sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Os Sociólogos - De Auguste Comte a Gilles Lipovetsky


  • Sobre Organizadores: Maria Sarah Silva Telles é professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) desde 1982, atualmente é professora adjunta da gradução, da pós-graduação e pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Já Solange Luçan de Oliveira atualmente é professor auxiliar da PUC-Rio. 





Os Sociólogos - De Auguste Comte a Gilles Lipovetsky - Sarah Silva Telles e Solange Luçan de Oliveira (orgs.) - Editora Vozes



Capítulo 04 - Émile Durkheim (1858 - 1917) - Sarah Silva Telles (PUC-RJ) e Fernando Lima Neto (PUC-RJ)

Introdução: o sociólogo e o seu tempo - Durkheim esteve inserido num contexto de grande agitação política na França e em todo o continente europeu. Viveu os conflitos entre franceses e alemães na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), passando pela Comuna de Paris (1871) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O contexto francês era de um sorte nacionalismo, por conta da derrota frente aos alemães, e busca de estabilidade da Terceira República Francesa. De família judia e descendentes paternos de rabinos, Durkheim não seguiu a tradição familiar e optou pela carreira acadêmica. Foi professor da Universidade de Bordeaux e da Universidade de Sorbonne, ambas na França. Seu principal legado para a Sociologia foi sua institucionalização na academia. 

As principais influências teóricas de Durkheim, foram: Fustel de Coulanges, Herbert Spencer, Auguste Comte e Charles Renouvier. Sua obra é dividida em duas fases. Na primeira temos um Durkheim preocupado com a institucionalização e desenvolvimento teórico da Sociologia, visando com isso a construção metodológica que defina essa nova ciência e a diferencie das demais. Dessa primeira fase, temos as seguintes obras: Da Divisão do Trabalho Social (1893), As Regras do Método Sociológico (1895) e O Suicídio (1897). Sua segunda fase é representada pela obra As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912) em que Durkheim desenvolve uma Sociologia da Religião. 

Os percursos e influências - O principal objetivo de Durkheim foi formular uma nova ciência, a Sociologia. Essa ciência teria como foco a análise das transformações que vinham ocorrendo no período, dando atenção especial a questão da moral. A transição de uma sociedade religiosa-tradicionalista para uma racional-moderna trazia consigo mudanças significativas na moral dos indivíduos. A moral deixava de ser o monopólio de estudo da Filosofia. A moral em Durkheim se difere da moral utilitarista e também da moral kantiana, ambas bastante em voga no período. Para ele, a sociedade é a fonte da moralidade. 

Essa moral, como já dito acima, se transformava em um contexto de transição de uma sociedade tradicional para outra moderna. O racionalismo presente nessa nova sociedade que surgia mostrou aos indivíduos a dependência que eles tinham ante a sociedade. Essa dependência era decorrente da divisão do trabalho que passou a ser a principal característica da sociedade moderna. Assim sendo, 
Para Durkheim, à medida que os indivíduos tomavam consciência dessa dependência, a divisão do trabalho afirmava-se como a principal fonte de solidariedade social. O que a divisão do trabalho pôs em vigência nas sociedades foi um novo mecanismo de integração social (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 74)
A principal ambiguidade que Durkheim buscou solucionar em suas obras foi entre o "culto ao indivíduo" e o reconhecimento da força do social sobre esses indivíduos. A desestruturação da sociedade tradicional já era dado como um processo em curso e a constituição de uma nova moral individual, dada a diversificação da vida social, era o principal desafio para intelectuais como Durkheim. 

Conceitos-chave - Um novo método para uma nova ciência: Durkheim foi responsável por pensar em um método para essa nova ciência e ele faz isso na obra "As Regras do Método Sociológico", escrito em 1895. Nessa obra, ele especifica o objeto desse estudo da Sociologia: os Fatos Sociais. Toda a metodologia pensada por ele nessa obra tem como finalidade o entendimento desse objeto de estudo. Mas o que seriam os Fatos Sociais?

Segundo Durkheim, os Fatos Sociais são todas maneiras de agir, sentir e pensar que exerce influência sobre os indivíduos. Os Fatos Sociais tem três características: a) eles são exteriores, ou seja, existem fora das consciências individuais e influenciam estas; b) eles são coercitivos, ou seja, exercem uma coerção social sobre as consciências individuais; c) eles são gerais, ou seja, estão presentes em todas as sociedades humanas. Além disso, os Fatos Sociais podem ser fixos (representados por instituições como o Estado, as leis, as escolas etc) ou não (maneiras de pensar, correntes de opinião etc).

Durkheim postula que os Fatos Sociais devem ser tratados como coisas, ou seja, devem ser encarados de um ponto de vista objetivo e que se afaste das pré-noções do senso comum. Por fim, os Fatos Sociais são divididos por Durkheim entre normais e patológicos. À normalidade estando ligada a regularidade, enquanto a patologia estando ligada a instabilidade. Os Fatos Sociais dão distinção e autonomia a Sociologia enquanto conhecimento científico.

A divisão do trabalho: Em "Da Divisão do Trabalho Social", Durkheim sustenta a tese de que a divisão do trabalho surgiu como o resultado do aumento das interações entre os indivíduos, tanto em grau quanto em intensidade. As grandes cidades, formando grandes centros urbanos, são exemplos desse novo tipo de sociedade que estava em desenvolvimento. Nessas cidades tínhamos um aumento quantitativo do número de indivíduos e, ao mesmo tempo, observamos um aumento na intensidade das relações sociais. Ademais, "Durkheim apresenta a divisão de trabalho como característica decisiva para pensar a sociedade advinda da Modernidade, resultado do aumento da diferenciação no processo de mudança social" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 76).

A solidariedade social: O conceito de solidariedade social tem fundamental importância na obra de Durkheim, pois para ele são os laços sociais entre os indivíduos que fazem a constituição de uma sociedade. A sociedade não é a mera soma de indivíduos. Existe uma vida coletiva a solidariedade social exerce força na constituição da sociedade. E mais,
Durkheim aponta a busca pela possibilidade de vida coletiva a despeito do aumento da liberdade individual, da acelerada e intensa divisão do trabalho, da enorme diversidade de crenças e valores, marcas da complexidade da sociedade moderna. Identifica duas formas de solidariedade - mecânica e orgânica - em função da menor ou maior divisão do trabalho, da menor ou maior diferenciação, da maior ou menor presença da consciência coletiva (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 77)
O Direito é um aspecto fundamental para entender esses dois tipos de solidariedade. Nas sociedades de solidariedade mecânica, segundo Durkheim, impera o Direito de tipo repressivo; já as sociedades de solidariedade orgânica, temos o Direito de tipo cooperativo. Como podemos perceber, são dois tipos de solidariedade social com lógica, dinâmica e regulação diferente. Porém, "As duas formas de solidariedade social são simultâneas, embora haja a preponderância de uma sobre outra" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 77).

Consciência coletiva e a representação coletiva: Através de sua análise sobre a solidariedade social, Durkheim chega a outros dois conceitos importantíssimos: consciência coletiva e representação coletiva. A consciência coletiva em Durkheim representa uma espécie de consciência das consciência, são um conjunto de crenças e valores comuns que conseguimos desenvolver em sociedade. Apesar do desenvolvimento do individualismo nas sociedades modernas, a consciência coletiva não deixa de existir em sociedades complexas e diversificadas.

Já o conceito de representação coletiva está vinculado a obra "As Formas Elementares da Vida Religiosa" e significa um conjunto de símbolos que servem para representar socialmente a consciência coletiva. Para Durkheim a Sociologia seria a ciência das representações coletivas.

A anomia e suicídio: Foi estudando a importância da coesão social que Durkheim chegou no conceito de anomia social. A anomia social representaria o inverso da coesão, sendo a marca da instabilidade e do desregulamento social. Um tipo grave de anomia social era o suicídio que Durkheim tipificou em quatro tipos, são eles:

  1. Suicídio Altruísta, marcado pela subordinação do indivíduo à coletividade, "Ocorre principalmente quando a consciência coletiva recobre o conjunto de seus membros, tipicamente em sociedades tradicionais ou 'inferiores', na terminologia de Durkheim" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 79)
  2. Suicídio Egoísta, marcado pela não integração entre o indivíduo e a sociedade, sendo os laços sociais enfraquecidos e um processo excessivo de individualização surge como consequência; 
  3. Suicídio Anômico, recorrente em sociedades modernas, é marcado pela desregulação social e a não certeza de um futuro; 
  4. Suicídio Fatalista, tratado rapidamente por Durkheim em nota de rodapé, é marcado pelo excesso de regulação social que absolve os indivíduos em uma disciplina opressiva.  
A sociologia da religião: Diferente da maioria dos pensadores do século XVIII e XIX, Durkheim encontra uma nova maneira de enxergar a religião. Para ele, "nela estão contidas as marcas simbólicas decisivas para a compreensão da vida social (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 80). Logo, o papel da ciência seria o de explicar o fato religioso, não julgá-lo. As representações religiosas são parte da vida social, tendo o homem uma espécie de "disposição religiosa", até mesmo em sociedade modernas e racionalizadas. Para entender essa disposição religiosa, Durkheim estuda as religiões consideradas por ele como mais simples, no caso, o totetismo em tribos australianas. A conclusão que ele tira desses estudos é que "os traços do tradicionalismo religioso estão também presentes em sociedades modernas, e não apenas como reminiscência" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 81)

O individualismo moral: Durkheim é considerado um pensador inscrito na perspectiva holística, ou seja, aquela que toma enxerga a predominância do social sobre o individual através de processos como o de socialização. Sua visão de individualismo se difere totalmente da professada pelos filósofos utilitaristas, que enxergavam o bem-estar como a maximização dos desejos individuais. Apesar de ser inscrito na tradição holística, Durkheim valorizava a noção de individualismo. Mas não o professado pelos utilitaristas, o mesmo do liberalismo econômico, mas o individualismo na linha de filósofos como Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant. Ele fazia questão de separar sua visão de individualismo com a visão do "individualismo sórdido", defendido pelos utilitaristas. Mas qual era a visão de individualismo em Durkheim com base em Rousseau e Kant? O individualismo durkheimiano era centrado na pessoa humana, tendo ligação com um culto ao indivíduo. Como assim? Simples, "O individualismo, segundo Durkheim, é um individualismo como um ideal moral que, por não ter utilizado outra denominação, acaba se confundindo com o individualismo sórdido que Durkheim tanto combateu, por ser produtor de anomia" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 81). Em suma, o individualismo em Durkheim se aproxima do liberalismo político, enquanto o que criticava se aproxima do liberalismo econômico. Não é a adoração do "eu" que descamba para um egoísmo, mas a valorização de tudo que é humano.

Esse culto ao indivíduo pensado por Durkheim tem importância crucial nas sociedades modernas, tendo em vista que nessas sociedades não existe mais uma consciência coletiva construída com base numa totalidade homogênea. A heterogeneidade é a principal marca das relações sociais na Modernidade, logo, o individualismo serve para unificar o que se encontra descentralizado. Sendo assim, "A moralidade se torna universalizada, um ideal coletivo da humanidade como um todo, desde que se torne também suficientemente abstrata e geral para dizer respeito a cada indivíduo particularmente" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 82). Sendo a vontade individual produto das relações sociais, a Sociologia durkheimiana tem como principal objetivo compreender como as sociedades criam suas regulações que se impõe sobre os comportamentos individuais.
Neste sentido, o tema da ordem social está subjacente a todos os objetos estudados pelo autor, isto é, a preocupação em entender por que as pessoas cooperam entre si e estabelecem relações relativamente estáveis na vida em sociedade (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 82)
Nessa perspectiva o entendimento das relações sociais, sua conservação e mudanças, passa pelo estudo das instituições sociais que mantém seu funcionamento como: a família, a classe, o Estado etc. Por muito tempo não foi possível enxergar em Durkheim uma análise sobre as mudanças sociais, porém, ele pontuou isso em seus escritos. Segundo ele, as mudanças sociais estão em constante florescimento. Porém, concomitante a essas mudanças, existem mecanismos de conservação em meio a essas transformações. Encerrando esse debate, afirmam os autores:
Durkheim incorpora uma preocupação central da filosofia política moderna: articular os temas do individualismo e da coesão social. O individualismo é projetado como um valor associado a formas modernas de solidariedade social. Neste sentido, não é algo que vai corroer, mas reforçar a cooperação entre as pessoas (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 83)
Sobre o Estado: A sociologia da mudança em Durkheim foca no estudo sobre as diferenciações sociais, decorrentes do desenvolvimento das sociedades modernas. Dessa diferenciação, emerge uma constante especialização do trabalho (divisão social do trabalho) e o conjunto de leis se tornam mais complexas. O Estado é visto como uma instituição que surge de todo esse processo de mudança, sendo sua tarefa a regulação do convívio social nessas complexas sociedades.

A descentralização da moralidade fez surgir uma variedade de grupos particulares com sua própria dinâmica e moral. Esses grupos particulares formam um complexo mosaico que é a marca principal das sociedades modernas: a diversificação da vida social. Em suma, a responsabilidade do Estado é manter em harmonia esses grupos particulares que contém morais diferentes e algumas até conflitantes. Assim, "a existência do Estado está diretamente relacionada aos processos de diferenciação social em curso a partir da predominância progressiva da solidariedade orgânica" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 84).

Durkheim parte de uma premissa diferente de muitos filósofos que buscaram entender a origem do Estado, pois para ele é essa instituição que vem garantir a individualidade. O indivíduo, antes oprimido e recolhido em sociedades de tipo simples que tinham como característica a homogeneidade social, agora se encontra livre nas sociedades modernas e complexas que tem como princípio o respeito as heterogeneidades sociais. Como afirma os autores,
A função especial do Estado em sociedades complexas é, justamente, a de libertar as personalidades individuais contendo a influência opressiva dos grupos secundários, haja vista que os valores que estes últimos tendem a fazer seus não são os da sociedade em que eles se inserem, mas dos indivíduos que os compõem. Deste modo, com relação ao culto ao indivíduo, o papel do Estado é o de organizar este culto, presidi-lo, garantir seu funcionamento regular (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 85).
Enfim, o indivíduo só é possível através da fundação e desenvolvimento do Estado.

