sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Nações e Nacionalismo desde 1780

  • Sobre o autor: Eric John Ernest Hobsbawm foi um historiador britânico, nascido em Alexandrina (cidade situada no Egito, na época, dominado pelo Império Britânico), com grande reconhecimento intelectual no Século XX. Teve várias obras, sobre várias temáticas e que até hoje servem como referências nas Ciências Humanas. Entre as principais obras de Hobsbawm, podemos citar: a) A Era das Revoluções; b) A Era do Capital; c) A Era dos Impérios; d) A Era dos Extremos; e) História do Marxismo (12 volumes); f) Bandidos etc. Junto com autores como Edward Thompson, ajudou a desenvolver na Inglaterra uma análise baseada na História Social. Para além de um brilhante intelectual, Hobsbawm foi um militante político e por toda sua vida atuou no Partido Comunista da Grã-Bretanha. Faleceu em 2012 de pneumonia, causada originalmente pela leucemia. 

Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade - Eric J. Hobsbawm - Editora Paz e Terra



Introdução - Esse livro foi baseado em conferências, realizadas por Hobsbawm, na Universidade de Queen (situada em Londres, Inglaterra) em maio de 1985. Na introdução, o autor já deixa claro que o intuito da obra é mais reflexivo que propriamente afirmativo. Hobsbawm inicia seu livro trazendo uma estória de possíveis "historiadores intergalácticos" que pousando na Terra, encontrou o planeta morto. Curiosos em pesquisar as razões de tamanha destruição, os historiadores concluem que as causas desse desastre tem forte ligação com o conceito e desdobramentos de "nação". Principalmente, quando se busca pensar os últimos dois séculos da história humana. Após essa reflexão, Hobsbawm confirma a falta de materiais no que concerne ao debate sobre nação e nacionalidade. Se encontram muitos textos nacionalistas (e grande parte de cunho racista), mas pouco sobre o conceito de nação e suas consequências. Entre os que buscam refletir esse termo, temos: a) John Stuart Mill e Ernest Renan, ambos do Século XIX; b) Karl Kautksy, Rosa Luxemburgo, Otto Bauer, Vladimir Lênin e Josep Stálin, todos do começo do Século XX e trazendo uma perspectiva marxista do tema; c) Carleton Hayes, Hans Kohn e Karl Deutsch que vieram a refletir sobre nação após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Sobre esses últimos autores, Hobsbawm destaca que suas reflexões coincidiram com uma conjuntura em que a Europa estava sendo redesenhada com base no "princípio da nacionalidade" com o vocabulário nacionalista europeu sendo influência para movimentos de libertação colonial (sendo Hans Kohn bastante atento a essa afirmação do Terceiro Mundo). Porém, é no período 1968-1988 que as pesquisas sobre o conceito de nação e nacionalismo explodem. Nesse sentido, Hobsbawm cita uma pequena lista de autores desse período que ele considera indispensável na análise da temática. São autores usados como referência para Hobsbawm no restante da obra. Entre eles, podemos citar: a) Miroslav Hroch; b) Benedict Anderson; c) Ernest Gellner etc. A pergunta "O que é uma nação?" é o ponto de partida desses autores que buscam entender o fenômeno em sua construção e consequências para além da mera reprodução dos discursos nacionalistas. Isso "pois a principal característica desse modo de classificar grupos de seres humanos é que - apesar da alegação, daqueles que pertencem a uma nação, de que ela é, em alguns sentidos, fundamental e básica para a existência social de seus membros e mesmo para a sua identificação individual - nenhum critério satisfatório pode ser achado para decidir quais das muitas coletividades humanas deveriam ser rotuladas desse modo." (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 14). De fato é hegemônico usar critérios objetivos para tentar conceituar ou dar sentido a nação. Critérios simples como a língua, a etnia, o território comum, traços culturais comuns ou até uma história em comum foram historicamente utilizados de forma propagandística para dar sentido a esse conceito. Porém, "todas as definições objetivas falharam pela óbvia razão de que, dado apenas alguns membros da ampla categoria de entidades que se ajustam a tais definições podem, em qualquer tempo, ser descritos como "nações", sempre é possível descobrir exceções." (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 15). Em suma, qualquer definição objetiva e simplista de conceituar uma nação é falha pois trata de critérios que estão em constante mudanças e por isso não podem ser enquadrados numa lógica universal e abrangente. O autor cita um exemplo (e os exemplos são usados de forma numerosa em todo o restante da obra) do nacionalismo tâmil no Sri Lanka, país asiático. O discurso desse movimento nacionalista era pautado na língua, ou seja, deveria existir uma independência dos povos que falavam tâmil pois esses se diferenciavam de povos que falavam cingalês, apesar de dividirem o mesmo território. Porém, na prática, a realidade era diferente pois existiam pessoas que falavam tâmil mas que não se consideravam tâmeis, optando ter uma identidade muçulmana. A ideia de ter um mesma história também não procedia, pois existiam uma população nativa que falava tâmil, mas também existia uma parcela de imigrantes indianos que utilizavam a mesma língua. Os tâmeis indígenas, indianos, imigrantes e mouros (os muçulmanos) falavam a mesma língua (tâmil) mas não necessariamente se identificavam da mesma forma. Era uma população homogênea apenas no sentido filológico. Após explanar esse exemplo, Hobsbawm deixa claro que discursos nacionalistas servem para propagandas políticas, mas nada contribui para às Ciências Sociais na busca de uma análise do conceito de nação. 

