quarta-feira, 11 de julho de 2018

O que é Questão Agrária


  • Sobre o Autor: José Graziano da Silva nasceu em Urbana, Estados Unidos, e é filho de pai brasileiro tendo dupla nacionalidade. É um acadêmico com foco na questão agrária no Brasil. Sua formação é em Agronomia pela Universidade de São Paulo (USP) onde também obteve seu mestrado em 1974. Já seu doutorado, data de 1980 e foi conquistado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Enquanto que seu pós-doutorado veio da Universidade da Califórnia e no Instituto de Estudos Latino-americanos do University College London. Entre 2003 e 2004 atuou como ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, sendo responsável pela instalação do programa Fome Zero. Desde 2011 ocupa o cargo de diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). 



O que é Questão Agrária - José Graziano da Silva - Editora Brasiliense 



O livro resumido é a obra de maior destaque do José Graziano em toda sua trajetória intelectual, tendo sido publicado originalmente em 1980 pela Editora Brasiliense. Ele é dividido em quatro partes, são elas: 1) Introdução; 2) O desenvolvimento recente da agricultura brasileira; 3) Os trabalhadores da agricultura brasileira e sua organização sindical; 4) A retomada da questão agrária. Resumiremos abaixo esses pontos.

Introdução - Graziano faz um simples apanhado histórico de como foi encarada a questão agrária no país durante a história. Ele destaca quatro períodos: a) Anos 30: nesse período o debate sobre a questão agrária girava em torno da crise do café (nosso maior produto agroexportador na época) e da Grande Depressão (mais conhecida como Crise de 1929) que ocorreu nos EUA trazendo repercussões sobre grande parte do mundo; b) Fim dos anos 50, início dos anos 60: nesse período o debate sobre a questão agrária girava em torno dos rumos que deveria seguir a industrialização brasileira, tendo em vista que se achava a agricultura (por seu atraso) um empecilho para o desenvolvimento econômico do país, entendido como investimento em industrialização pesada; c) Meados dos anos 60 e início dos anos 70: período marcado pelo silenciamento do debate sobre a questão agrária no país, tendo em vista o "Milagre Econômico" por qual passávamos e, principalmente, pela forte repressão política instaurada pela Ditadura Militar; d) Após 1973: nesse período o desencanto com o "milagre econômico" já afetava o país com a conclusão de que esse milagre tinha concentrado renda e terra nas mãos de uns poucos privilegiados, sendo esse período em diante (reforçado após 1978 com as aberturas políticas) um momento de construção de análises/críticas a questão agrária no Brasil. Após o ressurgimento desse debate (na verdade após o enfraquecimento da repressão política no país, pois o debate sobre a questão agrária não deixou de existir da reflexão de vários intelectuais brasileiros) serviu para separarmos questão agrária de questão agrícola. A questão agrícola está ligada a produção em si mesma, ou seja, preocupada em analisar o que se produz, onde se produz e quanto se produz. Vemos então a preocupação com: variedade, localidade e quantidade. Enquanto que a questão agrária está ligada a relações de produção, ou seja, preocupada em analisar como se produz e de que forma se produz. Vemos então a preocupação com: forma como se produz. É na questão agrária que entra a qualidade de vida dos trabalhadores rurais, seus níveis de renda, suas condições de trabalho etc. Baseado no economista Ignácio Rangel (1914-1994), o autor exemplifica crises dessas duas questões já conceituadas. Para Rangel, à medida que avançasse a industrialização brasileira o setor agrícola teria que: a) Aumentar a produção, ou seja, produzir mais matérias-primas para o setor industrial fazer seus produtos e produzir mais alimentos para às pessoas que viviam nos centros urbanos; b) Liberar a mão-de-obra, ou seja, dar espaço para que pessoas saíssem do campo para que fossem morar nas cidades com o intuito de suprir necessidade de força de trabalho nas indústrias. Dessa dualidade cobrada pelo setor agrícola, podemos identificar duas crises: 1) Crise Agrícola, caso a produção agrícola de matérias-primas e alimentos não suprisse satisfatoriamente as indústrias e os trabalhadores urbanos; 2) Crise Agrária, caso fossem liberadas muita ou pouca mão-de-obra para as indústrias - localizadas nas cidades - ocasionando numa urbanização exagerada (maioria dos casos) ou insuficiente. Nossa crise agrária, ainda segundo Rangel, já estava configurada desde os anos 60 como consequência de uma urbanização em excesso. Foi a partir dos anos 60 que se intensificou no campo brasileiro a concentração de terra, ocasionando a saída exagerada de trabalhadores rurais para as cidades. Para Graziano isso ocorreu graças ao controle do capital na produção agrícola. O capital "industrializou" a agricultura, procurando produzir mais e aumentando a jornada de trabalho. No texto, Graziano dar o exemplo da avicultura. De um lado a produção antiga, onde as galinhas eram criadas em terreiros obedecendo seu instinto biológico de procriação. Do outro a produção moderna que especializou a avicultura, ou seja, agora temos a produção de pintinhos/galinhas e a produção de ovos separadamente. A criação espontânea em terreiro é trocada pela mecanizada, onde a galinha passa o dia presa numa gaiola comendo para engordar e produzir ovos. A produção também se tornou mais complexa, pois o criador de galinhas agora dar lucro a quem produziu as gaiolas, as rações que por sua vez já vai dar lucro ao fabricante de milho etc. E dentro dessa lógica, o pequeno produtor não tem condições de se manter competitivo, sendo engolido pelas grandes empresas que podem arcar com esse aumento de custos na produção, causado essa especialização. Temos então um grande problema: uma estrutura agrícola/agrária que beneficia os grandes proprietários em detrimento dos pequenos que precisam escolher entre viver na miséria com suas posses, se submeter a exploração dos grandes proprietários ou rumar para os centros urbanos em busca de emprego e qualidade de vida. Dessa problemática, Graziano critica duramente os "anarquistas-ecológicos" que querem uma volta romântica ao passado. A classe média urbana seria a principal representante desses "ecológicos" que propõe o combate a tecnologia, ao aumento da produção e basicamente propõe "tecnologias alternativas". Essas estariam, segundo Graziano, galgadas de reformismo equivocado pois orbitam dentro do capitalismo (nunca buscando alternativas a esse sistema que gera toda a crise dita acima). Além disso são propostas que, por negarem a produção em larga escala, elitistas por não se basear no nível de consumo da massa trabalhadora. Após essa crítica, Graziano encerra a introdução afirmando que a mudança deve ser feita na lógica do sistema capitalista e não na redução da produção, tendo em vista que essa pode estar atrelada a um sistema econômico socialista onde o trabalhador por ser dono do fruto do seu próprio trabalho poderá utilizá-la a seu favor.

