sábado, 14 de março de 2020

Caio Prado Júnior - Uma Biografia Política



  • Sobre o autor:  Luiz Bernardo Pericás nasceu no Rio de Janeiro, em junho de 1969. É formado em História pela Universidade George Washington, concluiu doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e o pós-doutorado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). Entre suas obras, podemos citar: a) Che Guevara e o debate econômico em Cuba; b) José Carlos Mariátegui: Revolução Russa, história, política e literatura; c) Caio Prado Júnior: uma biografia política. Com essa última obra, Pericás ganhou o prêmio Jabuti em 2017 na categoria biografia. Também graças a essa obra, ganhou o prêmio Juca Pato de intelectual do ano em 2016. Atualmente é professor de História Contemporânea da USP. 


Caio Prado Júnior - Uma Biografia Política - Editora Boitempo


Introdução - Nesta introdução, Pericás busca traçar uma história da inserção e/ou desenvolvimento do pensamento marxiano nas Américas. A chegada dos correligionários de Marx e Engels na América, remonta dos anos após as revoluções liberais que ocorreram na Europa a partir de 1848. Os primeiros chegaram nos EUA e eram emigrados alemães em busca de outros ares. Entre os primeiros homens preocupados em analisar a América, com base no pensamento marxiano, Pericás destaca: Joseph Weydemeyer, Adolph Cluss, Friedrich Sorge, Friedrich Kamm e Albrech Komp. Essas figuras, "tiveram um papel importante em difundir e assentar as bases que posteriormente serviriam como ferramenta para os teóricos e dirigentes do movimento operário norte-americano vários lustros depois" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 11).

Esses homens foram responsáveis pela fundação das primeiras organizações marxistas nos EUA, como: a Proletarierbund, constituída em 1852; a American Workers League ou Amerikanische Arbeiterbund, fundada em 1953; e o Clube dos Comunistas, organizado a partir de 1857. Além da fundação dessas organizações, o autor lembra o seguinte:
Não custa recordar que a própria Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), fundada em Londres em 1872, ganhou uma seção em Nova York poucos anos depois. E que, em 1872, foi aprovada, no Congresso de Haia, a transferência de sua sede para aquela cidade (com Sorge como secretário do Conselho Geral), onde permaneceu até 1876, quando foi finalmente dissolvida, após decisão tomada na conferência de Filadélfia (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 11)
Dentre os nomes citados acima, Pericás destaca o de Weydemeyer, amigo pessoal de Marx e um dos editores do jornal Nova Gazeta Alemã. Ele teve um papel pioneiro na difusão do marxismo nos EUA, recebendo e organizando operários compatriotas que aportavam em Manhattan. Já seu filho, Otto Weydemeyer, foi responsável pela primeira tradução popular do livro O Capital para a língua inglesa, em 1878. A versão britânica só sairia, por exemplo, em 1887.

Apesar do pioneirismo, esses emigrados alemães tinham limitações no que tange ao desenvolvimento de uma teoria marxista para os EUA. Infelizmente, eles ainda estavam presos ao seu continente de origem e não tiveram a capacidade de aplicar o marxismo na realidade concreta dos norte-americanos. Assim sendo, "O ideário marxiano, portanto, fora transplantado para aquele entorno, mas ainda servia basicamente como apêndice e auxiliar externo, forâneo, às lutas políticas internas. Para todos os efeitos, ainda não se mesclara organicamente aos sindicatos e partidos de caráter essencial nacional" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 12). Sobre essas limitações, o autor cita a visita feita por Engels aos EUA, em 1888, onde observou um movimento operário enérgico, mas atrasado em termos teóricos.

Engels chega a afirmar que obras básicas como O Manifesto Comunista, era pouco estudado e entendido pelos norte-americanos que eram essencialmente "práticos" e tendiam a analisar as coisas com base em resultados concretos. O principal parceiro intelectual de Marx, também buscou mostrar caminhos que superassem essas barreiras, orientando que os emigrados alemães deveriam se despir da realidade europeia e buscassem o entendimento dos EUA com base na peculiaridade do país. "Em outras palavras, teriam de inserir-se nas lutas populares, não impor direcionamentos doutrinários (que eles próprios não entendiam, transformando-os num "credo", em vez de usá-los como um "guia para a ação"), livrar-se de suas "roupagens" europeias e aprender com a experiência dos ativistas nacionais" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 12).

A primeira tentativa de aplicar o pensamento marxiano no entendimento dos EUA, foi vista na obra de Daniel De Leon. Nascido na ilha caribenha de Curaçao, De Leon se mudou já adulto para Nova York e passou a trabalhar na Universidade de Columbia. Suas ideias exerceram influência na fundação do Partido Socialista do Trabalho (PST), fundado em 1876 e primeiro de orientação socialista a ser erguido nos EUA. De Leon atuou politicamente e intelectualmente antes da Revolução Russa de 1917, tendo exercido influência sobre Lênin, como demonstra John Reed na célebre obra "Dez dias que abalaram o mundo". Sobre suas ideias:
Para ele, a primeira revolução socialista ocorreria nos Estados Unidos e de lá se espalharia para outros países. De Leon foi o único dos pioneiros do marxismo do Novo Mundo a influenciar os socialistas na Europa, especialmente o movimento operário da Irlanda e da Escócia (e, em menor escala, de outras partes, como o Canadá e Austrália). Entre 1890 e 1914, não houve nenhum outro pensador de sua envergadura entre os seguidores de tendência "revolucionária" do autor de O Capital em toda região. Suas ideias causaram impacto em intelectuais e dirigentes conhecidos, como o italiano Antonio Gramsci e o galês Aneurin Bevan (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 13).
Principal propagador da teoria revolucionária nos EUA, De Leon traduziu importantes obras para a língua inglesa como "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte" e "Crítica do Programa de Gotha, de Marx. Também traduziu obras de Engels, Karl Kautsky, August Bebel, Eugène Sue e Ferdinand Lassalle. Buscou que o PST formulasse uma explicação nacional da realidade norte-americana, mesmo que ancorada no pensamento marxiano, e foi opositor do então nascente imperialismo ianque que investia suas forças nos conflitos na América Central, tomando para si antigas colônias espanholas. Ainda sobre o seu pensamento:
Para De Leon, povos de regiões atrasadas não precisariam necessariamente se desenvolver a partir do sistema capitalista. Isso significa que, se o socialismo triunfasse na Europa e nos Estados Unidos, países com economias "pré-capitalistas" poderiam mais rapidamente dar um salto em direção à "civilização" socialista sem passar por agressões, invasões ou penetração política e econômica estrangeira, que supostamente levariam o "progresso" para aquelas partes do mundo (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 14)
Além de De Leon, outros nomes foram importantes na difusão do pensamento marxiano nos EUA, principalmente após a fundação do Partido Comunista dos EUA e de suas variadas cisões. Após a fundação do PC norte-americano em 1919, nomes se destacaram nessa empreitada como os de Bertham Wolfe, Louis Boudin, Louis Fraina e Jay Lovestone. Pericás lembra que o órgão teórico do partido, o The Communist, já foi fundado sob o objetivo de "americanizar" a teoria marxiana.

Feita essa exposição sobre o desenvolvimento das ideias socialistas nos EUA, o autor passa para a América Central e do Sul, marcada pela língua espanhola. O pioneiro na divulgação das ideias de Marx/Engels na América Latina foi o poeta Georg Weerth que passou por cidades como Lima, Buenos Aires, Havana e até o Rio de Janeiro. Apesar do seu pioneirismo e importância, Weerth não desenvolveu análises específicas sobre as realidades dos países que passou. Mas três acontecimentos foram vitais para a difusão da teoria marxiana na América Latina: a) a fundação em 1872 da primeira seção da AIT em Buenos Aires, capital argentina; b) tradução do Manifesto Comunista para o espanhol, em 1874, pelo periódico mexicano El Socialista; c) tradução do livro O Capital para o espanhol em 1898. E,
Ainda que o marxismo crescesse no começo do século XX, pelos esforços de militantes como o cubano Carlos Baliño, o uruguaio Emilio Frugoni e o chileno Luis Emilio Recabarren, os seguidores de Bakunin, Malatesta e Kropotkin continuavam a ter força no movimento operário da região. De qualquer forma, iniciativas como a criação do Partido Socialista do Chile, o Clube de Propaganda Socialista em Havana e o Centro Socialista Carlos Marx, em Montevidéu, juntamente com experiências como o Centro de Estudos Carlos Marx na Argentina e o Partido Obrero colombiano, mostram que as ideias dos "pais do materialismo histórico ganhavam cada vez mais espaço na América Latina (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 15)
Mas foi após a Revolução de Outubro de 1917 e, principalmente, após a constituição do Comintern em março de 1919 que os partidos comunistas na América começaram a surgir e lutar por um espaço maior no movimento operário da região. Já em 1918, ou seja, antes da constituição do Comintern, era fundado na Argentina o Partido Socialista Internacional que, em dezembro de 1920, mudaria seu nome para Partido Comunista Argentino. No México, o PC local foi fundado em 1919. No mesmo ano, eram fundados nos EUA o Partido Comunista Operário e o Partido Comunista da América que se fundiram em seguida. No Uruguai, o Partido Socialista transformou-se em Comunista em 1920. Em seguida, em 1922, foi a vez do Brasil fundar o PCB. Por último, em 1925, a Agrupación Comunista de La Habana se une a forças de esquerda locais e fundam o Partido Comunista Cubano.

Junto com a fundação dos PC's, surgiu a tentativa de explicar teoricamente as realidades nacionais de cada país. Entre os primeiros teóricos a realizarem tal empreitada, o autor destaca Octávio Brandão no Brasil e Ricardo Paredes no Equador. O fato é que o Comintern tinha uma atuação tímida na região, pelo menos nos seus primeiros anos. Os principais partidos da região eram os PC's dos EUA, da Argentina e do México. No II congresso mundial da Internacional Comunista (IC), dedicou-se debates sobre o caráter da revolução nos países considerados como "semicolôniais" e "semifeudais", tendo essas discussões a liderança de Lênin e do indiano Manabendra Nath Roy. Ficou decidido a partir dali o apoio as lutas de libertação nacional, o combate a teses eurocêntricas dentro dos PC's etc. Mas se nos quatro primeiros congressos da IC, os PC's locais tinham certa mobilidade de ação, tudo mudou a partior do V congresso, realizado em 1924.
A primeira grande reestruturação da IC ocorreu a partir do Quinto Congresso, em 1925, ampliando a centralização em relação às seções nacionais, possibilitando a "bolchevização" dos demais PC's e subordinando-os diretamente ao Comitê Executivo do Comintern (mais tarde, a Conferência de Buenos Aires de 1929 seria a última tentativa de chegar a formulações teóricas e políticas mais livres, originais, baseadas na realidade local, feitas pelos intelectuais revolucionários da América Latina). Foram impostas linhas de pensamento muitas vezes divorciadas da realidade concreta (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 16)
O VI congresso, realizado em 1928, reforçará a hegemonia stalinista na condução da IC e a política da "classe contra classe" prevalecerá, assim como os expurgos daqueles que fossem de orientações contrárias como o trotskismo. Nesse congresso, se destacou Paredes que visava uma interpretação mais livre das diferentes realidades nacionais. Ele "teve participação ativa naquela instância, especialmente em relação ao papel das massas rurais no processo revolucionário, defendendo também, na ocasião, a utilização da categoria "países dependentes" para aqueles que "foram penetrados economicamente pelo imperialismo, mas que ainda retêm certa independência política", algo similar ao que já apontara o próprio Lênin alguns anos antes. Ele discordava da ideia de expropriação de terras de latifúndios para que fossem distribuídas aos pobres em pequenas parcelas privadas e insistia na utilização de um modelo baseado no coletivismo das comunidades indígenas tradicionais para a construção do socialismo, enfatizando o potencial revolucionário dos povos originários na luta contra o jugo capitalista" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 16). Outros nomes se destacaram na defesa de uma análise peculiar da região, como Sergei Ivanovich Gusev e Jules Humbert-Droz. Mas, de maneira geral, a atuação da URSS na América Latina durante os anos de 1920 foi bastante tímida.

Terminando essa primeira parte da introdução, Pericás destaca o legado do peruano José Carlos Mariátegui, considerado por ele como o teórico marxista mais original na região nas primeiras décadas do século XX. Após a Revolução de Outubro, Mariátegui se aproximou do movimento operário peruano. Sua atuação política contra o governo de Augusto Leguía, teve como consequência seu exílio do país em 1919. Na Europa, teve contato com a literatura marxiana e com partidos comunistas europeus como o italiano. Retornando ao Peru em 1923, Mariátegui permaneceu com uma intensa atuação política, escreveu obras e ajudou a fundar o Partido Socialista e a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru. Sobre sua importância e legado:
Tanto a forma como via o desenvolvimento histórico peruano e o papel dos camponeses indígenas e do proletariado urbano quanto suas ideias sobre as tarefas revolucionárias do momento, a organização do proletariado, os aspectos da educação, da cultura popular e da estrutura do partido foram temas que causaram polêmica e discordância entre JCM e o Comintern. Era um pensador demasiado independente para os padrões da IC na época. Por isso, foi muito criticado, inclusive por correligionários (entre os quais seu sucessor, Eudocio Ravines), e seu legado foi atacado durante anos. Mais tarde, seria considerado a grande personalidade do marxismo em seu país (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 18).
Pericás acredita que Caio Prado está presente entre esses pensadores pioneiros que trataram de utilizar do marxismo para explicar a realidade nacional em que estava inserido, sendo um companheiro de Mariátegui, De Leon, Baliño etc. Essa busca por uma independência intelectual, mas sem desvalorizar os preceitos básicos do marxismo, fez de Caio um dos maiores nomes quando o assunto é a inserção e/ou desenvolvimento desta linha teórico/política na região.

