas classes ao poder, sendo os "tenentes" seus representantes. 
Na última parte do capítulo, chamada Autonomia Política e Classes Médias, Boris atesta ser impossível reconhecer a participação das classes médias tanto na campanha da Aliança Liberal quanto na Revolução de 30. E, por conta do não apoio da burguesia industrial ao processo revolucionário, seria impossível esse acontecimento sem o envolvimento maciço desses grupos sociais médios tendo em vista a tímida ou quase inexistente participação do proletariado nessa conjuntura. O que Boris procura problematizar nessa última parte do texto e - influenciado pelas ideias de Francisco Weffort - é entender até que ponto as classes médias tem autonomia política tendo em vista sua dependência ideológica dos setores agrário-exportadores. Sabe-se que o proletariado, fortemente influenciado pelo Anarquismo nos anos 20, se encontra afastado da pequena-burguesia e do seu vago nacionalismo. Na direita, as críticas anti-liberais e conservadoras de Oliveira Viana e Gilberto Amado não ganham maiores repercussões nas classes médias. Logo, a crítica da pequena-burguesia ao domínio das oligarquias não poderia ser outra coisa senão reformista e limitada. Buscam a plena realização da democracia liberal com uma reforma das instituições, através do voto secreto, independência das magistraturas etc. Tudo isso sem tocar no setor produtivo agrário-exportador. Logo, a Revolução de 30 não pode ser entendida e nem seria realizada sem o envolvimento das classes médias. Entretanto, não se configura para Boris uma revolução dessas classes, seja ao tratá-las como o setor dominante no processo revolucionário, seja ao tratá-las como o setor que mais se beneficiou do processo. Isso não elimina que certas ações do Governo Vargas tenha beneficiado as classes médias como um maior intervencionismo estatal que possibilitou não só oportunidades para o grupo social como a formação de novos segmentos em seu interior. Em resumo, "a pequena-burguesia brasileiro da década de vinte é uma força subordinada. Seu inconformismo para com a prática oligárquica se adapta às cisões da classe dominante, funcionando como "base de massa" de tais cisões. Isto é tanto mais simples quanto se trata de contar com a mobilização de uma categoria social cuja contestação não vai além das fronteiras que o sistema legitima" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 84).

Capítulo 03 - A "Derrubada" das Oligarquias

Boris inicia o último capítulo buscando desmistificar a tese dualista que ele criticou no início do livro. Afirma que a Revolução de 30 não trouxe mudanças profundas no seio da sociedade brasileira, não modificou suas relações de produção (a propriedade agrária e de cunho exportador permaneceu intacta) e a crise da burguesia cafeeira não significou a ocupação de outra classe social na gerência do poder. Ela permaneceu tendo influência, porém, dividindo sua hegemonia com outras frações da classe dominante.

Buscando mostrar as deficiências da tese dualista, Boris afirma ser impossível dissociar o (sub)desenvolvimento capitalista da América Latina com a expansão do capitalismo europeu a partir do Século XVI. No Brasil, nosso desenvolvimento capitalista foi baseado numa economia agro-exportadora em total sincronia com os interesses europeus. Nosso primeiro ciclo de exportação foi no Nordeste (açúcar), depois em Minas Gerais (ouro) e por último no Centro-Sul (café). Para o autor, "as regiões onde predominam o atraso ou as "relações semifeudais" são em geral áreas que ganharam impulso e foram posteriormente marginalizadas, em função das necessidades das metrópoles; suas relações com os núcleos modernos ou capitalistas não são de oposição, mas de complementariedade" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 86). Tentando provar essa complementariedade, Fausto cita alguns exemplos como o fornecimento de mão-de-obra barata que as regiões menos desenvolvidas oferecem as mais desenvolvidas, além de serem consumidoras das mercadorias produzidas pelas regiões mais adiantadas. No mais, as desigualdades regionais estão presentes até nos países capitalistas desenvolvidos. Apesar de ser verdade que sob o subdesenvolvimento essas desigualdades são aguçadas, ocorrendo um desnível tanto no plano externo (metrópole-periferia) quanto no plano interno (regiões dominantes e dominadas).

