quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Análise de Classes: abordagens



  • Sobre o autor: Erik Olin Wright foi um sociólogo norte-americano que nasceu em 1947, na cidade de Berkeley, e faleceu em 2019 na cidade de Milwaukee. Foi professor da Universidade de Wisconsin-Madison, sendo também presidente da Associação dos Sociólogos Norte-Americanos em 2012. Inserido no Marxismo Analítico, Wright centrou sua produção acadêmica em estudos sobre as definições de classe social na Sociologia. Entre suas principais obras traduzidas para o português, temos: a) Classe, Crise e Estado; b) Reconstruindo o Marxismo; c) Classes.  



Análise de Classes: abordagens - Erik Olin Wright (org.) - Editora Vozes


Introdução - Nessa introdução Erik Olin Wright pontua a confusão na hora de dar um conceito definido de classe social. Para uns o conceito de classe social se vincula a estilos de vida e gostos. Para outros está relacionado a status e respeito social, e também existem aqueles que prezem por uma perspectiva econômica. Para piorar o cenários, alguns teóricos afirmam que a noção de classe está desaparecendo, dificultando a construção de identidades estáveis. Outros vão por outro caminho: atestam a importância e centralidade da noção de classe no entendimento da sociedade contemporânea. Diante de tais problemáticas, Wright assim define o objetivo da obra:
O objetivo central deste livro é esclarecer o complexo conjunto de conceituações alternativas de classe alicerçadas em diferentes tradições teóricas. Cada um dos autores apresentados escreveu extensamente sobre problemas de classe e desigualdade em uma tradição específica de análise. Cada um recebeu a tarefa de escrever uma espécie de manifesto teórico da abordagem pessoalmente preferida: delinear os pressupostos subjacentes, definir de forma sistemática cada elemento conceitual, demarcar as ambições explanatórias do conceito e, quando possível, diferenciar tal abordagem de outras (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 16). 
No capítulo 01, será debatida a visão de classe para os marxistas. No capítulo 02, o palco da análise serão os weberianos. No capítulo 03, o conceito será visto na visão dos durkheimianos. No capítulo 04, a vez é a visão de classe para o sociólogo francês Pierre Bourdieu. No capítulo 05, é a vez dos economistas neoclássicos. Por último, no capítulo 06, a discussão gira em torno de uma visão "pós-classe".

Capítulo 01 - Fundamentos de uma análise de classe neomarxista - Erik Olin Wright

O conceito de classe tem importância fundamental para os teóricos marxistas. Nenhuma tradição sociológica tem tanta afinidade com o conceito quanto eles. O conceito sempre apareceu junto com outros conceitos mais amplos como "modo de produção". As classes e suas dinâmicas tem fundamental importância no desenvolvimento do Materialismo Histórico de Karl Marx. Essa teoria, de cunho macro-histórico e macrossociológico, visa estudar de forma unificada fenômenos sociais como as mudanças sociais, os conflitos sociais, a estrutura do Estado moderno e até as crenças subjetivas individuais. Como bem destaca o autor, frases como "a luta de classes é o motor da história" denota a centralidade desse conceito para essa tradição.

A grande primazia dada a noção de classe não é compartilhada por todos os ditos marxistas, mas apesar disso o conceito permanece tendo presença certa nas teorias de abordagem marxista. O uso da noção de classe, assim como princípios radicalmente igualitários, são marcas que caracterizam o marxismo enquanto campo teórico. Assim a função do capítulo, afirma Wright, é expor a visão de classe para a tradição marxista.

O que define a noção marxista de classe em comparação com outras visões é a associação que essa tradição faz entre classe e o conceito de exploração. A união classe mais exploração é a base da tradição marxista que a partir daí analisa uma variedade de problemas sociais.