Capítulo 10 - Pierre Bourdieu (1930-2002) - Gabriel Peters (UFBA)

O cientista social e seu tempo: Gabriel Peters inicia o capítulo pontuando a importância da obra de Pierre Bourdieu, sociólogo francês, que conseguiu abarcar diversos temas da vida social como educação, economia, gênero, religião, arte, meios de comunicação etc. De origem camponesa, Bourdieu é um daqueles que conseguiu ascensão social por intermédio da sua produção intelectual. Porém, diferente de muitos que passaram pela mesma situação, Bourdieu utilizou sua "dupla socialização" para empreender um tipo de Sociologia crítica.

Fazendo um apanhado histórico da biografia de Bourdieu, passando pelo contexto em que ele estava inserido na França, Peters pontua a hegemonia do Existencialismo do filósofo Jean-Paul Sartre na academia francesa da época. O status da Filosofia, graças a Sartre e seus colaboradores, era muito grande na França, sendo considerada uma espécie de "disciplina rainha". Mas apesar disso, Bourdieu (que graduou-se em Filosofia) não mostrou simpático com Sartre e seu ethos do "intelectual total" que opinava sobre tudo, sem questionar seus privilégios sociais e limites metodológicos/epistemológicos. Já na sua fase madura, Bourdieu chamaria essa visão encarnada em Sartre como uma "visão escolástica".

Aceito na renomada Escola Normal Superior de Paris no final dos anos de 1940, Bourdieu teria como influência o historiador Georges Canguilhem que ao contrário de Sartre, buscava uma produção intelectual com alto rigor metodológico. Porém, Bourdieu não era contrário ao Existencialismo em si. Pelo contrário, sua aversão a Sartre não impediu que ele recebesse forte influência de outros existencialistas como Martin Heidegger, Edmund Husserl e Maurice Merleau-Ponty. Assim descreve Peters o que Bourdieu aproveitou desses filósofos:
De modo geral, o que interessou a Bourdieu na fenomenologia foi uma concepção da subjetividade humana como "lançada" (Heidegger) ou "encarnada" (Merleau-Ponty) em um mundo social partilhado com outros, respondendo às demandas de tal mundo menos através da reflexão explícita do que por meio de um saber tácito e pré-reflexivo - do que Bourdieu viria a chamar de "senso prático" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 189)
Mas foi o seu envio à Argélia, então sob domínio colonial francês, por conta de um serviço militar obrigatório, que mudou radicalmente à vida e consequentemente à obra de Bourdieu. Após o fim do serviço militar em 1957, Bourdieu decide manter-se na Argélia, onde logo passa a ocupar o cargo de professor na Universidade de Argel. Seu interesse no país africano era estudar o passado argelino e as transformações históricas e sociais que passava a sociedade argelina. Pesquisando no país, Bourdieu logo desenvolveu um pluralismo metodológico, mexendo com coletas e dados estatísticos, entrevista em profundidade e também etnografia.

Suas pesquisas na Argélia, acumulada a suas insatisfações pelas dificuldades que passavam o país africano, fez Bourdieu afastar-se da Filosofia e enveredar definitivamente para as Ciências Sociais. Apesar do grande prestígio da Filosofia, essa mudança não se transformou numa "perda simbólica" para Bourdieu, pois na época as Ciências Sociais na França ganhava grande notoriedade graças a obra de Claude Lévi-Strauss.

O primeiro livro publicado por Bourdieu foi "Sociologia da Argélia" de 1958. Já na sua primeira obra, Bourdieu trazia inovações significativas para as Ciências Sociais. Essa obra questionava a divisão entre Sociologia e Antropologia, onde a primeira seria responsável pelo estudo das sociedades modernas e complexas; enquanto a segunda se definiria como o estudo de sociedades tradicionais e simples. Essa divisão, para Bourdieu, denotava uma expressão do etnocentrismo que servia como suporte intelectual e ideológico para o domínio colonial ocidental. A ousadia de Bourdieu foi utilizar métodos antropológicos de pesquisa para estudar a sociedade argelina e, em seguida, a sociedade francesa. Afirma Peters,
Assim, para ficar em apenas uma ilustração, o vínculo entre estruturas sociais e estruturas mentais que Durkheim e Mauss julgaram valer somente para as sociedades "primitivas" seria descoberto por Bourdieu na legitimação ideológica das assimetrias de classe na sociedade francesa, bem como nas disputas internas ao campo acadêmico no qual ele próprio estava imerso (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 191)
Suas inovações teórico-metodológica, acumulada a sua declarada simpatia pela causa argelina, fez Bourdieu ser perseguido por grupos de extrema-direita na França, tendo que sair do país. Retornando à França após o fim do conflito pela independência da Argélia, recebe o apoio do então renomado sociólogo Raymond Aron que logo o incorporou em vários centros de pesquisa.

Em 1963 e 1964, Bourdieu publica dois livros junto com colaboradores. São eles: "Trabalho e trabalhadores na Argélia", escrito com Alain Darbel e "O Desterro", escrito com Abdelmalek Sayad. Nas obras, Bourdieu analisa o chamado "efeito de histerese". Esse efeito seria perceptível em indivíduos que, socializados num certo tipo de sociedade, precisam adaptar-se bruscamente a um outro tipo de modelo societário. Era o caso dos argelinos que, tendo sua origem numa sociedade tradicional e de economia rural, precisavam se adaptar a uma sociedade urbana e de economia capitalista. Transportando suas análises feitas na Argélia para à França, Bourdieu desenvolveu pesquisas no meio rural francês com base em trabalhos etnográficos. Sua concepção era de que "o outro" também poderia ser encontrado na sociedade na qual somos "nativos". Em suma, o processo defendido por Bourdieu era de uma "familiarização do exótico" e "exotização do familiar".

Nos anos de 1970, Bourdieu desenvolve sua praxiologia. Seu livro "Esboço de uma teoria da prática" de 1972 é sua primeira apresentação da praxiologia do mundo social. Tendo o Lévi-Strauss como principal interlocutor, Bourdieu visa superar as limitações dos "objetivistas" e "subjetivistas", formando uma Teoria da Prática. Além de buscar superar essa dicotomia, Bourdieu apontava para a necessidade de uma Sociologia reflexiva que pudesse explicar seus conflitos intelectuais em termos teóricos e estruturais de competição em que estava inserido o Homo academicus.

Sua ideia de campo é desenvolvida a partir de uma pesquisa sobre o campo artístico francês do Século XIX, onde ele pesquisou o surgimento da noção de "Arte pela Arte", defendido por autores como Gustave Flaubert. Partindo dessa pesquisa de cunho histórico, Bourdieu avança teoricamente ao buscar superar as visões "internalistas" e "externalistas" de obras de arte. Sobre esse debate:
Rejeitando modos internalistas de análise que desligam as produções artísticas de quaisquer determinações sócio-históricas exteriores a elas, Bourdieu também critica o externalismo de abordagens que reduzem aquelas produções, sem mais, às posições de seus produtores no espaço social mais amplo (classe, gênero, etnicidade etc.).Tais perspectivas, como as teorias marxistas da literatura que a analisam em termos dos condicionamentos de classe de seus produtores, ignorariam um fato fundamental: o papel causal dos próprios campos de produção cultural na moldagem das obras. (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 194)
Outro ponto da teoria bourdieusiana, passada rapidamente por Peters nessa parte introdutório do capítulo, é sua "sublimação" ou ofuscamento de suas paixões políticas. Seus posicionamentos políticos estavam subordinados a seu rigor científico e um exemplo disso é a obra "A miséria do mundo", onde Bourdieu tece uma crítica ao neoliberalismo, mas trazendo questões extra-panfletárias como o debate sobre o sofrimento psíquico vinculado à perda de sentido da vida em consequência de problemas causados pelo desemprego, por exemplo. A fase mais militante e atuante de Bourdieu, pode ser vista no documentário "A sociologia como esporte de combate", feito por Pierre Carles. Por fim, Peters trata de uma espécie de "antropologia filosófica" de Bourdieu vista em obras como "Meditações pascalianas". Essa concepção humana em Bourdieu foi assim resumida:
O cerne dessa concepção é a tese de que o ser humano é animado por um anseio de sentido e justificação para sua própria existência, os quais só podem advir dos certificados de consagração coletiva que Bourdieu reúne sob a categoria geral de "capital simbólico". Uma vez que tais certificados são bens escassos e, portanto, obtidos somente de modo diferencial e distintivo, o mundo social engendra uma competição por reconhecimento e valor que termina por condenar diversos indivíduos à situação de miséria simbólica, isto é, à 'a miséria do homem sem missão nem consagração social' (BOURDIEU, 1988: 56) (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 196)
Percursos e influências: A principal marca da obra de Bourdieu é a junção de diferentes escolas de pensamento, surgindo um novo movimento teórico baseado numa síntese. Dentre as influências sobre a obra de Bourdieu, podemos citar: Émile Durkheim, Karl Marx, Max Weber, Gaston Bachelard, Martin Heidegger, Edmund Husserl, Maurice Merleau-Ponty, Lévi-Strauss, Ferdinand de Saussure etc.

Assim como Marx e Weber, Bourdieu imaginava a sociedade como palco de conflitos em consequência de uma competição por recursos escassos. Quando Bourdieu fala em recursos escassos, ele não se limita ao capital econômico. Assim os conflitos sociais não são derivados apenas pela busca de bens materiais, mais também por bens ideais ou simbólicos. Essa visão de Bourdieu influencia sua noção de capital, visto como "quaisquer posses que operem como meios eficientes de exercício do poder em um dado cenário sócio-histórico" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 196). Existem três tipos de capitais na teoria bourdieusiana, são eles: 01) capital econômico, vinculado a propriedades materiais; 02) capital cultural, vinculado a saberes socialmente valorizados; 03) capital social, vinculado a redes de aliança pessoal com indivíduo influentes. Esses capitais são constantemente movidos nos campos, outro conceito primordial para o entendimento da teoria bourdieusiana. E sobre essa noção de campo, afirma Peters:
Além disso, em sua Teoria dos Campos como esferas relativamente autônomas de atividade, Bourdieu sustentou que cada campo funciona com base em uma forma específica de capital desigualmente distribuída e disputada no seu interior - por exemplo, as modalidades de prestígio e autoridade específicas aos campos religioso, artístico e científico (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 197).
Também como Marx e Weber, Bourdieu enxergava que as desigualdades de poder numa dada sociedade se reproduz com o apoio de ideologias de legitimação. A pura e simples força física não seria viável para a manutenção de um status quo, fazendo-se necessária uma base ideológica de justificação. É a partir dessa visão que enxergamos a habilidade de Bourdieu em unir diferentes perspectivas teóricas. Ele consegue unir a ideia de dominação em Marx/Weber com o que podemos chamar de "kantianismo sociológico" (termo criado por Lévi-Strauss), representado pela dupla Durkheim/Mauss. Segundo Durkheim e Mauss, "nas sociedades ditas 'primitivas', os esquemas de percepção pelos quais os indivíduos representavam o mundo reproduziam, no plano mental, as próprias estruturas objetivas de suas sociedades" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 197). Segundo Bourdieu, essa lógica também poderia ser vista nas sociedades modernas. O resultado disso é:
Juntando Durkheim e Mauss a Marx e Weber, Bourdieu avança a ideia de que esta 'cumplicidade ontológica' (1988: 52) entre estruturas subjetivas e estruturas objetivas constitui o principal mecanismo ideológico de legitimação da dominação e da desigualdade. O fato de que os indivíduos vivenciam o mundo social através de esquemas de percepção oriundos de sua socialização neste mesmo mundo faz com que eles o vejam como a ordem natural e evidente das coisas. Assim, tanto para dominantes quanto para dominados, arranjos históricos atravessados por relações de hierarquia e dominação não são vividos como arbitrários e contingentes, mas como naturais e inevitáveis (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 197).
Essa visão de ordem natural das desigualdades, desenvolve um tipo de violência específico para Bourdieu: a violência simbólica. Nesse tipo específico de violência, o agente social, vítima da violência, acaba colaborando com sua própria posição de dominado ao naturalizar as relações sociais que mantém essas assimetrias. Em suma, o papel da Sociologia para Bourdieu é investigar e captar práticas sociais implícitas, trazendo à tona causas então invisíveis. Essa visão sobre a vida social é totalmente diferente da compartilhada pelo senso comum que só consegue enxergar aspectos visíveis como os indivíduos em carne e osso, as interações face a face etc.

A teoria (1), subjetivismo, objetivismo e praxiologia: O primeiro grande conceito de Bourdieu trabalhado por Peters é o de Praxiologia. A praxiologia bourdieusiana surge em oposição ao objetivismo e subjetivismo. Por objetivismo, Bourdieu compreende "visões da ação humana e da vida social em que o subjetivo (a subjetividade individual) é dominado pelo objetivo (a sociedade como uma força exterior e independente)" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 199). Marx e Durkheim seriam dois representantes dessa visão objetivista da vida social. A crítica de Bourdieu ao objetivismo é que suas reflexões se limitam a compreender o papel das estruturas sociais objetivas sobre os indivíduos, esquecendo a possibilidade das ações individuais serem construtoras dessas estruturas. Assim Peters resume a crítica bourdieusiana ao objetivismo:
De modo geral, o problema em que esbarram modos objetivistas de conhecimento do social é este: a existência de estruturas sociais objetivas é sensatamente reconhecida, mas esse reconhecimento não é acompanhado da captura dos mecanismos pelos quais as ações individuais são geradas de maneira a engendrar historicamente aquelas estruturas objetivas (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 199)
Apesar de apontar as limitações do objetivismo, Bourdieu também destaca suas potencialidades. Ele enxergava necessária o estudo da influência das estruturas sociais sobre as ações individuais. A análise distanciada e exterior, comumente entre os objetivistas, faz-se até necessária como ponto de partida da teoria sociológica. Porém, "Na medida em que essas práticas não são determinações mecânicas, e sim condutas movidas por interesses e habilidades, o 'momento subjetivista' da análise sociológica busca capturar os motores subjetivos das ações cotidianas dos indivíduos imersos no mundo social" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 199).