Feita essa explanação geral, o autor se aprofunda na vida pessoal de Caio Prado, iniciando pelas origens de sua família. A família dos Silvas Prados chegaram no Brasil no início do século XVIII e tiveram participação ativa nos acontecimentos políticos do país nos séculos seguintes. Dentre os nomes da família mais notáveis, está o de Antonio da Silva Prado que como descreve Pericás, chegou a ser: senador, deputado-geral, líder do Partido Conservador, ministro da Agricultura, deputado constituinte etc. Além disso, chegou a ser prefeito da cidade de São Paulo por quatro mandatos seguidos, sendo o responsável pela remodelação da cidade. A construção do Theatro Municipal de São Paulo é um dos legados de sua gestão municipal. Antonio Prado também foi responsável pela fundação da Casa Prado-Chaves, quebrando a exclusividade das companhias britânicas na exportação do café. Em suma, a família foi responsável pelo desenvolvimento econômico do estado de São Paulo, sendo uma das referências na produção cafeeira. Vale lembrar que o café representava cerca de 60% das exportações brasileiras na época da República Velha, o que demonstra a grandeza da família. Ainda sobre sua robustez:
Só para se ter uma ideia do poder deles, a família Silva Prado era dona de 226 do total das 1.000 ações inicialmente subscritas pelo Banco do Brasil, quando este fora criado. Outras 256 ações eram de famílias relacionadas, ou seja, quase metade das ações do principal banco do país estava em seu poder (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 19).
Caio Prado cursou o ensino primário em casa com professores particulares, prática comum entre a maioria das crianças abastadas. Conviveu com escritores, artistas e pensadores diversos que frequentavam a sua casa. Vale lembrar que a atividade intelectual na família, não começou com Caio. Paulo Prado, primo de seu pai, foi um dos principais nomes da Semana de Arte Moderna de 1922, por exemplo. "Durante os anos de formação de CPJ, o Brasil ainda era um país eminentemente agrícola, embora a imigração e a industrialização começassem a mostrar os novos contornos sociais da nação. São Paulo, a cidade onde o futuro historiador nasceu, tinha um forte componente estrangeiro, com a participação do proletariado em diversas greves e protestos" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 21). A cidade de São Paulo do jovem Caio, crescia a cada ano para se tornar o principal estado do país no tocante ao desenvolvimento econômico.

Após os estudos particulares, Caio frequentou o Colégio São Luís (de formação jesuíta) e o Chelmsford Hall, situada na Grã-Bretanha. Na vida universitária, estudou ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde ingressou em 1924 e saiu em 1928. Nesse período, ingressou no Partido Democrático (PD), antes de ingressar no PCB, partido que permaneceu pelo resto da vida. Assim como De Leon e Mariátegui, foi um intelectual que soube unir reflexões teóricas com atividade política. "Mas, se De Leon e Mariátegui eram as principais personalidades de suas agremiações, Caio, mesmo tendo papel de destaque em alguns momentos de sua história (como na época em que se tornou presidente regional da ANL em São Paulo ou quando foi líder da bancada do PCB na Assembleia Legislativa de São Paulo), nunca teve a mesma proeminência ou protagonismo dos dirigentes do SLP e do PSP (Partido Socialista do Peru) - ainda que, como o colega peruano, fosse criticado por correligionários (ou lideranças comunistas de sua época), que discordavam das análises e soluções que propunha (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 23).

Apesar de que De Leon, Mariátegui e Caio atuaram em contextos históricos diferentes como bem aponta o autor. De Leon teve atuação em um país com desenvolvimento industrial e sindical e em um período anterior a Revolução de 1917, não tendo o movimento comunista internacional um modelo a ser seguido. Logo, sua atuação intelectual foi marcada pela total liberdade e flexibilidade. Por sua vez, Mariátegui produziu numa época em que Lênin, Trotsky e Rosa Luxemburgo eram referências e a Revolução Russa era tida como modelo. O Comintern já estava presente na América Latina, porém, as amarras ideológicas de alguma corrente de pensamento hegemônica ainda não se fazia presente. Já Caio começou a atuar a partir dos anos de 1930, quando não só a URSS era tido como modelo, como também as amarras ideológicas desenvolvidas pelos stalinismo já se mostrava presente no movimento comunista.

Já se encaminhando para o final dessa introdução, Pericás afirma que normalmente se apresenta Caio Prado como um "intérprete do Brasil", assim como outras figuras. Porém, o autor acredita que essa visão da obra do Caio, esquece ou omite sua intensa atuação política que acaba tendo total vinculação com a sua produção teórica. Em suma, "Mas Caio Prado Júnior é um personagem que vai muito além desse tipo de abordagem, que, por sinal, comumente se reproduz em novos textos sobre ele. Assim, seu estofo político é esvaziado e dá lugar a análises "imanentes", "secas" e até mesmo "academicistas" de sua obra. Na realidade, para Caio, o marxismo, o engajamento social e partidário e as experiências socialistas não eram acessórios, mas elementos essenciais em sua trajetória e visão de mundo; não eram apenas ferramentas para compreender o processo histórico nacional, mas aspectos primordiais de sua vida e de sua luta por mudanças estruturais no país" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 24).

Importantes ações foram feitas na valorização do seu pensamento e uma delas é citada por Pericás: trata-se da fundação do Instituto Caio Prado Júnior pelo atual PCB, divulgando seu legado e instigando debates sobre a realidade nacional. Seguindo essa linha de valorização do seu legado, Pericás traz material até então inéditos como cartas e diários políticos pessoais, nunca antes publicado. Elas desnudam, entre várias coisas, a relação que Caio tinha com intelectuais marxistas latino-americanos como Rodolfo Puiggrós, Benito Marianetti e Héctor Agosti. A conclusão de seu pensamento, pode ser assim resumido:
Mesmo que seu discurso nem sempre fosse, aparentemente, incendiário ou radical como o de vários de seus contemporâneos, continuava comprometido com mudanças estruturais profundas e com o desenvolvimento do país. Por outro lado, tinha a preocupação constante de aplicar remédios e soluções de acordo com a realidade concreta e os processos históricos específicos. Por não seguir determinadas cartilhas "pré-fabricadas" de ultraesquerda ou fraseologia inflamadas a favor de medidas mais drásticas na luta política em alguns momentos, foi acusado por setores progressistas de ser "reformista". A maneira sutil e ao mesmo tempo complexa com que encarava os casos particulares, contudo, mostra que sua intenção primordial era avaliar e interpretar corretamente o processo histórico e as características nacionais, para que só então se pudessem definir os melhores sendeiros para a atuação política, mesmo que suas conclusões fossem contrárias às da maioria de seus camaradas de partido ou outras agrupações de esquerda (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 26).
Enfim, o objetivo do que Pericás chama de "ensaio político-biográfico" é mostrar as relações entre Caio Prado e o chamado "mundo do socialismo". Esse "mundo do socialismo" busca ir além da experiência soviética, visando descrever as relações que o historiador paulista manteve com outras experiências socialistas como a cubana, a chinesa, a polonesa, etc., além de suas relações no PCB. Resume Pericás:
Este trabalho, portanto, tem como objetivo principal realizar uma discussão eminentemente política da trajetória do autor de Dialética do Conhecimento, mostrando sua militância, sua leitura de clássicos marxistas, suas viagens, sua atitude em relação ao golpe militar, os debates sobre a revolução brasileira, seus tempos na prisão, sua relação com intelectuais contemporâneos, assim como apresentar elementos teóricos de seu ideário e o desenvolvimento do pensamento caiopradiano ao longo das décadas (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 28).
Capítulo 01 - O Ingresso no PCB

A vida política de Caíto inicia em 1928 quando ele decide se filiar ao Partido Democrático (PD). O PD foi um partido fundado em 1926 por setores da classe média urbana e oligarcas rurais, dissidentes do atrasado Partido Republicano Paulista (PRP). O partido ganhou forte adesão de figuras próximas do jornal Folha de S. Paulo e de estudantes da Faculdade de Direito. Seu primeiro presidente foi Antônio Prado, tio-avô de Caio. Contestando práticas antiquadas do PRP, o PD chegou a ter 50 mil membros e seu órgão oficial, o Diário Nacional, chegou a alcançar a marca de 70 mil exemplares. O partido fez parte da Aliança Liberal que em outubro de 1930, colocou Getúlio Vargas no poder.

Mesmo assim, o PD era conhecido por sua moderação que ficou clara à oposição feita a movimentos políticos contestatórios mais incisivos como a Coluna Prestes. O partido não dialogava com os setores populares, não buscava inserir as elites imigrantes e era contrário a tomada violenta do poder. Porém, "o fato de a agremiação defender a reforma eleitoral, o voto secreto e a autonomia do Poder Judiciário era um elemento democratizante que teria apelo no jovem, cansado do velho estilo "politiqueiro" da Primeira República" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 30).

Esses elementos democratizantes presentes no PD, fez o partido receber apoio até do PCB. O comunicado do Bloco Operário e Camponês (BOC), frente eleitoral do PCB nas disputas de 1927 e 1930, de fevereiro de 1928 indicava voto no PD contra o retrocesso que representava o PRP. No PD, Caio foi um dos responsáveis pela organização do partido na capital paulista e no interior do estado. Ele ocupou cargos como o de "delegado revolucionário", foi membro da Comissão de Sindicância para o 10º Distrito em Ribeirão Preto e foi tesoureiro do diretório de Santa Cecília. Porém, seu rompimento com o partido teve início em 1931, ano em que o PD rompe com o interventor paulista João Alberto e se aproxima do PRP, constituindo com eles a Frente Única por São Paulo Unido. No dia 23 de outubro de 1931, Caio decide se afastar do PD, deixando uma carta de desfiliação para o presidente da agremiação.

Em 1931 também foi o ano em que Caio começou a ter relações com o PCB, partido que viria a se filiar em seguida. Sobre o contexto em que Caio decide se aproximar do partido, diz Pericás:
Caio Prado Júnior ingressa no PCB num momento em que o Comintern dava mais atenção a São Paulo em seus planos sindicais na América do Sul. Vale recordar que no Congresso das Seções Latinas da IC em Montevidéu, em 1931, deliberou-se que aquela metrópole serviria como base para as ações sindicais no continente. Como aponta Marcos Tarcísio Florindo, em virtude disso, os comunistas começaram a se concentrar na capital paulista, criando vínculos com as cidades do interior, constituindo células e iniciando a aplicação imediata das diretivas de Moscou (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 32).
Curiosamente, apesar da retórica obreirista que acompanhava o partido desde 1928, indo na esteira das expulsões dos "trotskistas" e "bukharinistas" do Comintern; o PCB começava a ter em suas fileiras intelectuais, militares e profissionais de classe média. Caio Prado foi apenas mais um desses não operários a adentrarem na organização. A partir da sua aproximação com os comunistas, Caio passou a ter problemas no seu círculo familiar, chegando a ter parentes que se recusavam a ir à mansão de seus pais. A partir daquele momento, ele passaria por um isolamento da classe social em que foi oriunda. Sobre sua decisão de tornar-se um militante comunista, afirma o autor dessa biografia:
Ele seria capaz de sacrificar sua vida pessoal em nome de ideias: expôs a si mesmo e à sua família à execração pública, foi constantemente vigiado pelos órgãos de segurança ao longo dos anos, teve de afastar-se daqueles que amava nas diferentes ocasiões em que foi detido e encarcerado, viu-se obrigado a autoexilar durante o governo Vargas e a ditadura militar e, ainda assim, recebeu críticas dos mais diferentes setores partidários, tanto da esquerda quanto da direita. Embora tivesse uma condição econômica confortável e sua liberdade de ir e vir em geral (mas nem sempre) fosse respeitada, o fato é que ele, sem dúvida, escolheu o caminho mais duro, o de um militante pecebista (tanto no trabalho dentro do partido como também no de intelectual marxista "independente"), sem nunca abandonar a luta (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 33-34).
Não se sabe a data exata em que Caio filiou-se ao PCB, mas segundo Pericás, provavelmente, ele fez uma espécie de "estágio" em organizações como a Cooperativa Internacional dos Trabalhadores e o Socorro Vermelho Internacional (SVI). O período em que Caio entra no PCB, foi o mesmo que o Brasil passou por intensas agitações sociais pós-revolução de 1930. O desemprego se encontrava em alta, assim como as greves, com isso, "houve 124 greves importantes no Brasil entre janeiro de 1931 e julho do ano seguinte. Em 1931, em média, 1.724 trabalhadores tomaram parte em cada greve, enquanto m 1932 essa cifra subiria para 4.031" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 35).