01) O desenvolvimento recente da agricultura brasileira 

Graziano já no início do capítulo, afirma: a diferença entre o desenvolvimento do capital na indústria para a agricultura é que o meio de produção desta última (a terra) não é multiplicada ao bem-prazer do homem. Daí só podemos avaliar de forma segura a situação agrária do Brasil se fizermos uma análise histórica de como foi apropriada a terra, durante os processos históricos. Essa apropriação, construída historicamente, é o pano de fundo da questão agrária no país. O autor começa destacando o início da colonização, onde houveram grandes doações de terra por parte do Estado Monárquico Português a portugueses que desejavam explorar o novo território descoberto. Daí surgiram as sesmarias, o consequente desenvolvimento dos latifúndios escravistas sustentado a base da monocultura e mantenedor de uma divisão social entre senhores de terra e escravos. Esses latifúndios estavam voltados para a exportação de produtos agrícolas (como o açúcar) e aliado ao tráfico de escravos, compunham a base econômico do Brasil Colônia. O foco era produzir o que estava bem cotado no mercado internacional. Com isso, a produção de alimentos era secundarizada em virtude do produto exportado do momento. Só se produzia alimentos nos latifúndios quando pequenos agricultores pagavam ao latifundiário para produzir num pequeno espaço de suas terras ou quando os próprios escravos utilizavam da terra em seus "tempos livres" - domingo, feriados etc. Fora dessa lógica, temos uma pequena parcela de pequenos produtores agrícolas no país que trabalhavam por sua subsistência, vendendo o excedente em mercados. Já no Século XIX, período que marca o declínio do Brasil Imperial e a construção do Brasil Republicano, temos a conhecida Lei de Terras de 1850 que determinou o direito a posse das terras através da compra e venda. Essa lei reforçava a desigualdade social e concentração de renda, a partir do momento que determinava que somente os ricos tinham direito a ter terra como sua propriedade. Mão-de-obra escrava, direito a terra livre. Mão-de-obra livre, direito a terra limitado. Por fim, o período que se estende após a Revolução de 30 (início do Século XX) marca o desenvolvimento da industrialização do país que passava a ocupar um grande espaço em nossa economia, ofuscando o antigo sucesso do setor agroexportador. Industrializam o país com base na substituição de importações. E também o campo, como afirma o autor. A partir dos anos 70, período marcado pela Ditadura Militar, começam a se instaurar no país indústrias voltadas para a agricultura como as indústrias de tratores, fertilizantes químicos, rações etc. O papel do Estado foi muito importante nesse momento pois foi ele que, através de políticas agrícolas, estimulou o consumo desses novos equipamentos. E é esse período que vai vim a refutar, segundo o autor, a tese dos teóricos da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) que diagnosticavam uma dualidade entre a estrutura agrária brasileira (baseada na forte concentração de terra) com a industrialização do país. A argumentação desses teóricos, giravam em torno de duas idéias: 1) a produção de alimentos reagia menos que o crescimento dos preços dos produtos, ou seja, haveria um aumento populacional urbano acompanhado de uma pressão pela baixa dos preços dos produtos e consequente aumento salarial; 2) a não ligação entre latifúndios e produção industrial, pois os primeiros eram auto-suficientes e produziam suas ferramentas de trabalho de forma ainda artesanal. Baseados nesses