Quadro geral: o que é o conceito marxista de classe. Sobre a natureza da noção de classe para os marxistas, afirma Wright: "Na sua essência, a análise de classe na tradição marxista está enraizada num conjunto de compromissos normativos com uma forma radical de igualitarismo" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 16). Mas em que consiste esse igualitarismo radical? Wright divide sua natureza em três aspectos, são eles:

  1. Tese do Igualitarismo Radical - Esse aspecto é definido pela seguinte frase: "O progresso humano seria amplamente favorecido por uma distribuição igualitária radical das condições materiais de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 21). Aqui existe uma inclinação em direção a uma distribuição igualitária do que é produzido em sociedade. Seguimos o exemplo dado pelo autor no texto: numa família igualitária, os filhos que precisam mais recebem mais recursos e todos contribuem como podem na execução das tarefas necessárias ao funcionamento familiar. A mesma lógica deve ser praticada na sociedade. Só assim teríamos um desenvolvimento humano na sua forma mais geral; 
  2. Tese da Possibilidade Histórica - Esse aspecto é definido pela seguinte frase: "Nas condições de uma economia altamente produtiva torna-se materialmente possível organizar a sociedade de tal modo que haja uma distribuição sustentável radicalmente igualitária das condições materiais de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 22). Nesse aspecto uma distribuição igualitária só seria possível através de uma desenvolvimento da capacidade produtiva da sociedade em questão, reduzindo a escassez;
  3. Tese Anticapitalista - Esse aspecto é definido pela seguinte frase: "O capitalismo bloqueia a possibilidade de alcançar uma distribuição radicalmente igualitária das condições materiais de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 22). A tese anticapitalista fundamenta-se na ideia de que o capitalismo é um sistema ambíguo, pois assim como foi capaz de desenvolver a capacidade produtiva humana, acabou criando uma série de instituições que impedem uma distribuição igualitária dessa produção. Em suma, temos um aumento das condições materiais de produção, mas um bloqueio na criação de condições sociais que favoreçam uma distribuição igualitária. Para algumas correntes mais moderadas do marxismo, não é necessário uma ruptura radical com o capitalismo, pois enxergam a possibilidade desse sistema modificar-se por dentro na busca por esse igualitarismo. 
Conclui Wright sobre a natureza da noção de classe para os marxistas, "Seja mais o que for que vise o conceito de classe, na análise marxista ele pretende facilitar a compreensão das condições para a busca dessa agenda normativa. O que significa que o conceito precisa estar ligado a uma teoria do capitalismo, não apenas à noção de desigualdade, e que deve ser capaz de desempenhar um papel no esclarecimento de dilemas e possibilidades de alternativas igualitárias às instituições existentes" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 22-23)

Componentes conceituais da análise de classe. Wright afirma que a palavra "classe" é utilizada com duas conotações diferentes: uma substantiva e outra adjetiva. Na primeira conotação, podemos enxergá-la quando simplesmente afirmamos ser de uma classe (a classe operária, por exemplo), após uma pergunta simples do tipo "Em que classe você acha que se inclui?". Já na conotação adjetiva, constroem-se conceitos tais como: relações de classe, estrutura de classe, situação de classe, formação de classe, interesses de classe, conflito de classe, consciência de classe etc. Para o autor, a utilização de classe na sua conotação adjetiva é a forma mais produtiva e que ele utilizará no restante do texto. E sobre esse uso da palavra "classe" de forma adjetiva, afirma o autor: 
Para assentar os alicerces da análise marxista de classe, portanto, precisamos ter claro o que entendemos por esse "adjetivo". Aqui os conceitos nucleares são relações de classe e estrutura de classe. Outras expressões do menu conceitual da análise de classe - conflito de classe, interesses de classe, formação de classe e consciência de classe - derivam o seu significado das ligações com aqueles conceitos nucleares. O que não quer dizer que para todos os problemas da análise de classe o essencial sejam os conceitos de classe puramente estruturais (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 23).
De forma descritiva, Wright examina oito pontos cruciais no debate conceitual de classe para a tradição marxista. Vamos aos pontos:

  1.  Relações sociais de produção - Todo sistema de produção necessita mover uma variedade de bens como ferramentas, matérias-primas, terra, mão de obra etc. Wright afirma que existem duas formas de enxergar esse sistema de produção. O primeiro segue uma perspectiva técnica, seguida principalmente por economistas, focando na função de produção que visa uma produção específica através de um processo específico. A segunda valoriza o papel das relações sociais dentro desse sistema de produção. Essa perspectiva leva em conta que as pessoas participantes desse sistema de produção tem diferentes tipos de direitos e poderes sobre os recursos produzidos em sociedade. Afirma Wright, "A soma total desses direitos e poderes constitui as relações sociais de produção" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 24). Porém, essas perspectivas não são divergentes, pois se completam; 
  2. Relações de classe como uma forma das relações de produção - Quando os indivíduos detém mais direitos/poderes que outros em um dado sistema de produção, temos então relações de classe. Mas a propriedade em si não define, segundo Wright, se um indivíduo é ou não capitalista. Para se tornar um capitalista faz-se necessário não só a obtenção de propriedade como também sua utilização. Sua utilização passa pela contratação da força de trabalho, direção do processo produtivo e também a apropriação do lucro gerado. Resumindo, "Para haver uma relação de classe não é portanto suficiente a existência de direitos e poderes desiguais em relação à simples propriedade de um recurso. Deve também haver direitos e poderes desiguais quanto à apropriação dos resultados do uso desse recurso" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 25);
  3. Variações nas relações de classe - Outro fundamento da análise de classe marxista é a defesa das variações nas relações de classe. As classes se relacionam de diferentes maneiras e em diferentes épocas, logo, a tarefa da tradição marxista é entender em que se assenta essas relações variadas. Os três principais tipos de relações de classe distinguidos pela tradição marxista são o escravagismo, feudalismo e o capitalismo; 
  4. O problema da complexidade nas relações concretas de classe - A análise de classes na tradição marxista, normalmente, tende a pintar as relações de classe de forma polarizada existindo o confronto entre burguesia e proletariado, senhores feudais e servos ou senhores e escravos. Essa visão polarizada é contestada por Wright que enxerga as relações de classe de uma forma mais complexa e emaranhada. Para ele, "Uma das tarefas da análise de classe é dar precisão à complexidade e explorar suas ramificações" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 27). Sobre a complexidade das relações de classe o autor destaca dois pontos: a) é possível que diferentes tipos de relações de classe coexistam numa dada sociedade e como exemplo Wright cita o sul dos EUA antes da Guerra Civil, onde coexistiram relações escravagistas e capitalistas; b) a posse que um indivíduo tem sobre um recurso ou bens nunca é unidimensional, ou seja, a posse de algo sempre pode ser limitado por outros agentes. Como exemplo, Wright cita um industrial detentor de máquinas. As máquinas é de sua posse, ele pode vendê-las ou usá-las para gerar lucro, mas existem agentes como o Estado que regulam essa posse ao impor regulamentos de segurança específicos sobre o uso desses equipamentos. Os sindicatos organizados e ativos também pode ser agentes limitadores. Assim, "significa que as estruturas capitalistas de classe podem variar consideravelmente dependendo das formas específicas com que esses direitos e poderes são rompidos, distribuídos e recombinados" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 28)
  5. Situações de classe - A ideia de Situação de Classe visa situar o indivíduo dentro de uma estrutura social. Assim sendo, "as 'situações de classe' designam as posições sociais ocupadas por indivíduos dentro de um tipo específico de relação social que são as relações de classe, não simplesmente um atributo pessoal atomizado" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 29). Sobre o foco dessas relações sociais, pelo menos na análise de classe: "direitos e poderes que as pessoas têm sobre recursos produtivos é que são importantes para a qualidade interativa estruturada da ação humana" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 29)
  6. Complexidade nas situações de classe - As situações de classe contém sua complexidade, desafiando as interpretações binárias. Para superar essas limitações, Wright aponta dois caminhos. O primeiro: "Uma alternativa é manter o modelo simples de 'duas classes' e então acrescentar à análise complexidades que não são tratadas como tais na mera localização de classe" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 30). O segundo caminho "é ver algumas dessas variáveis nas 'condições de trabalho' como variações efetivas nas formas concretas de localização das pessoas dentro das relações de classe" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 30). Sem querer fazer uma descrição densa e longa, vamos apenas destacar alguns pontos levantados pelo Wright na explicação dessa complexidade nas situações de classe. O primeiro ponto é a localização das pessoas em situações de classe, ou seja, os indivíduos podem ocupar diferentes postos dentro das relações sociais de produção. Um operário que também trabalha como autônomo por fora é um exemplo disso. Outro ponto importante que retrata essa complexidade é a quantidade de recursos contidos pelos indivíduos. Existem capitalistas que controlam uma vasta quantidade de capital,  enquanto outros controlam uma quantidade menor. Apesar dessa diferença, "Uns e outros são 'capitalistas' em termos de relações de produção, mas há uma diferença enorme no poder que detêm. Entre pessoas situadas na classe trabalhadora variam as habilitações e a correspondente 'capacidade de mercado', ou seja, de aspiração salarial pelo trabalho" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 33). As abordagens macro e micro de classe também serve para destacarmos aqui. Na análise de tipo macro, o foco é a análise da estrutura de classe. Essa estrutura, normalmente, é medida pela nação-Estado, mas também pode ser feita a análise de estrutura de classe de uma empresa, cidade ou até do mundo. Já a análise de tipo micro, "tenta entender as maneiras como a classe exerce impacto sobre os indivíduos. Em essência é a análise dos efeitos das situações de classe sobre vários aspectos das vidas dos indivíduos" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 35). Por último, a análise de classe marxista utiliza uma gama de conceitos para facilitar suas análises. Entre os destacados por Wright, temos: a) Interesses de classe: são os interesses materiais dos indivíduos em decorrência das relações de classe; b) Consciência de classe: conhecimento que os indivíduos detém sobre seus interesses de classe; c) Práticas de classe: ações que envolvem indivíduos ou grupos em busca dos seus interesses de classe; d) Formações de classe: coletividades formadas com o intuito de galgar os interesses de classe; e) Luta de classes: exposição dos interesses antagônicos entre as classes, gerando conflitos. 
Alegações explicativas: metátese fundamental da análise de classe. A metátese fundamental para a análise de classe é que "a classe importa", ou seja, a noção de classe acarreta consequências micro e macrossociais. No plano micro, ela determina a vida das pessoas pelo fato de você vender ou não sua força de trabalho, ter controle ou não sobre o processo produtivo ou possuírem ou não um montante de capital. Já no nível macro, ela determina as ações das instituições que estão (ou não) altamente controladas pelas mãos de poucos indivíduos. Wright reforça, "Dizer que 'a classe importa', portanto, é afirmar que a distribuição de direitos e poderes sobre os recursos produtivos básicos de uma sociedade tem consequências importantes e sistemáticas para a análise social tanto no nível macrocósmico quanto microcósmico" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 36)