Já em 1932, meses após sua saída do PD, Caio ajudará a fundar a Cooperativa Internacional dos Trabalhadores e o Clube dos Artistas Modernos (CAM). A Cooperativa tinha como objetivo se solidarizar com presos políticos no Brasil e no mundo, assim como oferecia serviços médicos e alimentação a baixo custo para operários. Sua extinção já em abril de 1932 deve ter sido, provavelmente, ocasionou a entrada definitiva de Caio no PCB. Suas novas atividades políticas, com direito a defesa da URSS nas páginas do jornal Correio da Tarde dos dias 3 e 4 de maio de 1932, fez Caio largar o emprego em um escritório de advocacia; temendo represálias aos companheiros de trabalho. Além do jornal Correio da Tarde, Caio também publicou outros textos de tom obreirista (seguindo a tendência do PCB à época) no Diário da Noite.

No mesmo ano de 1932, eclodiu a chamada Revolução Constitucionalista, em que Caio decidiu não participar; assim como o PCB. Mesmo que contrário ao governo Vargas, Caio não era simpático as oligarquias paulistas que se levantavam. Defendia, sim, uma mobilização dos operários e camponeses rumo a uma revolução. O conflito entre Vargas e a oligarquia cafeeira de São Paulo, era visto por pecebistas como um embate entre os representantes do imperialismo inglês (as elites paulistas) versus os aliados do imperialismo ianque (visto na figura de Getúlio Vargas). Apesar da omissão dos comunistas no conflito, ele foi usado como pretexto para a intensificação da repressão ao movimento operário e ao PCB por conseguinte.

Sobre o CAM, foi uma sociedade considerada apolítica e que tinha como objetivo difundir a arte moderna. Caio foi um de seus fundadores e sobre sua ação, diz Pericás:
O CAM se destacou pelas apresentações musicais, cursos de pintura, peças de teatro e ciclos de palestras sobre psiquiatria, arte, dança e política. O intuito era trazer ao público paulista o que havia de mais moderno e ousado na época em termos estéticos e culturais. O cubismo, a arte dos loucos, o teatro da experiência e a Revolução Russa, portanto, eram temas em voga na entidade. Entre os frequentadores da agremiação estavam elementos tão diversos como o anarquista italiano Oreste Ristori, o trotskista Mário Pedrosa e os militantes pecebistas Joaquim Câmara Ferreira e Tito Barini. Após um ano sendo vigiado e reprimido pela polícia, com diversos sócios abandonando-o ou deixando de pagar as mensalidades, o CAM foi extinto em dezembro de 1933 (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 42).
Já em 1932, primeiro ano em que mantém contato e possivelmente ingressa no PCB, Caio entra em atrito com o partido. O Comitê Regional do PCB em São Paulo, o acusou de querer fundar um jornal "pequeno-burguês", de manter aproximações com trotskistas e também por organizar cursos marxistas sem a devida consulta aos dirigentes. Caio estavasendo acusado de colaborar com militantes que desejam dar um "golpe interno" dentro do partido. Essas acusações foram recebidas por Caio através de uma carta, datada do dia 29 de novembro, que dava um prazo de dois dias para que ele reavaliasse seus comportamentos. Caso contrário, seria publicamente acusado de trotskismo e, consequentemente, de inimigo da classe trabalhadora.

O historiador paulista respondeu a carta, enxergando como improcedente todas aquelas acusações. Sobre as acusações de trotskismo, Caio responde categoricamente que sua visão sobre a realidade brasileira se diferenciava tanto desses grupos, quanto do próprio PCB. Para os seguidores de León Trotsky, a Revolução de 30 se caracterizou como uma revolução burguesa; já os pecebistas enxergam a necessidade da eclosão dessa mesma revolução no país, aos moldes do que ocorreu na Rússia. Porém, Caio enxergava como errônea as duas perspectivas, já que não havia espaço no Brasil para uma revolução burguesa, pois o regime vigente era o que ele chama de "arquiburguês". Finalizando a resposta ao Comitê Regional, diz Caio Prado:
E o CR pode estar certo que lhe valem muito mais colaboradores conscientes e sinceros, que oportunistas sem opinião, que aceitam tudo, só pelo medo de discutir, e não porque estejam sinceramente convencidos. Estes podem qualquer dia virar as costas, porque sua colaboração não assenta na sua convicção. Mas os que procuram se esclarecer, e somente aceitam o que é provado - e tudo no marxismo-leninismo, que é ciência, pode ser provado - estes nunca faltarão na hora que forem chamados a lutar (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 45).
Caio desejava que o PCB superasse o discurso sectário e obreirista, visando tornar o partido uma organização de massas e não um grupo fechado no que ele chamava de "Olimpo proletário". Apesar do tom não passivo da sua resposta, ele não foi expulso do partido e muito menos teve sua imagem exposta publicamente pelos dirigentes partidários. Permaneceu sem realizar a solicitada autocrítica, defendendo até o último momento suas próprias convicções políticas. Sobre sua não expulsão do partido, destaca Pericás:
No caso das acusações, ele nunca fez uma "autocrítica" ou mea culpa. Pelo contrário. Defendeu até o fim todas as suas concepções políticas e procedimentos ao longo daquele ano. O fato é que ele tinha amigos no Comitê Central do PCB, com os quais se comunicava regularmente. E, mesmo que o CR desejasse sua saída, fica claro que instâncias superiores queriam que continuasse em seus quadros. O trânsito que CPJ possuía em diferentes setores sociais e as contribuições materiais (ou seja, financeiras) que poderia dar ao partido provavelmente pesaram nessa situação (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 46).
Apesar de enxergar o PCB como vanguarda do proletariado, defendendo a tese de que apenas os militantes comprometidos e disciplinados deveriam se manter na organização; Caio permaneceu exercendo sua militância política (chegando a entregar panfletos nas ruas paulistas) com autonomia intelectual. Isso foi motivo de elogios, como o de Florestan Fernandes que assim definiu a atuação de Caio nas fileiras pecebistas: "Essa independência fez dele um homem ímpar, entre os militantes do Partido Comunista, porque, sem romper a disciplina partidária, ele não correspondia a barreiras intelectuais que, posteriormente, se dissiparam" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 48).

Capítulo 02 - Leitores (e leituras) marxistas de Caio Prado Júnior

Autores como Carlos Nelson Coutinho e Guido Mantega, contestam a base marxista de CPJ, alegando que o mesmo teve pouco contato com as obras de Marx/Engels assim como de seus sucessores. Um dos argumentos utilizados são as escassas citações que Caio faz a autores marxistas em suas obras. Porém, Pericás acredita que o número de citações de Marx ou de autores marxistas, não definem se a obra de um intelectual do porte de Caio foi ou não alinhada a essa tradição política e teórica. O marxista, para o autor, seria aquele que soubesse utilizar corretamente o método histórico-dialético em suas análises e tal feito foi visto nas obras de Caio. Inclusive, ele seria o primeiro a utilizar esse método de forma refinada e não mecânica, como pode ser visto por autores que o precederam.

A literatura marxista encontrou dificuldades para ser difundida no Brasil e possivelmente só aportou no país após a Revolução Russa de 1917. A partir dessa esparsa difusão, surgiram divulgadores do marxismo como Octávio Brandão, Leôncio Basbaum, Mario Pedrosa e Lívio Xavier. Todos, pioneiramente, buscaram aplicar a nova teoria para o entendimento da realidade brasileira. A primeira obra publicada que buscou entender o Brasil pela ótica marxista foi Agrarismo e Industrialismo de Brandão, livro escrito em 1924 e publicado apenas em 1926; sob o pseudônimo de Fritz Mayer e com publicação de Buenos Aires, visando confundir os órgãos de repressão da República Velha. O livro aborda, pioneiramente, temas como: o papel do imperialismo no país, a força e o atraso que representava o latifúndio e analisava as revoltas tenentistas de 1922 (Copacabana) e 1924 (São Paulo). O principal embate que o país sofria naquele contexto, seria entre o imperialismo britânico e o imperialismo norte-americano, tendo os primeiros aliança com setores agrários e/ou "feudais", enquanto os segundos se aproximavam de setores urbanos.

A solução encontrada por Brandão era a organização da classe operária, através do Partido Comunista, e sua consequente aliança com setores igualmente oprimidos como os camponeses, a pequena burguesia e os tenentes revoltosos. O objetivo era criar um só movimento, com o intuito de derrubar os setores agrários e feudais, aliados do imperialismo britânico. O livro serviu de inspiração para o II Congresso do PCB, mas em seguida foi fortemente atacado pelo Comintern e seu autor acusado de utilizar o método dialético de forma mecânica. Os trotskistas Mario Pedrosa e Lívio Xavier, escreveram juntos a obra Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil, escrito em 1930 e publicado no ano seguinte. O texto, considerado por Pericás mais como uma intervenção política do que um documento historiográfico consistente, defendia a tese de que o Brasil se formou baseado em uma forma peculiar de feudalismo que se assentava na grande propriedade rural.

Diferentes de outros países, a pequena propriedade não prosperou por aqui e a burguesia local detinha uma forte ligação com o meio rural (por ser oriunda do campo) e através da cultura do café, nos inseriu na economia mundial. Porém, inseriu dentro de um modelo dependente de dominação imperialista. Logo, a natureza da burguesia brasileira era instável e consequentemente incompatível com a construção de políticas progressistas que viessem a construir um verdadeiro e independente Estado nacional. Por fim, Pericás lembra de Basbaum como outro importante pioneiro. Sob o pseudônimo de Augusto Machado, ele escreveu em 1933 a obra A caminho da revolução operária e camponesa, publicada em 1934. Nessa obra, Basbaum defende a seguinte tese sobre o Brasil e sua formação:
Ele acreditava (como muitos em sua época) que o Brasil (caracterizado por ele como uma semicolônia do imperialismo estrangeiro) era dominado tanto pelo latifúndio como por uma burguesia agrária e por "proprietários feudais", com predominância de um regime "feudal" e "semiescravagista". O poder político, portanto, estaria nas mãos de um suposto "bloco feudal-burguês". A luta de então, na avaliação de Basbaum, se daria entre o sistema "feudal" e o "capitalista", que coexistiriam na mesma realidade nacional e, mesmo tendendo a destruir-se mutuamente, não podiam fazê-lo porque havia fortes interesses vitais entre ambos. O que mantinha essa coalização era a presença do imperialismo. A Revolução de 1930 representava, assim, um choque entre grupos antagônicos, cada qual vinculado a um país hegemônico distinto, com soluções diferentes para a crise no país (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 51).
A proposta de Basbaum para esse imbróglio era a insurreição das massas, sem ser meras quarteladas tenentistas. Mas esse levante popular deveria ser seguido pela defesa de um programa que contivesse as seguintes reivindicações: eliminação do latifúndio, expulsão dos imperialistas, não pagamento da dívida externa, nacionalização de empresas estrangeiras e socialização dos meios de produção e transportes. A classe social que deveria liderar tal movimento era a classe operária, aliada aos camponeses. Basbaum teve uma importância por debater questões de raça sob uma ótica marxista, enxergando que o negro sofria forte discriminação, porém, aparentemente não explícito como nos EUA. Pericás afirma que todas essas produções teóricas, apesar da importância pioneira, mantinham a mesma limitação no que tange ao uso do método histórico e dialético proposto pela teoria marxista.

Contemporânea a essas produções, mas muito mais refinada do ponto de vista teórico, surgiu em 1933 a obra Evolução Política do Brasil. O sub-título dado por CPJ a essa obra já diz muito sobre sua importância: "Ensaio de interpretação materialista da história do Brasil". Mesmo que a bibliografia utilizada por Caio fosse baseada em autores brasileiros não marxistas (como Joaquim Nabuco, Pereira da Silva e Felisbelo Freire), a obra não deixa de ter na sua essência a utilização do método histórico-dialético de Marx e Engels. Segundo Pericás:
Com ele, o jovem intelectual produzirá um verdadeiro marco nos estudos marxistas brasileiros: ele dá centralidade às massas populares e à importância de sua integração à realidade do país, assim como ao próprio decurso histórico, inserindo os estratos sociais menos privilegiados no processo de construção nacional, da Colônia ao fim do Império, como agentes ativos, que se expressam por meio de lutas populares, fossem reivindicatórias, fossem pela tomada efetiva do poder (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 53).
Nesta obra, Caio apresenta o povo como agente ativo que, mesmo excluído do processo decisório, buscou se manifestar em acontecimentos como a Cabanada, a Balaiada, a Revolução Praieira etc., sendo os fracassos desses acontecimentos um motivo para a necessidade de construção de instrumentos políticos que viabilizassem a participação política dos oprimidos. A obra também mostra como as demandas populares foram ignoradas pela classe dominante local que, da passagem da Colônia para o Império e do Império para a República, estiveram liderando os processos em benefício da manutenção de seus privilégios. A independência foi conquistada, por exemplo, mas a eliminação da opressão lusitana sobre o país não foi acompanhada de outras medidas como o fim da escravidão. Assim como a proclamação da República e o fim da escravidão, não representou mudanças estruturais significativas. O fato é que, assim como Mariátegui fez com os índios no Peru na obra Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, Caio buscou mostrar as massas como agente ativo na formação histórica do Brasil.