E o subjetivismo? Peters destaca primeiro os pontos positivos que Bourdieu enxergava entre os subjetivistas. Diferente dos objetivistas, eles conseguiam captar a força das vontades e interesses subjetivos na vida social. Apesar de enxergar pontos positivos dessa perspectiva, Bourdieu aponta limitações. Assim pode ser resumida à crítica bourdieusiana aos subjetivistas:
As abordagens subjetivistas de Schutz e Garfinkel viram corretamente que as estruturas sociais não se reproduzem por si mesmas, mas são historicamente reproduzidas através das práticas de agentes interessados e hábeis. No entanto, ao centrarem-se na produção da sociedade pelos indivíduos, essas abordagens ignoraram o processo prévio de produção dos indivíduos pela sociedade. Em outras palavras, elas negligenciaram o fato de que os interesses e habilidades que os indivíduos mobilizam nas ações que reproduzem o mundo social são, eles próprios, produtos da sua socialização segundo as estruturas desse mundo" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 200)
O processo de socialização mencionado no trecho, será palco de uma relação dialética entre indivíduo e estrutura. Dessa relação dialética, Bourdieu cria o conceito de habitus, visto como "disposições a agir, pensar e sentir de determinadas maneiras" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 200). O habitus é uma espécie de interiorização da exterioridade, mas também funcionando numa lógica inversa. Assim, Bourdieu enxerga um indivíduo ativo e não passivo, durante esse processo de socialização. Em suma, "A ideia de que as práticas sociais são o produto do encontro entre circunstâncias objetivas e disposições subjetivas leva o sociólogo francês a chamar sua perspectiva teórica de praxiologia" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 200).

A teoria (2), habitus: A praxiologia debatida no ponto acima, leva Bourdieu a pensar a sociedade como um processo dialético entre indivíduo e estrutura (ou subjetivo e objetivo). Os indivíduos são socializados e influenciados por estruturas sociais objetivas, mas respondem influenciando essas estruturas, através de suas ações. Assim podemos resumir a visão bourdieusiana de sociedade:
A sociedade não existe exclusivamente como uma entidade exterior aos indivíduos ou como uma representação interna mantida por estes, mas como uma dialética entre o exterior e o interior, um "duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade" (BOURDIEU, 1983: 47) (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 201)
O conceito de habitus resulta da visão praxeológica de sociedade. Habitus (e não "hábito", pois esse se refere a comportamentos mecânicos e repetitivos) significa um conjunto de dispositivos que o indivíduo adquire durante o processo de socialização, orientando suas formas de sentir, agir e pensar. No habitus enxergamos a marca das estruturas sobre o indivíduo, mas também é por meio dele que esse indivíduo deixa sua marca na sociedade, mobilizando recursos que podem reproduzir ou transformar as estruturas sociais.

No dia a dia, o habitus desenvolve "intuições improvisadas de um 'senso prático' adquirido ao longo de experiências similares, nas quais eles aprenderam a responder de maneira socialmente apropriada às exigências do seu contexto" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 202). Definido habitus, Peters aponta as suas dimensões. São três as dimensões desse conceito:

  1. Dimensão cognitiva de percepção ou eidos
  2. Dimensão ético e estético de avaliação ou ethos
  3. Dimensão corpórea de ação ou hexis.  
Essas dimensões não se encontram separadas na subjetividade, pelo contrário, elas operam de modo simultâneo e combinado. Forma-se uma ideia de "senso prático" que supera as visões dualistas da relação mente/corpo. Bourdieu acredita que tendemos a nos comportar de acordo com o habitus que começamos a adquirir já na primeira fase da socialização, tendendo a um reforço dessas inclinações iniciais. Mas pode existir mobilidade, visto que o conceito de habitus é considerado um conceito aberto. Dessa forma, explica Peters: 
Do ponto de vista teórico, o modelo de Bourdieu tende a privilegiar as situações de "cumplicidade ontológica" entre disposições subjetivas e circunstâncias objetivas. Nesses cenários, os indivíduos agem em condições estruturais idênticas ou homólogas àquelas em que foram socializados e seu habitus tende, assim, a reproduzi-las. Mas ele também reconhece, como vimos, a existência de casos de "histerese" em que há um descompasso entre o passado e o presente do agente, isto é, entre as condições de geração e as condições de operação do seu habitus (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 204)
A teoria (3), campo, interesse, capital: Nessa penúltima parte do capítulo, Peters debate outros conceitos-chaves na obra de Bourdieu como campo e capital cultural. O conceito bourdieusiano de campo, está atrelado a sua visão de sociedade. Para ele, a vida social é caracterizada como um espaço de posições. A diferença entre esses espaços é a distribuição desigual de bens e recursos, sendo a sociedade marcada por constantes conflitos que visam disputar esses bens.

Essa ideia de sociedade como um espaço de posições, onde os conflitos por bens e recursos são constantes, deságua em seu conceito de campo. Assim poderia ser definido o conceito de campo em Bourdieu:
No sentido mais geral, um campo é qualquer ambiente social que pode ser construído como um espaço de posições objetivas associadas à posse desigual de recursos de poder, isto é, do que Bourdieu chama de formas de "capital" no sentido lato (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 205)
Assim viver em sociedade, segundo Bourdieu, é competir constantemente por bens e recursos (seja por sua manutenção ou por sua conquista). Mesmo quando conscientemente o indivíduo não deseja à disputa, ele acaba caindo nessa lógica competitiva. Em suma, "O mundo social é, portanto, formado de arenas de luta por bens e recursos escassos, os quais não se reduzem a posses materiais, mas incluem todo um conjunto de posses simbólicas as mais diversas" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 205).

Mas o que os indivíduos mobilizam no campo em busca desses bens e recursos? Para Bourdieu, eles mobilizam capital. Na sociedade, o capital representa tanto o meio (de disputa no campo) quanto seus fins (se disputa por capital). Não obstante, deve-se falar em "capitais" no plural. Pois, para Bourdieu, capital não se vincula exclusivamente ao econômico. Ele aponta a existência de três tipos de capitais, são eles:

  1. Capital Econômico, vinculado a propriedades materiais e poder aquisitivo; 
  2. Capital Cultural, vinculado a competências educacionais socialmente valorizadas como as habilidades verbais; 
  3. Capital Social, vinculado por uma rede de apoio e influência que podem ser estrategicamente mobilizados como um amizade com algum político influente. 
Além desses três tipos de capitais, Peters pontua a existência de outro na teoria bourdieusiana: o capital simbólico. Sobre esse capital, "Bourdieu não se refere a um tipo particular de autoridade e prestígio, mas à forma que todo capital assume quando se manifesta em marcas distintivas de autoridade e prestígio: 'glória, honra, crédito, reputação, notoriedade' (BOURDIEU, 2001a: 202) (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 206). Peters continua, "O funcionamento de qualquer espécie de capital depende do reconhecimento coletivo da sua legitimidade como meio de poder, ou seja, de sua transformação em capital simbólico" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 206)

O conceito de campo e capital, leva Bourdieu a enxergar a sociedade como um jogo. Os indivíduos em sociedade estão inseridos em um jogo onde utilizam de estratégias para alcançar seu objetivo principal: a garantia de lucros materiais e/ou simbólicos. Mas essa busca por lucro nem sempre é percebida conscientemente pelo agente e quando isso ocorre, Bourdieu aponta para duas causas: 01) autoengano, ou seja, um indivíduo como um grande artista ou líder religioso, não demonstram que agem para fins estritamente lucrativos; 02) a segunda causa desse desconhecimento consciente seria o próprio desconhecimento acerca dos efeitos objetivos das ações individuais no mundo social. 

Sua sociologia é revolucionária ao desencantar segmentos da sociedade como a arte, a religião e a ciência. Bourdieu enxerga esses segmentos da sociedade moderna como campos, onde podemos encontrar uma luta por reconhecimento simbólico e/ou ganho material. Bourdieu inova ao: 01) utilizar de termos econômicos (como capital, por exemplo) para mostrar que as práticas antes vistas como estritamente "ingênuas" ou "nobres", como a dos cientistas, artistas e sacerdotes, não passam de uma busca por lucros; 02) mas apesar da utilização de conceitos "frios" da economia, Bourdieu ressalta que as ações nesses campos também seriam mostra de seus envolvimentos existenciais intensos. Sobre esse último ponto, explica Peters: 
Isto explica por que ele veio a combinar o veio econômico da noção de "investimento" a um veio psicanalítico: o investimento em um jogo social não seria mero divertimento, mas uma mobilização intensiva de tempo, recursos e energia, um investimento "libidinal" no sentido amplo que Freud conferiu ao termo. A utilização da noção de "libido" para tratar dos interesses que movem os agentes no mundo social dá testemunho, assim, de sua tentativa de sublinhar não apenas a variedade histórica e cultural dos bens perseguidos pelos seres humanos, como também a intensidade existencial das suas motivações (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 208). 
O incetivo dos agentes para a ação no campo não são dados tidos como naturais, mas parte de uma sensibilização da libido, que passa a enxergar certas atividades como desejáveis e dignas de sua dedicação. É com essa motivação libidinal que o campo também se reproduz enquanto campo, reprodução essa chamada por Bourdieu de illusio. Conclui Peters,
No mundo moderno, a pluralização de campos caminha a par e passo com uma pluralização dos tipos de illusio. Isto faz com que os investimentos característicos de um campo tendam a parecer sem-sentido para os agentes sensibilizados para jogar em um campo distinto (BOURDIEU, 2003: 120): os esforços tenazes de uma filósofa em provar a existência do mundo externo poderão parecer absurdos ao fisioculturista profissional, mas a filósofa provavelmente pensará a mesma coisa da conduta do fisioculturista (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 208)
O exemplo da filósofa e do fisioculturista traz consigo uma importante característica dos campos: eles são relativamente autônomos e criam subjetividades (habitus) próprias. Além de deter certa autonomia, os campos são basicamente divididos entre dominantes e dominados. A sua posição enquanto dominante ou dominado será definida de acordo com sua posição na distribuição desigual de bens e recursos. Dito isso, como agem dominantes e dominados dentro de seus campos? Para Bourdieu, os dominantes tendem a ter uma postura mais ortodoxas e sua luta é representada pela manutenção do status quo. Enquanto os dominados, tendem a posturas mais heterodoxas, sendo seu objetivo a subversão desse status quo. A construção de crenças de natureza implícita (ou seja, não demonstrando explicitamente seus interesses) se configura como a base da relação entre dominantes e dominados.

A teoria (4), o poder simbólico: Na última parte do capítulo, Peters debate sobre o poder simbólico e sua estrutura. Se o primeiro objetivo da grandiosa obra de Bourdieu foi construir uma praxeologia que unisse objetivismo e subjetivismo; o segundo foi entender os mecanismos existentes no poder simbólico.

Sempre relacional, Bourdieu visou superar as visões internalistas e externalistas de simbólico. A primeira "toma as produções simbólicas como carregando, em si próprias, o seu sentido e sua inteligibilidade" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 209). Enquanto a segunda, "sublinha que os significados de uma produção simbólica trazem sempre a marca de influências exteriores a ela, ainda que tais influências não sejam facilmente discerníveis" (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 209). Bourdieu visa unificar essas visões, uma espécie de "praxiologia do simbólico".

Os símbolos são extremamente importantes na análise social, pois sua utilização prática visa conferir sentido à realidade. As estruturas simbólicas, seguindo a dialética do habitus, gera no indivíduo um duplo processo de "estrutura estruturante" e "estrutura estruturada". Esse aparato simbólico cria e ao mesmo tempo é criado. A aplicação informal de uma língua, segundo Peters, é um exemplo da flexibilidade das estruturas simbólicas. Sobre poder simbólico para Bourdieu, podemos resumir suas reflexões da seguinte forma:
Finalmente, a síntese operada por Bourdieu junta as ênfases internalistas sobre conhecimento e comunicação às perspectivas externalistas que acentuam a função de dominação das formas simbólicas, isto é, os modos como elas são mobilizadas na legitimação ideológica de assimetrias de poder. O objetivo da noção de poder simbólico torna-se, assim, captar os processos em que as estruturas simbólicas desempenham essa última função em conluio com as primeiras, ou seja, os processos nos quais relações de dominação são vividas e reproduzidas como relações de conhecimento e/ou comunicação (TELLES, Sarah Silva; OLIVEIRA, Solange Luçan. (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2018, p. 210)
Conclusão: Peters encerra o capítulo pontuando algumas valiosas contribuições de Bourdieu para a Sociologia. Primeiro ponto destacado: ele conseguiu unir teoria com prática, uma verdadeira Teoria da Prática, conciliando pesquisa empírica com abstração teórica. Outra enorme contribuição da teoria bourdieusiana foi o desenvolvimento de uma "sociologia reflexiva", visando uma sociologia da própria sociologia. Bourdieu desejava que os sociólogos pensassem e refletissem sobre o próprio campo em que estavam inseridos, mas não de um ponto de vista estritamente subjetivo, mas com "objetivação" (etnografia, levantamento estatístico, investigação histórica etc). Por fim, essa auto-reflexão sociológica poderia e deveria se espalhar para outros campos do conhecimento científico. De uma perspectiva mais macro, Bourdieu propõe a valorização do agente social que, partindo de sua auto-reflexão, poderia ser o ator principal das transformações do mundo social.







quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Análise de Classes: abordagens



  • Sobre o autor: Erik Olin Wright foi um sociólogo norte-americano que nasceu em 1947, na cidade de Berkeley, e faleceu em 2019 na cidade de Milwaukee. Foi professor da Universidade de Wisconsin-Madison, sendo também presidente da Associação dos Sociólogos Norte-Americanos em 2012. Inserido no Marxismo Analítico, Wright centrou sua produção acadêmica em estudos sobre as definições de classe social na Sociologia. Entre suas principais obras traduzidas para o português, temos: a) Classe, Crise e Estado; b) Reconstruindo o Marxismo; c) Classes.  



