domingo, 29 de março de 2020

Iniciação à História da Filosofia - Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein



  • Sobre o autor: Danilo Marcondes, doutor em Filosofia pela Universidade de St. Andrew, Grã-Bretanha, é professor titular do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) que dirigiu entre 1986-1989 e professor associado do Departamento de Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi também vice-reitor acadêmico da da PUC-RJ (1999-2007). Com mais de trinta anos de experiência no magistério, é autor de sucessos editoriais como: a) Textos básicos de Filosofia; b) Dicionário básico de Filosofia (com Hilton Japiassú) e c) Textos básicos de ética, entre outras obras. 



Iniciação à História da Filosofia - Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein - Danilo Marcondes - Editora Zahar


Parte I - Filosofia Antiga - 1. O surgimento da Filosofia na Grécia antiga; 2. Os filósofos pré-socráticos; 3. Sócrates e os sofistas; 4. Platão; 5. Aristóteles e o sistema aristotélico; 6. O helenismo e suas principais correntes: estoicismo, epicurismo e ceticismo. 

Capítulo 01 - O surgimento da Filosofia na Grécia Antiga -  A. A passagem do pensamento mítico para o filosófico-científico; B. Noções fundamentais do pensamento filosófico-científico.

É a Tales de Mileto que é dado a alcunha de primeiro filósofo. Aristóteles, no livro I da Metafísica, que atribui o título de filósofo a Tales. Mas isso significa que antes de Tales as pessoas não pensavam? Obviamente que não. Entretanto, o conhecimento científico de que somos herdeiros remonta suas origens da Grécia Antiga de Tales. Contextualizar o nascimento da Filosofia na Grécia Antiga é uma das tarefas desse capítulo, a outra é mostrar o que existe de específico nesse tipo de conhecimento fundado a partir de Tales. Para realizar tal objetivo, Danilo Marcondes coloca em oposição o então nascente conhecimento filosófico-científica e o pensamento mitológico, então dominante até então.

Mas o que seria esse pensamento mitológico? O pensamento mitológico ou mítico se caracteriza como uma tentativa de explicação da realidade (origem do mundo, funcionamento da natureza e seus devidos processos naturais) com base num discurso imaginário e/ou ficcional. Por isso a origem dos mitos não se baseia numa cronologia determinada. O pensamento mítico não é fruto de uma obra individual mais sim fruto de uma tradição cultural de um determinado povo. Por isso sua transmissão se faz comumente de forma oral, necessitando do receptor sua adesão e/ou aceitação. Blindado de críticas e questionamentos, o pensamento mítico transmite uma visão de mundo onde o indivíduo precisa aceitar para ser membro daquela determinada cultura. Desse tipo de pensamento surgem as explicações de mundo cercadas pelo sobrenatural, onde deuses, espíritos existem imaginativamente e exercendo uma governança sobre os homens e a natureza. É daí que surgem os sacerdotes, aquelas pessoas responsáveis pela intermediação entre o mundo humano e o divino, sendo os cultos religiosos uma espécie de evento que busca ligar o homem as forças divinas. Por fim, o mito com sua lógica acaba caindo num paradoxo conceitual, ou seja, apesar de pretender explicar a realidade acaba tornando-a obscura por jogá-la nas mãos de entes sobrenaturais e/ou divinos que não podem ser explicados pela mente humana.

E qual o contexto do surgimento do pensamento filosófico-científico que vem romper com o mitológico descrito anteriormente? Antes de mais nada, faz-se necessário adiantar: apesar de ser um tipo de conhecimento diferente do mítico, os primeiros filósofos gregos não rompem totalmente com o pensamento mítico e por isso acabam carregando em suas reflexões algumas características desse tipo de pensamento. Dito isso, o período histórico de surgimento do pensamento filosófico remonta do Século VI a.C. na Grécia. Na época, a sociedade grega passava por importantes transformações como: a) decadência da civilização micênico-cretense, baseada num regime monárquico; b) surgimento das Cidades-Estados graças as invasões de tribos dóricas vindas da Ásia central; c) desenvolvimento das atividades comerciais. Esses três principais fatores, atrelados a outros, gerou uma sociedade mais afastada da religião e também rica em contatos humanos por conta do forte comércio marítimo que colocava povos de diferentes culturas sob contato. Não é por acaso que as cidades de Mileto e Éfeso serão pioneiras no desenvolvimento da Filosofia, vide seu importante papel como porto e entreposto comercial. É desse ambiente cosmopolita, multicultural e relativizador que temos a base para o surgimento do que conhecemos hoje como filósofos pré-socráticos, os primeiros a desenvolverem o conhecimento filosófico.

Antes de entrar especificamente sobre o pensamento e as correntes existentes entre os filósofos pré-socráticos, vale destacar a importância em conceituar alguns alguns conceitos chaves para seu entendimento. Entre eles, destaca Danilo:

  • Physis: significa o mundo natural em que habitamos e que será fonte de preocupação para os primeiros filósofos; 
  • Causalidade: a causalidade é a explicação característica dos filósofos pré-socráticos que pensavam na dualidade causa/efeito no entendimento do mundo natural. Em suma, "Explicar é relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o determina. Explicar é, portanto, reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza, é tomar um fenômeno como efeito de uma causa" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 24)
  • Arqué: significa o elemento primordial ou o princípio de tudo onde os filósofos pré-socráticos vão buscar para evitar uma explicação causal infinita; 
  • Cosmo: significa o mundo natural gerido por princípios racionais, leis, ordem hierárquica que se contrapõe a ideia de caos;
  • Logos: significa literalmente um discurso racional de teor argumentativa e que por isso está sujeito a críticas e/ou discussões. 
Por fim, "as teorias aí formuladas não o eram de forma dogmática, não eram apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas como passíveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata de construções do pensamento humano, de ideias de um filósofo - e não de verdades reveladas, de caráter divino ou sobrenatural -, estão sempre abertas à discussão, à reformulação, a correções" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 27)

Capítulo 02 - Os Filósofos Pré-Socráticos - A. Apresentação geral da filosofia dos pré-socráticos; B. Escola Jônica; C. Escolas Italianas (pitagórica e a eleática); D. Segunda fase do pensamento pré-socrático (atomista); E. Monismo x Mobilismo: Heráclito x Parmênides.