Sobre suas leituras marxistas, Pericás afirma que entre sua entrada no PCB a sua primeira viagem a URSS, Caio leu autores como: Lênin, Rosa Luxemburgo, Josep Stálin, Béla Kun, Georges Sorel etc. Em sua biblioteca pessoal, também marcava presença autores como Che Guevara, Antonio Gramsci, Palmiro Togliatti, Gyorgy Lukács, Louis Althusser, Ernest Mandel etc. Entre os brasileiros: Basbaum, Brandão, Rui Facó, Carlos Marighella, Jacob Gorender, Nelson Werneck Sodré, Luiz Carlos Prestes, Heitor Ferreira Lima etc. E "Alguns teóricos marxistas serão mencionados esporadicamente em cartas ou livros, como Lukásc, pelo qual CPJ tinha o maior "apreço"; Sartre, a quem considerava como "um grande e até genial literato"; Stalin, que chegou a ser citado favoravelmente como uma autoridade sobre a Rússia soviética; e Althusser, o qual criticou duramente em um longo ensaio" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 57).

Graças a seu interesse pela América Latina, Caio manteve contato com diversos intelectuais da região. Seu objetivo era estudar as especificidades do Terceiro Mundo e assim ele manteve contato com autores como Norberto Frontini, Gregorio Bermann, Rodolfo Puiggrós, Hector Agosti etc. E recebeu elogios de estrangeiros como John Dulles.

Por fim, o capítulo se encerra com Pericás enxergando aproximações entre Caio e Nikolai Bukharin, revolucionário russo. O único livro traduzido por Caio foi Teoria do materialismo histórico de Bukharin, colocando-o entre os primeiros divulgadores da teoria marxista no Brasil. Um dos principais revolucionários no processo que culminou com a Revolução Russa em 1917, Bukharin foi leitura obrigatório nos primeiros anos do PCB. Seu prestígio no movimento comunista internacional começou a declinar após a ascensão de Stálin, sendo então acusado de "desviacionista". Seu prestígio começa a cair no início dos anos de 1930 e em 1937 ele é expulso do partido, sendo executado no ano seguinte. A partir daí um forte expurgo é realizado em todos os PC's ligados ao Comintern, com o intuito de eliminar militantes simpáticos as suas ideias. Nos EUA, militantes como Jay Lovestone e Bertram Wolfe foram expulsos; na Índia foi Manabendra Nath Roy e na Argentina, José Penelón.

Pericás enxerga uma aproximação teórica entre Bukharin e Caio, pois ambos desenvolveram interpretações que se chocavam com a posição hegemônica dos comunistas mais ortodoxos. Bukharin, por exemplo, enxergava a transição do capitalismo para o socialismo como um longo processo e não como o resultado imediato de uma revolução fulminante. No contexto russo, Bukharin foi um árduo defensor da NEP. Foi também contrário a coletivização forçada da terra e defendia uma aliança entre operários e camponeses. Defendia um sistema gradualista de desenvolvimento com a burguesia obtendo em mãos a indústria leve, enquanto o Estado soviética deteria a indústria pesada sob sua administração. Alertou para o perigo da constituição de uma "terceira classe", composta por burocratas; assim como teve participação ativa na formulação da Constituição Soviética de 1936, defendendo ideias como a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião e de credo. Outro ponto que marca seu pensamento é a valorização dada aos aspectos culturais e educacionais na construção do socialismo. Essa construção deveria ser feita de baixo para cima, mesmo que lentamente.

Assim como Bukharin, e talvez influenciado por ele, Caio também atentou para a importância dos aspectos culturais e educacionais na construção de um novo sistema. Em obras como Perspectivas da política progressista e popular brasileira Caio "insistirá na importância da promoção da educação popular e da pregação ideológica das massas para uma fecunda ação política no campo e nas cidades" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 79). Em A marcha da questão agrária, "defenderá que a melhoria no padrão de consumo da população rural ajudaria na superação dos "dilemas da nossa herança colonial". O processos econômico e cultural, portanto, deveriam estar articulados" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 79). Outra ideia presente em Bukharin e também em Caio é vista em A revolução brasileira, quando o historiador paulista "enfatizaria também o estímulo à maior produtividade na agricultural a partir do aperfeiçoamento do setor, utilizando para isso elementos qualitativos como maquinaria moderna, assim como o incremento na renda dos trabalhadores rurais, organizados em sindicatos e protegidos pela legislação" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 79).

Em suma, Pericás admite que entre Bukharin e Caio existe diferenças, também explicadas pelo contexto diferenciado em que os dois autores estão inseridos. Porém, ambos se unem em desenvolver interpretações autônomas, sendo consequentemente acusados por companheiros de partido como "reformistas" ou até "direitista". Esse certo afastamento e independência da chamada "linha oficial", tornam os autores próximos. Mas, o autor dessa biografia adverte que são apenas aproximações generalizantes, pois Caio nunca se declarou um bukharinista e sequer foi acusado de tal alcunha por membros da direção do PCB.

Capítulo 03 - Primeira viagem ao mundo do socialismo

A visão socialista de mundo defendida por Caio foi formada e consolidada pelas suas diversas viagens ao países socialistas, como a URSS, a China e Cuba. O primeiro país socialista que o historiador paulista veio a visitar, foi a URSS, em 1933. Naquele período, apesar da revolução socialista no país ter acontecido em 1917, ocorria um mar de desinformação sobre a realidade soviética tanto no Brasil quanto na América Latina.

Caio viajou para a URSS com sua esposa Baby e ficou por lá entre maio e junho de 1933. Para chegar no país, saiu de Paris para a Alemanha, passou pela Polônia e de lá rumou para Leningrado. Em solo soviético, conheceu o Kremlin e o Palácio de Inverno; navegou pelo rio Volga; presenciou cerimônias religiosas; e viu operários irem a teatros, cinemas, bibliotecas etc. Sobre o contexto em que vivia a URSS no período da visita de Caio, descreve Pericás:
O historiador chegou à URSS no início do Segundo Plano Quinquenal, que fora colocado em andamento naquele ano. O país se modificara rapidamente desde 1929. O fato é que, no final de 1933, aproximadamente 99% da indústria soviética já estava socializada. Os centros foram reorganizados, novos surgiram (como Dnieprostroi e Stalinsk) e o número de operários nas fábricas e usinas, que era de 11.599.000 em 1928, subiu quatro anos depois para 22.942.800. Juntamente com o processo intensivo de industrialização do país, ocorreu também a coletivização acelerada da agricultura, que resultou, em 1933, em cerca de 23 milhões de propriedades camponesas individuais, concentradas numa estrutura de fazendas coletivas ou estatais (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 84).
Caio testemunhou os resultados do Plano Quinquenal e da coletivização forçada, porém, não se mostrou desfavorável as medidas. "Para ele, a comuna era uma forma de cooperação superior, na qual a produção estaria integralmente socializada. Seria um "estágio avançado" da ideologia camponesa, constituído de indivíduos já libertos, em parte, da "herança individualista" dos regimes passados" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 84). Caio conheceu in loco uma dessas fazendas coletivas, a Comuna Seattle, bastante elogiada pelo historiador. Porém, Pericás lembra que a Comuna Seattle pode ser considerada uma espécie de exceção à regra. Essa comuna tinha mão de obra e tecnologia norte-americana, pois foi fundada por comunistas oriundos dos EUA. Além disso, essa comuna era formada por militantes experientes e com sólida consciência política, se diferenciando materialmente e ideologicamente da grande maioria que sofria com as dificuldades econômicas da URSS. Caio também visitou outra fazenda coletiva, conhecida como Verblud.

Após o seu retorno para Paris, em carta escrita para os pais, Caio assim descreveu a experiência socialista que acabara de presenciar: "De um lado o atraso de um povo mergulhado por séculos na ignorância e na miséria; doutro o esforço e a vontade de melhorar que existe na massa da população. São estes aspectos contraditórios que formam o quadro da Rússia de hoje" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 88). Segue Caio sobre suas impressões:
Vi e senti imediatamente que na URSS estava-se fazendo alguma coisa; que apesar do muito que ainda falta, muito já estava feito e, principalmente, todo mundo sabia o que ia fazer. Existe um programa, claramente traçado, que aos poucos vai sendo executado. Levará mais ou menos tempo, não sei; mas o que é mais importante, ele existe (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 88).
As suas observações sobre o país recém visitado, foram reunidas no livro URSS, um novo mundo em que Caio surge como um dos primeiros brasileiros a escreverem sobre a realidade soviética. Antes de publicar sua obra, Caio leu clássicos como Rússia de Maurício de Medeiros; Onde o proletariado dirige e Que é o Estado proletário? de Osório César e Como eu vi a Rússia de Carlos Afonso, além de anticomunistas como Émile Schreiber. Sua visita a URSS não lhe rendeu apenas a publicação do livro, mas também serviu de motivo para que proferisse palestras no CAM sobre a realidade soviética. A obra de Caio fez parte de um período em que vários escritos sobre a URSS foram publicados no Brasil. Além dos citados acima, outros buscaram escrever sobre o primeiro país socialista, como: Astrojildo Pereira em URSS, Itália e Brasil; Gondin da Fonseca com Bolchevismo; João Becker com O comunismo russo e a civilização dos soviets etc. Porém, sua obra tratou-se de uma resposta a escritos anticomunistas, como os de Octavio de Faria, Carvalho e Souza e Dionisio Napal.

Capítulo 04 - Os anos de fogo: da ANL ao cárcere

Após seu retorno da URSS, Caio ingressa na Universidade de São Paulo (USP), no curso de Geografia. Ele fez parte da primeira turma de alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), tendo contato com diversos professores estrangeiros como Pierre Deffontaines, Fernand Braudel, Pierre Monbeig etc. É durante esse período que Caio alarga sua visão sobre o Brasil, através das várias viagens de campo que realiza.

Na política, o ainda pequeno PCB vai ganhar mais força no cenário político nacional com o ingresso de Luiz Carlos Prestes no partido (em junho de 1934 e com imposição dos soviéticos) e a constituição da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em março de 1935. A criação da ANL, que teve Prestes como presidente de honra, fazia parte de um contexto em que a URSS dava mais liberdade as seções nacionais, graças ao VII Congresso do Comitern que previa a construção de frentes populares amplas em combate ao ascendente fascismo. A ANL se colocava como uma organização "nacional-libertadora" e "antifascista", visando a construção de um "governo popular nacional revolucionário".

Apesar da heterogeneidade da organização, "a "espinha dorsal" do movimento, de acordo com Marcos Del Roio, era o PCB, cujos membros representavam em torno de 10% de seus quadros (segundo o mesmo autor, haveria aproximadamente 8 mil membros da agremiação operando naquele momento)" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 100). Como comunista e militante do PCB, Caio participou da construção da ANL, principalmente em suas articulações no estado de São Paulo. Segundo o autor:
É nesse contexto que Caio Prado Júnior atuará. Ele terá papel de destaque como presidente regional do movimento em São Paulo, instalado no Cassino do Parque Antártica em 24 de abril, dando uma contribuição mensal, a partir daí, de 100 mil-réis à ANL. Pouco tempo mais tarde, Prestes sugeriria a Miguel Costa que se tornasse o dirigente máximo da organização no estado, aconselhando-o a tomar a direção local, caso a insurreição da ANL fosse vitoriosa, o que acabou não se efetivando (como afirma Dulles, Costa relutou em apoiar o levante e seria apenas o presidente "honorário" em São Paulo. Para o "cavaleiro da esperança", CPJ era conhecido apenas nos círculos intelectuais, ainda que fosse uma excelente pessoa. O futuro líder do "governo popular", na sua opinião, teria que ser alguém com origem "militar". Isso, contudo, não ocorreu. A questão é que, em última instância, Caíto não deixou de ser o presidente da seção da ANL no estado (inclusive foi ele quem, alguns meses mais tarde, convocou o dirigiu a manifestação contra a clausura da entidade)  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 100).
Segundo Pericás, a atuação política de Caio na ANL não era meramente de estruturação da entidade. Ele também financiou um grupo de espiões que, segundo o autor, se fez presente nas fileiras do PRP, no Partido Constitucionalista e na Ação Integralista Brasileira (AIB); além de contribuir para a criação de uma espécie de grupo paramilitar da ANL que tinha como objetivo entrar em conflito físico com os integralistas.