Análise de Classes: abordagens - Erik Olin Wright (org.) - Editora Vozes


Introdução - Nessa introdução Erik Olin Wright pontua a confusão na hora de dar um conceito definido de classe social. Para uns o conceito de classe social se vincula a estilos de vida e gostos. Para outros está relacionado a status e respeito social, e também existem aqueles que prezem por uma perspectiva econômica. Para piorar o cenários, alguns teóricos afirmam que a noção de classe está desaparecendo, dificultando a construção de identidades estáveis. Outros vão por outro caminho: atestam a importância e centralidade da noção de classe no entendimento da sociedade contemporânea. Diante de tais problemáticas, Wright assim define o objetivo da obra:
O objetivo central deste livro é esclarecer o complexo conjunto de conceituações alternativas de classe alicerçadas em diferentes tradições teóricas. Cada um dos autores apresentados escreveu extensamente sobre problemas de classe e desigualdade em uma tradição específica de análise. Cada um recebeu a tarefa de escrever uma espécie de manifesto teórico da abordagem pessoalmente preferida: delinear os pressupostos subjacentes, definir de forma sistemática cada elemento conceitual, demarcar as ambições explanatórias do conceito e, quando possível, diferenciar tal abordagem de outras (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 16). 
No capítulo 01, será debatida a visão de classe para os marxistas. No capítulo 02, o palco da análise serão os weberianos. No capítulo 03, o conceito será visto na visão dos durkheimianos. No capítulo 04, a vez é a visão de classe para o sociólogo francês Pierre Bourdieu. No capítulo 05, é a vez dos economistas neoclássicos. Por último, no capítulo 06, a discussão gira em torno de uma visão "pós-classe".

Capítulo 01 - Fundamentos de uma análise de classe neomarxista - Erik Olin Wright

O conceito de classe tem importância fundamental para os teóricos marxistas. Nenhuma tradição sociológica tem tanta afinidade com o conceito quanto eles. O conceito sempre apareceu junto com outros conceitos mais amplos como "modo de produção". As classes e suas dinâmicas tem fundamental importância no desenvolvimento do Materialismo Histórico de Karl Marx. Essa teoria, de cunho macro-histórico e macrossociológico, visa estudar de forma unificada fenômenos sociais como as mudanças sociais, os conflitos sociais, a estrutura do Estado moderno e até as crenças subjetivas individuais. Como bem destaca o autor, frases como "a luta de classes é o motor da história" denota a centralidade desse conceito para essa tradição.

A grande primazia dada a noção de classe não é compartilhada por todos os ditos marxistas, mas apesar disso o conceito permanece tendo presença certa nas teorias de abordagem marxista. O uso da noção de classe, assim como princípios radicalmente igualitários, são marcas que caracterizam o marxismo enquanto campo teórico. Assim a função do capítulo, afirma Wright, é expor a visão de classe para a tradição marxista.

O que define a noção marxista de classe em comparação com outras visões é a associação que essa tradição faz entre classe e o conceito de exploração. A união classe mais exploração é a base da tradição marxista que a partir daí analisa uma variedade de problemas sociais.

Quadro geral: o que é o conceito marxista de classe. Sobre a natureza da noção de classe para os marxistas, afirma Wright: "Na sua essência, a análise de classe na tradição marxista está enraizada num conjunto de compromissos normativos com uma forma radical de igualitarismo" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 16). Mas em que consiste esse igualitarismo radical? Wright divide sua natureza em três aspectos, são eles:

  1. Tese do Igualitarismo Radical - Esse aspecto é definido pela seguinte frase: "O progresso humano seria amplamente favorecido por uma distribuição igualitária radical das condições materiais de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 21). Aqui existe uma inclinação em direção a uma distribuição igualitária do que é produzido em sociedade. Seguimos o exemplo dado pelo autor no texto: numa família igualitária, os filhos que precisam mais recebem mais recursos e todos contribuem como podem na execução das tarefas necessárias ao funcionamento familiar. A mesma lógica deve ser praticada na sociedade. Só assim teríamos um desenvolvimento humano na sua forma mais geral; 
  2. Tese da Possibilidade Histórica - Esse aspecto é definido pela seguinte frase: "Nas condições de uma economia altamente produtiva torna-se materialmente possível organizar a sociedade de tal modo que haja uma distribuição sustentável radicalmente igualitária das condições materiais de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 22). Nesse aspecto uma distribuição igualitária só seria possível através de uma desenvolvimento da capacidade produtiva da sociedade em questão, reduzindo a escassez;
  3. Tese Anticapitalista - Esse aspecto é definido pela seguinte frase: "O capitalismo bloqueia a possibilidade de alcançar uma distribuição radicalmente igualitária das condições materiais de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 22). A tese anticapitalista fundamenta-se na ideia de que o capitalismo é um sistema ambíguo, pois assim como foi capaz de desenvolver a capacidade produtiva humana, acabou criando uma série de instituições que impedem uma distribuição igualitária dessa produção. Em suma, temos um aumento das condições materiais de produção, mas um bloqueio na criação de condições sociais que favoreçam uma distribuição igualitária. Para algumas correntes mais moderadas do marxismo, não é necessário uma ruptura radical com o capitalismo, pois enxergam a possibilidade desse sistema modificar-se por dentro na busca por esse igualitarismo. 
Conclui Wright sobre a natureza da noção de classe para os marxistas, "Seja mais o que for que vise o conceito de classe, na análise marxista ele pretende facilitar a compreensão das condições para a busca dessa agenda normativa. O que significa que o conceito precisa estar ligado a uma teoria do capitalismo, não apenas à noção de desigualdade, e que deve ser capaz de desempenhar um papel no esclarecimento de dilemas e possibilidades de alternativas igualitárias às instituições existentes" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 22-23)

Componentes conceituais da análise de classe. Wright afirma que a palavra "classe" é utilizada com duas conotações diferentes: uma substantiva e outra adjetiva. Na primeira conotação, podemos enxergá-la quando simplesmente afirmamos ser de uma classe (a classe operária, por exemplo), após uma pergunta simples do tipo "Em que classe você acha que se inclui?". Já na conotação adjetiva, constroem-se conceitos tais como: relações de classe, estrutura de classe, situação de classe, formação de classe, interesses de classe, conflito de classe, consciência de classe etc. Para o autor, a utilização de classe na sua conotação adjetiva é a forma mais produtiva e que ele utilizará no restante do texto. E sobre esse uso da palavra "classe" de forma adjetiva, afirma o autor: 
Para assentar os alicerces da análise marxista de classe, portanto, precisamos ter claro o que entendemos por esse "adjetivo". Aqui os conceitos nucleares são relações de classe e estrutura de classe. Outras expressões do menu conceitual da análise de classe - conflito de classe, interesses de classe, formação de classe e consciência de classe - derivam o seu significado das ligações com aqueles conceitos nucleares. O que não quer dizer que para todos os problemas da análise de classe o essencial sejam os conceitos de classe puramente estruturais (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 23).
De forma descritiva, Wright examina oito pontos cruciais no debate conceitual de classe para a tradição marxista. Vamos aos pontos:

  1.  Relações sociais de produção - Todo sistema de produção necessita mover uma variedade de bens como ferramentas, matérias-primas, terra, mão de obra etc. Wright afirma que existem duas formas de enxergar esse sistema de produção. O primeiro segue uma perspectiva técnica, seguida principalmente por economistas, focando na função de produção que visa uma produção específica através de um processo específico. A segunda valoriza o papel das relações sociais dentro desse sistema de produção. Essa perspectiva leva em conta que as pessoas participantes desse sistema de produção tem diferentes tipos de direitos e poderes sobre os recursos produzidos em sociedade. Afirma Wright, "A soma total desses direitos e poderes constitui as relações sociais de produção" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 24). Porém, essas perspectivas não são divergentes, pois se completam; 
  2. Relações de classe como uma forma das relações de produção - Quando os indivíduos detém mais direitos/poderes que outros em um dado sistema de produção, temos então relações de classe. Mas a propriedade em si não define, segundo Wright, se um indivíduo é ou não capitalista. Para se tornar um capitalista faz-se necessário não só a obtenção de propriedade como também sua utilização. Sua utilização passa pela contratação da força de trabalho, direção do processo produtivo e também a apropriação do lucro gerado. Resumindo, "Para haver uma relação de classe não é portanto suficiente a existência de direitos e poderes desiguais em relação à simples propriedade de um recurso. Deve também haver direitos e poderes desiguais quanto à apropriação dos resultados do uso desse recurso" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 25);
  3. Variações nas relações de classe - Outro fundamento da análise de classe marxista é a defesa das variações nas relações de classe. As classes se relacionam de diferentes maneiras e em diferentes épocas, logo, a tarefa da tradição marxista é entender em que se assenta essas relações variadas. Os três principais tipos de relações de classe distinguidos pela tradição marxista são o escravagismo, feudalismo e o capitalismo; 
  4. O problema da complexidade nas relações concretas de classe - A análise de classes na tradição marxista, normalmente, tende a pintar as relações de classe de forma polarizada existindo o confronto entre burguesia e proletariado, senhores feudais e servos ou senhores e escravos. Essa visão polarizada é contestada por Wright que enxerga as relações de classe de uma forma mais complexa e emaranhada. Para ele, "Uma das tarefas da análise de classe é dar precisão à complexidade e explorar suas ramificações" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 27). Sobre a complexidade das relações de classe o autor destaca dois pontos: a) é possível que diferentes tipos de relações de classe coexistam numa dada sociedade e como exemplo Wright cita o sul dos EUA antes da Guerra Civil, onde coexistiram relações escravagistas e capitalistas; b) a posse que um indivíduo tem sobre um recurso ou bens nunca é unidimensional, ou seja, a posse de algo sempre pode ser limitado por outros agentes. Como exemplo, Wright cita um industrial detentor de máquinas. As máquinas é de sua posse, ele pode vendê-las ou usá-las para gerar lucro, mas existem agentes como o Estado que regulam essa posse ao impor regulamentos de segurança específicos sobre o uso desses equipamentos. Os sindicatos organizados e ativos também pode ser agentes limitadores. Assim, "significa que as estruturas capitalistas de classe podem variar consideravelmente dependendo das formas específicas com que esses direitos e poderes são rompidos, distribuídos e recombinados" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 28)
  5. Situações de classe - A ideia de Situação de Classe visa situar o indivíduo dentro de uma estrutura social. Assim sendo, "as 'situações de classe' designam as posições sociais ocupadas por indivíduos dentro de um tipo específico de relação social que são as relações de classe, não simplesmente um atributo pessoal atomizado" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 29). Sobre o foco dessas relações sociais, pelo menos na análise de classe: "direitos e poderes que as pessoas têm sobre recursos produtivos é que são importantes para a qualidade interativa estruturada da ação humana" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 29)
  6. Complexidade nas situações de classe - As situações de classe contém sua complexidade, desafiando as interpretações binárias. Para superar essas limitações, Wright aponta dois caminhos. O primeiro: "Uma alternativa é manter o modelo simples de 'duas classes' e então acrescentar à análise complexidades que não são tratadas como tais na mera localização de classe" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 30). O segundo caminho "é ver algumas dessas variáveis nas 'condições de trabalho' como variações efetivas nas formas concretas de localização das pessoas dentro das relações de classe" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 30). Sem querer fazer uma descrição densa e longa, vamos apenas destacar alguns pontos levantados pelo Wright na explicação dessa complexidade nas situações de classe. O primeiro ponto é a localização das pessoas em situações de classe, ou seja, os indivíduos podem ocupar diferentes postos dentro das relações sociais de produção. Um operário que também trabalha como autônomo por fora é um exemplo disso. Outro ponto importante que retrata essa complexidade é a quantidade de recursos contidos pelos indivíduos. Existem capitalistas que controlam uma vasta quantidade de capital,  enquanto outros controlam uma quantidade menor. Apesar dessa diferença, "Uns e outros são 'capitalistas' em termos de relações de produção, mas há uma diferença enorme no poder que detêm. Entre pessoas situadas na classe trabalhadora variam as habilitações e a correspondente 'capacidade de mercado', ou seja, de aspiração salarial pelo trabalho" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 33). As abordagens macro e micro de classe também serve para destacarmos aqui. Na análise de tipo macro, o foco é a análise da estrutura de classe. Essa estrutura, normalmente, é medida pela nação-Estado, mas também pode ser feita a análise de estrutura de classe de uma empresa, cidade ou até do mundo. Já a análise de tipo micro, "tenta entender as maneiras como a classe exerce impacto sobre os indivíduos. Em essência é a análise dos efeitos das situações de classe sobre vários aspectos das vidas dos indivíduos" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 35). Por último, a análise de classe marxista utiliza uma gama de conceitos para facilitar suas análises. Entre os destacados por Wright, temos: a) Interesses de classe: são os interesses materiais dos indivíduos em decorrência das relações de classe; b) Consciência de classe: conhecimento que os indivíduos detém sobre seus interesses de classe; c) Práticas de classe: ações que envolvem indivíduos ou grupos em busca dos seus interesses de classe; d) Formações de classe: coletividades formadas com o intuito de galgar os interesses de classe; e) Luta de classes: exposição dos interesses antagônicos entre as classes, gerando conflitos. 
Alegações explicativas: metátese fundamental da análise de classe. A metátese fundamental para a análise de classe é que "a classe importa", ou seja, a noção de classe acarreta consequências micro e macrossociais. No plano micro, ela determina a vida das pessoas pelo fato de você vender ou não sua força de trabalho, ter controle ou não sobre o processo produtivo ou possuírem ou não um montante de capital. Já no nível macro, ela determina as ações das instituições que estão (ou não) altamente controladas pelas mãos de poucos indivíduos. Wright reforça, "Dizer que 'a classe importa', portanto, é afirmar que a distribuição de direitos e poderes sobre os recursos produtivos básicos de uma sociedade tem consequências importantes e sistemáticas para a análise social tanto no nível macrocósmico quanto microcósmico" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 36)

Focando no plano microssocial, o autor afirma que duas proposições são fundamentais para o desenvolvimento do debate: 

Proposição número 01: O que você tem determina o que você obtém; 
Proposição número 02: O que você tem determina o que você tem que fazer para obter o que obtém. 