Os filósofos pré-socráticos são assim denominados por existirem antes de Sócrates, pensador que marca uma fronteira na Filosofia. Antes de Sócrates, as reflexões giravam mais em torno dos fenômenos da natureza, visando encontrar a essência desta; já a partir da filosofia socrática, o fazer filosófico se transporta para questões humanas e sociais como a ética e a política. Como podemos ver, trata-se de uma divisão cronológica.

Entre as duas principais fontes de que dispomos sobre o pensamento dos pré-socráticos, Marcondes destaca a existência de duas. São elas: a) os fragmentos de escritos dos próprios filósofos; b) a doxografia, sínteses do pensamento desses filósofos escritos por pensadores posteriores como Aristóteles, por exemplo.

A diferença entre tais fontes é que a primeira se baseia em escritos próprios desses autores, enquanto a segunda fonte se baseia em interpretações de terceiros sobre o pensamento dos pré-socráticos. Marcondes afirma que a ideia do capítulo é apresentar uma visão ampla e geral dos principais filósofos pré-socráticos, focando em dois que ele acredita ser de maior repercussão: trata-se dos filósofos Heráclito e Parmênides.

Danilo Marcondes enxerga a existência de três escolas filosóficas no período pré-socrático. São elas:

  1. Escola Jônica: "caracteriza-se sobretudo pelo interesse pela physis, pelas teorias sobre a natureza" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 31). Dentre os filósofos que compõe essa escola, temos: a) Tales de Mileto; b) Anaximandro de Mileto; c) Anaxímedes de Mileto; d) Xenófanes de Colofon; e) Heráclito de Éfeso. Os três primeiros compõe o que o autor chama de Escola de Mileto. 
  2. Escola Italiana: "caracteriza-se por uma visão de mundo mais abstrata, menos voltada para uma explicação naturalista da realidade, prenunciando em certo sentido o surgimento da lógica e da matefísica, sobretudo no que diz respeito aos eleatas" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 31). Dentre os filósofos que compõe essa escola, temos: a) Pitágoras de Samos; b) Alcmeon de Crotona; c) Filolau de Crotona; d) Parmênides de Eleia; e) Zenão de Eleia; f) Melisso de Samos. Os três primeiros formam o que Marcondes chama de Escola Pitagórica, já os três últimos compõe a chamada Escola Eleática. 
  3. Escola Pluralista: essa escola contém os seguintes filósofos: a) Anaxágoras de Clazômena; b) Leucipo de Abdera; c) Demócrito de Abdera; d) Empédocles de Agrigento. Leucipi e Demócrito formam o que Marcondes chama de Escola Atomista. 
Sobre a Escola Jônica, Marcondes não explica inicialmente o pensamento de Heráclito, prometendo discorrer sobre ele adiante, junto com Parmênides. Mas sobre Tales de Mileto, considerado como o primeiro filósofo, ele discorre que sua diferença para os outros é que se enxerga nele a tentativa de explicar a natureza com base em elementos presentes nela própria. No caso, o elemento natural escolhido como princípio da physis foi a água. Outro ponto que torna Tales uma proeminente figura, foi o incentivo dado a seus discípulos para que esses desenvolvessem outros pontos de vista, adotando pensamentos próprios e diferente dos seus. 

Seu discípulo, Anaximandro, propôs que o princípio da physis se encontra no que ele denomina de apeiron. Esse apeiron seria ilimitado e indeterminado, o que "pode ser considerada um esforço na direção de uma explicação mais abstrata ou genérica do real, uma primeira versão da noção de matéria" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 32). Já Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, adota o ar como princípio da physis. Ele é considerado um elemento incorpóreo e presente em tudo, aqui também vemos a tentativa de explicar as coisas de forma abstrata e fora da realidade material. 

Sobre a Escola Italiana, Marcondes trata primeiramente dos pitagóricos que para ele são responsáveis pelo seguinte legado na Filosofia: 
Uma das principais contribuições dos pitagóricos à filosofia e ao desenvolvimento da ciência encontra-se na doutrina segundo a qual o número é o elemento básico explicativo da realidade, podendo-se constatar uma proporção em todo o cosmo, o que explicaria a harmonia do real garantindo o seu equilíbrio. Os pitagóricos tiveram grande importância, portanto, no desenvolvimento da matemática grega, sobretudo na geometria.  (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 33)
Assim como Heráclito na Escola Jônica, Marcondes explica o pensamento de Parmênides (e da Escola Eleática que ele funda) mais na frente do capítulo.  Em seguida, ele segue para a explicação da Escola Pluralista. Os filósofos dessa escola são marcados por receberem forte influência dos pensadores precedentes que vimos acima. Foi a partir dessas influências que eles formaram suas teorias, combinando ideias de diferentes escolas, o que justifica seu nome de "pluralista".

O primeiro filósofo dessa escola a ser discutido é o Anaxágoras de Clazômena, pensador considerado discípulo de Péricles, então a maior personalidade política de Atenas. Anaxágoras baseia sua teoria na ideia de nous (ou espírito) que seria a causa da existência do cosmo. O nous ordena todas as coisas presentes no universo. Já Empédocles de Agrigento foi o responsável pela criação da teoria dos quatro elementos (fogo, água, terra e ar), que busca sintetizar as reflexões feitas pelos filósofos anteriores a ele. Por sua capacidade de unificação, as ideias de Empédocles exerceria bastante influência por toda a Antiguidade, chegando a respingar no Renascimento e no início da era Moderna. Já a escola atomista, fundada por Leucipo e desenvolvida por Demócrito, é outra tradição filosófica presente entre os pluralistas. Sobre a importância dos atomistas, diz Marcondes:
A doutrina atomista sustenta que a realidade consiste em átomos e no vazio, os átomos se atraindo e se repelindo, e gerando com isso os fenômenos naturais e o movimento. A atração e repulsão dos átomos devem-se às suas formas geométricas, sendo que átomos de formas semelhantes se atraem e os de forma diferente se repelem. Os átomos são imperceptíveis e existem em número infinito. Podemos destacar aí o avanço em relação às teorias anteriores na formulação do átomo como elemento primordial, sobretudo quanto à noção de partículas imperceptíveis que compõem os objetos materiais e dão origem aos fenômenos e ao movimento (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 35)
Por fim, Marcondes encerra o capítulo debatendo os dois filósofos que ele considera os mais importantes do período pré-socrático. Trata-se de Heráclito, um dos representantes da Escola Jônica, e Parmênides, um dos representantes da Escola Italiana e fundador da Escola Eleática. A oposição entre o pensamento dos dois é denominado pelo autor de Monismo versus Mobilismo.