argumentos, os Cepalinos enxergavam o entraves para a industrialização do país. Entretanto, segundo Graziano, a realidade foi bem diferente. A agricultura, ou seja, o campo brasileiro conseguiu se aliar e consumir as produções oriundas da indústria. Isso porque: 1) houve um aumento das matérias-primas e dos alimentos, sem afetar a agro-exportação e ainda gerando divisas (disponibilidade em obter moedas estrangeiras) para o processo de industrialização em curso; 2) a agricultura passou a consumir produtos industriais, passando por uma "industrialização" que passava pelo alto consumo de máquinas e insumos industriais. E como se deu a transformação da estrutura agrária brasileira a partir dos anos 60/70, período em que o campo se industrializa e refuta as teses Cepalinas? Em suma, o autor analisa três períodos: 1) vai de 1961/1967 e é um momento de crise econômica onde existe um aumento tanto da pequena propriedade, quanto da grande; 2) vai de 1967/1972 e é o momento do conhecido "Milagre Brasileiro", onde apenas a grande propriedade aumenta de tamanho; 3) vai de 1972/1976 se repete o ciclo de 61/67 com aumento generalizado dos vários tipos de propriedades. E quais as conclusões de Graziano frente a essas informações? Simples, quando ocorre uma subida do ciclo econômico, ou seja, quando a saúde do país vai bem a grande propriedade tende a crescer em detrimento da pequena. Contudo, quando ocorre um descenso do ciclo econômico, ou seja, quando a saúde do país vai mal tende a ocorrer um aumento da pequena propriedade. As razões disso são simples: em momentos de crescimento econômico, o grande engole o pequeno e retira suas altas taxas de lucro. Já em momentos ruins, o grande resolve reduzir seus investimentos e acaba cedendo partes de sua propriedade a pequenos proprietários que cuidam do terreno de forma temporária e ainda é obrigado a dividir sua produção. E no país onde 50% dos proprietários rurais detinham apenas 2,2% de área e 5% dos proprietários rurais abocanhavam 69% da área, não poderia ocorrer outro processo a não ser o de uma urbanização acelerada, compulsória e não planejada. A indústria nos centros urbanos ganhava mão-de-obra barata, mas esse processo também vai afetava o campo. Agora era preciso abastecer minimamente as cidades com alimentos e não se podia mais pensar numa propriedade voltada apenas para a agro-exportação, auto-suficiente. Por causa de uma demanda, houve uma produção mercantil de alimentos que buscasse atender as grandes cidades. E isso acarretou numa especialização da produção, em suma, as fazendas não eram mais aquelas que produziam de tudo mas sim espaços especializados com objetivo de produção alimentícia em massa. Mas não foi apenas a produção em si que mudou, a forma também se modificou. As fazendas passaram a consumir produtos industriais como abudos, tratores etc. A agricultura se industrializou e acabou sendo um propulsor, não um empecilho, do processo de industrialização no país. Por fim, Graziano destaca diferenças na agricultura brasileira que não pode ser analisada de forma ampla. Respeitando as formações de cada região, o autor divide a agricultura nacional em três regiões: 1) Centro-Sul, onde a agricultura se industrializa de forma pioneira ao consumir produtos industriais; 2) Nordeste, onde a agricultura permanece sem grandes alterações e por isso não só bastante concentrada como também atrasada em termos de produção; 3) Amazônia, incluindo parte do Centro-Oeste, se torna a região onde mais existe o fenômeno da expansão da fronteira agrícola que oprime os pequenos produtores.