A primeira proposição está relacionada a distribuição de renda. Assim, "A alegação da análise de classe, portanto, é de que os direitos e poderes que as pessoas têm sobre os bens produtivos são um elemento determinante significativo e sistemático de seus padrões de vida: o que você tem determina o que você obtém" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 36-37). A segunda proposição está ligada à distribuição das atividades econômicas. Assim, "A tese da análise de classe, mais uma vez, é de que direitos e poderes sobre os bens produtivos são um elemento determinante sistemático e significativo das estratégias e práticas adotadas pelas pessoas para adquirir seus rendimentos, quer tenham que bater pernas à procura de emprego, quer tomem decisões sobre investimentos mundo a fora, quer tenham que se preocupar em honrar pagamentos parcelados de dívida bancária para manter uma fazenda em atividade. O que você tem determina o que você tem que fazer para obter o que obtém" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 37). Em suma, a dominação e a desigualdade no trabalho, por si só, não provam a importância da classe. O que precisa ser mostrado é que os direitos e poderes com diferentes acessos sobre os bens de produção tem consequências sobre os fenômenos sociais a nível macro e micro. 

A análise marxista de classe. As proposições debatidas acima não é uma ideia compartilhada apenas pela análise de classe marxista. Os weberianos também seguem a mesma lógica, fazendo essas duas correntes da Sociologia terem bastante afinidades no que tange à análise de classe. Mas, então, o que distingue a análise de classe marxista das demais? Para Wright, o que distingue a análise de classe marxista é sua centralidade em um conceito: o de exploração. É a exploração que gera e impulsiona as proposições acima analisadas. O conceito de exploração nos marxistas apoia-se em três princípios, são eles: 
  1. Princípio do bem-estar interdependente inverso - Nesse princípio o bem-estar material dos exploradores depende da exploração e das privações dela decorrente, dos explorados. Isso gera interesses antagônicos no seio da sociedade; 
  2. Princípio da exclusão - A relação entre exploradores e explorados depende da exclusão deste último no acesso a certos recursos produtivos como os meios de produção; 
  3. Princípio da apropriação - A exclusão acaba gerando uma apropriação pelos exploradores que detém vantagens materiais às custas do esforço de trabalho dos explorados. 
Em resumo, afirma Wright: 
A exploração, portanto, é um diagnóstico do processo pelo qual as desigualdades são geradas pelas desigualdades de direitos e poderes sobre os recursos de produção: as desigualdades ocorrem, ao menos em parte, pela maneira como os exploradores, em virtude de seus direitos e poderes exclusivos sobre os recursos, são capazes de se apropriar do excedente gerado pelo esforço dos explorados (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 38)
Wright diz que, em alguns casos, os dois primeiros princípios podem estar presentes mas o terceiro não. Quando isso ocorre temos uma "opressão econômica não exploratória", onde os grupos privilegiados permanecem mantendo seu bem-estar às custas da exclusão dos desprivilegiados, mas não ocorre a apropriação do trabalho. O autor compara duas situações históricas: o tratamento do colonizador europeu aos povos indígenas na América do Norte e na África do Sul. Em ambos os casos o bem-estar do colonizador privilegiado era mantido às custas da exclusão dos nativos desprivilegiados, porém
Enquanto na África do Sul os colonizadores dependiam de modo significativo do esforço laboral dos povos indígenas, primeiro como meeiros e peões agrícolas e depois como trabalhadores nas minas, os europeus que colonizaram a América do Norte não dependiam do trabalho dos nativos. O que quer dizer que, quando encontraram resistência nativa à exclusão de posse territorial, os colonos brancos da América puderam adotar uma estratégia de genocídio (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 39).
É por isso que, no capitalismo, trabalhador bom é trabalhador obediente e produtivo. Isso porque esse sistema depende do terceiro princípio de apropriação do trabalho dos desprivilegiados para permanecer de pé. Por fim, Wright pontua a coexistência entre exploração e dominação. Segue o trecho em que esses conceitos são articulados na análise de classe marxista: 
A exploração, tal como defendida aqui, está intimamente ligada ao problema da dominação, isto é, às relações sociais nas quais as atividades de uma pessoa são dirigidas e controladas por outra. A dominação ocorre, primeiro, no princípio da exclusão: "possuir" um recurso dá à pessoa o poder de impedir outras de usá-lo. O poder exercido por empregadores de contratar e demitir trabalhadores é o exemplo mais claro dessa forma de dominação. Mas a dominação também ocorre, na maioria das vezes, em conjunto com o princípio da apropriação, uma vez que a apropriação do esforço do trabalho dos explorados geralmente requer formas diretas de subordinação, especialmente dentro do processo de trabalho, sob a forma de chefia, supervisão, vigilância, ameaças etc. A exploração combinada com a dominação definem, juntas, os aspectos centrais das interações estruturadas dentro das relações de classe (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 40).
Encerrando essa penúltima parte do capítulo, Wright distingue rapidamente a análise de classe marxista da weberiana. De início, aponta para as pequenas diferenças entre ambas perspectivas. Elas mais estão de acordo que em divergência, segundo o autor. Mas apesar disso elas apresentam diferenças a serem pontuadas. A afinidade seria a visão de classe baseada pelo fator econômico. Onde discordam é nas consequências geradas por esse consenso inicial. Enquanto na análise de classe marxista as relações de classe estão assentadas com base nos conceitos de exploração e dominação, problematizando a posição dentro das relações de produção; os weberianos se limitam a problematizar apenas as diferenças existentes na distribuição das capacidades dos homens no mercado. Não se atentam, por exemplo, a problemática da produção.

A recompensa: Quais as vantagens da análise marxista de classe?. Wright afirma que a análise de classe marxista trouxe várias vantagens e avanços teóricos. Alguns conceitos-chaves são destacados por ele, como: 01) Conexão entre troca e produção, aqui a análise de classe marxista contribui para um debate que liga os problemas existentes tanto no processo de troca quanto no processo de produção; 02) Conflito, a análise de classe marxista traz a centralidade do conflito para o entendimento das sociedades, mas o conflito como sendo gerado por contradições inerentes ao capitalismo e não por fatores superficiais como o argumento da simples competição; 03) Poder, eles também dão atenção ao poder como forma de garantir ou contestar posições de classe definidas; 04) Coerção e consentimento, a apropriação para a análise marxista não é realizada meramente por um sistema ostensivo de exploração, sendo necessário o desenvolvimento de ideologias que fortaleçam a fidelidade dos trabalhadores; 05) Análise histórico-comparativa, a análise de classe marxista desenvolve e se baseia numa teoria macrossociológica de cunho histórico e estrutural que explica fenômenos como as mudanças sociais, as relações de produção, a exploração, dominação e demais conceitos de interesse sociológico. Assim conclui o capítulo:
A análise de classe, pode, portanto, funcionar não apenas como parte de uma teoria científica sobre interesses e conflitos, mas também como parte de uma teoria emancipatória de alternativas e justiça social. Mesmo que o socialismo esteja fora da agenda histórica, a ideia de confrontar a lógica capitalista da exploração não está (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 45).
Capítulo 02 - Fundamentos de uma análise de classe neoweberiana - Richard Breen

Passado a análise de classe para os neomarxistas, chegamos nos neoweberianos. Breen organiza o capítulo da seguinte forma: primeiramente ele analisará a noção de classe para Max Weber e, em seguida, traçará o esquema proposto por John Goldthorpe, considerado como neoweberiano.

Para Weber e os neoweberianos, o mercado é o elemento determinante das oportunidades de vida no capitalismo. Oportunidades de vida é entendido como a chance de um indivíduo usufruir determinados bens (econômicos, sociais ou culturais) valiosos. Já a situação de classe é entendida como a posição comum onde os indivíduos compartilham bens típicos. Membros de uma determinada classe acabam desfrutando de oportunidades semelhantes por estarem unidos em uma mesma situação de classe.

Na concepção weberiana, a classe é determinada por fatores econômicos. Mas Weber aponta que a classe, unicamente, não explica a distribuição do poder na sociedade. É por isso que além da classe ele cria duas outras dimensões como os partidos e os grupos de status. "A distinção entre eles tem a ver com os diferentes recursos que cada um pode trazer para influenciar a distribuição das oportunidades de vida" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 48).

Descentralizando a importância da classe, Weber pressupõe que a classe não é o principal campo de conflitos sociais. Também não enxergava a classe como fonte de uma ação coletiva. A visão weberiana objetiva compreender o mercado como fonte de desigualdades de oportunidades de vida, sendo a classe apenas um dos fatores dessa desigualdade. Podemos resumir uma abordagem weberiana de classe da seguinte forma:
Para um weberiano, a classe é importante porque liga a posição dos indivíduos nos mercados capitalistas à desigualdade na distribuição de oportunidades de vida. Como vimos, variações na posição de mercado surgem com base em diferenças na posse de bens relevantes para o mercado. Uma abordagem possível na construção de um esquema de classe de inspiração weberiana pode ser o de agrupar indivíduos que possuam os mesmos bens ou bens similares (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 50)
Feita essa breve explanação sobre a concepção de classe para Weber, o autor descreve a análise de um neoweberiano: John Goldthorpe. Ele estrutura um esquema visando analisar as distinções entre as ocupações com base nas situações de mercado e também nas situações de trabalho. Como situação de mercado ele "refere-se às fontes e níveis de renda de uma atividade ou ocupação, as condições de emprego a ela associadas, seu grau de segurança econômica e as chances de progresso econômico para os que a exercem" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 51). Já como situação de trabalho, "refere-se à localização de uma atividade dentro dos sistemas de autoridade e controle do processo de produção" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 51). Em suma, "Ocupações que tipicamente partilham situações comuns de mercado e trabalho constituiriam classes, e os ocupantes de diferentes classes desfrutariam de oportunidades de vida diferentes" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 51).

Goldthorpe considera a existência de dois tipos de classe: a primeira detentora dos meios de produção e aquela não detentora desses meios. Estes últimos são divididos por sua relação frente ao empregador. Essa divisão entre os não detentores dos meios de produção é onde o esquema de Goldthorpe foca. Para ele existe uma dicotomia entre esses não detentores. Assim,
A importante dicotomia aqui é entre posições reguladas por um contrato de trabalho e aquelas reguladas por uma relação de "serviço" com o empregador. Um contrato de trabalho estabelece uma troca bem específica de salário por esforço e o trabalhador é relativamente vigiado de perto, enquanto a relação de serviço é mais a longo prazo e envolve uma troca mais difusa (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 52)
O interesse do empregado pela empresa, assim como sua relação com o empregador, será definida pelo tipo de trabalho que ele executa. Esse tipo de trabalho pode ser determinado por dois fatores: 01) Especificidade do bem, que "refere-se ao grau de qualificação, especialização ou conhecimento que um trabalho requer, em comparação com trabalhos cujos requisitos são habilidades gerais, não específicas" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 52); 02) Problema de monitoramento, que ocorre "quando o empregador não pode, com um grau de clareza razoável, avaliar em que medida o empregado trabalha no interesse da empresa" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 52). Quando ocorre problemas relativos a monitoramento, o empregador utiliza incentivos para persuadir o empregado a manter-se alinhado aos interesses da empresa. O fruto da cooperação é a garantia de recompensas a longo prazo. Descrevendo rapidamente esse esquema, Goldthorpe anuncia a existência das seguintes classes:

  • I -  empregados como trabalhadores administrativos e gerenciais, de alto nível, que apresentam relações de serviço; 
  • II - empregados como trabalhadores administrativos e gerenciais, de baixo nível, que apresentam relações de serviço; 
  • III - empregados de "nível inferior", ocupando serviços manuais rotineiros (IIIb) e ocupações rotineiras não manuais de nível mais elevado (IIIa); 
  • IV - classe de autônomos e pequenos empregadores, dividida entre: pequenos proprietários que tem empregados (IVa), pequenos proprietários sem empregados (IVb) e agricultores (IVc); 
  • V - empregados com ocupações técnicas e manuais de nível inferior de supervisão; 
  • VI - empregados manuais não qualificados;
  • VII - empregados manuais não especializados, divididos entre empregados do setor agrícola (VIIb) e não agrícola (VIIa). 
Assim pode ser resumido esse esquema, "Apesar dos protestos de Goldthorpe, há alguma razão em rotular o seu esquema de 'neoweberiano', uma vez que compartilha o foco weberiano nas oportunidades de vida e a modéstia weberiana quanto ao alcance da análise de classe", continuando, "Além do mais, o esquema de classes não reivindica a identificação de grupos que agem como 'o motor da mudança social' nem supõe que as classes tenham relações de exploração umas com as outras, nem que seus membros desenvolvam automaticamente uma consciência de classe e se engajem na ação coletiva" (WRIGHT, Erik Olin. Vozes: Petrópolis-RJ, 2015, p. 57)






domingo, 1 de setembro de 2019

Quatro Tradições Sociológicas



  • Sobre o autor: Randall Collins é um sociólogo norte-americano, nascido no estado do Tennessee. Graduado em Psicologia pela Universidade de Harvard, onde foi aluno do sociólogo Talcott Parsons. Conquistou seu mestrado na Universidade de Stanford e o doutorado em Sociologia pela Universidade da Califórnia. Professor universitário, Collins lecionou em várias universidades como: a Universidade da Califórnia, Universidade da Virginia e atualmente se encontra na Universidade da Pensilvânia. Também trabalhou como visitante em universidades como Harvard, Cambridge e Chicago. Entre 2010 a 2011, Collins presidiu a Associação Americana de Sociologia. Entre suas principais obras, podemos citar: a) A Sociologia do Conflito: por uma ciência explicativa; b) Insight Sociológico: uma introdução à Sociologia não-óbvia; c) Violência: uma teoria microssociológica. 