Heráclito é um dos pré-socráticos que mais se encontram fragmentos de seus escritos, apesar de ser chamado de "o Obscuro" na Antiguidade, por conta da complexidade que expressava seus pensamentos. Ele é o principal representante do que Marcondes chama de Mobilismo, ou seja, a ideia de que a realidade (a physis e o cosmo, por exemplo) é caracterizada pelo movimento. Ele pensava o seguinte:
Segundo o famoso fragmento 50, "Dando ouvidos não a mim, mas ao logos, é sábio concordar que todas as coisas são uma única coisa." Assim, tudo é movimento, tudo está em fluxo, mas a realidade possui uma unidade básica, uma unidade na pluralidade. Esta "unidade na pluralidade" pode ser entendida também como a unidade dos opostos. Heráclito vê a realidade marcado pelo conflito (pólemos) entre os opostos (fr. 53, 126, 80), conflito que todavia não possui um caráter negativo, sendo a garantia do equilíbrio, através da equivalência e reunião dos opostos (fr. 10) (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 24)
E continua Marcondes:
Assim, dia e noite, calor e frio, vida e morte são opostos que se complementam (fr. 67, 126). A existência do movimento e da pluralidade do real é parte de nossa experiência das coisas, e Heráclito parece ser um filósofo que valoriza a experiência sensível (fr. 55). O fogo (pyr) é tomado como elemento primordial (fr. 30, 31, 66, 90) ou, pelo menos enquanto chama, energia que queima e se autoconsome, simbolizando o caráter dinâmico da realidade (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 36)
Heráclito é por isso considerado o pai da dialética, ao enxergar uma unidade entre os opostos que se integram, formando uma realidade movimentada pelo constante conflito. O pensamento dele, segundo Marcondes, representaria uma espécie de "dialética da natureza".

Parmênides (e os eleatas que o seguem) será o principal opositor do mobilismo de Heráclito, formando uma outra perspectiva, chamada por Marcondes de monismo. A crítica monista aos mobilistas, se fundamentam em dois argumentos. O primeiro diz que a mudança vista pelos mobilistas, aparentemente existente quando analisamos as coisas sob um aspecto superficial, guarda consigo uma essência. Assim, "Se, no entanto, formos além de nossa experiência sensível, de nossa visão imediata das coisas, descobriremos, através do pensamento, que a verdadeira realidade é única, imóvel, eterna, imutável, sem princípio, nem fim, contínua e indivisível" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 36). Já o segundo argumento é uma consequência do primeiro, pois só é possível compreender a mudança das coisas se encontrarmos nela aquilo de essencial e/ou estável. Em suma, "Através do pensamento devemos buscar então aquilo que permanece na mudança: só posso entender a mudança se há algo de estável que permanece e me permite identificar o objeto como o mesmo. Portanto, podemos dizer que o segundo argumento contra o mobilismo é um argumento de caráter lógico, sustentando que a noção de movimento pressupõe a noção de permanência como mais básica" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 36).

Melisso de Samos e Zenão de Eleia são dois seguidores de Parmênides, tendo suas reflexões o foco de combater o pensamento mobilista. No caso de Zenão, por exemplo, ele é considerado por Aristóteles como o criador da dialética enquanto uma técnica argumentativa; isso porque para combater o mobilismo ele utilizava de paradoxos, chamados de redução ao absurdo, em que "Parte assim da posição do adversário, procurando mostrar que tal posição leva ao absurdo; com isso, ela é refutada" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 37).

Enfim, o destaque dado a Heráclito e Parmênides é que suas ideias acabam fundando o grande paradigma da filosofia, encontrando ecos até os dias atuais. Mas qual a natureza deste choque entre mobilistas versus monistas? Diz Marcondes, encerrando o capítulo:
A primeira valoriza a pluralidade do real, a oposição e o conflito entre os elementos dessa realidade que constatamos a partir dessa experiência, os quais, longe de ser algo problemático, caracterizam a própria natureza dessa realidade. A segunda busca aquilo que é único, permanente, estável, nosso pensamento após uma longa experiência de reflexão. Trata-se, no entanto, de um conflito insolúvel, pois não temos um critério externo às teorias, independente delas, que nos permita dizer quem tem razão. De certa forma isso se tornará um traço característicos da filosofia: tudo pode ser posto em questão; a discussão filosófica está permanentemente em aberto (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 38)
Capítulo 03 - Sócrates e os Sofistas - A. Os sofistas; B. Sócrates.

O pensamento socrático se mostra tão importante que sua existência acaba marcando a cronologia do pensamento filosófico. Todos os pensadores que vieram antes dele, são chamados de Pré-Socráticos e a partir de suas reflexões, um novo tipo de fazer filosófico é desenvolvido. Os filósofos sofistas são contemporâneos a Sócrates, mas apesar de adversários é possível encontrar semelhanças entre suas reflexões. Isso porque tanto Sócrates quanto os sofistas, se distanciam das preocupações com a natureza (ou physis), vista entre os Pré-Socráticos, e passam a refletir sobre questões relativas ao homem como aquelas envolvendo a ética ou a política, por exemplo.

O contexto histórico em que Sócrates e os sofistas estão inseridos, também é o mesmo. Eles vivenciaram um período em que a sociedade grega estava se estabilizando, o desenvolvimento comercial na região estava a pleno vapor e a consequência principal disto foi a consolidação das chamadas cidades-Estado. A Grécia passou a ter uma classe mercantil bastante rica e influente. Assim como crescia a prosperidade, também crescia a ânsia de criar conciliação entre diferentes opiniões.

No esplendor da democracia ateniense, as conciliações eram feitas nas assembleias onde a imposição da força dava lugar ao poder da persuasão. A razão passa a prevalecer sobre a truculência e assim as discussões passam a ter uma elevação qualitativa. Marcondes destaca que nesse período, três questionamentos são vitais. São eles: a) o que é a verdade?; b) Quais os princípios da razão?; c) Com base em que critérios se pode justificar aquilo que se diz? Como podemos observar, temos a existência da procura pela natureza do conhecimento e a necessidade de construir argumentos sólidos na defesa daquilo que acreditamos ser a verdade.

