terça-feira, 17 de julho de 2018

Cultura, um conceito antropológico


  • Sobre o autor: Roque de Barros Laraia é um antropólogo brasileiro nascido em Pouso Alegre, município localizado no sul de Minas Gerais. Formou-se bacharel em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1959. Em 1960, participou do curso de especialização em Teoria e Pesquisa em Antropologia Social no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nos anos 70, alcançou o título de doutor e pós-doutor. Em 1972, obteve seu doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) sob orientação ilustre do sociólogo Florestan Fernandes. Já em 1978 concluiu seu pós-doutorado na Universidade de Sussex, Inglaterra. Laraia já acumulou cargos acadêmicos de importância como a presidência da Associação Brasileira de Antropologia (1990-1992) e da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) em 2000. Desenvolveu pesquisa antropológica nas seguintes tribos indígenas do Brasil: a) Suruí; b) Akuáwa-Asurini; c) Kamayurá; d) Urubu-Kaapor. Também escreveu obras na Antropologia como "Índios e castanheiros" em 1967 (escrito conjuntamente com outro antropólogo, Roberto DaMatta) e "Tupi, índios no Brasil" em 1987. Atualmente é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). 




Cultura, um conceito antropológico - Roque de Barros Laraia - Editora Zahar


Introdução - O livro resumido é o mais conhecido de Roque Laraia, sendo bastante utilizado nos primeiros períodos do curso de Ciências Sociais. Trata-se de uma obra pequena, introdutória e com linguagem simples até para quem não é da área. Basicamente, a obra é dividida em duas partes que serão brevemente resumidas abaixo. São elas: 1) Da natureza da cultura ou da natureza à cultura, obtendo 06 pequenos capítulos; e 2) Como opera a cultura, obtendo 05 pequenos capítulos. Dois anexos encerram o livro (o primeiro chama-se "Uma experiência absurda" e o segundo "A difusão da cultura"), mas o foco aqui serão apenas os 11 capítulos que compõe a primeira e segunda parte.