Mas já em julho de 1935, a ANL foi posta na ilegalidade pelo governo Vargas e seus militantes reprimidos. É neste contexto que eclode a Insurreição e/ou Levante Comunista (também chamada de Intentona), facilmente reprimida pelas forças do Estado. A partir daí foi instaurado um estado de sítio no país que duraria até julho de 1937. Detido brevemente em setembro de 1935, Caio foi preso em dezembro do mesmo ano no Rio Grande do Sul, sendo solto apenas em setembro de 1937. Por conta da instalação do Estado Novo em novembro de 1937, Caio se viu obrigado a exilar-se do país, rumando para a França. No período, o PCB foi totalmente desarticulado pelas forças estado-novistas. Sobre a situação jurídica de Caio, diz Pericás:
Caio Prado Júnior foi julgado à revelia pelo Tribunal de Segurança Nacional, no Rio de Janeiro, em audiência do juiz Raul Machado, em 29 de novembro de 1938, por processo em São Paulo, e, dois dias depois, pelo juiz Lemos Bastos, em uma segunda ação judicial. Em 1º de dezembro, foi condenado a um ano e três meses de prisão celular, mas no dia 19 do mesmo mês o TSN deu provimento à apelação n. 226, requerida no processo 237, absolvendo o acusado. Sendo assim, Caio Prado Júnior recebeu o alvará de soltura, estando, portanto, apto a voltar ao Brasil. E foi o que fez em seguida.  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 112).
Capítulo 05 - Novas Trincheiras de Luta

Após retornar ao país em 1939, Caio passa a atuar na Comissão Jurídica Popular de Inquérito, criado pelo PCB em defesa dos comunistas presos pelo Estado Novo. Já em 1942, isolado em um sítio batizado de Jurupeva (e situado em Campos do Jordão), escreveu sua mais célebre obra: Formação do Brasil Contemporâneo. Sobre o objetivo dessa obra, diz Pericás:
Seu objetivo original era produzir uma histórica do Brasil em vários volumes, Formação seria o primeiro e abordaria o período colonial. Ao defender a tese de que o Brasil havia sido estruturado, desde o início, para atender às necessidades externas (e não para alimentar seu mercado interno), ele definiu o "sentido da colonização", categoria fundamental que explicaria o processo histórico brasileiro "como linha mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em ordem rigorosa e dirigida sempre numa determinada orientação"  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 114).
E mais,
O livro (na época apontado numa enquete patrocinada pela revista Diretrizes como contribuição básica e fundamental para o conhecimento de nossa formação social e política), o autor revelou as relações, os processos e as estruturas sociais, econômicas e políticas que operavam na composição e nas transformações de nossa sociedade, indicando o fator de instabilidade, de falta de continuidade no decurso histórico do país, ou seja, uma evolução por ciclos, com fases sucessivas de progresso, seguido de decadência, resultando num sistema e num processo econômico em que a produção e o crescimento se subordinavam a contingências extrínsecas. O desenvolvimento, portanto, significaria a superação do passado colonial e a eliminação do que ainda restava dele (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 114).
O seu retorno ao Brasil não originou apenas a publicação dessa obra, também foi possível fundar a Editora Brasiliense, em 1943. A editora exerceria um papel importante de publicação e tradução de obras no país. Já sua militância política no PCB permanecia e agora com novas polêmicas. Completamente desarticulado pelo Estado Novo, o PCB rumava para um processo de reconstrução após a entrada do Brasil na guerra. O embate no partido envolvia as seguintes facções:
Alguns grupos, na época, iniciavam a articulação para reconstruir o PCB, um dos quais formado no Rio de Janeiro, a Comissão Nacional de Organização Provisória, encabeçada por Amarílio Vasconcelos e Maurício Grabois, e da qual também faziam parte os baianos liderados por Arruda Câmara, além de João Amazonas, Mário Alves, Pedro Pomar e Giocondo Dias. O CNOP apoiaria Luiz Carlos Prestes na secretaria-geral do partido e defenderia a "união nacional", num esforço comum na guerra contra o nazifascismo na Europa. Por outro lado, Caio Prado Júnior daria seu suporte aos Comitês de Ação, que não aceitavam de imediato a liderança prestista e mantinham uma postura crítica e até mesmo hostil à ditadura estado-novista  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 116).
Esse embate foi resolvido após a realização da II Conferência Nacional do PCB, conhecido como Encontro da Mantiqueira, em que as visões do CNOP saíram vencedoras. Os prestistas barravam a ânsia de vários comunistas, como Caio, de formar uma frente democrática ampla contra a ditadura do Estado Novo; apostando na ideia de "união nacional" visando um inimigo em comum. Mas, de forma autônoma, Caio não respeitou tanto essas ideias e no I Congresso Brasileiro de Escritores assinou um manifesto com outros intelectuais em combate ao autoritarismo estado-novista. Também se manifestou contra a ditadura Vargas no caso do assassinato dos estudantes Demócrito de Souza Filho e Manuel Elias do Santos, em Recife. Ambos foram mortos pelas forças policiais que buscavam reprimir uma manifestação em oposição ao Estado Novo.

Nessa mesma época, diz Pericás, Caio chegou a flertar com a União Democrática Nacional (UDN) que surgia como uma frente ampla contra a ditadura Vargas. A UDN reunia oligarcas que perderam espaço após a Revolução de 1930, liberais, antigos militantes da ANL e até comunistas. Diz o autor que Caio chegou a sugerir o nome da organização, acrescentando o termo "democrática". Porém, seu apoio a UDN foi apenas inicial, Caio não apoiou seus candidatos posteriores e nem os rumos que tomaram à organização.

Nesse período, Prestes sai da cadeia e surge como nome unificador e centralizador no PCB. Seu retorno as atividades políticas, representava a reconstrução do partido. Apesar de discordâncias com Prestes, principalmente a ideia de "união nacional" que buscava aproximar os comunistas de Vargas, Caio respeitou o centralismo democrático e defendeu o líder comunistas publicamente. Porém, em seus diários, chegou a tratar Prestes e seus partidários da seguinte maneira:
Em muitos aspectos, a campanha prestista-comunista assume o colorido das campanhas fascistas. A mesma idealização e quase deificação do chefe; o mesmo radicalismo que não se [sente] aliás bem dentro da linha oficial do partido; as mesmas explosões emotivas e irracionais coletivas  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 125).
Mas retornando as suas atividades intelectuais, Caio publica em 1945 outra célebre obra: Histórica Econômica do Brasil em que "discutia o desenvolvimento nacional a partir dos primórdios da colonização até o chamado "Império escravocrata" e a "República burguesa", passando pela ocupação do território e pela expansão da empresa portuguesa por aqui, e no final ampliando o debate para temas como o imperialismo e a industrialização"  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 127).

O tema do imperialismo é importantíssimo na obra, pois Caio analisa como suas ações estão entrelaçadas na estrutura econômica do país. E mais: "De acordo com o historiador, em opinião expressa mais tarde, o imperialismo seria responsável por oprimir "o conjunto do país" e não, propriamente, a burguesia nacional, que se favoreceria com os monopólios estrangeiros (a maior parte dos negócios imperialistas era realizada, a seu ver, em conluio com setores burgueses, para explorar o mercado interno). O interesse primordial do imperialismo no Brasil era colocar sua produção em circulação dentro do país; para isso, precisaria de um regime política e economicamente estável a seu favor. Nesse sentido, a penetração imperialista teria favorecido o desenvolvimento da burguesia local  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 129). Logo, a transição da colônia para a nação não foi completamente realizada no país.

No PCB, Caio seria candidato como Deputado Federal Constituinte, mas não conseguiu vencer o pleito, conseguindo um pouco mais de 9 mil votos em São Paulo. A votação o colocou apenas como terceiro suplente. Mas o partido cresceu nas eleições de 1945, elegendo Prestes para o Senado e nomes como Marighella e Gregório Bezerra para a Câmara. Porém, nas eleições estaduais em 1947, Caio foi eleito deputado estadual com um pouco mais de 5 mil votos, sendo também o líder do partido na Assembleia Legislativa. "Caio iniciou sua ativa participação parlamentar, apresentando ou subscrevendo 31 emendas ao projeto constitucional, das quais 16 foram rejeitadas, 4 aprovadas parcialmente e 9 aceitas plenamente"  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 132). Graças ao acirramento da Guerra Fria, o PCB retorna à ilegalidade em 1947 e no ano seguinte, Caio perde seu mandato de deputado estadual; sendo preso por quase três meses.

Em 1949, Caio participa do Congresso da Paz em Paris e tem a oportunidade de conhecer dois países socialistas: a Polônia e a Tchecoslováquia. Em carta escrita para a mãe, em junho de 1949, tratou assim sua experiência nesses dois países: " Não falta aliás o que aprender nesses países; como se constrói um novo mundo. E é o que estão fazendo lá. Não se trata apenas de melhorar materialmente a sorte de cada um e de todos, mas também, moralmente, de criar uma sociedade melhor, em que os homens não sejam inimigos uns dos outros, mas vivam em harmonia e trabalhando em conjunto para a felicidade de todos"  (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 142).

Capítulo 06 - A Batalha das Ideias

O presente capítulo vem debater a atuação política e intelectual de Caio, durante os anos de 1950. No campo intelectual, Caio desenvolve estudos sobre Filosofia e a Questão Agrária no Brasil. É nesse período que ele publica a obra Dialética do Conhecimento (1952). Suas reflexões no campo filosófico, sofreram duras críticas. Grande parte das críticas giravam em torno da forte influência marxista em seus escritos, sendo esses uma espécie de reprodução do que intelectuais soviéticos pensavam sobre o tema. As críticas vinham de antigos amigos como Sérgio Buarque de Holanda, até de outras figuras como Oswald de Andrade.

Mas também ele recebeu muitos elogios, entre esses, Pinto Ferreira e Jacob Bazarian; e entre críticos e apoiadores, sua obra Dialética do Conhecimento ganhou o prêmio Horácio Lafer, do Instituto Brasileiro de Filosofia. Apesar da forte influência marxista, o escrito não foi bem recebido pelo Comitê Central do PCB. Caio chegou a receber desaprovação externa, como do dirigente comunista argentino Benito Marianetti, que em cartas o avisou sobre o impacto negativo que a obra causou entre os militantes do PCA. As principais críticas giravam em torno de um questionamento feito por Caio, sobre a visão(para ele, incorreta) que Engels tinha de que as leis da dialética são fatos imanentes ao meio natural. Apesar de tais críticas, Caio não recuou em suas ideias.

Na política, Caio se posicionaria contra a intervenção imperialista dos EUA na Guatemala e, sob os impactos causados pelo XX Congresso do PCUS, "o historiador paulista admitiu que as falhas do dirigente soviético haviam retardado o avanço do socialismo na URSS e "que sem a ditadura de Stalin, o socialismo teria feito progressos mais rápidos". Ainda assim, acreditava que as novas diretrizes da era Kruschev permitiriam que o povo e as "massas" vivessem no país com segurança" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 153).

Em 1953, Caio tenta ingressar como professor na USP com a tese Diretrizes para uma política econômica, mas não obtém sucesso. Nessa tese, Caio defende a seguinte visão de Brasil:
O país continuava, segundo ele, essencialmente a produzir artigos primários, destinados ao mercado externo, enquanto a maior parcela dos itens para consumo interno era importada. Mesmo com a industrialização durante a Primeira Guerra Mundial, e principalmente ao longo da Segunda, quando o Brasil teve uma produção diversificada (aumentando, consequentemente, o nível de parte da população), o problema não havia sido resolvido (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 155).
Quais as soluções propostas por ele para a superação desses problemas? Segundo suas ideias:
Mister, nesse caso, seria ampliar a capacidade de criar esses artigos internamente e, ao mesmo tempo, constituir um mercado endógeno, a partir da elevação da qualidade de vida do homem do campo. Investidores brasileiros(ou forâneos "radicados" aqui) teriam a tarefa de impulsionar a industrialização, enquanto o Estado tomaria as mãos a prerrogativa de realizar macroempreendimentos que a iniciativa privada nacional não tivesse condições de levar a cabo (ou que fossem considerados fundamentais para estimular a economia privada). Caio Prado Júnior era a favor do monopólio estatal do comércio exterior e de uma reforma agrária com modificação do estatuto da propriedade fundiária, cujo titular deveria ser aquele que efetivamente investiria na exploração da terra, em seu trabalho e em seus recursos (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 155).
Para que essas reformas fossem instituídas no país, não se fazia necessário a implantação imediata do socialismo, segundo Caio. Elas poderiam ser realizadas por forças próprias do capitalismo. Porém, a empreitada mais importante de Caio nos anos de 1950 foi a criação da Revista Brasiliense em 1955. A revista foi fundada junto com alguns intelectuais do PCB, reunindo importantes escritos da esquerda brasileira da época. "A Revista Brasiliense, portanto, funcionaria como um veículo "extrapartidário", no qual as forças progressistas (desde nacionalistas de esquerda até marxistas) poderiam se expressar. Por um lado, o historiador paulista não tinha nenhuma posição de proeminência nas fileiras de seu partido, e queria ter sua voz ouvida. Por outro, continuava perseguindo um ativo trabalho político, mesmo que no mundo das ideias. A Revista Brasiliense seria esse instrumento" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 157).