Mas existe outras bases teóricas de conceituar nação, sem ser pelo objetivismo acima citado? Sim e seria por um critério subjetivista onde a vontade é a base na construção de uma nacionalidade. Basicamente seria, "subordinar sem discernimento os muitos modos pelos quais os seres humanos se definem e se redefinem como membros de grupos a uma única opção única: a escolha de pertencer a uma "nação" ou a uma "nacionalidade." (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 17). Para Hobsbawm esse caminho também resultaria num erro teórico, pois não teria como limitar a construção da ideia de nação a um único fator seja ele linguístico, étnico ou baseado na simples escolhas coletivas ou individuais. Por isso sua obra não busca defender a visão objetiva ou subjetiva de nação, mas refletir sobre esse conceito buscando mais desconstruir certezas que criá-las. Como ponto de partida, Hobsbawm afirma usar nação como "qualquer corpo de pessoas suficientemente grande cujos membros consideram-se como membros de uma "nação" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 18). Entretanto, adverte: analisar de forma crítica o conceito de nação não é simplesmente reproduzir as ideias de porta-vozes dos movimentos nacionalistas que justificam o que é uma nação para determinado povo. Esses movimentos tem sua importância, mas a forma como utilizam o termo nação é superficial e com isso corre-se o risco de esvaziar um termo aparentemente complexo. Por fim, afirma que a obra busca tratar do conceito de nação a priori sendo "uma abordagem que concede atenção particular às mudanças e às transformações do conceito, especialmente em relação ao fim do Século XIX." (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 18)

Ademais e antes de dar início aos capítulos, Hobsbawm resume o eixo central de sua obra em 05 pontos a serem enumerados em seguida: 01) o termo nacionalismo será o empregado pelo filósofo Ernest Gellner que liga unidade política e nacional distinguindo o nacionalismo moderno de demais formas de identificação grupal; 02) o termo nação é visto como mutável e produto particular de uma conjuntura histórica recente, ou melhor, é uma ideia surgida a partir do desenvolvimento do Estado-Nação enquanto um Estado Territorial Moderno sendo esse tipo específico de Estado o formador das nações; 03) as nações devem ser contextualizadas dentro de condições econômicas, administrativas, técnicas e políticas; 04) as nações são fenômenos duais que são construídas do alto com implicações no comportamento dos de baixo. Esses "de baixo" não seriam os governos ou os representantes dos movimentos nacionalistas, mas as pessoas comuns que são objeto das ações propagandísticas. Aqui, Hobsbawm separa opinião pública das visões dos de cima, representados por grandes jornais, pois os posicionamentos oficiais do Estado nem sempre estão alinhados as mentes das pessoas comuns; 05) por fim, Hobsbawm admite que a "consciência nacional" se desenvolve de forma diferenciada em cada região. Por isso, sua análise dos movimentos nacionais está baseada na divisão teórica feita por Miroslav Hroch que divide esses movimentos em 03 fases, são elas: FASE 01, desenvolvida na Europa do Século XIX e que tinha um cunho mais literário e menos prático-político; FASE 02, onde surgem os pioneiros dos movimentos nacionais e o começo das movimentações/ações políticas em torno da "ideia nacional"; FASE 03, quando os movimentos nacionais ou nacionalistas ganham repercussão de massa. O foco da obra é justamente a transição da fase 02 para a fase 03.

Capítulo 01 - Nação como novidade: da revolução ao liberalismo

Nesse capítulo inicial, Hobsbawm busca iniciar o leitor no conceito de nação. Antes de entrar no assunto, ele adianta: o conceito moderno de nação está ligado a Era das Revoluções (iniciada a partir de 1830) que tem como marco o início da Modernidade. Mas isso não quer dizer que a palavra nação surgiu na modernidade, pelo contrário, antes dela o termo tinha um significado. Na língua espanhola, antes de 1884, a palavra nación significava "o agregado de habitantes de uma província, de um país ou de um reino" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 27). Até 1884 a palavra também poderia significar um sinônimo para "estrangeiro". A partir de 1884, o termo muda e passa a significar "um Estado ou corpo político que reconhece um centro supremo de governo comum" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 27). Já a versão final do termo, datado de 1925, é vista como "a coletividade de pessoas que têm a mesma origem étnica e, em geral, falam a mesma língua e possuem uma tradição comum" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 28). Até 1884, o termo nação estava desvinculado de uma ideia de governo e basicamente significava descendência de um povo ou indivíduo. Após 1925, por retratar o auge do nacionalismo como veremos adiante, vai existir além da vinculação com o Estado um fator extra de cunho emocional ressaltando nação como um conjunto de coisas materiais e imateriais de um processo histórico. Hobsbawm não fala apenas do conceito de nação na língua espanhola, mas passa rapidamente por outras que comentaremos rapidamente em seguida. Na língua portuguesa (baseada na Enciclopédia Brasileira), nação é vista como um conjunto de cidadão vivendo sob o mesmo Estado, governo, tradições e submetidos a um poder central que mantém essa unidade. Já no holandês, nação significa um grupo de pessoas que pertenciam a um mesmo Estado, mesmo que não falem a mesma língua. Por fim, no alemão e a partir de 1740 através das contribuições de Johann Zedler, nação passava a significar um grupo de pessoas que partilhavam de um mesmo corpo de costumes, valores e leis. O foco nessa visão não era territorial, tendo em vista que membros de nações poderiam viver juntos por mais pequena que fosse a província. Por fim, Hobsbawm destaca que todas essas visões se diferem do uso moderno do termo. Pois, "o velho significado da palavra contemplava principalmente a unidade étnica, embora seu uso recente indicasse mais a noção de independência e unidade política" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 31).