No que tange o conceito de "semi-feudalidade", Fausto utiliza Caio Prado Júnior e Andrew Gunder Frank para refutá-la. Para eles, seja sob o plantation assentado no trabalho escravo, seja pela fazenda assentada no trabalho livre; a produção é voltada para o mercado externo e por isso é uma lógica totalmente diversa do feudo europeu que tinha como foco a subsistência. Além disso, "ao contrário do que sucedia na economia camponesa feudal européia, onde o camponês detinha as condições gerais da produção e se subordinava por laços pessoais ao senhor, o empresário (arrendatário ou não) controla a terra, os instrumentos de trabalho, compra ou aluga força de trabalho" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 87). Logo, a essência agrário-exportadora, o monopólio da terra e as desigualdades regionais nada tem a ver com o conceito de "semi-feudalidade", mais sim estaria ligado a ideia de "desenvolvimento do subdesenvolvimento" deixando nítido a ligação e subjugação as metrópoles.

A pergunta que Boris deixa no ar é: até que ponto os ditos "traços remanescentes da escravidão" são meros resíduos ou realmente representam uma importante contradição interna do sistema? De imediato, ele responde comparando a formação da burguesia açucareira com a cafeeira. Enquanto a primeira teve que se relacionar com a monopolização do comércio por Portugal, a segunda teve um caminho bem mais livre o que possibilitou uma maior interferência na política financeira e econômica do país. A Constituição de 1891, republicana, garante o poderio da burguesia cafeeira que logo é representado pela República do Café com Leite. A hegemonia dos cafeicultores paulistas era tão grande que as disputas políticas entre as oligarquias se davam mais a nível estadual, pois a nível nacional existia uma certa unidade em torno do projeto de poder. 

Após esse rápido apanhado, Boris inicia a primeira parte de último capítulo, debatendo a conjuntura política dos anos 20. Para ele, a República Velha começa a dar sinais de desgaste a partir dos anos 20 quando a classe média - através das revoltas tenentistas - começa a contestar o domínio da oligarquia cafeeira. Citado pelo autor, Francisco Weffort enxerga que uma crise de cunho político antecipou a crise econômica que só viria entre os anos de 1929-1930. E essa crise política se dava pela intransigência das oligarquias dominantes em abrir espaço para grupos sociais formados por sua própria expansão, caso das classes médias urbanas. A crise econômica começa a dar traços de existência a partir da Primeira Guerra Mundial, quando o país dependente de um único produto exportador começa a enfrentar uma geopolítica onde o protecionismo econômica ganha força. Com o aumento da concorrência e o protecionismo crescente, a política econômica que perdura durante a República Velha tem um colapso através de uma superprodução e consequente aumento do custo de vida que entre o período de 1914-1930 cresceu em 17%. Frente a isso, as oligarquias dissidentes não apresenta uma alternativa política que modifique a essência dessa lógica, caindo nas trocas de favores com os setores dominantes que é explicitada por Boris na boa relação entre Washington Luís e os dirigentes gaúchos. Em entrevista ao jornal Correio do Povo de Porto Alegre, cita Boris, Vargas reforça a importância do café brasileiro sendo tratada por ele como "linha mestra de nossa economia". E Antônio Carlos, chefe político da oligarquia mineira, chega a afirmar que jamais Vargas (então candidato pela Aliança Liberal) abandonaria a política econômica que defende os preços do café.

Apesar desse namoro entre as oligarquias dominantes e dissidentes, sendo essas fazendo uma oposição dentro do sistema e buscando apenas pressionar a burguesia cafeeira com o intuito de obter mais espaço, o cenário pré-revolução tinha um toque diferente pois dentro dessa oposição tinha-se "quadros jovens" (Virgílio de Melo Franco, José Américo, Osvaldo Aranha, Batista Luzardo etc) que, sem diferenças ideológicas essenciais com os velhos oligarcas, deles se distanciavam por uma disposição de alcançar o poder pelo caminho das armas, se necessário. Além da existência destes quadros, a possibilidade de contar com a articulação dos "tenentes" e o apoio das classes médias eram os elementos capazes de alterar os dados de uma tranquila sucessão" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 97). Em meio a essa conjuntura, estoura a chamada Crise de 29 onde, se não foi o impulso que produziu a revolução, ao menos serviu para distanciar a burguesia cafeeira da classe política. Washington Luís, buscando manter sua política de estabilidade cambial, resolve manter os bons índices de vendas no exterior a base da redução dos preços. Isso acaba gerando um desconforto entre os cafeicultores que chegaram a realizar, em dezembro de 1929, um Congresso de Lavradores com o intuito de discutir tal política. É desse congresso que Alfredo Pujol, então representante da Sociedade Paulista de Agricultura, diz a célebre frase: "O lema é a lavoura, hoje, com o governo. E, se não formos atendidos, amanhã será a lavoura sem o governo. E, depois, a lavoura contra o governo". Mesmo não tendo se aliado em massa com os opositores, fica claro a inércia da burguesia cafeeira frente a Revolução de 30. Essa inércia, em consequência da política econômica de Washington Luís, gerando a Revolução de 30 atesta uma tendência da América Latina que passou por diversos movimento militares (Argentina em 1930, Chile em 1932 etc) contestatórios. Na essência desses movimentos, Boris atesta "o desajuste provocado, nos países dependentes, pela crise mundial que atinge os preços dos produtos de exportação e impõe um novo arranjo interno, nas condições específicas de cada país" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 101).