Quatro Tradições Sociológicas - Randall Collins - Editora Vozes


Prefácio - O objetivo de Randall Collins na obra é ir além dos clássicos, buscando trazer a ideia de que a Sociologia vem consolidando suas ferramentas teóricas nos últimos cem anos. Dessas ferramentas, ele escolhe quatro tradições que vem tendo uma continuidade no tempo ao mesmo tempo que aprofunda seus debates. A primeira tradição é a que ele chama de "Tradição do Conflito", representada pelas ideias de Karl Marx, Friedrich Engels e Max Weber. Para Collins, as teorias marxiana e weberiana tem mais pontos de convergência que de divergência. Suas análises se concentram numa perspectiva macrossociológica e macro-histórica, debatendo temas como a natureza do capitalismo, a estratificação social, os conflitos políticos etc. A segunda tradição é chamada de "Tradição Durkheiminiana", representada por dois grupos. O primeiro grupo é aquele que busca uma explicação social com base numa perspectiva macrossociológica, porém, sob um prisma funcionalista. Nesse primeiro grupos, encontramos contribuições de sociólogos como Émile Durkheim, Auguste Comte, Herbert Spencer e os mais atuais Talcott Parsons e Roberto Merton. O segundo grupo dessa tradição é vinculado a Antropologia Social e produziu teorias voltadas para as crenças e os símbolos decorrentes destas. O norte-americano Erving Goffman é citado como representante dessa linha. 

A terceira tradição trabalhada no livro é a "Tradição Microinteracionista", marcada por várias vertentes. Entre elas: a) O Pragmatismo de Charles Sanders Peirce e George Herbert Mead; b) O Interacionismo Simbólico de Charles Horton Cooley, William Thomas e Herbert Blumer; c) A Fenomenologia ou Etnometodologia, representada por Alfred Schurtz e Harold Garfinkel. Goffman também é trazido para essa tradição, pois sua obra também dialoga com os interacionistas simbólicos. Por fim, a quarta e última tradição é a "Tradição Racional-Utilitarista" que também é conhecida como Teoria da Escolha Racional. Assim como os teóricos do conflito, os utilitaristas também vão estar preocupados com a dinâmica política e seus conflitos inerentes, mas sob uma visão liberal. Sua base se fundamenta na ideia de que os indivíduos atuam racionalmente, estando a serviço da promoção do melhor para todos. Os micro-interacionistas e os racionais-utilitaristas desenvolvem uma grande rixa que coloca em cheque a velha disputa filosófica entre idealismo e empirismo britânico. A expectativa do autor é ser mais descritivo que analítico, visando com isso um quadro geral do pensamento sociológico. 

Prólogo - O Surgimento das Ciências Sociais - A primeira afirmação de Collins nesse prólogo é: "A ciência social deriva de uma base social". Daí, ele identifica dois paradoxos: 01) A ciência, esse conhecimento objetivo que deve conhecer as coisas como são e não como imaginamos ser, tem bases sociais que por sua vez determinam a produção dos cientistas sociais; 02) Essas bases sociais influenciadoras são construções, tendo autonomia e estando acima dos indivíduos. As quatro tradições sociológicas que serão descritas no decorrer do livro, buscarão a sua maneira responder (ou buscar responder) esse e outros questionamentos. 

Através da Tradição do Conflito, temos entendimento de como a distribuição de recursos políticos/econômicos podem influir sobre a sociedade e os indivíduos. A Tradição Racional-Utilitarista vem trazer reflexões sobre a limitação da racionalidade. A Tradição Durkheiminiana busca refletir sobre como nossas mentes são moldadas pelos grupos sociais que detém um poder moral sobre as consciências individuais. Já para a Tradição Micro-Interacionista temos o entendimento de que a sociedade está em nossas mentes e com isso as experiências cotidianas liga-se diretamente a realidade social. Mas quais as condições históricas que propiciaram o surgimento dessas tradições sociológicas? É isso que Collins busca refletir nesse prólogo. 

O pensamento social nos Impérios Agrários. O pensamento sociológico, por diversas razões, nunca encontrou terreno para se desenvolver no que Collins chama por Impérios Agrários (compreendendo o Egito, a Mesopotâmia, a Pérsia, a Índia, a China e o Japão). O principal deles era a forte presença da religião nessas sociedades, assim como suas preocupações voltadas para atividades práticas da vida. A necessária abstração para a formulação de teorias sociais, ainda não tinha espaço para apresentar-se. Os conhecimentos e que abarcaram áreas como a Matemática, a Astronomia etc., estavam subordinadas a resolução de problemas da vida cotidiana, quase sempre vinculadas ao pensamento religioso. 

Para surgir as condições que dessem origem a um pensamento social, faz-se necessária duas coisas: 01) as sociedades precisam se tornar racionalizadas, no sentido weberiano do termo, e por isso mesmo desencantadas; 02) e, principalmente, a construção de um grupo de intelectuais e/ou pensadores que fundem uma comunidade intelectual com fins meramente reflexivos. Essa última condição só será encontrada a partir da Grécia Antiga, onde um conjunto de pensadores começaram a pensar de maneira autônoma e com isso sem interferência direta da religião ou governo. A chamada "Idade de Ouro", marcada pelo florescimento das cidades-estado sob um forte hibridismo cultural numa região marcada pelo comércio, foi a expressão maior do desenvolvimento desses pensadores que lançaram as bases teóricas da filosofia e da ciência. O foco desses primeiros filósofos, como Platão e Aristóteles, estavam mais num teor valorativo onde se buscava pensar na construção de uma sociedade ideal. A chave ainda estava no "como deveria ser". Aristóteles fugiu um pouco desse debate valorativo, em comparação a Platão. Enquanto Platão buscava formar políticos que liderassem governos, Aristóteles visava formar novos intelectuais. Uma teoria do conhecimento passou a ser com ele germinada. Apesar disso, 
A Sociologia e a Economia de Aristóteles eram promissoras, mas rudimentares. A maior realização da ciência social grega foi a criação da história tal como a conhecemos: quer dizer, uma narrativa histórica séria. No mesmo período em que os sofistas e as outras escolas filosóficas estavam engajadas nos mais variados debates, o mesmo mercado intelectual encorajou políticos e generais aposentados, como Tucídides e Heródoto, a escrever histórias. Eles criaram um novo padrão, a partir de seus esforços em narrar os fatos objetivamente, sem qualquer tipo de interpretação religiosa (tais como as que nos são familiares na Bíblia hebraica) e indo além das crônicas administrativas na análise das causas dos eventos (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 16-17)
As universidades medievais criam o intelectual moderno. A principal contribuição para o desenvolvimento da ciência no medievo foi a criação de uma instituição: a universidade. Criadas entre os anos de 1100 e 1200, as universidades deram aos intelectuais certa autonomia para pensar, pois existia a possibilidade delas se autogovernarem como uma instituição autônoma. Pela primeira vez na história se criava uma instituição que demarcava uma divisão entre o mundo exterior e o interior, este último responsável pela produção de conhecimento abstrato sobre a realidade. 

No começo, as universidades não detinham tanto prestígio, pois a formação universitária não implicava em ocupação de cargos importantes. Os interesses se limitavam ao Direito, Teologia e em menor escala, em Medicina. Porém, a Igreja passou por um processo de burocratização e o diploma em Teologia ou Direito Canônico davam ao indivíduo mais prestígio na busca por um cargo expressivo em Roma. O desenvolvimento do comércio dava aos advogados um novo mercado que antes não tinham em vista. A consequência disso foi o seguinte processo: 
Durante os séculos da baixa Idade Média, as credenciais universitárias passaram por um logo processo de inflacionamento em seu valor social. Como cada vez mais pessoas obtinham diplomas, requisitos educacionais passaram a ser exigidos nas posições políticas e religiosas, o que, em contrapartida, tornou socialmente necessário um aumento no número de anos de estudo para a realização dos mesmos trabalhos. Aumentando a comunidade de estudantes, também aumentou a comunidade de professores. As universidades proliferaram-se e passaram a competir umas com as outras para atrair mais alunos e professores famosos. Assim como é típico dos períodos de grande competição, os intelectuais começaram a distinguir-se dos seus rivais pela criação de novas ideias. Os longos séculos de tradição e dogma começaram a ceder lugar para a inovação - não porque na sociedade em sua volta a tradição valesse menos, mas porque no interior dessa comunidade formou-se um mercado intelectual altamente dinâmico. (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 18)
Nesse contexto de competição, inovação e dinamismo que filósofos importantes puderam produzir importantes reflexões como Pedro Abelardo, Duns Scott e William de Occam. A filosofia passava a ser menos um apêndice da teologia e passava a desenvolver-se enquanto disciplina própria. Porém, as universidades medievais não constituem uma ponte direta com a formação da intelectualidade moderna. Isso porque seu desenvolvimento passou por avanços e recuos, durante os diversos contextos históricos, sendo os anos de 1300 a 1400 um declínio de sua influência. 

A Renascença: a vida intelectual torna-se secular. O Renascimento proporcionou uma situação nova: pela primeira vez, desde a Antiguidade, intelectuais puderam se desenvolver de forma independente da Igreja. Essa inovação foi possível graças ao advento do Humanismo que trouxe a valorização da cultura greco-romana em detrimento da religião. Nesse contexto a produção de conhecimento estava muito ligada ao entretenimento, sendo a principal marca renascentista o desenvolvimento de obras artísticas e literárias. Além das artes e da literatura, as Ciências da Natureza ganharam um destaque maior nesse período. É também nesse período, entre os anos de 1500 e 1600, que uma importante instituição volta a florescer: a universidade. A partir dos anos de 1600, surge vários filósofos responsáveis por importantes contribuições para o conhecimento científico. Entre eles: René Descartes, Francis Bacon, Gottfried Leibniz etc. Mas reflexões sociais ainda não tinham terreno para desenvolver-se, muito por conta de um contexto conturbado que tinha na Reforma Protestante e consequente Contra-Reforma seus principais acontecimentos. Até aqui o desenvolvimento intelectivo avançava, mas em áreas mais "seguras" como as Ciências da Natureza e a Filosofia. A palavra segura foi utilizada entre aspas porque o desenvolvimento desses conhecimentos citados também foram motivo de conflitos, vide a condenação de Galileu Galilei. Ademais, a única ciência social desenvolvida era a História, mas essa encontrava-se subordinada a interesses de propaganda das guerras religiosas em curso. 

Guerras religiosas e o Iluminismo. As guerras religiosas fizeram surgir um novo contexto que ajudaria no desenvolvimento intelectual subsequente. Os reis, buscando fortalecer seus Estados nacionais ao mesmo tempo que procuravam manter certa distância da influência do Papa, passou a substituir aristocratas feudais/conselheiros religiosos por burocratas civis de carreira. Era o desenvolvimento de uma espécie de funcionário público. Cada país europeu buscou resolver seu conflito com a Igreja de uma forma. Na Alemanha protestante, o Estado fundiu-se com a Igreja, formando uma burocracia governamental dessa união. As universidades passaram a ser parte do Estado e um sistema de educação pública foi implantado. Portanto, toda produção intelectual alemã era produzida por intelectuais que também eram burocratas do Estado. É por isso que ciência social na Alemanha significa uma "ciência do Estado", sendo essa uma junção de administração pública com estatística meramente descritiva. 

Na França, ocorreu um processo diferente. O rei francês, após uma dura disputa entre católicos e protestantes, se viu aliado dos primeiros. Mas apesar disso, o monarca francês não pretendia ser um mero subordinado do papa. Para isso, deixou as universidades nas mãos do clero, mas ao mesmo tempo fundou academias e escolas independentes em Paris com o intuito de formar servidores públicos. É daí que na França vai surgir uma aristocracia nova, burocrática e diferente da antiga aristocracia feudal. Dessa nova aristocracia letrada, temos pensadores conhecidos como Montesquieu, Tocqueville e Condorcet. Napoleão Bonaparte completará o processo ao eliminar de vez as universidades, substituindo-as por escolas seculares laicas. 
O resultado disso foi que os intelectuais franceses se concentraram em Paris como um grupo de elite, competindo por um pequeno número de posições elevadas nas academias e nas grandes écoles, e congregando-se nos salões do patronato aristocrata. Enquanto o intelectual alemão típico era um professor universitário que ocupava uma posição mediana nos serviços civis, o intelectual francês era culturalmente elitista, próximo aos corredores do poder, pronto para uma tomada de posse revolucionária (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 22)
Na Inglaterra ocorre outro processo. Por lá, as universidades apresentam uma força reduzida em comparação com os exemplos anteriores. Surgem daí um conjunto de intelectuais autônomos como Thomas Malthus, Francis Galton e Charles Darwin. Apesar disso esses intelectuais ingleses gozavam de um forte diálogo com o que se produzia na Alemanha e na França, graças a sua posição de país mais rico da época que proporcionava a muitos nobres (e até membros da classe média) poder aquisitivo suficiente para que devotassem dedicação a atividade intelectual. Em países menores: a Escócia desenvolveu suas universidades em contraposição aos vizinhos ingleses; Espanha e Itália tiveram suas universidades sob domínio católico.

Passada as guerras religiosas, chegamos aos anos de 1700 e o auge da intelectualidade iluminista. Mas qual o contexto dessa intelectualidade? "As guerras religiosas haviam acabado e a tolerância secular era o espírito da época. Burocracias governamentais e algumas das novas escolas ofereciam oportunidades de trabalho para os intelectuais, e o aumento no nível de riqueza tornava possível que os patronos aristocratas e a pequena nobreza intelectual gozassem de maiores recursos para financiar seus passatempos favoritos" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 24). Os filósofos iluministas eram marcados por sua interdisciplinariedade, perpassando suas reflexões em diferentes campos do saber. Foram eles os primeiros a buscarem explicações mais gerais sobre o mundo social, marcando o pontapé de uma ciência social. Além disso, pensadores como John Locke, Jean Jacques-Rousseau, David Hume, Immanuel Kant e Voltaire estavam sob um contexto histórico com acontecimentos inéditos como a descoberta européia de povos tribais não ocidentais (Américas, África e Ásia). Foi a partir dos relatos sobre esses povos que esses filósofos começaram a buscar a essência desse considerado "estado de natureza", fazendo a partir daí uma análise geral sobre suas próprias sociedades. As ideias de evolução também começavam a surgir com pensadores como Turgot, Condorcet e Comte. 