Como retrata Marcondes, tais transformações não vão afetar apenas no desenvolvimento filosófico. Outras formas de conhecimento são desenvolvidas no período, valendo aqui nosso destaque. No teatro, por exemplo, tivemos as tragédias em que virtudes morais e políticas são exaltadas em uma espécie de cerimônia cívica. Dentre os criadores dessas tragédias, o autor cita Ésquilo e Sófocles, tendo esse último produzido clássicos como Édipo rei e Antígona. Na História e Geografia, figuras como Heródoto, Tucídides e Xenofonte são importantíssimas. Os três representam a passagem das antigas narrativas míticas pelos testemunhos e relatos de viagens de eventos históricos como a Guerra do Peloponeso. Na Medicina, Hipócrates representou a passagem das práticas mágicas pelas explicações racionais dos fenômenos.

Enfim, é diante deste cenário que surgem Sócrates e os filósofos sofistas. Marcondes começa explicando o pensamento dos sofistas. Segundo ele, os sofistas surgiram exatamente no esplendor da democracia grega. Eram pensadores itinerantes, ou seja, andavam por diversas cidades-Estados com o intuito de vender seus conhecimentos, técnicas e habilidades aos governantes e políticos em geral. Entre os principais sofistas destacados por Marcondes, temos: a) Protágoras de Abdera; b) Górgias de Leontinos; c) Hípias de Élis; d) Licofron; e) Pródicos (mestre de Sócrates); f) Trasímaco. Marcondes foca, especificamente, nas ideias de Protágoras e Górgias.

Protágoras de Abdera foi o filósofo que proferiu a seguinte frase: "O homem é a medida de todas as coisas, das que são como são e das não são como não são." Duas ideias são essenciais nessa frase, assim como para todos os sofistas; trata-se do humanismo e do relativismo. O humanismo se encontra na explicação das coisas baseadas no entendimento do próprio homem, sem interferências externas como os deuses. O homem é, como diz a frase, "a medida de todas as coisas". Já o relativismo se encontra na tese de que é através da percepção individual do homem que a realidade é construída, sem uma essência fundadora como pensavam os filósofos Pré-Socráticos que estavam constantemente em busca da arché. E esse percepção é sempre relativa, pois como diz a frase, o homem pode perceber as coisas que "são como são" ou "das não são como não são". Vejamos o que diz Marcondes:
Protágoras parece assim valorizar um tipo de explicação do real a partir de seus aspectos fenomenais apenas, sem apelo a nenhum elemento externo ou transcendente. Isto é, as coisas são como nos parecem ser, como se mostram à nossa percepção sensorial, e não temos nenhum outro critério para decidir essa questão. Portanto, nosso conhecimento depende sempre das circunstâncias em que nos encontramos e pode, por isso mesmo, variar de acordo com a situação (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 43).
Em seguida, Marcondes visa desmistificar a ideia de que os sofistas eram meros vendedores de conhecimento, sem ter uma base filosófica concisa por trás de suas reflexões. Diz ele:
Portanto, pode-se dizer que sofistas como Protágoras não eram meros manipuladores da opinião, mestres sem escrúpulos que vendiam suas habilidades retóricas a quem pagassem mais, mas, ao contrário, acreditavam não haver nenhuma outra instância além da opinião a que se pudesse recorrer para as decisões na vida prática, as quais deveriam ser tomadas com base na persuasão a fim de produzir um consenso em relação às questões políticas. Tipicamente, em uma discussão na Assembleia ninguém detinha a verdade em um sentido completo e absoluto, simplesmente porque isso não seria possível; mas todos tinham suas razões, seus interesses, seus objetivos, procurando defendê-los da melhor forma possível. O processo decisório envolvia, entretanto, a necessidade de superação das diferenças e a convergência de interesse e objetivos, para que se pudesse produzir um consenso, e era para que esse fim que a retórica e a dialética deveriam contribuir (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 43).
Já Górgias em seu tratado Do não-ser, defende a ideia de que nenhum conhecimento pode ser estável e definitivo. Ele afirma o seguinte: "Nada existe que possa ser conhecido; se pudesse ser conhecido não poderia ser comunicado, se pudesse ser comunicado não poderia ser compreendido". Assim, Górgias se coloca crítico do logos como uma explicação definitiva das coisas. Para ele, o alcance das essências é impossível e por isso o único recurso que dispomos é o discurso. Como podemos perceber, a preocupação com a linguagem e com o discurso são parte das reflexões sofistas e seu principal legado para a filosofia passa a ser o interesse pela retórica e oratória.

Debatido os sofistas, o capítulo é encerrado com a análise do pensamento socrático. Como se sabe, Sócrates não deixou nada escrito e tudo o que sabemos de sua figura se baseiam em escritos de terceiros. Três pessoas escreveram sobre Sócrates, são elas: a) Platão, seu principal discípulo e onde podemos encontrar o pensamento filosófico de Sócrates; b) Xenofonte, contendo mais um perfil biográfico de Sócrates; c) Aristófanes, crítico de Sócrates.

Para Marcondes, a filosofia socrática pode ser vista como um método de análise conceitual. Ou seja, através da pergunta "O que é...?", Sócrates visa buscar a definição de uma determinada coisa, geralmente ideias vistas como virtudes ou qualidades morais. Sendo assim,
O método socrático envolve um questionamento do senso comum, das crenças e opiniões que temos, consideradas vagas, imprecisas, derivadas de nossa experiência, e portanto parciais, incompletas, o que se reflete nos exemplos dados. É exatamente neste sentido que a reflexão filosófica vai mostrar que, com frequência, não sabemos aquilo que pensamos saber. Temos talvez um entendimento prático, intuitivo, imediato, que contudo se revela inadequado no momento em que deve ser tornado explícito. O método socrático revela a fragilidade desse entendimento e aponta para a necessidade e a possibilidade de aperfeiçoá-lo através da reflexão. Ou seja, partindo de um entendimento já existente, ir além dele em busca de algo mais perfeito, mais completo (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 47).
A busca desse "algo mais perfeito", só pode ocorrer através de um processo reflexivo individual. Ou seja, "Trata-se de um exercício intelectual em que a razão humana deve descobrir por si própria aquilo que busca" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 47). É por isso que Sócrates nunca termina seus diálogos dando uma resposta categórica e definitiva sobre nada, ele apenas mostra a ignorância e superficialidade do interlocutor.