É dessa conjuntura nacional, continental e internacional que eclode a Revolução de 30. Como destaca Boris, o movimento foi obra da ação de quadros jovens (Virgílio de Melo Franco, Osvaldo Aranha, João Neves da Fontoura) pois os representantes oficiais das oligarquias dissidentes como o gaúcho Borges de Medeiros já dava como encerrada e vitória de Júlio Prestes chegando a enaltecer a vitória por grande diferença para que se evitassem discussões sobre a legitimidade do processo eleitoral. É existente a participação de oligarquias dissidentes como a mineira, a gaúcha e a paraibana mas a adesão de importantes setores militares é primordial para a vitória da revolução por meio das armas sem se entregar ao respeito da institucionalidade. A base social dessa revolução era "representada por todas as forças regiões em dissidência e pelas classes médias dos grandes centros urbanos. O proletariado tem no episódio revolucionário uma "presença difusa" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 102). Essa "presença difusa", seria a não participação do proletariado enquanto classe. Ou seja, uma ação coletiva de indivíduos que não exercem apenas uma tarefa semelhante no processo produtivo como também é dotada de objetivos políticos definidos oriundo de uma consciência ideológica clara. Apesar disso, o autor afirma a simpatia da massa operária ao movimento que pode ser vista em manifestações de rua. No meio militar, importante setor para o êxito da revolução, os altos escalões encontravam-se divididos. E até entre os simpatizantes dos oposicionistas, só houve uma ação quando o processo já se caminhava para o fim. Os "tenentes" é que foram as figuras centrais do movimento e nomes como Eurico Gaspar Dutra e Goés Monteiro são citados pelo autor, além de militares que tinham sido afastados do Exército por se rebelarem em anos anteriores. Na classe dominante, as disputas ocorrem mais em âmbito regional, pois a tal oposição burguesia agrária x burguesia industrial não se evidencia durante o processo tendo grandes figuras da indústria nacional (e que após 1930 ocupariam importantes cargos em órgãos representativos da indústria) como Roberto Simonsen e João Daudt de Oliveira posições diferenciadas durante o acontecimento.

Encerrando o capítulo com O Estado de Compromisso, Boris Fausto busca realizar um balanço histórico sobre o que significou a Revolução de 30. Primeiro deixa claro que, como consequência do processo revolucionário, não tivemos uma classe social hegemônica no poder após o acontecimento. Isso porque, e se baseando em Weffort, a classe média não tinha organização suficiente para se tornar hegemônica; a burguesia cafeeira tem sua força reduzida não só pelo processo revolucionário como também pela Crise de 29 e outros setores agrários não conseguem ter força suficiente pois se encontram em atividades mais voltadas ao mercado interno e por isso com menos capital econômico. Logo, o que ocorre após outubro de 30 é um acordo nacional que "se dá entre as várias frações da burguesia; as classes médias - ou pelo menos parte delas - assumem maior peso, favorecidas pelo crescimento do aparelho do Estado, mantendo entretanto uma posição subordinada" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 104). À margem desse acordo fica a classe operária, participante difuso do episódio revolucionário. A relação entre Vargas e a burguesia cafeeira não é uma das melhores, tendo essa se afastado do Poder Central principalmente após o governo revolucionário ter tirado a administração do café das mãos do estado ao substituir as funções do Instituto do Café do Estado de São Paulo pelo Conselho Nacional do Café (1931) e em seguida o Departamento Nacional do Café (1933). Apesar disso o café permanece sendo o principal produto exportador do Brasil, tendo entre 1931 a 1934 um valor de exportação que girava entre os 60% e 70%, vindo a reduzir a partir de 1935 não pela redução da produção mas pela perda de mercado em decorrência de uma política que defendia os preços do produto. Além disso, "os incentivos à diversificação da produção, como resposta à difícil situação econômica, ao mesmo tempo que acolhem as reivindicações das classes dominantes desvinculadas do núcleo cafeeiro e possibilitam uma saída para a própria agricultura paulista, não correspondem a uma identificação política imediata do governo com estas classes" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 106).