Por fim e apesar desses avanços, alerta o autor: "O papel social do intelectual do Iluminismo não deixava muito lugar para a pesquisa. Ela foi apenas um efeito residual das atividades mais importantes - na verdade, era a Filosofia especulativa e o talento literário que davam a tônica de quase tudo o que era escrito" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 25)

Economia: a primeira Ciência Social. A Economia é tratada por Collins como a primeira grande ciência social a se desenvolver, após o desenvolvimento do pensamento iluminista. Na Alemanha, seu desenvolvimento foi ligado aos interesses governamentais sob o nome de Estatística, tendo um teor mais descrito que analítico. Na França o pensamento econômico foi representado pelas reflexões de François Quesnay e sua doutrina fisiocrática. Já na Escócia, surgiu o principal nome dessa nova ciência: Adam Smith, com a célebre obra "A Riqueza das Nações". 

O surgimento das escolas públicas e a revolução da universidade. Mas foi na Alemanha a mudança que proporcionaria uma revolução nas universidades: o surgimento da escola pública, gratuita e que visava a obediência ao Estado. A criação dessas escolas passaram a valorizar ainda mais o papel das universidades, agora vistas como formadoras de professores. O objetivo desses professores, na prática, virou adentrar nas escolas e em seguida pedir transferência para as universidades. Esse salto era possível, pois ambas esferas faziam parte da mesma burocracia. Nessa lógica, "O resultado dessa expansão e dessa competição foi uma considerável pressão para a ampliação do número de vagas para o cargo de professor universitário nas faculdades das artes liberais e para uma elevação em seus prestígio" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 27). A Filosofia passou a mudar de patamar, sendo elevada a mesma condição das faculdades de Direito, Teologia e Medicina. Logo as universidades alemãs passaram a ser consideradas referências mundiais, com um alto valor dado ao conhecimento filosófico. Era o caminho aberto para o desenvolvimento das Ciências Humanas no âmbito universitário. Como diz Collins, 
A faculdade de artes tinha como função meramente preparar estudantes para as faculdades superiores, mas, na medida em que sua função passou a ser a de treinar professores para o sistema de ensino público, ela teve uma oportunidade para afirmar que possuía uma importância em si mesma. Não há limites intrínsecos para o tipo de conhecimento que os professores devem possuir (ao contrário dos teólogos, advogados e médicos), portanto, não há um critério definido acerca do modo como eles devem ser treinados (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 28)
Immanuel Kant, Johan Fichte, Friedrich Scheling, Georg Hegel e Arthur Schopenhauer são alguns dos filósofos inseridos nesse novo contexto. Apesar de críticas de alguns pensadores (como Lord Byron e William Blake), esse sistema vingou e se reproduziu. A consequência direta foi a constante especialização do conhecimento, formando as diversas áreas que hoje conhecemos. O papel multiuso do professor deu lugar ao especialista, fruto de um caráter metódico e burocrático de formação de conhecimento. 

O desenvolvimento das disciplinas:
  1. A história torna-se profissionalizada - A História foi a primeira ciência social a desenvolver com essas novas transformações. Através da Filologia (estudo das linguagens), vários pensadores tiveram acesso a línguas antigas e desenvolveram estudos históricos inovadores. Entre esses contribuintes temos: Georg Hegel, Johann Herder, Friedrich von Savigny e Leopold von Ranke. Todos vinculados a academia alemã. A contribuição principal desses autores foi a análise com base em fontes originais, sem confiar em fontes secundárias;
  2. A economia torna-se acadêmica - A Economia finalmente sai do plano político e chega a universo acadêmico. As ideias de Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus e John Stuart Mill por muito tempo estiveram distante da academia porque todos esses pensadores eram autônomos, ou seja, sem nenhum cargo oficial nas universidades. As próprias produções teóricas desses autores estavam mais voltadas a um ideal político, vinculado a questões práticas da vida, do que uma espécie de diálogo com a universidade. Depois desses autores, Karl Marx foi aquele que buscou formular uma Economia com bases científicas. Segundo Collins, o radicalismo de suas ideias, fizeram com que sua teoria econômica só tivesse aceitação no âmbito acadêmico nas décadas de 1880 e 1890. A institucionalização da Economia teve pioneira contribuição dos chamados Neoclássicos, adquirindo uma faceta mais técnica através das reflexões de William Jevons, Alfred Marshall, León Walras, Carl Menger, Vilfredo Pareto e mais na frente John Keynes. Toda essa gama de teorias econômicas não era bem aceitas na Alemanha que, sob jugo de uma burocracia autoritária e aristocrática, se colocava adversa a ideias como o livre mercado. Destarte, "Os economistas alemães fizeram muita pesquisa acadêmica, mas seu foco foi sempre a história institucional, e não as leis do mercado. Os desenvolvimentos recentes da Economia marginalista eram desqualificados como sendo construções irrealistas e até mesmo como ideologia capitalista" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 33)
  3. A Psicologia torna-se independente - A Psicologia enquanto conhecimento científica surgirá da junção de três outros conhecimentos: a Filosofia, a Medicina e a Pedagogia. Collins apresenta algumas ramificações da Psicologia no decorrer do seu desenvolvimento. A primeira ramificação é a Psicologia Experimental, bastante influenciada pela Fisiologia e que teve como principal expoente o fisiologista William Wundt. Nos EUA, através das contribuições de William James, se desenvolverá a Psicologia Comportamentalista. Na Rússia se desenvolveu outra tradição da Psicologia, através das teorias de Ivan Pavlov e Bechterev. Por fim, chegamos a Psicologia Clínica, influenciada pelas ideias do psicanalista Sigmund Freud; 
  4. A Antropologia conquista seu nicho - O conhecimento antropológico se desenvolve após os contatos entre europeus e tribos não ocidentais da América, África e Ásia. Seu termo, Antropologia, foi criado ainda no século XVIII e se vinculava "a ciência da biologia humana", recebendo forte influência da Biologia da época. As primeiras reflexões antropológicas foram realizadas por médicos e biólogos como George Waitz, Paul Broca e James Prichard. Após essa fase inicial, a Antropologia passa a criticar suas origens e a construir um conhecimento autônomo das Ciências da Natureza. Nessa fase se destacam antropólogos como Franz Boas. Agora o foco estava na história cultural dos povos;
  5. E finalmente a Sociologia - A Sociologia foi a última ciência social a se desenvolver, até mesmo depois da Antropologia, segundo Collins. Ela foi marcada inicialmente por um conjunto de pensadores que aliavam interesse sociológico com intervenção política. O primeiro país a desenvolver institucionalmente a Sociologia foi os EUA, montando o primeiro departamento de Sociologia, criado pela Universidade de Chicago em 1982. Na Inglaterra o desenvolvimento da Sociologia será pífio, já na Alemanha Max Weber encontrou várias barreiras de uma ciência vista pelos alemães como estranha. Por fim, destaca-se o papel de Durkheim na institucionalização da Sociologia em solo francês. Segundo Collins, "Durkheim tinha suas inclinações políticas e preferências ideológicas. No entanto, ele foi consagrado como o mais bem-sucedido dos fundadores da Sociologia não apenas por ter estabelecido essa disciplina na elite do sistema universitário francês, mas também porque ele lhe conferiu uma teoria e um método próprio, permitindo que ela fosse edificada também em outros lugares" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 47). E continua, "Dado que o rival acadêmico mais imediato da Sociologia era a Psicologia, Durkheim teve muito trabalho para distinguir claramente o nível de análise sociológico do nível de análise psicológico. Durkheim foi o sociólogo arquetípico porque, institucionalmente, ele teve que ter toda a clareza acerca daquilo que tornava a Sociologia uma ciência autônoma, com seu próprio campo de investigação" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, p. 47)
Dada essa contextualização geral sobre o desenvolvimento histórico que deu origem ao conhecimento sociológico, vamos as suas principais tradições. 

01) A tradição do conflito - A tradição do conflito não é aquela que estuda eventos dramáticos da história humana, apesar desses casos explícitos de conflitos sociais também ganharem atenção dos autores que constroem essa tradição. Porém, seu foco principal é investigar sociologicamente o que está de implícito ou oculto nos processos sociais, logo, "Seu principal argumento não é simplesmente o de que a sociedade consiste em conflito, mas o de que, quando o conflito não é explícito, ocorre um processo de dominação. De acordo com sua concepção, a ordem social é constituída por grupos e indivíduos que tentam impor seus próprios interesses sobre os outros, sendo que podem ou não irromper conflitos abertos nessa luta para obter vantagens" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 49). Em suma, os teóricos do conflito estão em busca de entender o surgimento e os mecanismos que mantém as justificativas produzidas pela ideologia sob funcionamento, encobrindo interesses de determinados grupos ou classes sociais. Entre os principais teóricos do conflito citados por Collins num quadro, temos: Hegel, Marx, Engels, Weber, Simmel, Mannheim, Lukács, Gramsci, Escola de Frankfurt, Neomarxistas, Neoweberianos etc.

A posição fundamental de Karl Marx. É impossível falar na tradição do conflito sem falar em Marx, um de seus maiores expoentes. Entendendo as implicações políticas do pensamento marxiano, Collins se resguarda afirmando que a sua intenção é compreender suas contribuições intelectuais e/ou teóricas que contribuíram para o entendimento sobre a dominação e o conflito. Porém, é impossível compreender Marx sem entender sua principal influência: o filósofo Georg Hegel. Hegel foi o primeiro pensador, depois de Heráclito, a fundamentar seu pensamento na ideia de conflito. Diferente de Immanuel Kant, que afirmava que a realidade nunca pode ser totalmente compreendida pois sua compreensão parte de ideias subjetivas, Hegel enxerga uma essência que compõe a realidade. A essência é o Espírito, que na verdade seria Deus. Sendo assim a realidade tem uma história que evolui de um grau inferior para um mais elevado. Combatendo o avanço da ciência em sua época, Hegel afirma que o conhecimento científico que valorizava excessivamente o mundo material, era apenas um estágio passageiro do desenvolvimento do Espírito. Essa alienação do Espírito seria superada no futuro através da autoconsciência dos seres humanos.

Como um jovem hegeliano, Marx recebe forte influência desse autor e junto com outros pensadores como David Strauss, Bruno Bauer e Ludwig Feuerbach, partilha de dois aspectos que perseguirão sua obra: o ateísmo e o materialismo. Com isso, "Numa época em que Hegel vinha sendo criticado por seus colegas, Marx defendeu Hegel como sendo superior a todos aqueles que vieram depois dele, precisamente por ter visto que a história tinha uma dinâmica de longo prazo, que se movia no decorrer de certos estágios inevitáveis, e não dependia de esquemas utópicos ou do pensamento desejoso dos indivíduos de cada época"(COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 49). Podemos elencar as influências de Hegel em Marx da seguinte forma: a) utiliza a visão hegeliana da existência de uma história humana dinâmica, de longo prazo, com estágios inevitáveis e independentes dos desejos subjetivos; b) utiliza a visão hegeliana de que os conflitos formam a força motriz da história, através do que conhecemos como dialética; c) esses conflitos que impulsionam a história detém uma lógica própria e nunca é aleatória.

Outra influência de Marx foi o Socialismo Utópico Francês que ele conheceu em Paris, após fugir da Prússia por questões políticas. Entre esses socialistas, Marx conheceu Charles Fourier e Robert Owen, se habituando aos ideais que pregavam a superação do capitalismo. Foi através desse contato que o materialismo marxiano ganhou um teor de classe, vinculada a uma crítica ao sistema capitalista. Por fim, Collins traz a contribuição da Economia Política Clássica em Marx. O principal conceito produzido pela Economia Clássica, foi a Teoria do Valor-Trabalho, pensada por David Ricardo. Segundo esse conceito, "a fonte de todo valor é a transformação do mundo natural mediante o trabalho humano. Essa teoria já implicava um elemento crítico, qual seja, a ideia de que o trabalhador é quem possui o direito à posse dos frutos de seu trabalho, e de que haveria exploração sempre que ele ou ela não o recebessem" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 54). Ricardo influenciou Marx também na sua visão sobre a propriedade, pois para ele os proprietários de terra divergem dos trabalhadores, restando a esses à venda de seu trabalho. E assim podemos resumir a forma como Marx utilizou essas influências:
Em resumo: o sistema de Marx repousa sobre o argumento de que o trabalho é a fonte não apenas do valor econômico, mas também do lucro. Num sistema de mercado puro, que opera conforme a relação entre oferta e demanda, tudo é cambiado segundo seu próprio valor. Portanto, surge o seguinte enigma: de tudo realmente vem o lucro? Marx responde: do trabalho, que é o único fator de produção do qual se pode obter mais do que se gasta para reproduzi-lo. Isso é, tecnicamente, a "exploração do trabalho", que significa que os trabalhadores trabalham mais do que o número de horas que são necessárias para reproduzir seu trabalho. Mas a competição capitalista impele as oficinas de manufatura a introduzir as máquinas, que economizam o trabalho, e que, por sua vez, são a causa de sua ruína. Dado que o lucro continua a advir da exploração do trabalho, na medida em que o trabalho é substituído por máquinas, a base do lucro se torna menor. O resultado disso, esquematicamente, é uma queda na taxa de lucro e uma série de crises nos negócios. Durante essas crises, o capital acaba sendo monopolizado, enquanto os capitalistas mais fracos acabam tendo que se tornar trabalhadores; simultaneamente, a capacidade produtiva excede continuadamente a demanda por consumo entre o crescente número de trabalhadores desempregados. Finalmente, ocorre uma grande disparidade entre as forças produtivas do sistema e as formas de propriedade legais do capitalismo. As superestruturas ideológicas e políticas caem por terra; a crise econômica é seguida pelo confronto entre as classes e pela revolução política (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 55).
Nesse trecho, podemos enxergar a influência hegeliana e ricardiana em Marx, assim como dos socialistas utópicos na crítica e consequente superação do capitalismo.

Friedrich Engels, o sociólogo à sombra. Nessa parte do texto, Collins busca tirar a figura do Engels como secundária, mostrando que foi através dele que o Marx entrou em contato com a Economia Clássica, assim como conseguiu adquirir o posto de Sociologia. Para ele, Engels se assemelhava mais a um sociólogo que Marx. Apesar disso, suas contribuições foram levadas para debaixo do tapete, inclusive, com contribuição dele próprio que aparentou querer que o nome de Marx tomasse à frente das novas ideias.