O método utilizado por Sócrates para alcançar tais objetivos é a maiêutica, que significa parto. O parto a ser realizado é o de novas ideias, entendendo nossas limitações daquilo que acreditamos conhecer. A tarefa do filósofo, pois, não é dar respostas definitivas, mas incentivar o interlocutor a refletir sobre seu próprio conhecimento. A dialética é uma ferramenta importantíssima da maiêutica, pois visa questionar o interlocutor sobre suas crenças individuais. Incentivando o interlocutor a emitir respostas, Sócrates utiliza-se da ironia para problematizar essas afirmações, fazendo esse interlocutor entrar em contradição. O objetivo de expor tais contradições é fazer com que o interlocutor perceba a insuficiência de seus argumentos, reconheça enfim sua ignorância e a partir daí reflita para dar origem a novas ideias. Logo,
É este o sentido da célebre fórmula socrática "Só sei que nada sei", a ideia de que o reconhecimento da ignorância é o princípio da sabedoria. A partir daí, o indivíduo tem o caminho aberto para encontrar o verdadeiro conhecimento (episteme) afastando-se do domínio da opinião (doxa) (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 48).
É a procura dessa episteme que faz Sócrates se distanciar dos sofistas, sendo seu mais fervoroso crítico. Segundo o pensamento socrático, a filosofia não pode ser mera técnica que facilite habilidades argumentativas, visando convencer o oponente. Pelo contrário, seu objetivo é ir em busca do verdadeiro conhecimento. A busca pelo simples convencimento, deixando relegado a tarefa de buscar aquilo que é verdadeiro, acarretaria em decisões políticas tomadas não com base no saber, mas na perspicácia dos mais hábeis na retórica. E ser habilidoso na retórica não significa, necessariamente, virtude ou sabedoria. Dessa forma, "Os sofistas não ensinavam portanto o caminho para o conhecimento, para a verdade única que resultaria desse conhecimento, mas para a obtenção de uma "verdade consensual", resultado da persuasão" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 48). Eis então a diferença que Sócrates enxerga entre seu pensamento e os reproduzidos pelos sofistas, então não considerados filósofos para pensadores como Platão e Aristóteles.

Capítulo 04 - Platão - A. Contexto de surgimento da filosofia de Platão; B. Platão e a teoria das ideias; C. Análise de textos da República.

Antes de penetrar nas ideias de Platão, Danilo Marcondes busca primeiro contextualizar sua obra. Do ponto de vista histórico, a Grécia Antiga vivia o seu apogeu com o pleno vigor da democracia ateniense. No fazer filosófico, seguindo o que foi iniciado pelos sofistas e por Sócrates, o pensamento platônico se diferencia dos pré-socráticos pois sua preocupação estava direcionada para problemáticas como: a epistemologia, a ontologia e questões ético-política. Os pré-socráticos, como vimos, estão preocupados em compreender os fenômenos da natureza e o princípio que deu origem ao cosmo. Sócrates e Platão, pelo contrário, se ligam a problemáticas envolvendo os seres humanos.

Dentro dessa problemática envolvendo os homens, a que se liga à natureza do conhecimento (ou epistemologia) acaba tendo um espaço maior nas reflexões feitas por Platão. Com isso, Danilo Marcondes enumera quatro questionamentos que Platão buscou responder em sua filosofia: 

  1. Questão da possibilidade do conhecimento, ou seja, é possível conhecer a realidade?  
  2. Questão do método a ser utilizado, ou seja, como é possível conhecer? 
  3. Questão dos instrumentos do conhecimento, ou seja, qual o sentido e a razão do conhecimento?
  4. Questão do objeto do conhecimento, ou seja, o que devemos conhecer?
Platão está preocupado com a produção do conhecimento e seus desdobramentos, seu objetivo é definir o papel da filosofia. Para ele a filosofia desempenharia o papel de um árbitro e/ou legislador de uma cultura e de uma sociedade. Como ele desempenharia tal função? Desempenharia ao avaliar determinadas pretensões de conhecimento, julgando-as. Logo, "A filosofia adquire então uma função de análise crítica dos fundamentos, do discurso legitimador, uma vez que a cultura é precisamente o conjunto dessas pretensões ao conhecimento" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 51). A epistemologia, com sua capacidade de refletir sobre a produção de conhecimento, surge em Platão como o ponto de partida do seu projeto filosófico. 

Os questionamentos sobre a decadente sociedade ateniense, criticando seus valores e ideais, seria a expressão prática do projeto filosófico platônico. A morte de Sócrates, seu mestre, exemplifica a preocupação em julgar as pretensões de conhecimento daquela sociedade; apontando seus equívocos. Em suma,
A filosofia corresponderia a um método para se atingir o ideal em todas as áreas pela superação do senso comum, estabelecendo o que deve ser aceito por todos, independente de origem, classe ou função. É isso que significa a universalidade da razão. A prática filosófica envolve assim, em certo sentido, o abandono do mundo sensível e a busca do mundo das ideias (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 51).
O entendimento da natureza desse "mundo das ideias", leva Platão a acreditar que o conhecimento mais elevado identifica-se com a visão do bem. Sua visão binária em que põe em choque senso comum versus razão; mundo sensível versus mundo das ideias acarreta as seguintes oposições:

  1. Opinião x Verdade; 
  2. Desejo x Razão; 
  3. Interesse Particular x Interesse Universal; 
  4. Senso Comum x Filosofia. 
Essas oposições descritas acima, fazem parte do que Danilo Marcondes chama de Dialética Platônica. Partindo do senso comum, ela objetiva reexaminar o conhecimento que temos como verdadeiro. Logo, a tarefa do filósofo não é invocar um Ser Superior com sua autoridade, mas induzir o interlocutor a descobrir a verdade por ele próprio. É por isso que o diálogo em Platão é tão representativo, pois é através dele que é feito esse reexame e/ou autocrítica. Seguindo seu mestre Sócrates, ele se opunha aos sofistas, pois esses usariam o diálogo não para buscar o verdadeiro conhecimento, mas sim para manipular crenças e atingir interesses particulares. Se opondo ao relativismo dos sofistas, Platão pensava o seguinte sobre a natureza do fazer filosófico:
A filosofia não deve apenas dizer e afirmar, mas preocupar-se em chegar à verdade, à certeza, à clareza, através da razão. Constitui um discurso que se funda na legitimidade, que deve ser aceito por todos (tendo portanto um caráter universal), que se impõe pela argumentação racional, que produz um consenso legítimo, que se opõe à violência do poder e à ilusão e mistificação ideológicas que caracterizam o discurso dos sofistas. A filosofia, segundo o modelo platônico, vai ser esse discurso legítimo que se instaura como juiz, como critério de validade de todos os discursos (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 52).
Dito isso, a filosofia platônica também se mostra um projeto político em oposição à prática sofista que dava sustentação à degeneração da sociedade ateniense. Neste projeto, a filosofia seria antagônica da democracia, pois esta instiga as paixões e a opinião em oposição ao conhecimento que visa alcançar à verdade. Porém, ela também se mostra antagônica à tirania e à oligarquia, pois ambas não se fundam no conhecimento verdadeiro. Tendo em vista tal impasse, ele propõe o advento da aristocracia do saber que se oponha ao domínio da opinião e caminhe para a busca da verdade.