01) Primeira parte - Da natureza da cultura ou da natureza à cultura

Antes de iniciar o capítulo 01 dessa primeira parte, Laraia faz uma breve reconstrução histórica buscando mostrar o quão a preocupação com a diversidade cultural está presente na história da humanidade. Heródoto com os lícios; Tácito com as tribos germânicas; Marco Polo com a China; José de Anchieta e Montaigne com os tupinambás são alguns exemplos citados da presença tanto dessa curiosidade em conhecer o outro quanto da estranheza que isso pode causar. Por fim, Laraia encerra esclarecendo o objetivo da primeira parte do livro: refutar os determinismos biológicos e geográficos que buscam explicar os nossos comportamentos com base em nossa genética ou local de moradia. Capítulo 01 - O determinismo biológico: é bastante antiga a ideia que vincula comportamento humano com inatismo. Mas para Laraia, os antropólogos estão totalmente convencidos que a genética não é fator determinante quando temos como análise o comportamento humano. Esse inatismo, ou seja, a ideia de que o ser humano possui comportamentos inatos foi oficialmente desconsiderada no pós-Segunda Guerra Mundial quando a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) declarou com apoio de vários cientistas a não ligação direta entre caracteres genéticos com comportamentos. Pelo contrário, o comportamento humano só pode ser devidamente explicado com o estudo da história cultural dos povos. O homem tem a capacidade de aprender e de maneira diferente a depender das manifestações culturais que o cercam. Laraia assume que existem diferenças físicas entre os homens, principalmente, no que tange ao sexo biológico (masculino e feminino). Entretanto, os comportamentos existentes entre os sexos não são determinados biologicamente mas tem forte influência cultural. Em suma, o papel do homem e da mulher muda a depender da cultura analisada. Para entender isso, o autor cita o exemplo da divisão sexual do trabalho. A tarefa de carregar pesados baldes de água é tarefa feminina no Xingu. Em nossa sociedade tarefas que requer tamanha disposição física é quase sempre atribuída ao sexo masculino, visto como representante da virilidade. Até manifestações biológicas podem ser ditadas pela cultura, vide a amamentação que na modernidade pode ser transferida para a figura masculino com o auxílio da mamadeira. O capítulo se encerra com a seguinte conclusão: nossos comportamentos são aprendidos através de um processo de aprendizagem, chamado de endoculturação e não por determinismo biológico/genético. Capítulo 02 - O determinismo geográfico: o determinismo geográfico vincula os comportamentos dos seres humanos a seu local de nascimento. Dois filósofos representam esse pensamento, são eles: a) Jean Bodin, afirmava que os povos do norte tem uma personalidade mais fiel, cruel e pouco interessada sexualmente já os povos do sul seriam maliciosos, abertos e mal adaptados ao exercício da política; b) Ibn Khaldun, acreditava que os povos de climas quentes tinham natureza passional, já os de climas frios não tinham vivacidade. Essas ideias foram amplamente refutadas por antropólogos como Alfred Kroeber e Franz Boas que em suas pesquisas de campo mostraram o seguinte: dentro de um mesmo território podemos encontrar uma farta variedade cultural e consequentemente comportamental. Laraia cita uma série de exemplos e podemos citar alguns como as diferenças entre os esquimós e os lapões no norte polar; dos índios pueblo e navajo nos EUA e dos índios brasileiros no Parque Nacional do Xingu. Portanto, fica entendido que é a cultura a qualidade que diferencia a espécie humana das demais espécies e que ela não é movida por nenhum tipo de determinismo. Capítulo 03 - Antecedentes históricos do conceito de cultura: nesse capítulo o autor passa rapidamente pela história envolvendo o conceito de cultura. O antropólogo inglês Edward Tylor foi quem cunhou o termo, sendo "tomado em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 25). A palavra cultura vem de Culture e é a junção de dois termos, o germânico Kultur (significa os aspectos espirituais de um povo) e do francês Civilization (significa os aspectos materiais de um povo). Tylor juntou o sentido desses dois termos e conceitou cultura. Kroeber destaca que o conceito de cultura, dado por Tylor, foi a maior obra realizada pela Antropologia na primeira metade do Século XX. Já Clifford Geertz acredita que atualmente a tarefa da Antropologia é "diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 27). O homem é a espécie que produz cultura, então a única. E para Laraia a cultura soma dois aspectos que só os seres humanos conseguiram desenvolver: a) comunicação oral; b) fabricação de instrumentos. Foi se comunicando e fabricando instrumentos que melhorassem a qualidade de vida que os homens produziram cultura, se diferenciando do restante da natureza. Capítulo 04 - O desenvolvimento do conceito de cultura: aqui Laraia mostra um pouco da mudança que o conceito de cultura sofreu durante a história da teoria antropológica. Tylor, seu formulador, acreditava que a cultura precisava ser estudada por possuir "causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultura e a evolução" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 30). A cultura tinha origem e era regida por leis que precisavam ser identificadas, analisadas e sistematizadas pelos antropólogos a fim de esclarecer o processo evolutivo do homem. Tylor enxerga os homens iguais e diferentes ao mesmo tempo, ou seja, são iguais porque fazem parte de uma mesma espécie mas diferentes no processo de evolução. Ou seja, "a diversidade é explicada por ele como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo evolutivo" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 32/33). Quais seriam esses estágios? Para Tylor, três: a) selvageria; b) barbárie; c) civilização. No último estágio estariam os europeus e nos outros as demais sociedades. Essas sociedades "selvagens" ou "primitivas" chegariam, algum dia, no processo civilizatório. A tarefa da Antropologia seria então escalar as sociedades. Essa escola de pensamento antropológico foi a pioneira e é chamada de Evolucionismo Cultural. Tylor não foi o único representante e Laraia citou outros nomes que seguiam a mesma linha de raciocínio. Entre os citados: a) Henry Maine, analisou os estágios culturais das sociedades com base em suas instituições jurídicas; b) Johann Bachofen, analisou os estágios culturais com base na ideia de promiscuidade e instituição do matriarcado; c) John McLennan, analisou os estágios culturais com base na ideia de matrimônio. Apesar de terem grande importância na fundação e desenvolvimento da Antropologia como ciência, os evolucionistas caíram em erros crassos como o etnocentrismo. Ou seja, julgar a cultura dos outros com base na sua. A reação ao evolucionismo foi o Particularismo Histórico desenvolvido por Franz Boas, antropólogo alemão com desenvolvimento intelectual nos EUA. Laraia destaca duas visões inovadoras de Boas para a Antropologia, são elas: a) análise dos povos só possível com uma reconstrução de sua história; b) a importância da comparação das diferenças culturais, tendo em mente que elas seguem leis que são universais apesar de terem demonstração diferenciada. Por fim, Laraia encerra o capítulo trazendo as concepções de Alfred Kroeber que procurou superar a oposição orgânico x cultural, dando ênfase e importância ao último. Para ele o homem é resultado do meio cultural em que vive e herdeiro de um processo acumulativo representado pelas gerações que o antecederam. Capítulo 05 - Ideia sobre a origem da cultura: qual a origem da cultura na história humana? Eis o questionamento desse capítulo. Laraia cita a visão de três antropólogos sobre isso, são eles: a) Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, achava que a cultura surge a partir do instante que o homem impõe a primeira regra social e essa seria a lei ou tabu do incesto que proibia homens de relacionar-se com certos tipos de mulheres; b) Leslie White, antropólogo norte-americano, afirmou que a cultura surge quando os homens foram capazes de produzir símbolos e esses "devem ter uma forma física, pois do contrário não podem penetrar em nossa experiência, mas o seu significado não pode ser percebido pelos sentidos" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 55/56); c) Alfred Kroeber, antropólogo norte-americano, considerava que a cultura surge após um salto qualitativo entre os primatas que passaram a desenvolver qualidades nunca antes vista como o de ensinar, aprender e exprimir-se. Laraia encerra o capítulo trazendo contribuições de Geertz que mostrou o desenvolvimento simultâneo entre equipamento biológico humano e a cultura. Capítulo 06 - Teorias modernas sobre cultura: encerrando a primeira parte da obra, Laraia traça uma sintética "árvore genealógica" da atual teoria antropológica e de como ela encara atualmente o conceito de cultura. A base para as afirmações, diz Roque Laraia, é o artigo "Theories of Culture" de Roger Keesing. A título de informação, temos as seguintes divisões: a) "teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 59) que pensam o conceito de cultura como "sistemas (de padrões de comportamentos socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 59). As mudanças sociais nessa corrente é vista como uma expressão de uma adaptação semelhante a seleção natural, pensada pelo biólogo Charles Darwin; b) "refere-se às teorias idealistas de cultura" (LARAIA, Roque de Barros, 2013, p. 60). Essa corrente se divide em três partes: b.1) a primeira seria a que encarra a cultura como sistema cognitivo, busca entender os sentidos dados a cultura pelos membros da comunidade que ela reproduz e sua prática é feita pelo chamados "novos etnógrafos"; b.2) a segunda seria a que encarra a cultura como sistemas estruturais, que conceitua cultura como criação da mente humana com poder acumulativo e "seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios culturais - mito, arte, parentesco e linguagem - os princípios da mente que geram essas elaborações culturais" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 61); b.3) a terceira seria a que encarra a cultura como sistemas simbólicos. Para essa vertente "estudar a cultura é portanto estudar um código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 63)