Focando no plano microssocial, o autor afirma que duas proposições são fundamentais para o desenvolvimento do debate: 

Proposição número 01: O que você tem determina o que você obtém; 
Proposição número 02: O que você tem determina o que você tem que fazer para obter o que obtém. 

A primeira proposição está relacionada a distribuição de renda. Assim, "A alegação da análise de classe, portanto, é de que os direitos e poderes que as pessoas têm sobre os bens produtivos são um elemento determinante significativo e sistemático de seus padrões de vida: o que você tem determina o que você obtém" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 36-37). A segunda proposição está ligada à distribuição das atividades econômicas. Assim, "A tese da análise de classe, mais uma vez, é de que direitos e poderes sobre os bens produtivos são um elemento determinante sistemático e significativo das estratégias e práticas adotadas pelas pessoas para adquirir seus rendimentos, quer tenham que bater pernas à procura de emprego, quer tomem decisões sobre investimentos mundo a fora, quer tenham que se preocupar em honrar pagamentos parcelados de dívida bancária para manter uma fazenda em atividade. O que você tem determina o que você tem que fazer para obter o que obtém" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 37). Em suma, a dominação e a desigualdade no trabalho, por si só, não provam a importância da classe. O que precisa ser mostrado é que os direitos e poderes com diferentes acessos sobre os bens de produção tem consequências sobre os fenômenos sociais a nível macro e micro. 