O foco do autor visa analisar o conceito de nação na modernidade, ou seja, a partir da Era das Revoluções que se inicia pós-1830. É nesse período que o termo nação entra no debate político, sob o nome de "princípio da nacionalidade". O significado inicial dado a nação foi sua junção entre "povo" e "Estado", tendo surgido daí o termo "Estado-nação". E como se deu essa junção? Simples, a nação deveria ser única e sem divisão sendo "corpo de cidadãos cuja soberania coletiva os constituía como um Estado concebido como sua expressão política" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990, p. 31). Porém, não bastava para o conceito político de nação - produto dessa conjuntura - apenas ligá-lo com o Estado. Buscando ir além do elemento Estado na construção de uma nação, fazia-se necessário considerar a cidadania ou a ideia de "povo soberano". Baseando-se em John Stuart Mill, nação não seria apenas a posse de um sentimento nacional, mais também a construção de um governo deles próprios. O resultado disso tudo foi o destaque a delimitação territorial, enquanto aspecto fundamental do conceito de nação. Ou seja, já que nação era a soma de povo soberano com Estado, esse último tinha como pré-condição de existência o reconhecimento de um território. Tentando resumir essa reflexão inicial de nação num esquema, podemos resumir da seguinte forma:

Estado (expressão política) + Território (pré-condição de um Estado) + Povo Soberano (exercício da cidadania ou participação de massa) = Conceito de Nação  ou Princípio da Nacionalidade.

Dito isto, o que seria um "povo"? Hobsbawm questiona esse conceito ao não ver uma ligação mecânica ou determinante entre "corpos de cidadãos de um Estado territorial" de uma "identificação de uma nação em bases linguísticas, étnicas ou outras características" (HOBSBAWM, 1990). Um grupo de cidadãos poderiam fazer parte de um mesmo Estado, mas não se virem enquanto parte de um mesmo grupo por terem língua, etnia ou costumes diferentes. Se o conceito de nação for a correlação entre essas duas linhas, então o período revolucionário analisado (o período da Revolução Francesa que vai trazer à tona o debate sobre nação) estaria totalmente em oposição a este. Por que? Porque para os revolucionários o que definia uma nação não era a etnicidade ou a língua, mais "era precisamente o fato de ele (o povo-nação) representar o interesse comum contra os interesses particulares e o bem comum contra o privilégio (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 32). As diferenças étnicas e linguísticas eram secundárias e o que dava unidade a nação era a simples relação entre cidadãos e Estado. Porém, a partir da expansão napoleônica começava a surgir o fator linguístico como definidor de nação como é visto num relatório de Bertrand Barère (Comitê de Segurança Pública) que questiona a aliança de povos do Reno (que não falavam francês) com a Áustria e a Prússia (nações em que eles falavam a mesma língua). Quanto mais una a nação buscava ser, mais apareciam os sintomas da sua presente heterogeneidade. Ocorre então uma divisão teórica da concepção de nação que seria a seguinte:
  • Concepção de nação revolucionário-democrático: a nação sendo centrada numa soberania popular que detém o Estado como fator constitutivo do conceito;
  • Concepção de nação nacionalista: a nação seria tudo dito acima, porém, se incluiria pré-requisitos para a constituição de uma nação como a língua ou a etnicidade.
Resumindo essas duas concepção, vou primeiro usar os exemplos dados por Hobsbawm no livro. Sobre a concepção revolucionário-democrático, presente inicialmente a partir da Revolução Francesa de 1879, o que definia um francês não era a língua francesa mais sim "a disposição de adotar a língua francesa junto com outras coisas como as liberdades, as leis e as características comuns do povo livre da França" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 34). Como vemos, não existe um pré-requisito fixo para ser de uma dada nação. Basta integrar-se a ela, adotando e reproduzindo suas práticas. Logo, "o conceito central era o de soberania do povo-cidadão = Estado, a qual constituía uma nação em relação ao restante da raça humana" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 35). A centralidade é estatal, respeitando a lógica integral do Estado = nação = povo. Já a concepção nacionalista se difere não em se opor a fórmula anteriormente citada do Estado = nação = povo e sim por pré-requisitos (podendo esses serem linguísticos ou étnicos) que legitime essa fórmula. Essa visão não-estatal do conceito de nação foi desenvolvido por Richard Bockh que vai pensar a nacionalidade tendo a língua como único pré-requisito. Ele reconheceu os judeus ashkenazim como alemães, pois esses falavam uma língua que derivava da Alemanha medieval. Não era a religião ou o simples fato de respeitar as leis e o funcionamento de um Estado, mais a língua que definia uma nacionalidade. 

Então, pergunta o autor: o que pensava a burguesia liberal, a classe social revolucionária na época que entre 1830-1880 mudou a Europa sob vários aspectos, sobre o debate que envolvia o "princípio da nacionalidade"? Buscando responder a essa indagação, Hobsbawm vai listar autores que na época refletiram sobre o tema que surgia. O primeiro deles é Adam Smith, conhecido economista inglês, que enxergava o conceito de nação como simplesmente um Estado territorial. Qualquer povo separado territorialmente era considerado nação para Smith. Sua teoria buscou questionar a ideia de nação e sua influência na economia, tendo em vista que a sua adoção dava pretexto para os governos interferirem na vida econômica, então vista como uma "economia nacional". Para criticar esse tipo de prática, Smith desenvolveu a ideia de livre-comércio e livre-mercado, passando a enxergar as atividades econômicas com base nos indivíduos (e também nas empresas que esses geriam) que deveriam competir num mercado sem determinação territorial específica. A economia, então, passava a ser vista como global e não nacional. A nação dava lugar a empresa. John Elliott Cairnes, outro economista liberal clássico, chegava a pensar que "uma teoria do comércio internacional não era necessária se fosse distinta de qualquer comércio entre indivíduos" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 38). Edwin Cannan questionava o conceito de nação como algo contínuo e que seu conceito era basicamente um conjunto de indivíduos que viviam sob um mesmo território de um Estado. Enfim, vemos nesses autores clássicos do Liberalismo uma visão global de economia centrada não no conceito de nação (esvaziado como um conjunto de indivíduos vivendo sob um mesmo Estado) mais nos indivíduos. Porém, existiam autores que discordavam dessa visão liberal clássica encabeçada por Smith. John Ray, questionou ao dizer que os ganhos individuais e nacionais não era harmônicos e que os ganhos individuais nem sempre representavam riqueza para as nações.