Apesar de conter intelectuais do PCB em sua direção, como Caio e Elias Chaves Neto, a Revista Brasiliense mantinha independência do partido; tendo vida financeira própria. As publicações não precisariam, então, passar pelo crivo aprovatório dos dirigentes do PCB. A qualidade da revista causou simpatia até do PCUS que, pelo contrário, não enxergavam com bons olhos a revista Estudos Sociais, dirigida por Astrojildo Pereira. Mas ainda sobre a independência da revista em relação ao PCB, diz Pericás:
As posições da Revista Brasiliense e do PCB, de fato, eram bastante distintas em diversos pontos. Se o partido chegou a apoiar os governos de Kubitschek e Jango, a RB atacou duramente a ambos. Caíto acusou o primeiro como "certamente o mais entreguista" e "antipopular" da história do país, no qual "nunca a economia brasileira atingiu tamanha orgia imperialista"" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 159).
Caio atentava para a colaboração que o governo JK oferecia ao grande capital, afastando-se das demandas históricas das classes trabalhadoras e populares. "Segundo o historiador, o partido via o capitalismo no Brasil naquele momento como um sistema progressista, cabendo a ele ampará-lo e promovê-lo, o que resultaria, um última instância, no desenvolvimento e se encaixaria no "desenvolvimentismo" de Kubitschek. Essa seria, portanto, uma avaliação equivocada" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 160).

Já sobre o governo Jango, Caio enxergava que sua tentativa de controlar os déficit público e a nacionalização dos setores industriais era movida por um "populismo espúrio", que aliava o "capital burocrático" com a esquerda. Ele também enxergava continuidades entre Jango e JK como grande exploração da força de trabalho, aumento da dívida pública, grandes remessas de lucros para o exterior etc. Além disso, "O historiador chegaria a dizer, mais tarde, que Jango seria o responsável por demagogias tolas (citando, nesse sentido, o projeto de desapropriação de terras nas beiras de estradas) e por políticas superficiais, "sem nenhuma profundidade ou penetração" nas massas..." (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 161).

Críticos aos governos JK e Jango, os intelectuais que compunham a produção da revista, produziram críticas a teóricos próximos de tais governos como Celso Furtado. Em suma, as ideias cepalinas não pareciam muito simpáticas aos teóricos presentes na Revista Brasiliense. Os teóricos mais assíduos eram militantes comunistas, porém, afastados do poder decisório do PCB. No âmbito internacional, a revista se posicionou favorável aos processos revolucionários em Cuba, na China e na URSS de Kruschov. A revista abarcava temas diversos como industrialização, movimento operário, economia, filosofia, sociologia, luta anti-imperialista etc.

Na revista também se discutia sobre a questão agrária, tema que vinha ocupando muito tempo de Caio. Ele apontava para a alta concentração de terra, a presença da grande exploração rural como "empresa mercantil", apontava para os baixos salários pagos aos trabalhadores rurais e contestava possíveis soluções propostas pela Sudene. Pericás lembra que a questão agrária representava uma das principais divergências entre Caio e o PCB, pois a organização adotava desde 1928 a interpretação que enxergava o Brasil como um país marcado pelo modo de produção feudal; sendo necessária primeiro uma revolução democrático-burguesa para em seguida rumar para o socialismo. Caio contestava esse suposto passado feudal do país e "insistia em que, caso se quisesse considerar as origens "históricas" das relações de trabalho da agropecuária do país, seria mais correto falar de restos "escravistas", "semiescravistas" ou "servis", e não "feudais" ou "semifeudais", que, segundo ele, não correspondiam à realidade do país" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 165).

A revista também debatia literatura, dando espaço para autores como Monteiro Lobato. Lobato, sempre adversário de ditaduras e autoritarismos, foi reverenciado pela ANL nos anos de 1930 e chegou a fundar, junto com Jorge Amado e Tarsila do Amaral, o Instituto Cultural Brasil-URSS. Sempre denunciando o colonialismo cultural, Lobato foi amigo íntimo de Caio e foi a figura da literatura que mais teve espaço na revista. Outro tema caro para a revista era o nacionalismo, onde Caio enxergava uma importância primordial. Segundo Pericás:
Já para Caio Prado Júnior, o "nacionalismo" seria a "condição essencial" para o desenvolvimento. Afinal, no sistema capitalista mundial (que constituía um sistema de conjunto em que cada país ou grupos de nações mais ou menos homogêneos ocupavam situações "qualitativamente diversas", que representavam um complexo entrelaçamento de relações que dava a cada um deles uma "feição própria e exclusiva" e uma função econômica específica), o Brasil encontrava-se numa posição periférica, complementar, subordinada e dependente. A superação desse status no quadro mundial seria fundamental, o que se conseguiria somente com um câmbio estrutural (e não mudanças "aparentes" e "formais" do sistema), consistindo em organizar nosso quadro econômico a partir de bases "propriamente" nacionais e em função da massa da população, com uma indústria integrada à economia do país (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 167).
Em suma, a Revista Brasiliense terá uma atuação chave na produção intelectual do país nos anos de 1950, só encerrando suas atividades após o golpe militar imposto em 1964.

Capítulo 07 - De volta ao mundo do socialismo

O capítulo debate a volta de Caio a países socialistas, dessa vez visitando a China, além da URSS que já tinha conhecido outrora. A viagem a URSS ocorreu em 1960 e, no ano anterior, Caio se afastou oficialmente da União Cultural Brasil-Estados Unidos. E um mês antes de viajar, fundou a União Cultural Brasil-União Soviética, junto com figuras como Florestan Fernandes, Elias Chaves Neto, Mário Schenberg, Sérgio Milliet etc.

Caio encontraria uma Moscou bastante modificada em relação a sua primeira visita. A capital da URSS tornou-se o principal centro cultural do país, desenvolvendo-se também economicamente. Mas em carta endereçada ao filho, o historiador paulista destaca aspectos um tanto inusitados da URSS, como o futebol:
Quanto mais se vive mais se aprende, sobretudo viajando. Estou aprendendo muita coisa, e sobretudo que realmente o regime político e social deste país é o futuro de toda a humanidade. Mas aprendi outras coisas também, que o futebol igualmente aqui é o esporte mais popular. Visitamos ontem o estádio Lenin, o maior daqui, com capacidade para 100.000 pessoas. Havia um jogo importante, estava cheio. É menor que o Maracaña, mas muito mais limpo e bem tratado; uma perfeição em todos os sentidos. Você gostaria muito, e se estivesse aqui, teríamos assistido ao jogo. E você poderia julgar a técnica do futebol soviético. Todo mundo conhece aqui o Pelé, e sabe-se do Brasil sobretudo pelo seu futebol. [...] Agora vamos viajar um pouco pela URSS. Um grande abraço muito e muito afetuoso (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 174).
Mas Caio não viu apenas flores na URSS, também criticou a filosofia produzida no país, taxada por ele de idealista. Porém, em carta a Carlos Nelson Coutinho, acreditava em avanços futuros na filosofia soviética. Após um mês em solo soviético, Caio ruma para a China que desde 1958 estava sob impulso do chamado "grande salto adiante", conjunto de políticas que visavam amadurecer as condições para o triunfo do comunismo no país. Neste contexto,
Em 1960, ano em que Caio Prado Júnior visita o país, a reunião ampliada do Bureau Político do Comitê Central do PCCh, realizada em Xangai em janeiro daquele ano, havia previsto um novo "grande salto adiante", influenciando os projetos tanto para os meses seguintes quanto para os últimos três anos do Segundo Plano Quinquenal (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 176).
Na prática, afirma Pericás, apenas 77% das metas foram cumpridas. O único conhecimento que Caio tinha da realidade chinesa, baseava-se em um relatório feito pelo equatoriano Manuel Agostín Aguirre, mostrando as recentes transformações pelas quais passavam o país asiático. Além de Pequim, a capital chinesa, Caio conheceu outras cidades relevantes como Xangai e Wuhan. Sobre suas impressões, diria que "Há muito ainda por fazer, mas que a obra está sendo levada a cabo, não pode ter dúvidas: em dez anos no máximo, a China é o primeiro país do mundo" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 178).

Em seu retorno ao Brasil, Caio oferece uma palestra na Biblioteca Municipal de São Paulo, passando um pouco das suas impressões. Também escreve o artigo Convivência Pacífica, publicado na Revista Brasiliense, em que defende a política soviética de coexistência pacífica; fazendo coro a "Declaração de Moscou". Com esse escrito, segundo Pericás, Caio parece ainda desconhecer os conflitos sino-soviéticos que se desenvolverão de forma mais explícita nos anos seguintes. Além desse artigo, as experiências de Caio nessa segunda viagem a países socialistas, culminará na obra O Mundo do Socialismo. Porém, no artigo já citado, Caio defende a ideia kruschevista de coexistência pacífica, afirmando ser contrário tanto a exportação da revolução quanto da contrarrevolução. Segundo ele,
Entre o capitalismo e o socialismo somente há hoje, no plano internacional, uma forma admissível de contenda: a competição pacífica. Que se conceda a cada qual dos dois sistemas a oportunidade de exibir seus méritos respectivos, e sua capacidade de fazer frente aos angustiantes problemas econômicos, sociais, morais e culturais que se apresentam na atual conjuntura e fase da evolução histórica da humanidade. E que se deixe a essa humanidade o direito de julgar, isto é, decidir sem o recurso à imposição pela força de um povo sobre outro, qual dos dois sistemas ela prefere (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 179-180).
A obra O Mundo do Socialismo, publicada em 1962, também fazia a defesa dessa coexistência pacífica; rasgando elogios ao XXII Congresso do PCUS, de 1961, e do seu programa rumo ao comunismo. Contraditoriamente, a mesma obra tece elogios a figura de Che Guerava que que seguia uma linha política oposta a defendida por Kruschev e seus correligionários no PCUS. No mesmo ano do lançamento desta obra, o PCB foi palco de um racha interno, surgindo então o PCdoB; então mais próximo das teses defendidas pela China Maoísta. Em suma, a obra segue em uma defesa incondicional a URSS, assim como fizera em URSS - um novo mundo, lançado em 1934 após sua primeira viagem ao país. Talvez já entendendo um pouco do conflito sino-soviético, Caio fará esparsas citações sobre o socialismo chinês. Segundo Pericás, de forma ingênua, Caio defende a ideia de que a repressão política nos países socialistas era inicialmente necessária para garantir a vitória da revolução, entretanto, tais procedimentos não eram mais utilizados graças a simpatia popular para com o socialismo. Segundo CPJ:
A severidade e violência que acompanharam no passado a implantação do socialismo nada têm assim a ver com a natureza do regime. Apesar de ainda cercados de um mundo capitalista hostil que não se conforma com a existência e presença do socialismo, apesar das provocações de toda ordem de que são vítimas - a virulenta propaganda anticomunista generosamente subsidiada que se despeja nos países socialistas entre outros através do rádio e da infiltração de agentes sabotadores -, apesar disso, e de muito mais, os países socialistas já hoje consolidaram e estabilizaram inteiramente sua vida, e os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 183).
Caio Prado Júnior também visitou a ilha de Cuba. Logo após a vitória dos rebeldes liderados por Fidel Castro e Che, o historiador se mostrou simpático a tal experiência política que acontecia no Caribe. Assim como o PCB e o PTB (pelo menos a seção paulista, segundo Pericás), Caio defendeu a Revolução Cubana. Em 1961, participou do Encontro Estadual de Amigos de Cuba; junto com figuras como Michael Lowy, Boris Fausto, Mário Shenberg, Elias Chaves Neto etc. No evento, trotskistas como o historiador Boris, defendeu a expansão da experiência cubana para o resto da América Latina e, se prestaria solidariedade a causa cubana caso o país instaurasse um poder operário. Já os demais comunistas, assim como outros anti-imperialistas presentes, defendiam uma maior moderação com a necessidade de um processo revolucionário etapista.

Caio visita Cuba em 1961. No país, se impressiona com as semelhanças com o Brasil, assim como se espanta com a campanha pelo fim do analfabetismo na ilha, mobilizando cerca de 300.000 voluntários. Mas apesar dessas impressões, não existe um escrito específico de Caio sobre sua experiência a ilha socialista. O que existem são apenas cartas e não obras como as que foram feitas sobre a realidade soviética. Mas a Revolução Cubana entusiasmou todo o continente e também o Brasil. A Revista Brasiliense foi palco de vários escritos sobre a ilha caribenha que se mostrava um exemplo a ser seguido pelos demais países latino-americanos. Mas o máximo que Caio produziu sobre Cuba pós-viagem, foi a participação em uma conferência chamada "A revolução e a realidade de Cuba", além de congressos em solidariedade ao país.