A análise marxista de classe. As proposições debatidas acima não é uma ideia compartilhada apenas pela análise de classe marxista. Os weberianos também seguem a mesma lógica, fazendo essas duas correntes da Sociologia terem bastante afinidades no que tange à análise de classe. Mas, então, o que distingue a análise de classe marxista das demais? Para Wright, o que distingue a análise de classe marxista é sua centralidade em um conceito: o de exploração. É a exploração que gera e impulsiona as proposições acima analisadas. O conceito de exploração nos marxistas apoia-se em três princípios, são eles: 
  1. Princípio do bem-estar interdependente inverso - Nesse princípio o bem-estar material dos exploradores depende da exploração e das privações dela decorrente, dos explorados. Isso gera interesses antagônicos no seio da sociedade; 
  2. Princípio da exclusão - A relação entre exploradores e explorados depende da exclusão deste último no acesso a certos recursos produtivos como os meios de produção; 
  3. Princípio da apropriação - A exclusão acaba gerando uma apropriação pelos exploradores que detém vantagens materiais às custas do esforço de trabalho dos explorados. 
Em resumo, afirma Wright: 
A exploração, portanto, é um diagnóstico do processo pelo qual as desigualdades são geradas pelas desigualdades de direitos e poderes sobre os recursos de produção: as desigualdades ocorrem, ao menos em parte, pela maneira como os exploradores, em virtude de seus direitos e poderes exclusivos sobre os recursos, são capazes de se apropriar do excedente gerado pelo esforço dos explorados (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 38)
Wright diz que, em alguns casos, os dois primeiros princípios podem estar presentes mas o terceiro não. Quando isso ocorre temos uma "opressão econômica não exploratória", onde os grupos privilegiados permanecem mantendo seu bem-estar às custas da exclusão dos desprivilegiados, mas não ocorre a apropriação do trabalho. O autor compara duas situações históricas: o tratamento do colonizador europeu aos povos indígenas na América do Norte e na África do Sul. Em ambos os casos o bem-estar do colonizador privilegiado era mantido às custas da exclusão dos nativos desprivilegiados, porém
Enquanto na África do Sul os colonizadores dependiam de modo significativo do esforço laboral dos povos indígenas, primeiro como meeiros e peões agrícolas e depois como trabalhadores nas minas, os europeus que colonizaram a América do Norte não dependiam do trabalho dos nativos. O que quer dizer que, quando encontraram resistência nativa à exclusão de posse territorial, os colonos brancos da América puderam adotar uma estratégia de genocídio (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 39).
É por isso que, no capitalismo, trabalhador bom é trabalhador obediente e produtivo. Isso porque esse sistema depende do terceiro princípio de apropriação do trabalho dos desprivilegiados para permanecer de pé. Por fim, Wright pontua a coexistência entre exploração e dominação. Segue o trecho em que esses conceitos são articulados na análise de classe marxista: 
A exploração, tal como defendida aqui, está intimamente ligada ao problema da dominação, isto é, às relações sociais nas quais as atividades de uma pessoa são dirigidas e controladas por outra. A dominação ocorre, primeiro, no princípio da exclusão: "possuir" um recurso dá à pessoa o poder de impedir outras de usá-lo. O poder exercido por empregadores de contratar e demitir trabalhadores é o exemplo mais claro dessa forma de dominação. Mas a dominação também ocorre, na maioria das vezes, em conjunto com o princípio da apropriação, uma vez que a apropriação do esforço do trabalho dos explorados geralmente requer formas diretas de subordinação, especialmente dentro do processo de trabalho, sob a forma de chefia, supervisão, vigilância, ameaças etc. A exploração combinada com a dominação definem, juntas, os aspectos centrais das interações estruturadas dentro das relações de classe (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 40).
Encerrando essa penúltima parte do capítulo, Wright distingue rapidamente a análise de classe marxista da weberiana. De início, aponta para as pequenas diferenças entre ambas perspectivas. Elas mais estão de acordo que em divergência, segundo o autor. Mas apesar disso elas apresentam diferenças a serem pontuadas. A afinidade seria a visão de classe baseada pelo fator econômico. Onde discordam é nas consequências geradas por esse consenso inicial. Enquanto na análise de classe marxista as relações de classe estão assentadas com base nos conceitos de exploração e dominação, problematizando a posição dentro das relações de produção; os weberianos se limitam a problematizar apenas as diferenças existentes na distribuição das capacidades dos homens no mercado. Não se atentam, por exemplo, a problemática da produção.