Uma segunda pergunta feita por Hobsbawm no capítulo é: qual a função ou a importância do Estado-nação no desenvolvimento capitalista? Ou ainda, quais os benefícios que o Estado-nação oferecia a economia capitalista? Até para os liberais mais fervorosos, era impossível abolir os benefícios que o Estado-nação trazia ao monopolizar a moeda, praticar políticas fiscais ou garantir a segurança da propriedade privada e dos contratos. Jean-Baptiste Say, liberal convicto, afirmava que "nenhuma nação conseguiu um nível de riqueza sem estar sob um governo regular" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 40). Gustave de Molinari, outro liberal convicto, reforçava o que foi dito anteriormente na medida em que "a fragmentação da humanidade em nações é útil na medida em que desenvolve um princípio extremamente poderoso de competitividade econômica" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 40). Dessas reflexões, Hobsbawm conclui que os liberais jamais poderiam desconsiderar o papel da economia nacional, por maiores críticos que fossem a esse princípio.

O principal opositor das ideias de Smith é o economista alemão Friedrich List. Inserido no Século XIX, enxergava que a economia nacional deveria ter forte presença estatal. A economia para List, chamada de "economia nacional" ou "economia do povo", seria "realizar o desenvolvimento econômico da nação e preparar sua entrada na sociedade universal do futuro" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 41/42). Essa base foi extremamente importante para o desenvolvimento capitalista alemão, baseado no protecionismo e pesada industrialização sob gerência do Estado. Mas qual a visão de nação para essa vertente? A nação para existir enquanto tal precisaria de "um território extenso e uma grande população, dotados de múltiplos recursos nacionais" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 42), pois "um Estado pequeno não pode, em seu território, promover à perfeição os vários ramos de produção" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 42). Ou seja, existe então uma visão de nação ligada a uma ideia de Estado de larga escala, com território definido, grande população, dotados de recursos que facilitem o fortalecimento da economia nacional. Do advento dessa concepção de nação, surgem duas consequências. São elas:

1) o chamado princípio da nacionalidade passa a ser regido pelo princípio do ponto crítico, ou seja, era reconhecida apenas nacionalidades com um certo tamanho excluindo do debate nacionalidades menores;
2) a construção de nações foi ligada a um processo constante de expansão e/ou unificação, ou seja, pensava-se que o princípio da nacionalidade legítimo deveria unir grupos dispersos e não dividi-los. Dessa lógica foi construída uma Europa com Estados-nações heterogêneo, multiétnicos, multilinguísticos como a junção de sérvios e croatas (formando a Iugoslávia) ou os tchecos e eslovacos (formando a Tchecoslováquia).

Dessas duas consequências vemos a naturalização de autores como John Stuart Mill da heterogeneidade nacional, onde nacionalidades menores aceitam serem engolidas por nacionalidades maiores. E isso não significava, necessariamente, perda cultural para as nacionalidades menores isso porque "a nação maior poderia acolher e patrocinar os dialetos e línguas menores que a continha, ao menos para provar o espectro de cores de sua palheta macronacional" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 47). As línguas entre a nação maior e a menor, normalmente se relacionavam de forma pacífica sendo uma usada mais num âmbito público e outra no privado. Denotando então que "a nacionalidades maiores descobriram acolhiam as menores, desde que não as desafiassem" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 48). E, como afirma o autor, pouco foi conhecido no Século XIX casos de supressão de nações maiores sobre menores. Sendo assim, se buscou tornar nações unas e integrais baseadas no princípio do ponto crítico.

Tendo isso em mente, Hobsbawm aprofunda o debate ao enumerar três critérios de nacionalidade no Século XIX. Em caso de passar no pré-requisito básico dita acima como tamanho, grande população e recursos haveriam outros a serem analisados na hora de anexar povos menores a maiores. São eles:

1) o primeiro seria a vinculação ou associação histórica com um Estado atual ou de um passado recente, criando a ideia do povo-Estado;
2) o segundo seria a existência de uma elite cultural e intelectual que possuísse a hegemonia administrativa e literário escrito;
3) por fim, o terceiro seria a capacidade de conquista sendo prova do sucesso evolucionista da raça humana.

Basicamente essa era a visão de nação dos Liberalismo do Século XIX, especificamente de 1830 a 1880. A nação era vista como um progresso onde se sai da família à tribo, à região e finalmente a nação. Logo, "do ponto de vista liberal - e, como o exemplo de Marx e Engels o demonstra, não apenas do liberalismo - a causa da "nação" estava no fato de esta representar um estágio no desenvolvimento histórico da sociedade humana; e a questão do estabelecimento de um Estado-nação específico dependia de este mostrar-se adequado ao progresso ou à evolução histórica avançada para além dos sentimentos subjetivos dos membros da nacionalidade envolvida ou das simpatias pessoais do observador" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 52/53). Enfim, não se observou conflitos dentro desses recém-criados Estados-nações apesar de sua heterogeneidade. Apenas a partir do fim do Século XIX, através da democratização das democracias eleitorais, é que esse panorama então pacífico começa a se modificar.

Capítulo 02 - O protonacionalismo popular

Hobsbawm inicia o capítulo conceituando protonacionalismo. É perceptível que os homens sempre buscam se vincular a algum grupo, reconhecem-se enquanto parte de uma coletividade e trata os outros fora dela como estrangeiros. A modernidade criou uma nova forma de se reconhecer enquanto coletivo e, essa forma, chama-se Estado moderno. A nação moderna tem demandas muito maiores que as antigas formas de coletividade e por isso acaba se tornando uma "comunidade imaginada" por sua amplidão. Tendo isso em vista, Hobsbawm questiona: como os homens saíram de sua identificação real, baseada em pequenas coletividades, para uma identificação imaginada? Em suma, como transformaram uma forma de entender a coletividade por outra? Para ele, o Estado e os movimentos nacionalistas "podem mobilizar certas variantes do sentimento de vínculo coletivo já existente e podem operar potencialmente, dessa forma, na escala macropolítica que se ajustaria às nações e aos Estados modernos" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 63). Essa mobilização de variantes de identidade, buscando a construção de uma nacionalidade, é seu conceito de protonacionalismo.

