segunda-feira, 22 de julho de 2019

Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais



  • Sobre o autor: Howard Becker nasceu em Chicago, 1928. Graduado em Sociologia pela Universidade de Chicago em 1946, Becker se vincula ao que se chama de "Segunda Escola de Sociologia de Chicago", junto com sociólogos como Erving Goffman e Anselm Strauss. Considerado por muitos como interacionista simbólico, ele tem contribuições em subáreas do conhecimento sociológico como a Sociologia da Arte, da Música e do Desvio. Durante sua carreira acadêmica, trabalhou em várias universidades como: Universidade de Chicago, Universidade de Manchester e Universidade de Washington onde se aposentou em 1999. Entre suas principais obras, temos: a) Outsides: estudos da Sociologia do Desvio; b) Mundos da Arte; c) Escrevendo para cientistas sociais.


Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais - Howard Becker - Editora Hucitec 


01) Sobre Metodologia - Becker inicia o capítulo conceituando metodologia. Para ele, metodologia significa o estudo do método. Mas o que isso significa para a Sociologia? Afirma o autor: "Para os sociólogos, presume-se que seja estudar os métodos de fazer pesquisa sociológica, de analisar o que pode ser descoberto através delas e o grau de confiabilidade do conhecimento assim adquirido, e de tentar aperfeiçoar estes métodos através da investigação fundamentada e da crítica de suas propriedades" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 17). Logo a metodologia se basearia em três questionamentos: a) O que pode ser descoberto?; b) Qual o grau de confiabilidade?; c) É possível aperfeiçoar esse método?

Diante dessas perguntas, Becker acrescenta outra: estariam, os sociólogos responsáveis por ofertarem cursos de metodologia, tratando de forma adequada a complexidade que essa temática acarreta? A resposta para essa pergunta é não. E por quê? Para ele, os sociólogos responsáveis por esses cursos acabam priorizando uma forma dada de metodologia em contraposição a outras. Com as palavras do próprio autor, "acredito que eles não lidem com o espectro pleno de questões com que deveriam lidar. Em vez disso, eles tentam influenciar outros sociólogos para que adotem certos tipos de método; ao fazê-lo, deixam os praticantes de outros métodos sem o necessário aconselhamento metodológico e não conseguem fazer uma análise adequadamente plena dos métodos que eles de fato consideram" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 18).

A partir dessa visão mais geral do texto, o autor aprofunda dividi-o em três partes que serão abaixo brevemente resumidas. São elas: 01) Metodologia como uma especialidade proselitizante; 02) Modalidades de discurso metodológico; 03) Alguns problemas de método negligenciados.

Na primeira parte Becker vem denunciar uma espécie de "catequização" que vem ocorrendo quando o assunto é o estudo de metodologia em Sociologia. Lembrando que o recorte sócio-histórico do autor é nos EUA, país onde ele está inserido e que tem uma tradição sociológica relevante. Essa "espécie de catequização" que falo, é chamada por ele de "metodologia convencional". Sua prática se define pela transmissão oral de uma "maneira certa" se de pesquisar, dizendo descritivamente o que os sociólogos devem fazer e que tipos de métodos devem utilizar-se. E quais os tipos de métodos que essa metodologia convencional reproduz? Ela recomenda métodos baseados em modelos matemáticos e quantitativos.

Só esses métodos trariam a confiança necessária a uma pesquisa, "pois não se pode ter uma ciência quando se permite que proposições sejam feitas sem outra garantia que não a de que 'parece ser assim para mim'. Tais afirmações estão notoriamente sujeitas a todo tipo de influências estranhas, sobretudo à racionalização do desejo" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 19).

Sem querer limitar sua argumentação contra esse método convencional com base em prêmios conquistados, Becker faz uma reflexão trazendo o tipo de metodologia que seguiam os autores que à época ganhavam os principais prêmios da Sociologia Norte-Americana (prêmios Maclver, Sorokin e Mills). Segundo eles, a maioria dos vencedores desses prêmios não seguiam em suas produções teóricas a lógica da convencionalidade. Por fim, concluindo essa primeira parte do texto, Becker descreve três tipos de métodos secundarizados pelos metodólogos. São esses: a) Observação Participante; b) Análise Histórica; c) Costura e/ou junção de diversos tipos de pesquisa.