Caio enxergava com bons olhos a reforma agrária produzida pelos cubanos, principalmente porque a estrutura fundiária da ilha tinha semelhanças com a vista no Brasil. Por fim, Pericás destaca a viagem que Caio faz em 1963 a outro país socialista, desta vez trata-se da Alemanha Oriental. Defensor do Muro de Berlim, Caio enxergava como necessária a sua construção por conta do seguinte:
Caio, por sinal, defenderia a construção do Muro de Berlim, erigido em 1961. Numa carta escrita vários anos mais tarde (o que mostra que, nesse caso específico, suas opiniões não haviam mudado), o historiador justificaria a iniciativa de se levantar o muro, considerando-a "como correta e necessária". Para ele, tanto na Alemanha Oriental como nos outros países socialistas, havia um serviço social muito desenvolvido, que abrangeria desde o ensino gratuito (em todos os graus) até a assistência de saúde. Isso tudo atraía os alemães de Berlim Ocidental, que tinha circulação livre até então. Esses cidadãos trabalhavam e exerciam suas atividades produtivas na parte oeste da cidade, mas moravam no setor oriental para se beneficiar das vantagens que o lado socialista oferecia. Isso, segundo o historiador, criava um quadro complicado para a RDA, já que o governo estaria dando ampla assistência, subvencionando sua formação intelectual e técnica, a indivíduos que, na prática, não integravam de fato sua população, nem contribuíam em nada para o país. Essa situação se tornava a cada dia mais insustentável para a República Democrática Alemã: a única solução seria, nesse caso, isolar as duas áreas da cidade (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 198).
Essa seria sua última viagem para um país socialista e, no ano seguinte, um golpe militar seria deflagrado no país com nova prisão de Caio.

Capítulo 08 - Do golpe de 1964 aos debates sobre a revolução brasileira

Pericás relata a vida de Caio após o golpe militar em 1964. Logo após a deflagração do golpe, o historiador paulista saiu às ruas junto com Elias Chaves Neto e se surpreendeu com a normalidade da movimentação. Chegou até pensar em rumar para o sul do país, onde possivelmente poderia ocorrer uma resistência no Rio Grande do Sul, mas retornou antes mesmo de passar as fronteiras paulistanas. Já em abril, Caio foi preso junto com seu filho, Caio Graco, e passou seis dias em reclusão. Mesmo solto, Caio não deixou de ser observado e interrogado pelos militares que o acusavam de subversão.

Com a extinção da Revista Brasiliense, Caio ajudou a fundar uma nova: a Revista Civilização Brasileira que viria para substituir a RB, contando com importantes e renomados colaboradores como Octávio Ianni e Nelson Werneck Sodré. Em 1965, Caio sofre a segunda prisão pelos militares. Isso em abril, pois em junho seria preso pela terceira vez e dessa mais uma vez com seu filho, Graco. Mas qual a posição do PCB frente a nova conjuntura? A posição dos pecebistas foi de moderação, como retrata Pericás:
Ainda em maio daquele ano, 32 dirigentes comunistas participaram da primeira reunião plenária do Comitê Central do PCB desde o golpe, na qual foi aprovada a tática política de tentar isolar e derrotar os militares a partir do movimento de massas e assim conquistar um governo "amplamente representativo das forças antiditadura" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 205).
Tal posicionamento não agradou os setores mais radicais do partido que buscaram criar outras organizações, tentando combater os militares por intermédio da luta armada. Em 1966, Caio publica outra grande obra, trata-se da A Revolução Brasileira, que venceria o prêmio Juca Pato, concedido pela UBE e o jornal Folha de S. Paulo. O debate feito por Caio no livro não era grande novidade, pois diversas outras figuras escreveram sobre a natureza da revolução brasileira. Mesmo assim, sua obra causou um grande impacto na esquerda do país, pois "Nele, era possível encontrar críticas duras à ideia de existência de uma "burguesia nacional anti-imperialista", ao "reboquismo" pecebista nos governos JK e Jango, às teses sobre o "feudalismo" na história brasileira e às "sobrevivências feudais" no campo. Para ele, a agricultural no país era "capitalista", e as relações de trabalho na área rural, de regime assalariado" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 207). Caio também se mostrava crítico das táticas que apostavam na luta armada contra a ditadura, postura que fez muitos acusá-lo de "reformista". Sendo assim, Caio defendia as teses pecebistas da frente ampla e democrática contra os militares.

Mas a principal tese do livro, e que causaria maior repercussão, foi a de que a luta anti-imperialista deveria desmistificar a ideia da existência de uma burguesia nacional progressista versus uma burguesia mercantil que se vinculava aos interesses estrangeiros. Para ele, ambas as burguesias tinham alianças políticas e afinidades ideológicas. O livro recebeu elogios, como as realizadas pelo sociólogo Florestan Fernandes. Entre os críticos, encontram-se figuras como Wladimir Pomar, Paulo Cavalcanti, Ruy Fausto e Ruy Mauro Marini. Após seu lançamento, Caio fez várias palestras debatendo as teses expostas na obra. Seja para apoiá-la ou criticá-la, a obra se tornou a principal produção de Caio durante os anos de 1960 e segue incentivando debates sobre a natureza da revolução brasileira até os dias atuais.

Capítulo 09 - A hora das fornalhas

As transformações nos movimentos sociais mundo afora, afetou Caio. Oriunda do movimento estudantil, os protestos de Maio de 68 na França modificaram as bases da esquerda e dos setores progressistas a nível internacional. Junto com esses movimentos, surgiram as demandas por revisão e redefinição do chamado "socialismo real". Essa busca por oxigenação do marxismo ganhou força no Ocidente e respingou nos países da chamada "Cortina de Ferro" e Caio enxergava nesses movimentos uma legitimidade.

Porém, as respostas (ou não respostas) dadas pelos soviéticos, fizeram Caio se decepcionar com o país que considerava como "pátria do socialismo". Visitando o país duas vezes, publicou livros exaltando e defendendo a sociedade socialista que ali se estabelecia. Manteve ótimas relações com intelectuais soviéticos, ambiente onde era muito respeitado; e ajudou a fundar a União Cultural Brasil-União Soviética. A Revista Brasiliense que coordenou por anos, tinha vários exemplares em bibliotecas de Moscou. Fascinado que era pelo país, Caio fez assinatura de diversas revistas soviéticas, objetivando sempre se atualizar sobre as demandas e desafios do país.

Mas a partir de 1968, Caio passa a ter uma posição crítica da URSS, sendo a invasão da Tchecoslováquia o ponto inicial desta ruptura. A crítica se solidificou ainda mais com a posterior invasão da Polônia. Sobre o caso da Tchecoslováquia, descreve Pericás:
A democracia popular que protagonizou os mais importantes fatos naquele ano, contudo, foi a Tchecoslováquia. No primeiro semestre de 1968, Alexander Dubcek, que encabeçava o Partido Comunista da Eslováquia, apoiado por um grupo de reformistas (coo Josep Smrkovsky, Oldrich Cerník e Frantisek Kriegel), conseguiu, após fortes pressões, que o então primeiro-secretário do PCT e presidente do país, Antonín Novotný, renunciasse a ambos os cargos, com o intuito de implementar mudanças liberalizantes que, supostamente, trariam maior eficiência econômica e liberdade individual para a população. Dubcek ocuparia seu lugar na liderança do partido, o general Ludvik Svoboda substituiria Novotný na presidência e Cerník se tornaria o primeiro-ministro (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 221-222).
Visando um projeto de transição, a ideia era adotar medidas como relaxamento da censura, ênfase econômica nos bens de consumo, governo multipartidário etc. O economista Ota Sik lideraria as mudanças na economia. Segundo Pericás, tais medidas foram bem recebidas pela maioria da população, assim como por intelectuais estrangeiros. Porém, mesmo reafirmando sua fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo, a Tchecoslováquia foi invadida pelas tropas do Pacto de Varsóvia em agosto de 1968 em uma operação chamada de Danúbio. Dubcek foi preso e no seu lugar foi posto Gustáv Husák, alinhado a chamada "Doutrina Brejnev". Tal foi a repercussão internacional da invasão:
A invasão da Tchecoslováquia tomou de surpresa a intelectualidade de esquerda internacional. Se Álvaro Cunhal, Gus Hall e Fidel Castro declararam apoio à ocupação, PC's importantes, como os da Itália e da França, repugnaram aqueles atos. E personalidades do mundo literário como Carlos Fuentes, Jean-Paul Sartre, Simone de Beavouir, John Cheever, Arthur Miller, I. F. Stone e William Stryron, entre muitos outros, pronunciaram-se contra o ataque soviético (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 223).
No Brasil, intelectuais como Anísio Teixeira, Octávio Ianni, Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar etc., também repudiaram a invasão soviética. Entre esses intelectuais, estava Caio Prado Júnior, que chegou a enviar uma carta de repúdio ao embaixador soviético no Brasil. A consequência não poderia ser outra:
A partir daí, houve claramente um desconforto e um clima de insatisfação "intramuros". Caio Prado Júnior receberia até mesmo críticas de alguns camaradas por causa de seus posicionamentos, ainda que, publicamente, não se manifestasse contra a União Soviética. Há quem diga que ele teria se tornado, daí em diante, persona non grata em Moscou. Apesar de tudo, ele não foi expulso nem expressou desejo de sair do partido (ainda que efetivamente sua militância nele fosse exígua naquele momento). E continuou interessado nos estudos acadêmicos produzidos naquele país. Mas o fato é que nunca mais visitaria a terra de Lenin (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 224).
Capítulo 10 - Reforma, revolução e socialismo

Pericás acredita que Caio Prado está inserido no amplo e acalorado debate dentro do marxismo sobre os papéis a serem desempenhados da reforma e da revolução. A tradição marxista, em suas diferentes correntes, sempre buscou tratar a reforma e a revolução como termos não excludentes. Assim, "A revolução, portanto, poderia ser interpretada como uma ruptura abruta e radical da ordem instituída, mas também como um processo simultâneo de pequenas alterações ao longo do percurso, juntamente com profundas transformações sociais" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 225). Apesar de muitas vezes ser acusado de reformista ou neorreformista, Caio se posicionava totalmente contra a ideia de um "capitalismo reformado", combatendo a iniciativa privada.

Diante das críticas de que era reformista por seus posicionamentos na obra A Revolução Brasileira, Caio afirmou que quem deveria receber tal alcunha não era ele, mas o PCB que o criticava. Ao idealizar a existência de uma burguesia nacional progressista, o PCB mantinha uma postura política reformista e em consonância com os interesses da burguesia. Segundo o historiador:
Em geral, com pequenas exceções, toda a esquerda participa desta política, ou seja, criou uma burguesia progressista, que seria um setor revolucionário da burguesia. Tratar-se-ia então de defender os interesses, a posição econômica e política desta burguesia progressista e isto faria 'avançar' a revolução brasileira, eliminando o feudalismo. É uma questão interligada: daí o oportunismo, uma política caudatária desse setor burguês, quando isto não existe (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 227).
Sua posição crítica em relação as táticas do PCB já poderiam ser vistas antes do golpe militar de 1964. Em 1960, por exemplo, chegou a afirmar que o partido substituiu a organização das bases pela política de cúpula, visando fins sindicais e eleitorais. Apesar de não defender os movimentos guerrilheiros que se formaram durante a Ditadura Militar, Caio não enxergava possibilidades de transformações profundas na sociedade capitalista sem conflitos violentos. "No começo da década de 1930, afirmou, em relação à violência, que "ela é a lei das transformações sociais; nenhuma se operou sem o seu concurso. Uma sociedade de classes, fundada em conflitos permanentes, só pelo aguçamento destes conflitos, levados ao extremo da violência, é capaz de se transformar, de evoluir"" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 227). Ao mesmo tempo, ele não desconsiderava a importância das reformas na construção do socialismo. Elias Chaves Neto, assim resumiu a visão caiopradiana de reforma:
Alegava Caio Prado que não existe medida que em si mesma possa ser taxada de reformista. Ela tem que ser analisada em vista do resultado almejado. Se se trata de atenuar o sentimento revolucionário (por exemplo, se tivesse por fim sofrear a luta das massas pela tomada da terra), ela seria reformista; se se trata, pelo contrário, de avivar uma reivindicação tornando-a exequível, ela atua em sentido revolucionário. É o que mais tarde Togliatti respondia aos que o acusavam de reformista, a saber, que se uma reforma levantada por um partido comunista ativo é seguida por outra, tal fato não importa em frear a revolução, mas pelo contrário, implica em marcha para o socialismo (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 228).
Sendo assim, as lutas sociais sempre tiveram importância fundamental no pensamento de CPJ. Alcançada suas conquistas, a classe trabalhadora teria, para ele, todo o direito de defendê-las por meio de uma resistência armada. Sobre a necessidade dessa resistência que garanta as conquistas alcançadas, dizia Caio:
Imaginar um capitalismo bucólico, a tocar sua flauta inocente de pastor num cenário de belezas e perfeições, onde somente o lobo mau deve ser castigado, é muito bonito como história para crianças para ser contada nos cursos de economia política das Universidades burguesas. Mas os pastores concretos e verdadeiros deste mundo sublunar em que vivemos sabem muito bem no seu realismo terra a terra que aquele capitalismo nunca existiu, e cada vez existirá menos: a luta é dura, e os "golpes" são indispensáveis (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 229).
Caio defendia o protagonismo das classes trabalhadoras urbanas no processo revolucionário que levasse ao socialismo. Sobre esse processo ser violento ou não, ele deixava claro que o caminho a ser seguido dependia exclusivamente das circunstâncias do momento, tratando a questão de maneira prática e objetiva. Mas ele enxergava os movimentos guerrilheiros no Brasil fadados ao fracasso, por conta de diferenças de formação em comparação com outros países. Na Bolívia, por exemplo, existia um movimento camponês ativo que inexistia no Brasil. Os movimentos revolucionários, incluindo o PCB, não conseguiam movimentar e conscientizar de forma satisfatória os trabalhadores do campo que reivindicavam seus direitos de forma confusa e desorganizada.