O objetivo do projeto político de Platão é desmascarar aqueles que baseiam seus discursos na opinião, tendo o diálogo socrático um papel primordial. Fundado no conhecimento verdadeiro e racional, tal diálogo busca a resolução dos conflitos entre as diversas opiniões e interesses. E como desmascarar tais opiniões e interesses? Simples, basta submetê-los às regras da inteligibilidade. Ou seja, é necessário buscar definições e desenvolver significados do que se diz conhecer. Questionado sobre essas definições, o interlocutor passa a compreender as limitações de sua opinião, enxergando suas contradições e invalidades. Afirma Danilo Marcondes,
O método dialético não substitui de início a certeza da opinião por uma outra certeza, mas é um método negativo, exigindo uma atitude crítica, mostrando a necessidade de uma interrogação, e um questionamento dessa própria opinião, de sua origem, de seus fundamentos (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 53).
O diálogo socrático e o método dialético se unem. Só a partir da radicalização da discussão é que se vai chegar a essência daquilo que se discute, sendo assim, o diálogo se opõe tanto à violência física e suas imposições quanto a manipulação sofística. Enfim, o diálogo baseado no método dialético, "Procura estabelecer: o que se diz; por que se diz; o que significa aquilo que é dito" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 53). E mais:
Ao aceitar as regras do diálogo, os interlocutores abandonam progressivamente a opinião. Instaura-se entre eles uma nova relação, não mais baseada em interesses, desejos e inclinações particulares que dão origem a antagonismos. Trata-se agora da busca da universalidade, e o discurso que tem a pretensão de ser universal, capaz de superar as divergências de opinião e ter um caráter legislador, legitimador, é a filosofia (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 53).
A possibilidade de alcançar a universalidade do conhecimento, seria para Platão a busca pela verdade. Tal conhecimento verdadeiro só pode ser explicado corretamente através do entendimento de uma realidade que não seja apenas a sensível e material. Podemos enxergar a influência de Parmênides em tais reflexões, pois esse filósofo pré-socrático é o que aponta para a unicidade e/ou universalidade do ser, assim como aponta as limitações de teorias fundamentadas na realidade sensível.

Após essa explicação geral do contexto e do objetivo da filosofia platônica, Danilo Marcondes destaca o foco do capítulo: compreender a sua Teoria das Formas e das Ideias. Antes disso ele traça um quadro cronológico dos escritos de Platão, assim como uma breve biografia do filósofo grego. Vamos abaixo descrever a cronologia da obra de Platão, segundo Danilo Marcondes:

  1. Diálogos considerados autênticos (diálogos socráticos entre 399 a.C. até o falecimento de Sócrates), nesta fase se destacam textos como: Apologia de SócratesLaques ou sobre a coragem; Críton ou sobre o dever; República livro I; Lisis ou sobre a amizade etc; 
  2. Diálogos da fase intermediária (diálogos escritos entre sua primeira viagem à Sicília até 389-388 a.C.), nesta fase Platão desenvolve ideias como a Teoria das Formas, elaborando o platonismo e fundando a Academia em 387 a.C; tais textos se destacam: Protágoras ou sobre os sofistas; O Banquete ou sobre o bem; Fédon ou sobre o amor; A República ou sobre a justiça; Fedro ou sobre a alma etc; 
  3. Diálogos da maturidade (crítica à Teoria das Formas), nesta fase se destacam textos como: Teeteto ou sobre o conhecimento; Parmênides ou sobre as formas; O Político ou sobre a monarquia etc; 
  4. Diálogos da fase final destacando-se textos como: Timeu ou sobre a natureza e As leis
  5. Diálogos de autenticidades discutível como: Hiparco, Mino, O Filósofo etc. 
Danilo Marcondes faz uma breve descrição da biografia de Platão, sendo importante destacar aqui alguns poucos pontos. Platão nasceu em Atenas em 428 a.C., pertencendo a uma família da aristocracia. Inicialmente foi discípulo de Crátilo, um seguidor de Heráclito, e em seguida de Sócrates; convivendo com este nos seus últimos dez anos de vida. Após o falecimento de Sócrates, ele fez viagens para a Sicília e também para Siracusa (aqui com idas e vindas), tendo contato com as filosofias pitagóricas e eleáticas. 

Danilo divide o pensamento platônico em três fases, são elas: 1) Fase inicial em que Platão escreve os chamados "diálogos socráticos", apresentando as ideias de seu mestre; 2) Fase intermediária, quando Platão desenvolve sua própria filosofia com base nas influências que recebeu dos pitagóricos e dos eleáticos, formulando a famosa Teoria das Formas e das Ideias; 3) Fase da maturidade ou final, onde Platão começa a questionar suas próprias ideias após as reflexões construídas na Academia com seus discípulos, apresentando também críticas e distanciamentos do pensamento socrático. Segundo o autor do livro, pode-se afirmar que Platão continuou à filosofia socrática. 