A recompensa: Quais as vantagens da análise marxista de classe?. Wright afirma que a análise de classe marxista trouxe várias vantagens e avanços teóricos. Alguns conceitos-chaves são destacados por ele, como: 01) Conexão entre troca e produção, aqui a análise de classe marxista contribui para um debate que liga os problemas existentes tanto no processo de troca quanto no processo de produção; 02) Conflito, a análise de classe marxista traz a centralidade do conflito para o entendimento das sociedades, mas o conflito como sendo gerado por contradições inerentes ao capitalismo e não por fatores superficiais como o argumento da simples competição; 03) Poder, eles também dão atenção ao poder como forma de garantir ou contestar posições de classe definidas; 04) Coerção e consentimento, a apropriação para a análise marxista não é realizada meramente por um sistema ostensivo de exploração, sendo necessário o desenvolvimento de ideologias que fortaleçam a fidelidade dos trabalhadores; 05) Análise histórico-comparativa, a análise de classe marxista desenvolve e se baseia numa teoria macrossociológica de cunho histórico e estrutural que explica fenômenos como as mudanças sociais, as relações de produção, a exploração, dominação e demais conceitos de interesse sociológico. Assim conclui o capítulo:
A análise de classe, pode, portanto, funcionar não apenas como parte de uma teoria científica sobre interesses e conflitos, mas também como parte de uma teoria emancipatória de alternativas e justiça social. Mesmo que o socialismo esteja fora da agenda histórica, a ideia de confrontar a lógica capitalista da exploração não está (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 45).
Capítulo 02 - Fundamentos de uma análise de classe neoweberiana - Richard Breen

Passado a análise de classe para os neomarxistas, chegamos nos neoweberianos. Breen organiza o capítulo da seguinte forma: primeiramente ele analisará a noção de classe para Max Weber e, em seguida, traçará o esquema proposto por John Goldthorpe, considerado como neoweberiano.

Para Weber e os neoweberianos, o mercado é o elemento determinante das oportunidades de vida no capitalismo. Oportunidades de vida é entendido como a chance de um indivíduo usufruir determinados bens (econômicos, sociais ou culturais) valiosos. Já a situação de classe é entendida como a posição comum onde os indivíduos compartilham bens típicos. Membros de uma determinada classe acabam desfrutando de oportunidades semelhantes por estarem unidos em uma mesma situação de classe.

Na concepção weberiana, a classe é determinada por fatores econômicos. Mas Weber aponta que a classe, unicamente, não explica a distribuição do poder na sociedade. É por isso que além da classe ele cria duas outras dimensões como os partidos e os grupos de status. "A distinção entre eles tem a ver com os diferentes recursos que cada um pode trazer para influenciar a distribuição das oportunidades de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 48).