02) Os trabalhadores da agricultura brasileira e sua organização sindical 

Nesse capítulo Graziano busca tipificar trabalhadores rurais que tem como única forma de sobrevivência à venda de sua força de trabalho e que são obrigados a se tornarem trabalhadores assalariados pelo menos uma parte de sua vida. Esses trabalhadores são: 1) Proprietários Minifundistas: são pequenos proprietários com terras menores que o módulo rural estabelecido, são proprietários oficiais (juridicamente falando) dessas terras, recebem no máximo dois salários mínimos, tem em sua propriedade a produção familiar como característica e acabam tendo que vender sua força de trabalho para grandes proprietários como forma de manter sua subsistência. Ocupam apenas 12% da área cultivada no Brasil, mas representam 50% na produção de alimentos básicos; 2) Pequenos Posseiros: esses estão mais presentes no Centro-Sul que no Nordeste/Amazônia (onde a concentração de terra é maior) e sua diferença para os Minifundistas é que não detém juridicamente a propriedade da terra. Por deterem apenas a posse, não a propriedade, precisam trabalhar para outros e são bem vulneráveis por isso; 3) Pequenos Rendeiros: esses são os agregados que para utilizarem a terra de outros precisa pagar em trabalho, dinheiro ou produtos (ou os três). Existem como reserva de mão-de-obra e são úteis para a exploração de grandes propriedades, onde recebem uma pequena área (menor que o módulo rural) para cultivar; e 4) Empregados Assalariados: representam apenas 10% dos trabalhadores rurais e estão inseridos nas grandes propriedades. Existe o "puro", aquele que vive exclusivamente do trabalho assalariado e são os chamados bóias-frias. E os pequenos proprietários, parceiros e posseiros que trabalham de forma assalariada em alguma época do ano para garantir sua subsistência. Por fim, o capítulo acaba com o debate sobre o sindicalismo rural brasileiro representado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) que congrega toda essa complexidade de trabalhadores rurais, onde cada setor obtém suas pautas próprias.

03) A retomada da questão agrária

Nesse último capítulo, Graziano encerra destacando as reivindicações desses variados trabalhadores do campo. A pauta da reforma agrária, permanece a bandeira principal dos "camponeses-operários" que a obra buscou retratar, mas existem outras como: preço mínimo e crédito/assistência que beneficia apenas os grandes proprietários. As pautas vão se modificando a depender da região em que se encontra esse trabalhador rural. No Centro-Sul, onde a agricultura é mais industrializada que no resto do país, a principal reivindicação é segurança no trabalho assalariado como previdência social, estabilidade, salário mínimo, férias etc. Em suma, defendem o cumprimento da legislação trabalhista assim como ocorre nos centros urbanos. Já no Nordeste o cumprimento da legislação trabalhista também existe, mas atrelada a aplicação da legislação agrária que limita o proprietário na sua relação com o agregado. Esse quer definir, dentro dos trâmites jurídicos, a partilha dos frutos do trabalho se preservando de extorsões. Já na Amazônia e grande parte do Centro-Oeste a luta se define entre grileiros e pequenos posseiros que desejam combater a expansão da fronteira agrícola. É a luta contra o uso incorreto da terra que, no caso, é usada para fins especulativos e não produtivo. Ademais, o autor encerra defendendo a reforma agrária como não só uma pauta que garante o direito a propriedade, mais também garante direito ao resultado da sua produção.



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