Mas quais as diferenças entre o mestre e o discípulo? A grande diferença entre Sócrates e Platão diz respeito a visão de filosofia e quais as suas potencialidades e/ou limitações. Para Sócrates, a filosofia seria um método de análise onde através do exercício da maiêutica se alcançaria a natureza essencial das coisas. Porém, Platão enxerga limitações na filosofia e que o método da maiêutica por si só não elucida em definitivo a natureza essencial das coisas. A construção de um método deve ser acrescentada pela criação de critérios, segundo os quais tal método deve obediência. O problema é que a natureza essencial das coisas só pode ser conhecida através do desenvolvimento de uma teoria que se preocupe com a natureza dos conceitos e esse teoria seria a das formas e das ideias. Resumindo tais diferenças, podemos afirmar: 
Assim, enquanto Sócrates considerava a filosofia como um método de reflexão que levaria o indivíduo a uma melhor compreensão de si mesmo, de sua experiência e da realidade que o cerca, passando por um processo de transformação intelectual e de revisão e reavaliação de suas crenças e valores, para Platão a filosofia é essencialmente teoria, isto é, a capacidade de ver, através de um processo de abstração e de superação de nossa experiência concreta, a verdadeira natureza das coisas em seu sentido eterno e imutável, de conhecer a verdade portanto (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 57).
E mais,
O conhecimento teórico é necessário e indispensável para o método de análise, precedendo-o e tornando-o possível. É nele que o método se fundamenta. Para Platão é necessário, assim, uma metafísica, entendida como doutrina sobre a natureza última e essencial da realidade, para que se possa definir o tipo de compreensão e de conhecimento que se possa ter desta realidade. A teoria do conhecimento pressupõe portanto a teoria sobre a natureza da realidade a ser conhecida (a metafísica, ou segundo uma terminologia posterior, a ontologia) (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 57).
A consequência imediata de tais ideias é colocar o fazer filosófico distante das experiências imediatas e concretas, aproximando-as de uma perspectiva contemplativa em que a teoria se dirige para o entendimento do abstrato e do ideal. Tais preocupações com o abstrato e o ideal, chamado posteriormente de metafísica, serão vistas em escolas filosóficas posteriores como o Helenismo (especialmente sua corrente Neoplatônica e também no Platonismo Cristão). "Daí se origina o sentido vulgar que o termo "platônico" possui ainda hoje, com a conotação de "contemplativo", como na expressão "amor platônico"" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 57).

Mas ao mesmo tempo que essa filosofia tem um caráter abstrato, ela também tem uma faceta objetiva, prática e/ou universalista. Platão, assim como Sócrates, se preocupa e dedica muito tempo de suas reflexões com a dimensão ética e política do ser. Tais dimensões devem sempre ter um caráter universalista, pois à filosofia deve obediência ao conhecimento verdadeiro. Por exemplo, toda ação humana é movida por escolhas. Ou seja, pode-se ou não aceitar um convite, praticar ou não um ato etc. Mas para Platão, toda escolha humana envolve uma decisão, onde escolhemos uma de várias alternativas. Essa decisão só foi possível ser tomada com base em critérios que adotamos, onde foi preferível optar por uma escolha mais econômica, mais rápida, mais viável etc. E o que fundamenta os critérios que tomamos para avaliar nossas escolhas? Para Platão, o conhecimento. Se o conhecimento determina nossos critérios, decisões e consequentemente escolhas; ele deve ter um caráter universal e não particular. E por quê?
Devem ser universais, isto é, gerais, abstratos, permanentes, para que possam realmente orientar nossa ação, sem que precisemos refazer todo o processo a cada nova decisão. Além disso, os princípios servem para justificar nossas decisões e os atos que realizamos. É este o sentido do racionalismo, que Platão é um dos primeiros a inaugurar. Uma ação é justificada, legítima portanto, quando baseada numa decisão que por sua vez obedeceu a certos critérios que se fundamentam em princípios gerais, em normas de ação. É por serem gerais, universais, por se aplicarem a todos os casos de um determinado tipo e a todos os indivíduos em circunstâncias equivalentes, que são justificados, isto é, estão de acordo com a normal racional, têm um fundamento teórico, e não são arbitrários, aleatórios, casuais, nem estão apenas a serviço do mero interesse individual e imediato. Se assim o fosse, a ação humana seria caótica, incompreensível e seus resultados imprevisíveis (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 58).
Então o objetivo de Platão é a criação de uma teoria que seja um princípio geral regulando, com isso, as nossas ações. A teoria se mostra como uma condição da ação racional humana, visando estabelecer contato com as nossas práticas. Ao mesmo tempo, só se pode avaliar sobre a prática, indo até a teoria. É por isso que a reflexão teórica visa sempre a prática como objeto. Tais questões nortearam Platão na construção da sua principal ideia: a teoria das formas e das ideias.

Antes de entrar na análise da teoria das formas e das ideias, Danilo Marcondes comenta sobre a doutrina da reminiscência. Essa doutrina foi desenvolvida com base na seguinte pergunta: Como conhecer? A doutrina da reminiscência faz parte da tradição inatista da filosofia, ou seja, ela defende a tese de que os homens guardam consigo um conhecimento inato e é justamente ele que norteia o processo de conhecimento. Em suma, "A solução platônica consiste em supor que temos um conhecimento prévio que a alma traz consigo desde o seu nascimento e que resulta da contemplação das formas, às quais contemplou antes de encarnar no corpo material e mortal", sendo "O papel do filósofo, através da maiêutica socrática, é despertar esse conhecimento esquecido, fazendo assim com que o processo tenha início e o indivíduo possa aprender por si mesmo" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 59).

Analisada a doutrina da reminiscência, Danilo Marcondes parte para o entendimento da teoria das formas e das ideias. Para fundamentar sua explicação, ele se baseia em dois textos da obra República, são eles: o Mito da Linha Dividida e Alegoria ou Mito da Caverna. Ambos os textos seguem o mesmo caminho, "a discussão do mesmo tema, o conhecimento, seus diferentes graus ou tipos e o processo pelo qual pode ser alcançado através da ascensão da alma a uma realidade superior, visando com isso caracterizar o governante ideal como aquele que conhece a ideia de Justiça" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 60).

A dialética é vista em ambos os textos pois, para Platão, a realidade a ser refletida é vista sob uma perspectiva dualista, incluindo o mundo das ideias ou formas e o mundo concreto ou físico. A relação entre esses dois mundos será o objeto das reflexões platônicas. O mito da linha dividida, consiste em um diagrama composto de duas linhas paralelas, com a primeira representando o real e a segunda o ideal. Platão visa classificar qualitativamente os vários tipos de conhecimento, seriam eles:

  1. Mundo Inteligível (A) - Aa: conhecimento (noesis) das formas pelo dialético; Ab: conhecimento (dianoia) dos objetos matemáticos pelo geômetra. 
  2. Mundo Material (B) - Ba: conhecimento (pistis) dos objetos naturais; Bb: visão (eikasia) de imagens das coisas concretas pelo homem comum. 
O Bb, segundo Platão, representaria o mundo material ou visível que é composto de objetos naturais, concretos, mutáveis e imperfeitos. Nossa relação com o mundo Bb seria por intermédio de imagens, sombras, reflexos que o homem comum tem do mundo natural. E mais, "Do ponto de vista da atitude do homem comum, e para o seu dia, talvez esse tipo de contato com a realidade natural seja suficiente, mas não constitui propriamente conhecimento, exceto se o entendermos em um grau muito inferior" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 61), tratando-se do domínio da opinião (doxa) e por isso imperfeita e parcial. Já o Ba consiste em um "conhecimento" mais elaborado sobre o mundo material, incluindo as chamadas ciências naturais como a botânica e a zoologia. Trata-se de uma relação mais elaborada com o mundo material em comparação com o Bb, sendo possível a construção de classificações que tornam as coisas mais claras. Entretanto, ainda se trata de uma esfera imperfeita do conhecimento, pois é dependente da percepção sensível e material dos homens. 