02) Segunda parte - Como opera a cultura

Enquanto que a primeira parte do livro buscou refutar os determinismos biológicos e geográficos, mostrando também a evolução do conceito de cultura na Antropologia, na segunda o autor vem mostrar a aplicação da cultura "num ser biologicamente preparado para viver mil vidas". Capítulo 01 - A cultura condiciona a visão de mundo do homem: três são as ideias que Laraia busca passar nesse capítulo, são elas: a) culturas são lentes que os indivíduos utilizam para enxergar o mundo, logo, "homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 67); b) a cultura consegue afetar até o uso do nosso equipamento fisiológico e como exemplo o autor cita o riso que dentro de cada sociedade terá um significado diferente pois "pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 69); c) apesar do conhecimento da diversidade cultural, temos a propensão em repudiar ou estranhar a cultura do outro criando a oposição "Nós x Eles" que pode desaguar no etnocentrismo ou "crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 73). Capítulo 02 - A cultura interfere no plano biológico: a cultura interfere no aparelho biológico, afirma Laraia. Utilizamos o funcionamento do corpo humano a depender do contexto sócio-cultural em que estamos inseridos. Exemplos? Laraia cita alguns e o primeiro seria a apatia sofrida por negros africanos que vieram para o Brasil trabalhar sob mão-de-obra escrava. Longe da sua terra, da suas crenças, da sua cultura muitos negros recém-chegados acabavam se suicidando. O banzo, traduzido como saudade, foi uma violência que começava no plano cultural (ao afastar o negro da sua cultura de origem) e terminava no plano biológico (com o suicídio desse indivíduo). Mas outros exemplos menos impactantes são mencionados como o horário das alimentações, crença em curas (maioria baseadas na fé) e até doenças psicossomáticas são resultado da cultura que afetam nosso dispositivo biológico/fisiológico. Capítulo 03 - Os indivíduos participam diferentemente de sua cultura: aqui Laraia constata que o indivíduo ele não tem capacidade de, sozinho, participar de todos os elementos de sua cultura. Por exemplo, mulheres em tribos do Xingú são impedidas de participarem de alguns rituais religiosos assim como o trabalho doméstico não é bem visto em nossa sociedade quando feito por homens. Além do sexo, a faixa etária também pode influenciar na não participação completa dos elementos culturais. Entretanto, independente dos critérios referentes ao sexo ou idade não existe como um indivíduo conhecer e participar de todos os elementos de sua cultura. Isso porque segundo Marion Levy Jr., "nenhum sistema de socialização é idealmente perfeito, em nenhuma sociedade são todos os indivíduos igualmente bem socializados, e ninguém é perfeitamente socializado" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, 82). O mais importante, para Laraia, seria a garantia de uma socialização mínima que permitisse ao indivíduo compreender as regras e normas de sua sociedade para que assim entre em articulação com seus demais membros. Capítulo 04 - A cultura tem uma lógica própria: seguindo a tarefa de dar aplicabilidade ao conceito de cultura, Laraia afirma que cada uma tem sua própria lógica sendo ultrapassado tratar sistemas culturais "lógicos" e outros "pré-lógicos". A cultura e os elementos que a compõe tem um sentido próprio que só pode ser compreendido a partir do entendimento da sociedade a que pertence. Pois, "é que cada cultura ordenou a seu modo o mundo que a circunscreve e que esta ordenação dá um sentido cultural à aparente confusão das coisas naturais" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 92). Capítulo 05 - A cultura é dinâmica: nesse capítulo de encerramento, Laraia pontua a ligação entre cultura e mudança social. Em suma, a cultura é dinâmica pois está em constante mudança. Essa mudança na cultura pode ocorrer de duas formas: a) interna, resultante de mudanças no próprio sistema cultural e que por isso pode parece mais lenta; b) externa, resultante de mudanças exterior ao sistema cultural, mas que afeta esse de forma brusca e rápida. A ideia de tempo é muito importante se ter em mente, pois é analisando ele que podemos perceber as diversas mudanças na cultura como os padrões de beleza, as regras morais, as vestimentas etc. O entendimento da dinâmica cultural nos preparam para o enfrentamento de constantes mudanças na cultura.

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