Pensador livre, Caio sempre foi crítico das amarras dogmáticas que afetavam o PCB. Para ele, o socialismo não é uma receita de bolo dogmatizado, mas um processo de transição. Segundo o mesmo, "A substituição de um sistema por outro atravessa etapas sucessivas em que vamos encontrar, lado a lado, em proporções variáveis, caracteres de um e outro: os do primitivo, em vias de desaparecimento, os do novo, desenvolvendo-se continuadamente" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 232). Enxergando a revolução como um continuum, ela deveria ter como protagonista as massas populares e não alguns homens. Assim,
No esquema caiopradiano de revolução, os problemas brasileiros não poderiam ser resolvidos dentro do regime burguês vinculado aos interesses dos imperialistas e ao atraso dos grandes latifundiários no campo. Ainda que a revolução tenha de cumprir tarefas democráticas, incorporando grandes setores excluídos da população à vida nacional, ela tem um caráter de transição para o socialismo, e os trabalhadores são os líderes desse processo. A suposta "etapa" democrática, portanto, não seria "burguesa", mas condicionada, em última instância, ao caráter global socialista. E a revolução brasileira não deveria ser vista como um sistema acabado, mas como um processo permanente, ininterrupto e dinâmico (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 235).
A vitória inicial das massas abriria caminho para o socialismo, criando um regime verdadeiramente democrático. Sua visão sobre a luta armada nos anos de 1960, estava alinhado a visão soviética, então defensora da coexistência pacífica. Segundo a visão soviética, representada em Pericás pelos escritos de Alexei Rumiántsev, a via pacífica é uma possibilidade; enquanto a via armada é uma possibilidade quando a via pacífica não obtém êxito. O que existe  entre a coexistência pacífica e a via armada, são as circunstâncias e a correlação de forças de uma dada realidade. Ainda assim, afirma Alexei, "Nenhuma revolução social profunda é concebível sem ações políticas de massas, sem aplicar medidas coercitivas contra os exploradores, sem estabelecer a ditadura das classes revolucionárias, ou seja, sem determinadas formas de violência social" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 236). Essa posição kruschevista foi adotada e defendida por CPJ. Tal posição encontrava certa consonância com o pensamento marxiano, como aponta Pericás.

Na década de 1860, Marx admitiu a possibilidade de reformas sem ser por uma via necessariamente violenta. Após a derrota em 1848, não acreditava no imediatismo da revolução na Europa, muito menos achava que ela teria teor socialista de imediato. "Em setembro de 1872, após uma conferência em Haia, o autor de A miséria da filosofia, concedeu uma entrevista para a imprensa na qual afirmou que, mesmo sendo a transformação revolucionária ainda inevitavelmente o objetivo mundial, o método para alcançá-la poderia variar: "as instituições, os costumes e as tradições de vários países devem ser levados em consideração", diria" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 237). É possível perceber que o anti-dogmatismo de Caio, fazia suas reflexões se aproximarem dos fundadores do socialismo científico.

Capítulo 11 - O homem que inventou esse tal de marxismo no Brasil

Em dezembro de 1968, os militares impuseram o AI-5, o ato institucional mais restritivo da Ditadura Militar. Diante do fechamento do regime e de suas ligações com o PCB, Caio optou pelo exílio para o Chile, antes que fosse preso. Sua decisão foi correta, pois ele logo seria processado pela Justiça Militar de São Paulo por declarações consideradas como "subversivas" em 1967, ao ser entrevistado pela revista estudantil da USP, chamada de Revisão. Caio foi processado como incitador da ordem pública, por dizer que "não devemos discutir a forma de lutar, e sim começar a lutar" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 239). O AI-5 também trouxe dificuldades financeiras, pois a Editora Brasiliense se viu obrigada de se desfazer de seus estoques por conta das proibições dos militares. Segundo Pericás:
Nessa época, mostrou sua confiança na juventude como agente importante no processo dos câmbios necessários. Os estudantes deveriam, em seu entendimento, compenetrar-se da "triste situação política" em que o país se encontrava e, depois de formados, não poupar esforços para lutar por um Brasil melhor (ainda assim, ele próprio admitia que nunca tivera qualquer ligação com o movimento estudantil desde seus tempos de faculdade e nunca se interessara especialmente pelas questões relacionadas a ele) (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 240).
Apesar da aposta no movimento estudantil, Caio não acreditava que os estudantes pudessem, sozinhos, os líderes da revolução. Mesmo que se transformassem em guerrilheiros, o máximo que poderiam fazer era estimular o proletariado urbano e rural, sendo esses setores os verdadeiros protagonistas da luta revolucionária. No exílio, Caio sentiu uma forte solidão, como bem descreve Pericás no seguinte trecho:
Foram momentos de angústia e solidão. É verdade que encontrou seu neto, Nelson, filho de Danda, que decidira por conta própria ir ter com o avô que tanto admirava (ele ficaria algumas semanas em Santiago), e diversos brasileiros que haviam optado pelo mesmo destino. Mas o fato é que Caio sentia-se mal longe do Brasil. "Vida bem pouco atraente de exilado", diria" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 241).
A principal amizade que alimentou no exílio foi com Plínio de Arruda Sampaio, filho de João Baptista de Arruda Sampaio, um colega nos tempos de Faculdade de Direito. No Chile, Caio passava a maior parte do tempo lendo ou passeando pela capital Santiago. Em carta ao filho Roberto, de abril de 1969, diria o seguinte: "Tenho medo de um súbito breakdown, contra o que não fica outro remédio senão o retorno ao Brasil. E se isso não for possível, já não sei mais o que será de mim" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 244). Diante de tanta aflição, Caio decide retornar ao país e é preso em março de 1970, como já era esperado. Aos 63 anos de idade, foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão por simplesmente expressar seu pensamento em uma revista estudantil.
Para Elias Chaves Neto, ele foi condenado "por ser um pensador marxista e por seu passado político". O marechal Stenio Caio de Albuquerque, por sua vez, diria que o objetivo dos militares era "dar um exemplo aos intelectuais". Em certo momento da instrução do processo, o oficial que interrogava Caíto chegou a lhe perguntar: "O senhor é o homem que inventou esse tal de marxismo no Brasil, não é?". Vê-se por aí o nível daqueles que o julgavam (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 245).
CPJ cumpriu a primeira etapa da pena no Presídio Tiradentes, convivendo com outros presos políticos como o historiador comunista Jacob Gorender. Fumante, transmitia as mensagens de seus companheiros da prisão por intermédio de papéis enrolados e colocados cuidadosamente dentro dos cigarros. "Sua cela tinha em torno de quatro metros por quatro, beliches, televisão e um fogão elétrico de uma única boca, no qual se preparava comida ou café. Ali, CPJ recebeu até livros marxistas, já que vários eram em língua estrangeira, o que aparentemente ludibriava as autoridades prisionais (outros vinham sem capa ou com essa trocada pela de outras obras)" (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 248). Os momentos mais difíceis na cadeia, certamente foram quando descobriu o suicídio do seu filho Roberto, o caçula, em dezembro de 1970. Caio ficou preso até agosto de 1971, quando foi absolvido por unanimidade pelo STF. Liberto, festejou sua absolvição em Recife numa festa organizada pelo amigo Cavalcanti, também ligado ao PCB.

Capítulo 12 - Últimos anos

Os anos de 1970 representou o fim das atividades políticas de Caio, então concentrado apenas em atividades intelectuais, mesmo que reduzidas. Diante desse afastamento das atividades políticas e de uma redução da produção teórica, Caio passou a desenvolver uma nota rotina.
Nessa época (e até alguns anos mais tarde), tinha o costume de visitar semanalmente, de bicicleta, sua ex-esposa Nena e a neta Roberta, que vivia com ela. Disciplinado, insistia que a criança não tomasse Coca-Cola (refrigerante do "imperialismo ianque" e "produto de qualidade medíocre", segundo ele) e defendia sempre o "guaraná da Amazônia", produto tipicamente nacional; também lhe dizia para não usar tênis esportivos de marcas norte-americanas. Se visse algum dos netos vestindo uma camisa com a estampa do Mickey Mouse, por exemplo, ficava indignado e mandava que fosse imediatamente trocada por outra que não tivesse nenhuma imagem que remetesse aos Estados Unidos! Era rígido em relação a esse tipo de simbolismo... (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 259).
No cenário político nacional, o PCB, apesar de não adotar a via armada, foi brutalmente reprimido pelas forças repressivas e seu Comitê Central teve dois terços mortos e os demais obrigados a rumarem para o exílio. O partido foi desmanchado pelos militares, porém, nessa leva de repressão que culminou na simbólica morte do jornalista Vladimir Herzog; Caio Prado seria poupado. Mas as perseguições a sua figura permaneciam, como a rejeição de um artigo seu para a Revista de História da USP, apesar de argumentar que seu trabalho intitulado "História quantitativa e método na historiografia" tivesse um teor técnico. Segundo Pericás, o registro mais importante sobre CPJ nos anos de 1970, fica sua participação no "Seminário sobre a estrutura agrária e o desenvolvimento recente da agricultura no Brasil", realizado na Unicamp, onde ele debateu sobre a questão agrária com autores como Octávio Ianni, Ignácio Rangel, Alberto Passos Guimarães, José Graziano e Ruy Miller Paiva. Sobre o tema:
Para Caio Prado Júnior, a imensa tarefa de modificar profundamente a estrutura agrária brasileira teria de ser planejada e levada a cabo com a participação dos principais interessados no assunto, a massa trabalhadora rural, através de seus legítimos representantes. Mas isso só poderia ocorrer num regime político que fosse autenticamente democrático (e que não era o caso na época). Essa reforma agrária acabaria, em última instância, por alcançar o "conjunto" do país como nação (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 268).
O fim dos anos de 1970, trouxe a anistia aos exilados e o início da reconstrução do PCB. Caio não participou desta nova reconstrução, afinal, além de afastado da militância há anos, já sentia os primeiros sinais do mal de Alzheimer. Em 1978 concedeu entrevistas aos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, onde buscou realizar um balanço da década. Para ele, o capitalismo no Brasil naquele momento se assemelhava aos dos anos de 1920. As massas se encontravam brutas e com baixo nível cultural e técnico, sendo necessário um prazo de duzentos ou trezentos anos para a elevação de tais níveis. Diferente de outros intelectuais, Caio enxergava criticamente a formação histórica brasileira.

Suas últimas obras foram O que é liberdade, O que é filosofia e A questão agrária, lançada em 1979 reunia discussões recentes (como o seminário na Unicamp) e antigos artigos seus sobre a temática. Já em 1981, a pedido do próprio CPJ, a OAB cancelou sua inscrição de seus quadros ativos. Nesse período, a esquerda brasileira renascia e sob batuta de novas organizações como o PT, a CUT e o MST. Mas, segundo Pericás, essas novas organizações não atraíram o historiador paulista.
Nesse sentido, ele não se encantou com a fundação do Partido dos Trabalhadores nem o apoiou, atitude similar a muitos de seus camaradas do PCB; de maneira geral, deu seu suporte pessoal a amigos ligados ao MDB, como o deputado estadual por São Paulo Fernando Morais, que chegou até a agradecer a "ajuda indispensável que você deu à minha campanha, sem a qual, sem dúvida nenhuma, as dificuldades teriam sido infinitamente maiores". Ou seja, Caio Prado Júnior, ao contrário de muitos intelectuais e colegas, não se filiou ao PT na época de sua constituição (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 273).
Em 1983, seu filho Caio Graco publicou sua última obra: A cidade de São Paulo, geogragia, história, que seria outra coletânea de textos antigos do autor. Naquela época, a doença já havia avançado e Caio não produziu mais intelectualmente. Em 1987, foi internado na Casa de Repouso Morada do Sol. Enquanto isso, a Editora Brasiliense crescia sob administração de Graco. Antes de sua morte, Caio ainda recebeu algumas homenagens como a prestada pelo Departamento de História da USP que nomeou uma de suas salas com o seu nome. Em 1986, o PCB homenageou militantes históricos do partido na Assembleia Legislativa de São Paulo e, entre esses, estava o nome de Caio. Já em 1988, ele ganhou o prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia, outorgado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo CNPq. Devido a suas limitações físicas, o prêmio foi recebido pela filha Danda. Por fim, encerra Luiz Bernardo Pericás:
Caio Prado Júnior deu seu último suspiro às 5h30 horas do dia 23 de novembro de 1990, na clínica onde estava internado, aos 83 anos de idade, deixando dois filhos, Danda e Caio Graco, sete netos e três bisnetos, depois de uma longa vida de lutas políticas e intelectuais pelo socialismo e pelo desenvolvimento econômico e cultural pleno do Brasil. Na tarde do mesmo dia, foi velado no saguão da Biblioteca Municipal Mário de Andrade e, no dia seguinte, às 10 horas da manhã, foi sepultado no Cemitério da Consolação (PERICÁS, Luiz Bernardo. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 276).



 
 
 
 

  














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