Para Boris, as Forças Armadas exercem no período um papel chave ao unificar as várias frações da classe dominante sustentando esse Estado de Compromisso instaurado pós-1930. Buscando homogeneizar o ambiente militar, o tenentismo foi sufocado enquanto movimento autônomo e suas correntes mais radicais como os ligados a Prestes e o Clube 3 de Outubro acabaram sendo duramente combatidos, tarefa então dada a Goés Monteiro. No mais, esse novo Estado de Compromisso permanecia reprimindo e desarticulando os movimentos operários, apesar de se tornar mais sensível com as pautas da classe. O Governo Vargas passava a tratar a questão social com mais atenção, criando em novembro de 1930 o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Segundo Fausto, a simples repressão e tratamento policial a questão social era substituída pelo "reconhecimento da existência da classe e visava a controlá-la com os instrumentos da representação profissional, dos sindicatos oficiais, apolíticos e numericamente restritos" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 108). A cooptação dos operários começa com a chamada "Lei de Nacionalização do Trabalho" de dezembro de 1930 que estabelecia a obrigatoriedade de dois terços de brasileiros nas empresas, limitando a entrada de estrangeiros no país. Para o recém formado Governo Vargas, o operário vindo do campo na crescente migração interna era o alvo a ser cooptado, pois ainda não estava contaminado pela ideologia anarquista ou marxista que estava mergulhado os trabalhadores de origem estrangeira.

Dentro do Estado é possível reconhecer modificações após-1930, tendo ele tomado uma forma mais centralizadora ampliando seu intervencionismo na economia e promovendo uma situação nova no país que era a nacionalização de recursos naturais que são vistas no Código de Minas e das Águas. Essa centralização só é possível graça a política de interventores federais nos estados, nomeados diretamente por Vargas, limitando a ação dos oligarcas em âmbito estadual pois no nacional encontravam-se subordinadas ao Poder Central. Diante problemas econômicos graves e uma situação geopolítica diferente, o Estado brasileiro mantinha o poder das velhas oligarquias, mas sob nova forma pois a antiga predominante durante a República Velha não mais se sustentava. Para Boris, existe um abandono dos ideais liberais dos que lideraram a Revolução de 30, muito por conta da simpatia pelo Fascismo que afetou a classe dominante brasileira nos anos 20. A inclinação para o autoritarismo, representada pela Constituição de 1934, é uma prova dessa tendência, segundo o autor.

É destacado por Boris uma frase, ainda que sem fonte documental ou datando e localizando o discurso, dita por Getúlio Vargas num discurso antes da Revolução de 30 onde ele não só elogia o Fascismo o denominando como "renovação criadora" para a Itália como destaca que sua prática política enquanto governador do Rio Grande do Sul teve forte influência desta ideologia. Em seguida - e aí, mesmo sem fonte documental, mas datando e localizando o discurso - Boris trás mais um discurso de Vargas, agora na Paraíba e em setembro de 1933, em que ele destaca a importância de construir um "governo de autoridade" com centralidade e intervenção do Estado sendo uma alternativa a "decadência da democracia liberal". Em seguida, uma fala do Goés Monteiro é citada (com fontes, no caso, o Diário Nacional de 11/08/1929) em que esse defende um "Fascismo nacionalista" que não seria uma simples imitação do fascismo italiano, mas que seguiria seu princípio de fortalecimento do Estado. No mais, ele encerra o capítulo afirmando que a ligação entre o desenvolvimento industrial brasileiro e Revolução de 30 não é uma tese totalmente errada. Pois, apesar dessa revolução não ter sido fruto da tese dualista que coloca uma burguesia agrária em confronto com outra de cunho industrial, as conexões acabam ocorrendo de forma indireta pois a nova forma dada pelo Estado (centralizado e intervencionista) acaba sendo "uma condição básica para a expansão das atividades industriais, mesmo quando deformada e submetida ao capital externo" (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 111). Um desenvolvimento autônomo só foi possível quando setores da classe média, chegassem ao poder e a revelia da burguesia nacional acabasse pondo em prática medidas importantes como a futura criação da Petrobrás e Eletrobrás. Tudo isso, sob pressão de movimentos populares.