Na segunda parte do texto, Becker descreve dois modalidades de discursos sobre a metodologia. A primeira é o que ele chama de "descrição técnica", aquela que o texto propõe a criticar e que sua lógica já enunciamos anteriormente. Vamos as palavras do autor sobre essa modalidade:
A pura descrição técnica constitui-se na primeira e mais primitiva forma de texto metodológico em sociologia. Tais textos na verdade não são mais do que tratados sobre "como fazer", descrevendo o que homens práticos da nossa disciplina consideraram formais úteis de fazer pesquisa. Tais formas podem ser descritas de modo mais ou menos lógico, mas não surgem a partir de quaisquer análises particularmente profundas do problema em questão. O problema, ao contrário, tem sido visto como de ordem prática, algo em relação ao qual alguma coisa precisa ser feita para que a pesquisa possa ir adiante. O autor descreve algo que ele tentou e descobriu que "funciona", qualquer que seja o significado que a isto se atribua (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 23/24)
A outra modalidade de discurso metodológico é o analítico que "pressupõe, com efeito, que se um número significativo de sociólogo faz uma certa coisa de uma certa maneira, eles provavelmente chegaram, depois de cometerem erros, a um método essencialmente correto, o qual precisa ter a sua estrutura lógica desvendada agora. Ao desvendar esta estrutura, poderemos selecionar o que é logicamente inerente ao método e o que está vinculado a ele apenas por circunstâncias ou costume, e pode ser ignorado sem riscos ou, melhor ainda, ser feito de modo mais sensato e útil" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 25). Essa modalidade é a defendida por Becker e, como vemos, ela tem um teor mais crítico e maleável que a primeira. A metodologia nela não é vista de forma mecânica, mas sim como uma construção de idas e vindas, onde a lógica da "receita a ser seguida" é modificada pela constante revisão desse método ao ver o que dele é essencial ou não. Sendo assim, continua o autor:
De todo modo, a metodologia analítica caracteristicamente assume a forma de perguntar o que os sociólogos reais fazem quando pesquisam e depois tentam ver que conexão lógica pode ser estabelecida entre as várias etapas do processo de pesquisa. Ao perguntar por que as coisas são feitas de uma certa maneira, ela desenvolve uma descrição logicamente defensável do que antes talvez houvesse sido apenas uma coletânea de práticas costumeiras (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 25)
Além de descrever essas duas modalidades, defendendo a prática da segunda, Becker contesta a prática dos métodos quantitativos (chamados de surveys) que por vários problemas não devidamente analisados acabam reproduzindo problemas que afetam na confiabilidade das pesquisas. Um problema comentado pelo autor é o das possíveis fraudes que os aplicadores dos surveys podem cometer, pois em sua maioria não são profissionais especializados para tal tarefa. Contratado por organizações de pesquisam que produzem esses surveys, esses aplicadores buscam atingir as metas estabelecidas, manipulando seus trabalhos. Essa sacada foi feita por Julius Roth que é assim retratado por Becker:
Roth argumenta que estes entrevistadores que fazem a parte do trabalho "braçal" característico de "surveys" se comportam exatamente desta maneira. Eles não perdem nem ganham se o "survey" for menos preciso ou menos científico do que deveria ser; mas ganham se obtiverem o máximo de renda com o mínimo de trabalho. Eles ganham, além disso, quando de renda com o mínimo de trabalho. Eles ganham, além disso, quando evitam tarefas que lhes parecem, a despeito de qualquer fundamentação que tenha sido desenvolvida por seus superiores, tolas ou sem sentido. Deste modo, eles evitarão realizar entrevistas quando for difícil conseguir respondentes que concordem em ser entrevistados, quando as perguntas que eles fazem parecem não ter sentido, e assim por diante (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 29)
Roth ainda propõe meios de reduzir esses problemas, pensando na união entre as metas da organização que faz os surveys e a motivação desses trabalhadores, reduzindo assim a taxa de fraude. A situação da fraude em pesquisa quantitativas, faz Becker aprofundar os questionamentos com perguntas do tipo: como um sistema dito tão confiável acaba permitindo essas fraudes sem que na análise dos dados isso não seja verificável? Porque as organizações de pesquisa não reconhecem uma entrevista fraudada? Como podemos verificar, o problema citado acaba servindo de questionamento para os métodos que se diziam confiáveis e rígidos.

Por fim, Becker encerra o capítulo elencando alguns problemas relativos a métodos negligenciados. Para ele, existem poucos trabalhos que reflitam, por exemplo, o trabalho de campo na Sociologia. Enquanto isso, existem diversos artigos que analisam os métodos quantitativos, baseados em estatísticas e escalas. Como consequência disso, ele afirma:
Este é um desdobramento infeliz, pois tem frequentemente impedido que as pessoas com dom para o trabalho metodológico se concentrem em outros problemas cujas soluções são igualmente vitais para nosso empreendimento comum. Isso fortaleceu mais ainda a crença quase inconsciente da maioria dos sociólogos de que alguns problemas podem ser abordados de maneira "científica", enquanto outros problemas - não importa o quanto sejam importantes ou interessantes - devem ser ignorados por enquanto, até que criemos métodos suficientemente rigorosos, ou enfrentados de maneiras que se baseiam na intuição e outros dons que não podem ser transmitidos. Se não existe um conjunto estrito de regras e procedimentos aprovados, ou não faça o trabalho ou então qualquer coisa serve (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 33/34)
Partindo da constatação dessa negativa consequência, Becker lista cinco problemas que os metodólogos (aqueles que estudam metodologia) devem começar a se aprofundar a fim de uma melhora da pesquisa sociológica. Abaixo vai a lista:

  1. Inserção - Becker atenta a ausência de um debate sólido na Sociologia sobre as dificuldades que alguns sociólogos enfrentam em inserir-se em organizações e/ou grupos sociais, principalmente entre aqueles que adotam como método à observação participante. Nos últimos anos esse problema vinha sendo encontrado também nas pesquisas de tipo survey que começaram a enfrentar recusas individuais dos grupos mais agregados que se propunham a estudar. Perguntas de cunho pessoal, como relação com os pais, sexualidade e religiosidade fizeram conservadores contestarem pesquisas de survey, baseadas na aplicação de questionários. Dito isso, "Precisamos investigar estes casos nos quais o acesso foi conseguido facilmente e aqueles em que se provou difícil ou impossível. Precisamos saber que concepções os membros de organização têm sobre o trabalho dos cientistas sociais e seus efeitos, como a questão de permitir ou não que sejam realizadas investigações de ciências sociais está relacionada à distribuição de poder numa organização, e assim por diante. Podemos achar interessante também estimar o efeito - sobre as nossas teorias - do fato de que, de modo geral, estudamos apenas aquelas organizações que nos permitem acesso e não estudamos aquelas organizações que só podem ser estudadas quando recorremos a subterfúgios para nelas penetrar. Este erro - que muito adequadamente pode ser chamado de erro de amostragem - pode ter distorcido muitas de nossas teorias; por exemplo, pode ter contribuído para a predileção substancial dos cientistas sociais por teorias de consenso e não de conflito" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 36/37). O caminho proposto por Becker é a reunião de narrativas bem sucedidas e fracassadas para que se inicie um debate que desague numa formulação de uma nova visão sociológica sobre a relação pesquisador/sujeitos de estudo; 
  2. Prevenção de Erros - Aqui Becker contesta uma busca incessante que visa minimizar erros no desenvolvimentos de pesquisas, não aceitando o fato de que somos incapazes de aplicar regras precisas e automáticas;
  3. Escolha de Estruturações - O principal impasse aqui é responder a seguinte pergunta: que perspectiva teórica devo adotar no desenvolvimento da minha pesquisa? Existe uma gama de caminhos, correntes e/ou perspectivas onde (ao menos para Becker) nenhuma está errada ou correta. A escolha do que seguir fica hoje ao encargo da subjetividade do pesquisador, sendo necessário uma problematização do que influencia essas escolhas; 
  4. Pressupostos Ocultos - Becker trás à tona a ocultação de pesquisas mal sucedidas, tendo em vista que nenhuma delas acabam virando artigo. Para ele, a pesquisa com um resultado negativo tem tanto a nos ensinar quanto uma com resultado positivo; 
  5. Desenvolvimento de Hipóteses - Por fim, Becker encerra a lista trazendo o seguinte questionamento: os metodólogos falam bastante em hipóteses, mas esquecem de debater o processo mental que leva a construção dessas. Para eles as hipóteses surgem de forma quase que mística. Mas para o autor, a construção de hipóteses é uma tarefa difícil. Um dos meios é "O procedimento através do qual os sociólogos desenvolvem hipóteses encontra-se agora consideravelmente no reino do saber técnico informal, aprendido através de conversas casuais e outros meios similares" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 43). Esse procedimento é bastante comum na pesquisa sociológica baseada na observação participante, quando muitas hipóteses só são construídas em contato com o campo. Afirma Becker: "Particularmente, me parece que, uma vez que o objeto de pesquisa da sociologia é a vida social na qual estamos todos envolvidos, a capacidade de fazer uso imaginativo da experiência pessoal e a própria qualidade da experiência pessoal de alguém serão contribuições importantes para a capacitação técnica dessa pessoa. Como agir para traduzir experiência pessoal em hipóteses ou, em outras palavras, como usamos esta experiência para dar forma às hipóteses desenvolvidas de outras maneiras? Muitos sociólogos aconselham seus alunos e lerem romances, nem tanto pelo seu valor literário quanto pelo relato 'etnográfico' sobre vários aspectos da sociedade que eles muitas vezes contêm" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 44). Além disso, alguns sociólogos propõe que o pesquisador rode a sociedade em que vive e quer pesquisar. Ou seja, vá conhecê-la em seus diferentes ambientes sociais para que assim evitem hipóteses tolas. Outra importante virtude da experiência pessoal na criação de hipóteses é que enriquece a capacidade do pesquisador desenvolver analogias, um importante exercício lógico. Ademais, Howard Becker define uma boa hipótese como aquela que "parece organizar muitos dados, aquela à qual podemos vincular outras sub-hipóteses que fazem uso de outras parcelas dos nossos dados, deste modo aglutinando as várias hipóteses que alimentamos em um todo mais amplo" (BECKER, Howard. São Paulo: 1999, p. 45).  








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