Esse protonacionalismo teria duas facetas, são elas: a) uma identificação supralocal, ou seja, indo além do território onde se vive e como exemplo ele cita a Virgem Maria que une vários fiéis pelo mundo em cada ponto onde se manifesta; b) uma identificação que, baseada em alguns laços, é capaz de unir potencialmente e gerar generalização apesar de não ter vinculação direta a um território e como exemplo o autor cita o povo alemão e judeu que mesmo espalhado acaba se identificando enquanto parte de uma coletividade. Para Hobsbawm, estudar o fenômeno do protonacionalismo é bastante difícil, pois é impossível imaginar o que pensavam a grande massa analfabeta do Século XIX. O pouco que se sabe é através de escritos dos letrados que, podem não representar totalmente o pensamento das camadas mais baixas da população. Apesar disso, dois fatores devem ser analisados profundamente quando o assunto é a construção de uma nação moderna. São eles: a linguagem e a etnicidade. Hobsbawm passa a focar nesses dois aspectos no decorrer do capítulo.

Vamos ao fator linguístico. A língua pode ser um fator para separarmos o "nós" de "eles", os gregos fizeram isso ao tratar de bárbaros todos os povos que não falavam sua língua. Isso é uma obviedade que Hobsbawm busca se afastar, buscando novas reflexões sobre o tema. De início, Hobsbawm nos faz refletir sobre a chamada "língua nacional". Pois, "na época anterior à generalização da educação primária não havia, nem poderia haver, nenhuma língua nacional falada" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 69). A língua nativa era nada mais que um conjunto de variantes linguísticos com alta complexidade de entendimento tendo em vista o comum isolamento geográfico. Não existe possibilidade de existir língua nacional através da pura passagem oral. Isso exclui a língua na construção de uma nacionalidade? Não, e para isso ele cita o exemplo dos albaneses que através da língua conseguiram se identificar enquanto povo ao ponto de através dela unir indivíduos de diferentes religiões como católicos romanos, ortodoxos e islâmicos. Assim como existem exemplos inversos, onde grupos linguísticos que falam a mesma língua não se enxergam como parte de uma mesma nação. O que ele quer chamar atenção é que a língua nacional nada mais é que uma construção, não existindo de forma pura, como pensam os adeptos da mitologia nacionalista. Dito isso, o problema que urge dessa construção é saber qual das línguas nativas será a base na construção de uma língua nacional. A escolha tem fortes implicações políticas, como mostra o autor ao dar exemplo da Croácia que tinha em seu território três dialetos e entre um deles o mais falado pelos sérvios buscando promover uma união servo-croata. Dito isso chegamos a um fato: a língua como fator unificador de uma nacionalidade é melhor vista pelas classes dominantes do que pelas dominadas, pois a língua que segue como base sempre é de preferência a falada entre os primeiros. Logo, seria um conceito "erudito e não vivido" de nação. Apesar de falada por pequenos grupos, as línguas de elite foram importante fator de unificação protonacional por três razões, segundo Benedict Anderson: a) porque a língua de elite coincida com a língua de grupos políticos com influência no Estado, logo, o francês foi importante na construção da França apesar de em 1789 cerca de 50% dos franceses não falavam francês, sendo essa a língua de apenas 13%; b) porque a língua de elite se fixa no território estatal em que está associado, principalmente, pelo fator imprensa que a faz parecer eterna; c) porque a língua de elite é reproduzida (depois de construída) através da educação pública que visa homogeneizar os indivíduos. Em resumo, "as línguas multiplicaram com os Estados, e não o contrário" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 78).

Agora vamos ao fator etnicidade. A etnia, normalmente, tem vinculação a uma descendência comum. Fatores biológicos ou sanguíneos podem ser levantados na justificativa, entretanto, sua origem é cultural. Na Europa, sempre foi difícil encontrar movimentos protonacionais baseados na etnicidade, isso porque a história do continente sempre foi de constante movimentações demográficas o que causa uma indefinição na busca de construir uma história comum e pura. Sem se alongar muito, Hobsbawm aponta três limitações que fizeram a etnicidade não vingar no que tange aos movimentos protonacionais. São eles: 01) a etnicidade foi mais usada, nessa época, para separar internamente a sociedade em estratos do que para demarcar uma nação; 02) a etnicidade é mais usada para definir "o outro" do que "nós"; 03) a etnicidade pouco foi usada para formação de um Estado-nação, tirando Japão, Coreia e China que já detinham uma população homogênea. Até nas diferenças étnicas mais nítidas, como o caso entre europeu/índios na América Latina ou europeu/negros em África, não tivemos casos de sequer uma tentativa de construir um Estado-nação baseado simplesmente na etnia.

Após a análise linguística e étnica, Hobsbawm acrescenta rapidamente ao capítulo o papel o fator religiosidade. É fato que a religião dar uma unidade nos povos que ela aceita e alguns, como os judeus, são reconhecidos mundialmente enquanto comunidades particulares só pelo Judaísmo. O Irã com o xiismo e a Irlanda com o catolicismo são exemplos dados pelo autor de povos que tem na religião um importante elemento na construção de sua nacionalidade. Entretanto, no geral, a religião tem um papel limitado na construção da nacionalidade. Principalmente quando tratamos das religiões de âmbito mundial que, diferente da lógica do protonacionalismo, busca reduzir as diferenças políticas, étnicas e linguísticas dos homens. A ideia de ídolos sagrados são postas em debate a fim de finalizar. Podem aparecer "associados especificamente com um Estado, isto é, em sua fase pré-nacional, com um rei ou imperador divino ou imbuído de divindade cujo âmbito de ação coincide com a futura nação" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 87).