Descentralizando a importância da classe, Weber pressupõe que a classe não é o principal campo de conflitos sociais. Também não enxergava a classe como fonte de uma ação coletiva. A visão weberiana objetiva compreender o mercado como fonte de desigualdades de oportunidades de vida, sendo a classe apenas um dos fatores dessa desigualdade. Podemos resumir uma abordagem weberiana de classe da seguinte forma:
Para um weberiano, a classe é importante porque liga a posição dos indivíduos nos mercados capitalistas à desigualdade na distribuição de oportunidades de vida. Como vimos, variações na posição de mercado surgem com base em diferenças na posse de bens relevantes para o mercado. Uma abordagem possível na construção de um esquema de classe de inspiração weberiana pode ser o de agrupar indivíduos que possuam os mesmos bens ou bens similares (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 50)
Feita essa breve explanação sobre a concepção de classe para Weber, o autor descreve a análise de um neoweberiano: John Goldthorpe. Ele estrutura um esquema visando analisar as distinções entre as ocupações com base nas situações de mercado e também nas situações de trabalho. Como situação de mercado ele "refere-se às fontes e níveis de renda de uma atividade ou ocupação, as condições de emprego a ela associadas, seu grau de segurança econômica e as chances de progresso econômico para os que a exercem" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 51). Já como situação de trabalho, "refere-se à localização de uma atividade dentro dos sistemas de autoridade e controle do processo de produção" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 51). Em suma, "Ocupações que tipicamente partilham situações comuns de mercado e trabalho constituiriam classes, e os ocupantes de diferentes classes desfrutariam de oportunidades de vida diferentes" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 51).

Goldthorpe considera a existência de dois tipos de classe: a primeira detentora dos meios de produção e aquela não detentora desses meios. Estes últimos são divididos por sua relação frente ao empregador. Essa divisão entre os não detentores dos meios de produção é onde o esquema de Goldthorpe foca. Para ele existe uma dicotomia entre esses não detentores. Assim,
A importante dicotomia aqui é entre posições reguladas por um contrato de trabalho e aquelas reguladas por uma relação de "serviço" com o empregador. Um contrato de trabalho estabelece uma troca bem específica de salário por esforço e o trabalhador é relativamente vigiado de perto, enquanto a relação de serviço é mais a longo prazo e envolve uma troca mais difusa (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 52)
O interesse do empregado pela empresa, assim como sua relação com o empregador, será definida pelo tipo de trabalho que ele executa. Esse tipo de trabalho pode ser determinado por dois fatores: 01) Especificidade do bem, que "refere-se ao grau de qualificação, especialização ou conhecimento que um trabalho requer, em comparação com trabalhos cujos requisitos são habilidades gerais, não específicas" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 52); 02) Problema de monitoramento, que ocorre "quando o empregador não pode, com um grau de clareza razoável, avaliar em que medida o empregado trabalha no interesse da empresa" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 52). Quando ocorre problemas relativos a monitoramento, o empregador utiliza incentivos para persuadir o empregado a manter-se alinhado aos interesses da empresa. O fruto da cooperação é a garantia de recompensas a longo prazo. Descrevendo rapidamente esse esquema, Goldthorpe anuncia a existência das seguintes classes:

  • I -  empregados como trabalhadores administrativos e gerenciais, de alto nível, que apresentam relações de serviço; 
  • II - empregados como trabalhadores administrativos e gerenciais, de baixo nível, que apresentam relações de serviço; 
  • III - empregados de "nível inferior", ocupando serviços manuais rotineiros (IIIb) e ocupações rotineiras não manuais de nível mais elevado (IIIa); 
  • IV - classe de autônomos e pequenos empregadores, dividida entre: pequenos proprietários que tem empregados (IVa), pequenos proprietários sem empregados (IVb) e agricultores (IVc); 
  • V - empregados com ocupações técnicas e manuais de nível inferior de supervisão; 
  • VI - empregados manuais não qualificados;
  • VII - empregados manuais não especializados, divididos entre empregados do setor agrícola (VIIb) e não agrícola (VIIa). 
Assim pode ser resumido esse esquema, "Apesar dos protestos de Goldthorpe, há alguma razão em rotular o seu esquema de 'neoweberiano', uma vez que compartilha o foco weberiano nas oportunidades de vida e a modéstia weberiana quanto ao alcance da análise de classe", continuando, "Além do mais, o esquema de classes não reivindica a identificação de grupos que agem como 'o motor da mudança social' nem supõe que as classes tenham relações de exploração umas com as outras, nem que seus membros desenvolvam automaticamente uma consciência de classe e se engajem na ação coletiva" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 57)






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