Conclusão - Destacaremos algumas conclusões do historiador paulista Boris Fausto sobre o episódio revolucionário de 1930, como:
  • A Revolução de 30 põe um fim a hegemonia da burguesia cafeeira, ligada principalmente ao estado de São Paulo, expressando uma necessidade de reajustamento interno do Brasil frente a nova composição internacional. Era, então, inviável manter uma estrutura que focava na exportação de um único gênero agrícola; 
  • A Revolução de 30, vista como oposição ao domínio exercido pelos cafeicultores, não tem origem na tese dualista que enxerga um antagonismo entre burguesia agrária x burguesia industrial onde a primeira está interessada na exportação e a última no mercado interno. Pelo contrário, existe é uma complementariedade entre esses dois setores da classe dominante. E, mesmo após o episódio revolucionário, o setor industrial não se torna hegemonia no poder, seja pela forma direta (através de uma revolução sua) ou de uma forma indireta numa "revolução do alto", promovida pelo Estado;
  • A burguesia cafeeira, ao longo da Primeira República, é a única classe social organizada que consegue não só a hegemonia no poder do Estado como também uma unificação do país em torno dos seus interesses. Não emerge daí, nenhuma outra classe social capaz de contrapor seu domínio, sendo as disputas entre as oligarquias limitadas a nível estadual;
  • O Movimento Tenentista, iniciado a partir de julho de 1922, aglutina o ataque mais forte a burguesia do café durante a República Velha. Porém, o movimento não pode ser resumido como um protesto das classes médias. E, apesar de sua contestação tímida ao propor uma reforma jurídico-institucional a fim de reformar as instituições, o movimento acaba rompendo com as regras do jogo ao propor a chegada ao poder até pelo meio das armas se assim fosse necessário. 
  • O que resulta o fim da República Velha são os desgastes durante toda a década de 20 - através das revoltas tenentistas -, a insistência de Washington Luís em insistir na candidatura de Júlio Prestes e toda a crise econômica gerada pela Crise de 29. Dessas causas, surge uma oposição heterogênea entre 1929-1930 composta pelas classes médias urbanas, setores militares (incluindo altos escalões) e as oligarquias dissidentes;
  • Vitoriosa a Revolução de 30, temos um vazio no poder por conta do enfraquecimento da burguesia cafeeira acumulado a incapacidade política que outros setores reuniam para assumir uma hegemonia. Por isso, surge um Estado de Compromisso onde a classe dominante e setores das classes médias dialogam, mantendo intacta a estrutura produtiva anterior. Principalmente, as relações de produção no campo; 
  • Um conjunto de acontecimentos como a Revolução de 1932, o declínio da autonomia do movimento tenentista, o crescimento da ANL e AI e a tentativa de tomada do poder por Prestes em 1935 faz o processo tomar outros rumos. A partir daí, a relação entre Estado e classe operária faz surgir o Populismo; a nova forma de Estado possibilita um desenvolvimento industrial no país e as Forças Armadas torna-se o sustentáculo do Estado ganhando autonomia em relação as outras instituições republicanas;
  • A partir de 1930 o Brasil entre no caminho de sua maioridade política que, segundo Boris Fausto, se manifesta na inseminação das grandes correntes ideológicas que dividiam a Europa. 
E, citando Tristão de Ataíde, encerra o livro da seguinte forma: "Em cinco anos de revolução, caminhamos mais, politicamente, que em meio século de xadrez liberal. Mas não no sentido da solução dos nossos problemas. Apenas no da fixação das forças em jogo, agora infinitamente mais consideráveis, poderosas, conscientes e unidas, que em 1930." (FAUSTO, Boris. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 114).

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