Vamos agora para a análise do mundo inteligível. A esfera Ab, representa uma ruptura com a Bb e a realidade natural passa a ser explicada com base em formulações abstratas, eternas, imutáveis etc. O principal conhecimento desenvolvido pela esfera Ab é a geometria. Porém, embora seja um conhecimento abstrato da realidade natural, a geometria ainda guarda relação com o mundo sensível. Isso porque, segundo Danilo Marcondes, "As figuras geométricas são imagens que traçamos das entidades ideais: o triângulo, o quadrado, o círculo. São contornos, formas abstratas de figuras concretas, assim como a planta de um arquiteto representa abstratamente um prédio concreto. Portanto, já atingimos um nível de abstração, mas ainda mantemos alguma relação com o sensível. Platão dava grande valor à geometria como preparação para a filosofia, caminho para o raciocínio puramente abstrato que é o do filósofo" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 61). Foi por isso que Platão mandou escrever na porta da sua Academia, o seguinte dizer: "Não passe destes portões quem não tiver estudado geometria". Por fim, a esfera Aa seria a etapa superior do conhecimento. É quando o homem passa a conhecer a realidade inteligível, quando o conhecimento sobre a realidade torna-se abstrato, genérico e básico. Nesta etapa, finalmente, podemos compreender o todo. Mas "Platão é deliberadamente vago ao caracterizar essa realidade e nosso modo de apreendê-la, como se não fosse possível explicitar isso no discurso comum; mas precisasse ser vivido" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 62).

O mito da caverna complementa e exemplifica o mito da linha dividida. Danilo Marcondes divide a explicação sobre o mito da caverna em três partes. Na primeira parte, ela descreve o fundo da caverna, visto como o mundo material e sensível. No fundo da caverna se encontram prisioneiros, acorrentados e imóveis. Desde a infância, estão todos presos por hábitos, costumes e preconceitos dos mais diversos; enxergando a realidade através de sombras. Os prisioneiros mostrados por Platão somos nós, homens imersos na imperfeição, incompletude e limitação. Ou seja, é "O homem condicionado e limitado, pelo seu modo de vida repetitivo, que não o deixa pensar por si próprio, só consegue ver as sombras" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 65)

Ainda temos a atividade dos sofistas, sendo suas ideias representadas pela fogueira que se localiza do outro lado da caverna. Nessa fogueira, fonte de luz que projeta sombras para o fundo da caverna, se encontram homens que carregam objetos nas mãos projetando a imagem desses objetos para o fundo da caverna. Seria uma espécie de teatro dos fantoches, onde "Esses homens no outro lado da caverna são os sofistas e políticos atenienses que manipulam as opiniões dos homens comuns e são os produtores de ilusão tal como Platão os caracteriza no diálogo O Sofista(MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 65).

A segunda parte examina o processo de libertação de um prisioneiro. A pergunta central que se faz é: o que possibilitou sua libertação? Essa libertação para Platão é um processo difícil e até mesmo doloroso, onde o homem não é forçado a sair da sua condição de prisioneiro, mas sim opta pela saída após uma luta interna entre duas forças: a força do hábito versus a força do eros. Ou seja, o prisioneiro é libertado por ele mesmo e não por uma força externa. Vejamos como Danilo Marcondes explica o conflito entre essas duas forças: 
A força do hábito faz com que o prisioneiro se sinta confortável na situação em que se encontra desde sempre e que lhe é mais familiar. A força do eros, entretanto, faz com que ele se sinta insatisfeito, frustrado, infeliz, e busque uma situação nova. Esse conflito é o motor da dialética, ou seja, do processo de mudança e transformação que resulta da oposição entre as duas forças e que faz com que o prisioneiro saia da situação em que se encontra (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 66).
O prisioneiro vai adaptando seu olhar e caminha em direção à luz, saindo da caverna. Antes, ele perpassa todo circuito das etapas do conhecimento vistas no mito da linha dividida, até sair por completo da caverna e enxergar o sol. O sol em Platão representa o bem, ou seja, o grau máximo e universal da realidade. Sendo assim,
O sol seria assim fonte de toda a luz, ou seja, de toda a realidade, e mesmo as sombras na caverna dependem, em última instância, da luz do Sol: sem luz não haveria sombra. Ao chegar à visão do Sol o prisioneiro completa o processo de transformação de sua situação inicial, passa a possuir o saber porque vê diretamente a fonte de toda a luz: o ser, a realidade. Compreende assim a totalidade, e do ponto de vista da dialética isso significa que agora possui o saber, pois tem a visão do todo, superando portanto a visão parcial das etapas anteriores (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 66-67).
Ademais, a terceira e última parte do texto exemplifica o papel pedagógico do filósofo. Segundo Danilo, "Essa é a terceira parte do texto, em que Platão descreve a chamada dialética descendente, a volta à caverna, contraponto da parte inicial, a dialética ascendente, em que o prisioneiro sai da caverna para a região superior" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 67). Mas podemos indagar: por que o prisioneiro recém-liberto, deve retornar para a caverna? Eis então o papel pedagógico do filósofo (ex-prisioneiro), pois não se contentando a conhecer o saber absoluto e universal, decide aceitar sua missão político-pedagógica ao rumar de volta a caverna com o intuito de esclarecer seus antigos companheiros de prisão. O papel do filósofo é, detendo o conhecimento verdadeiro, instigar outras pessoas a procurarem o mesmo caminho; mesmo correndo risco de vida, como foi o caso de Sócrates. Essa missão político-pedagógica, termo usado por Danilo Marcondes, seria seguir o dilema de "comportar-se com sabedoria, seja na vida prada, seja na vida pública" (MARCONDES, Danilo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 67).

Capítulo 05 - Aristóteles e o sistema aristotélico - A. A crítica a Platão; B. A metafísica de Aristóteles como concepção de realidade; C. O sistema aristotélico; D. Análise de texto da Metafísica.




















Nenhum comentário:

Postar um comentário