Por fim, Hobsbawm conclui o capítulo com algumas reflexões, mas sem nenhum intuito de formular teses concretas. A primeira reflexão é apontar os limites do protonacionalismo, pois seus movimentos são sempre serão menores que a gama de comunidades e grupos humanos. Em suma, Hobsbawm aponta sua concordância com Ernest Gellner que afirmava que não exista um mundo de nações, mas sim "um mundo onde alguns grupos potencialmente nacionais, demandando esse status, exclui outros grupos de fazer reivindicações semelhantes" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 92). Se realmente o protonacionalismo fosse condição mor para a construção de uma nação, existiria no mundo uma diversidade nacional (e quando falo nacional é tendo a formação de um Estado-nação como base) sem precedentes. A segunda reflexão é que os movimentos protonacionais, se apresentaram de duas formas na história: ou ajudando na formação de movimentos nacionais que aspiram o Estado, comum quando o Estado ainda não está formado; ou não sendo essencial para a integração nacional quando o Estado em voga já está formado. Ademais, Hobsbawm encerra o capítulo afirmando que buscou mais uma reflexão que necessariamente a formação de teses concretas. Isso porque é impossível saber a percepção de homens e mulheres não letrados do Século XIX sobre a questão envolta do protonacionalismo, debatido no capítulo.

Capítulo 03 - A perspectiva governamental 

Enquanto o capítulo 02 comentou sobre a reação dos de baixo em relação ao surgimento e fortalecimento do Estado moderno, nesse Hobsbawm se interessa em mostrar a visão e os desafios das classes dominantes nessa nova conjuntura européia que se formava. Primeiro, ele começa conceituando Estado moderno que - apesar de ter expressões iniciais no Século XVI e XVII nos áureos tempos do Absolutismo - surge apenas a partir da era das revoluções. Entre os aspectos que juntos formam o conceito de Estado moderno, podemos citar:

Estado Moderno: A) existência de um território definido sob fronteiras definidas; B) imposição das leis a todos, buscando o maior alcance possível; C) exercício direto do poder, ou seja, não se vê como necessário a presença de intermediários como a igreja na dominação; D) participação política maior da população, sendo o Estado obrigado a lidar com a opinião dos indivíduos.

Para Hobsbawm, "em resumo, o Estado dominava sobre um "povo" territorialmente definido e o fazia como agência "nacional" suprema de domínio sobre seu território, e seus agentes cada vez mais alcançavam os habitantes mais humildes do menor de seus vilarejo" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 102). Logo, observamos uma presença maior do Estado na vida cotidiana das pessoas, fato nunca visto antes na história. Seja através do carteiro, da construção de estradas de ferro, dos professores, da polícia, do exército a população estava diariamente tendo algum tipo de contato com o Estado moderno. Dito isso, as classes dominantes que controlavam esses Estados se viam sob dois desafios. São eles:

Desafio 01 - como administrar uma instituição que necessitava de um quadro de funcionários tão grande para conseguir abarcar a totalidade do território? O empregos públicos ou governamentais se tornaram os mais comuns para os que tinha acesso a educação.
Desafio 02 - como conquistar a confiança das pessoas, importante na legitimidade do Estado? Antes, a legitimidade do Estado (ligada a figura do monarca) era garantida pela religião ou pelo rígida hierarquia social que mantinham a ideia de que o rei era a figura divina encarregada de garantir a justiça. Entretanto, a partir da era das revoluções esse ideário cai por terra. E, a partir do fim do Século XIX, as sociedades começavam a se democratizar garantindo o voto e a participação política para mais pessoas além das elites. A eleitorização da política, faz as classes dominantes pensarem em novas formas de garantir seu poder. Era preciso garantir a confiança dos indivíduos mais do que nunca, tendo em vista que as modernas guerras referiam o envolvimento de um grande número de homens que só poderiam servir à pátria voluntariamente.

A preocupação era criar uma nova coesão social, tendo em vista que as anteriores baseadas na religião não tinham mais legitimidade. Crescia a participação popular na política e junto a isso os movimentos trabalhistas e socialistas, contestatórios, ganhavam espaço perante a nova classe social que o capitalismo industrial forjou. Era necessária uma "religião cívica" (termo usado por Rousseau) que vinculasse Estado-povo em um só ente. A nascente Sociologia do fim do Século XIX, por exemplo, se preocupa em formar essa nova integração social moderna.

É fácil de imaginar, depois de tudo dito acima, que o Estado passa a utilizar de recursos comunicativos (como a escola) a fim de reforçar a ideia de que Estado e povo são um mesmo ente. Para isso, instigavam o respeito e amor a bandeira nacional e as tradições, criadas a fim de unificar o Estado-povo. Tivemos então uma soma de dois processos, são eles: Patriotismo Estatal + Nacionalismo Não Estatal. O primeiro, que nasce após a Revolução Francesa trazendo a vinculação entre Estado/Cidadão onde para ser membro de uma nação não havia outro precedente a não ser residir no território delimitado e respeitar suas leis, se funde com sentimentos nacionalistas não oficiais em busca da formação de uma tradição. E isso custou caro, pois a heterogeneidade dos Estados na Europa ocasionou a sobreposição política de uma nacionalidade sobre outras. O critério que antes era amplo, agora começava a se restringir a alguns pré-requisitos específicos. 


Para começo de conversa, a primeira ação dos Estados foi criar uma língua nacional. Era impossível homogeneizar a população sem criar uma língua de âmbito nacional. Mas essa construção de uma língua nacional nunca foi tranquila, apenas camponeses muito isolados não eram afetados pelos embates que essa construção acarretava. Nesse período, os Estados passaram a utilizar de sensos para documentar os debates em torno da língua. Primeiro foi discutido a relevância da língua nos censos, depois optaram pela exclusão da mesma e por fim a partir de 1873 passaram a incluir essa questão nos censos. E, apesar de alguns estatísticos de Habsburgo não darem tanta relevância a língua e priorizarem o fator raça, a língua falada não deixava de ser na realidade concreta um importante fator de construção da nacionalidade. O que não se imaginava era que os censos, ao tratarem da língua, passaram a “cada um escolher, pela primeira vez, não apenas uma nacionalidade mas também uma nacionalidade lingüística” (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 120). As consequências disso seriam vistas em seguida.
                                  
Capítulo 04 - As transformações do nacionalismo: 1870-1918

Se observa que o nacionalismo no fim do Século XIX e início do Século XX, terá mudanças significativas em relação ao nacionalismo da era liberal. Hobsbawm elenca três mudanças, são elas:

Mudança 01: abandono do “ponto crítico” no que tange a nacionalidade, ou seja, qualquer conjunto de pessoas que se identificassem como nação teriam o direito de lutar por um Estado independente e soberano;
Mudança 02: em conseqüência da primeira, vemos o foco etnolinguístico no que tange a nacionalidade;
Mudança 03: a invenção do termo “nacionalismo” como um direito político a nação e a bandeira.

Sobre a segunda mudança, o recorte etnolinguístico se complementaram e teve um forte reforço com as teorias darwinistas de fins do Século XIX. A divisão social em raças, separou de vez o “nós” de “eles”. Isso ocasionou em casos como a expulsão de estrangeiros, vistos como ameaça a unidade daquele território. A língua e a etnicidade se unem, pois “há uma evidente analogia entre a insistência dos racistas na pureza racial e nos horrores da miscigenação, e também a insistência de tantas formas de nacionalismo lingüístico sobre a necessidade de purificar a língua nacional de elementos estrangeiros” (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 132). O nacionalismo etnolinguístico se reforçavam na tentativa de homogeneizar as populações, ganhando força por três fatores que não podemos deixar de levar em conta. São eles: a) a resistência de estratos sociais tradicionais que se mobilizavam contra as classes sociais emergentes; b) as próprias novas classes sociais que surgiram após o capitalismo industrial; c) as constantos migrações na Europa, mesclando uma variedade de povos e desenvolvendo a ojeriza ao estrangeiro que mais tarde seria utilizado por movimentos nacionalistas. 

Enfim, três são as reflexões feitas por Hobsbawm sobre essa nova fase do nacionalismo: a) o que significavam os slogans nacionalistas?; b) como era a ação e efeitos do movimento nacionalista nos diferentes eleitorados?; c) como conseguiram mobilizar as massas para seus objetivos?. Algumas respostas são dadas pelo autor a esses questionamentos. Sobre as ações, o papel do Estado através da educação básica é mencionado. A língua nacional, importante fator já mencionado, só foi possível graças a educação. No que tange aos efeitos, podemos observar uma guinada para a direita da classe média que, incerteza do seu status por conta da constante migração, passou a adotar o movimento nacionalista chauvinista de aversão aos estrangeiros que ameaçavam sua antiga posição. Outro efeito citado é a oposição entre movimentos nacionalistas e socialistas por esse último ter cunho internacionalista. Apesar disso, não existia uma fronteira delimitada separando nacionalismo de movimentos socialistas, inclusive, ambos iriam se cruzar historicamente em várias situações. Entretanto, essa divisão permaneceu existindo entre as camadas médias descontentes com a nova ordem social que surgia. Das conclusões do capítulo, Hobsbawm cita a incerteza em tratar a consciência nacional nas massas e afirma que consciência nacional não pode andar separada de outras consciências como a social e a política. 

Capítulo 05 - O apogeu do nacionalismo: 1918-1950

Hobsbawm vem analisar nesse capítulo o auge do "princípio da nacionalidade", visto no período entre guerras. Esse apogeu tem ponto de partida após o fim da Primeira Guerra Mundial que resultou no fim dos impérios multiétnicos como o Otomano e Austro-Húngaro. Também vale lembrar da Revolução Russa de 1917, acontecimento político que teve na Primeira Guerra Mundial uma das suas consequências principais, que fizeram as potências capitalistas adotarem o princípio wilsoniano de nacionalidade a fim de evitar o crescimento do Bolchevismo. O princípio wilsoniano criava uma gama de Estados-nações no continente europeu, todos democracias burguesas parlamentaristas e alinhados a política externa norte-americana. Outra importante característica dessa conjuntura é o advento da "economia nacional" e a rejeição daquele capitalismo de livre-mercado extremo, então hegemônico até a Primeira Guerra Mundial. O comércio internacional sofreu um golpe, investimentos internacionais se reduziram e barreiras cambiais foram criadas a fim de valorizar os produtos nacionais.  

Focando no princípio wilsoniano, Hobsbawm trata suas consequências como fracassadas. Ao aumentar quantitativamente o número de Estados-nações na Europa, em busca de homogeneização, se parte rapidamente para o extermínio de minorias. Como exemplo, temos o extermínio armênio e grego por parte dos turcos. A busca por homogeneidade, incentivada cada vez mais por essa nova forma de tratar os territórios, proporcionou mais conflitos étnicos na Europa. Outro resultado dessa política foi mostrar as limitações da chamada "ideia nacional", tendo em alguns plebiscitos mostrado que parcelas significativas escolheram se integrar a Estados que não tem sua língua como a oficial. 

Nessa nova fase do capitalismo, baseado em alta tecnologia, o papel da comunicação é destacado por Hobsbawm como de grande valor no reforço da identidade nacional. A imprensa, o rádio e o cinema foram meios eficazes em padronizar e homogeneizar as sociedades sendo um importante braço do Estado. "Mas a propaganda deliberada quase certamente era menos significativa do que a habilidade de a comunicação de massa transformar o que, de fato, eram símbolos nacionais em parte da vida de qualquer indivíduo e, a partir daí, romper as divisões entre as esferas privada e local, nas quais a maioria dos cidadãos normalmente vivia, para as esferas pública e nacional" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 170). Como exemplo, o autor cita a família real britânica que passa a entrar na vida doméstica dos cidadãos através do rádio e posteriormente da televisão que, desde 1932, transmite o Natal da realeza.

Outro aspecto importante no reforço da identidade nacional, nessa conjuntura entre guerras, são os esportes. O espaço do público e privado também foi rompido através das práticas esportivas que "como um espetáculo de massa foi transformado numa sucessão infidável de contendas, onde se digladiavam pessoas e times simbolizando Estados-nações" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 170). Surgem as partidas internacionais de futebol e os Jogos Olímpicos que "simbolizavam a unidade desses Estados, assim como a rivalidade amistosa entre suas nações reforçava o sentimento de que todos pertenciam a uma unidade, pela institucionalização de disputas regulares, que proviam uma válvula de escape para as tensões grupais, as quais seriam dissipadas de modo seguro nas simbólicas pseudolutas" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 171). Dentro dos esportes, Hobsbawm cita em especial o futebol. A Copa do Mundo de Futebol, iniciada em 1930, é resultado dessa busca de através do esportes chegar nas massas e nelas incutir um sentimento nacionalista. E deu muito certo, pois "a imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze pessoas com nome. O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de sua nação" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 171).

Esse forte nacionalismo entre guerras, terá grande influência fascista que passa a apontar os comunistas internacionalistas como inimigos. Com um discurso de aversão a revolução social e contra a ameaça vermelha que tinha a URSS como satélite, os movimentos nacionalistas são instigados pela direita e acabam tendo força tanto nos estratos médios quanto na classe trabalhadora. Esse nacionalismo militante "preenchia a lacuna deixada pelo fracasso, pela impotência e pela aparente inabilidade de outras ideologias, projetos e programas políticos compreenderem as esperanças dos homens" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 173). As certezas do ideal iluminista estavam ruindo, não davam mais soluções aos problemas e o princípio da nacionalidade citado no início do capítulo aparece como principal elo.

Porém, essa hegemonia direitista nos movimentos nacionalistas é roubada pela esquerda durante a Segunda Guerra Mundial e, principalmente, após esse conflito mundial. A resistência antifascista, voltada a combater uma elite internacional inclinada para o nazifascismo e que na França chegava a preferir Hitler que um francês como León Blum governando, foi primordial nessa mudança de postura das esquerdas então afastadas do discurso nacionalista. Hobsbawm cita três fatores que fizeram a esquerda se fortalecer nos movimentos nacionalistas, são eles: a) o combate a uma elite internacional pró-Nazifascismo, sendo o exemplo francês citado acima o mais fidedigno; b) a convocação para a Guerra Civil Espanhola onde, acima dos interesses espanhóis, colocavam ingleses (por exemplo) para combater noutro país com a certeza de que era uma forma de defender sua própria nação contra o perigo alemão/italiano; c) a ideia de resistência, vitória e, principalmente, transformação social fizeram a esquerda começar a ganhar força nos movimentos nacionalistas.

Após a Segunda Guerra Mundial, essa influência esquerdista chega nos chamados países coloniais. As teorias do imperialismo de Lênin, criavam o anti-imperialismo como justificativa para o combate a metrópole. Com isso, Hobsbawm afirma que entre 1930 e 1970 existiu uma hegemonia da esquerda nos movimentos nacionalistas e que só começaria a decair após a década de 70 onde os movimentos que surgem é de questionamento dos regimes comunistas impostos pós-1945.

Capítulo 06 - O nacionalismo no final do século XX

De início, Hobsbawm conclui que o tal "princípio da nacionalidade" e sua busca por uma comunidade imaginada, triunfou no mundo. Um exemplo dado é a Guerra das Malvinas que não foi motivada por outro motivo a não ser a oposição "nós" e "eles", comum quando tratamos do nacionalismo moderno.  Contudo, o nacionalismo não se apresenta mais como principal motor do desenvolvimento histórico. Isso porque "os movimentos nacionalistas característicos dos anos finais do século XX são essencialmente negativos, ou melhor, separatistas" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 196). São movimentos que reagem frente as profundas e rápidas modificações do sistema capitalista que transnacionalizou a economia, incentivando constantes fluxos imigratórios.

Como exemplo é citado a situação de Quebec, Canadá, região movida por um forte nacionalismo que usa o fator linguístico como base de suas ações. Apesar da língua francesa ser a maioria na região, falada por um quarto da população, os moradores de Quebec criticam a ameaça do multiculturalismo que se apresenta como ameaça as tradições. Isso tem justificativa quando 3,5 milhões de imigrantes pós-1945, querem ter seus filhos educados em inglês, pois esse é o idioma considerado mundial. Apesar de apenas 15% dos imigrantes se fixarem na região do Canadá francês, eles se sentem ameaçados. A perca da força do catolicismo na região é outra queixa dos moradores da região que passaram a substituir o catolicismo tradicional pelo separatismo militante.

Outro fator que enfraqueceu o nacionalismo enquanto movimento central na história foi a mudança da "economia nacional" para uma "economia transnacional" ou "mundial". Entidades como a Comunidade Econômica Européia e o Fundo Monetário Internacional são exemplos dessa mudança econômica do capitalismo. Essa mudança "impulsionou também uma onda maciça de migração, intercontinental e internacional, a maior delas desde as décadas anteriores a 1914, que, incidentalmente, agravou os atritos intercomunais, sobretudo sob a forma do racismo, transformando um mundo de territórios nacionais "que pertenciam" exclusivamente aos que lá nasceram" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 207).

Apesar dessas reflexões, Hobsbawm não elimina por completo a importância do nacionalismo ou do Estado-nação na história. Só afirma que essas categorias perderam muito sua força, comparado ao fim do século XIX e início do XX. Está subordinado a uma "nova reestruturação supracional do planeta" (HOBSBAWM, Eric. Rio de Janeiro, 1990. p. 214)

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