A Teoria das Classes Sociais. O conceito de classe social é muito caro a teoria marxiana, tendo centralidade na sua concepção de história. Para Marx e Engels, as classes sociais tem bases materiais que se configuram em natureza econômica, mas indo além dessa. Ela se define por articular vários processos da vida em sociedade como a economia, a política etc. Por exemplo, se o que define uma classe é sua posição econômica (ou seja, suas relações com a propriedade), quem define o estatuto da propriedade é o Estado (através do Direito) que se encontra no aspecto político da sociedade. Cada sociedade produz relações com a propriedade diferente e por isso constituem classes sociais diferenciadas. É por isso que o principal embate nas sociedades antigas, baseadas na escravidão, era entre os proprietários de escravos versus os escravos. Por não utilizar de uma visão mecânica dos conflitos sociais, a teoria marxiana também reivindica a existência de classes intermediárias como os artesãos e os plebeus em geral nas sociedades antigas. Essas classes intermediárias não são escravizadas, mas também não escraviza. E podem até protagonizar grandes conflitos.

Em suma, "As classes são os principais atores no palco da história. São as classes que protagonizam as lutas econômicas e políticas, que fazem alianças e que produzem transformações históricas. Cada classe tem sua própria cultura, seu próprio ponto de vista. Portanto, as ideias e as crenças de cada período histórico e de cada setor da sociedade são determinadas pelo posicionamento específico das classes" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 62-63). Marx e Engels não criaram o termo "classe social", pois esse já existia antes deles. Porém, sua grande contribuição foi formular uma teoria que focasse nas origens dessas classes, assim como a compreensão das consequências das alianças essas classes podem engendrar durante à história. Além do mais, eles buscaram analisar os interesses econômicos e políticos que essas classes (e suas alianças) obtém.

A Teoria da Ideologia. Passada a análise sobre o conceito de classe social, Collins chega a outro bastante caro ao pensamento marxiano: o conceito de ideologia. Para Marx e Engels, as ideias repousam em bases materiais. Mas não é uma simples mecânica da economia influenciando as ideias, como muitos imaginam. As ideias são formadas através de um conjunto de processos, incluindo os interesses econômicos. Sendo assim, eles afirmam que as ideias dominantes numa dada sociedade, sempre será as ideias da classe dominante. Pois é ela que, materialmente, detém as condições necessárias que exercem controle sobre os meios de produção mental. Segundo o autor:
Aqui estamos diante de suas noções bastante refinadas. Uma delas é a de que as classes sociais têm a propensão a ver o mundo de um modo particular. As ideias refletem seus interesses econômicos, bem como as condições sociais que circundam esses interesses. As ideias, enquanto ideologia, servem a um duplo propósito, pois, enquanto promovem uma exaltação de que as proclama, também atuam como um manto que faz com que seus interesses adquiram uma forma idealizada, conquistando deferência (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 64)
Ou seja, a ideologia detém interesses camuflados. Collins dá o exemplo da aristocracia feudal que se repousava na valorização da ideia de "honra", pois essa condizia com seus interesses naquele contexto de feudalismo. A honra implicava tanto bravura nos combates, necessária numa classe de cavalheiros, mas também implicava que essa honra provinha de determinadas famílias. No caso, as famílias ricas e de boa educação que recusavam comportamentos desviantes que agiam com base na obtenção de lucro, como faziam os artesãos e comerciantes. A burguesia também criou suas ideias como a famosa: liberdade, igualdade e fraternidade. No contexto de combate a aristocracia, esses ideais representavam uma superação do Absolutismo e a busca da formação de uma sociedade baseada no trabalho e na busca de ascensão de riqueza, sem o benefício da hereditariedade. Mas assim que conquistaram o poder político, logo trataram de tornar a ideia de igualdade uma visão abstrata que não abarcava os trabalhadores.

As relações entre as classes são movidas por códigos, transfiguradas em ideias, que não mostram verdadeiramente e/ou abertamente seus interesses. Em síntese, "As ideologias das classes mais elevadas sempre refletem seus interesses próprios, mas sempre de uma forma idealizada. Isso porque ela tem a capacidade de controlar os meios materiais que produzem as ideias" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 65). É o controle desses meios de produção mental que explica o porquê uma minoria (burguesia) consegue dominar uma maioria tão esmagadora (proletariado). Trata-se de uma dominação econômica e política tanto material quanto simbólica.

A Teoria do Conflito Político. A política não se distancia da economia, segundo Marx e Engels. Pelo contrário, ela garante a manutenção da dominação econômica através de mecanismos orquestrados pelo Estado. É essa instituição, por exemplo que define e regulamenta o que diferencia as classes sociais economicamente: a propriedade. Por isso que a classe dominante deve dar atenção a esfera política, garantindo sua dominação. Para Collins, a classe dominante no capitalismo não se preocupa com questões menores como corrupção, slogans nacionalistas ou coisas do tipo. Suas atenções estão voltadas para os bastidores e que regula ou define o sistema econômico de fato. São as relações entre o Tesouro e os bancos; os fundos da dívidia pública, as regulamentações e todo o aparato técnico que mantém sua dominação econômica. É nesse aspecto da política, chamada por Collins de política interna, que a classe dominante se debruça. E como eles conseguem dominar uma maioria só através dos bastidores? Diz Collins:
A classe dos proprietários domina politicamente porque possui mais meios de mobilização política. O próprio capitalismo é um sistema interconectado. As pessoas de negócio estão constantemente fazendo comércio entre si, observando os competidores, fazendo empréstimos, formando cartéis. A rede financeira e o próprio mercado são meios de comunicação que promovem uma intensa integração da classe capitalista. Por esse motivo, a classe empresarial, especialmente nos círculos financeiros mais elevados, é extremamente organizada. Essa classe possui uma rede à sua disposição, que pode ser usada facilmente para interferir na política quando ela quer que algo seja feito. As classes trabalhadoras, por outro lado, não possuem esses meios naturais de organização (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 70)
Além disso, a classe dominante detém o poder sobre as finanças que patrocinam e de que os governos dependem. Se esses governos vão de encontro aos interesses dessa classe, ela interfere criando uma crise econômica que faz ruir qualquer governo. Por conta disso, apenas um governo revolucionário pode tomar dessas classes o controle desse mecanismo.

A Teoria das Revoluções. A revolução é um acontecimento necessário para a superação do capitalismo, segundo Marx e Engels. Para eles, ela se configura num processo histórico contraditório onde há coalizões instáveis entre uma variedade de classes sociais. Historicamente, classes sociais mais baixas estiveram na linha de frente de revoluções, mas acabaram agindo de acordo com os interesses de outras classes. Foi assim com a pequena burguesia e o proletariado na Revolução Francesa que lutaram, mas acabaram pondo a burguesia no poder político. Isso acontece porque essas classes mais altas detém o poder das ideias, tendo então a capacidade de influenciar a ação de outras classes.

A Teoria da Estratificação Sexual. Mostrando sua admiração e respeito pela figura de Engels, o autor pontua a teoria histórica geral sobre a família feita pelo parceiro de Marx, que acabaram contribuindo para pesquisas posteriores sobre igualdade de gênero. Foi Engels que "afirmou que os direitos de acesso sexual eram apropriados e resguardados da mesma forma que os direitos de usufruto da propriedade econômica" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 75). Para ele, a história conta com uma espécie de "comunismo sexual" em sociedades tribais, onde o papel do homem e da mulher eram iguais. As diferenças entre os sexos surge concomitantemente ao desenvolvimento da propriedade privada. A transição de sociedades tribais para sociedades com estratificação social foi a razão determinante nessa desigualdade de gênero. Os estudos específicos sobre gênero só surgirão mais adiante, porém, Collins considera desses estudos iniciais de Engels como pioneiros ao vincular determinantes econômicos nas configurações familiares e consequente relações entre os sexos

Max Weber e a Teoria da Estratificação Multidimensional. As ideias de Weber são popularmente desassociadas da teoria marxiana. Porém, segundo Collins, a teoria weberiana apresenta mais similaridades com o pensamento marxiano do que antagonismo. A principal semelhança entre esses pensadores é que ambos preocupados em entender o capitalismo. Já a diferença é que, enquanto Marx estava preocupado em entender as leis econômicas desse sistema para a partir daí prever sua crise, Weber se debruçava sobre as origens motivacionais desse sistema. O principal questionamento de Weber na busca por essas origens, foi a seguinte: por que o capitalismo surgiu na Europa Ocidental e não em outras grandes civilizações como a China, Índia, Roma ou Islâmica? Logo, é a uma ideia motivacional que fundamenta as bases econômicas, invertendo a lógica marxiana.

Dito isso, Collins mostra duas interpretações unilaterais da teoria weberiana. A primeira é vinculada ao sociólogo norte-americano Talcott Parsons que enxergava à obra de Weber como idealista, tomando como base "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", publicado em 1904. Nessa obra, "Enquanto Marx considerava a religião como ideologia que refletia as classes econômicas, Weber parecia mostrar que o próprio capitalismo não havia sido produzido por forças econômicas, mas pela influência de ideias religiosas: a dedicação dos puritanos ao trabalho diminuía sua ansiedade em relação à sua salvação o que, segundo a doutrina teológica da predestinação, não era algo garantido a todos" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 79). Outra característica idealista de Weber é sua metodologia, baseada na compreensão, sob influência de Wilhelm Dilthey. Essa metodologia, "significa que não se deve explicar os processos sociais mediante a proposição de leis abstratas, mas é preciso penetrar no ponto de vista subjetivo do ator, para ver o mundo como ele ou ela o vê, de modo a compreender suas motivações" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 79). Se essa primeira interpretação faz Weber parecer um idealista aos moldes kantianos, a segunda tende a vinculá-lo a algo mais próximo de Hegel. Essa segunda interpretação, professada por autores como Jurgen Habermas, enxerga que o conceito de racionalização é o principal na obra de Weber. Esse conceito ao demostrar as três principais características do capitalismo (a economia racionalizada, a burocracia racionalizada e o Estado Moderno baseado numa autoridade racional-legal), mostra uma tendência geral de um sistema de âmbito mundial.

Mas para Collins, essas duas interpretações unilaterais são limitadas. Por isso ele considera a obra de Weber como multidimensional, pois ele buscou não ser um idealista radical, muito menos um materialista unidimensional. É por ser um autor multidimensional que Collins considera Weber parte da tradição do conflito, pois o conflito expressa a pluralidade dos diferentes grupos e interesses. Sua oposição a leis gerais que regulariam a sociedade e os processos históricos, pode levar a uma visão de que a sociologia weberiana não tem um caráter generalizante. Buscando uma saída, Weber criou o que conhecemos como tipos ideais. Ou seja, modelos conceituais abstratos que buscariam se aproximar da complexa realidade. Os principais tipos ideias weberianos são suas ideias de burocracia, classe e mercado.

Segundo intérpretes de Weber como Wright Mills e Hans Gerth, o entendimento de sua teoria sobre a estratificação social só se faz entendendo três termos principais: classe, status e partido. Para Weber os conflitos entre as diversas classes sociais se fundamentam na busca delas por um lugar de controle em um determinado mercado. As classes dominantes são aquelas que conseguem obter o monopólio sobre determinado setor do mercado, já as classes menos dominantes são aquelas que conseguem obter monopólios parciais ou nenhum monopólio. No caso da não obtenção de monopólio, os membros dessas classes se veem obrigados a competir no mercado aberto. O conceito de classe em Weber detém um sentido econômico, próximo dos ideais marxianos.

O segundo termo caro a sociologia weberiana é o de status. O status em Weber tem um sentido não econômico, se diferenciando do conceito de classe social ao mesmo tempo que a ele se une. Assim, "os grupos de status devem ser constituídos no interior do mundo da cultura" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 83). Estão vinculados com um estilo de vida e uma visão de mundo que ultrapassa o cálculo econômico. Apesar disso, o status se encontra filiado ao conceito de classe, isso porque se a classe busca a obtenção de monopólios em setores do mercado, esses só serão garantidos por grupos sociais organizados. Essa organização é oriunda de delimitações que esses grupos fazem ao seu redor, ou seja, quando assumem uma autoconsciência chamada de status. Sobre essa ligação classe/status, afirma Collins:
O elemento ideológico ou cultural é considerado absolutamente necessário para que um grupo se torne mais do que um mero grupo de pessoas com a mesma posição econômica, para que se torne uma verdadeira comunidade social. Mais do que isso, ele considera que o grupo de status tem impacto direto sobre a situação econômica: é somente desse modo que um grupo se torna poderoso o bastante para monopolizar a parte do mercado que deseja, em vez de simplesmente competir em condições de igualdade no âmbito de determinado segmento. A organização de grupos de status é uma arma econômica (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 83-84).
Randall frisa que a reprodução do status não se desvincula do fator econômico, pois é dele que advém os recursos necessários que os fazem converter capital econômico em social. Logo, o status visa encobrir o fator econômico que se encontra por trás dos grupos sociais e "Isso é particularmente verdade, porque um grupo dominante que se organizou enquanto um grupo de status sempre idealiza a si mesmo e afirma ser diferente dos demais não em virtude de sua riqueza ou poder, mas de sua nobreza, de sua honra, de sua polidez e de seu gosto artístico, de suas habilidades técnicas, ou qualquer que seja a ideologia de status em questão" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 84).

Finalmente, chegamos ao último termo caro a teoria weberiana: os partidos. A noção de partidos em Weber não se limita a instituição dos partidos políticos que conhecemos hoje, apesar de também inseri-los.  Também são políticos, figuras que agem por interesses próprios e que por isso não podem ser limitados a uma luta entre as classes econômicos ou grupos de status. O que une essas facções políticas é seu habitat: o Estado, vista por Weber como "a casa do poder". No Estado, os políticos e os partidos políticos no geral buscam o poder e a riqueza de sua figura e/ou organização. A principal tarefa do Estado é fazer com que os habitantes de um país se sintam parte de um mesmo grupo de status, a nação. Para isso utilizam de diferentes tipos de legitimidade (a tradicional, racional-legal e carismática).

O século XX articula ideias marxianas e weberianas. Weber é considerado por Collins como o fundador da tradição do conflito moderna, pois diferente de Marx e Engels, ele produz uma obra que se diz estritamente sociológica. No século XX, existiram autores que receberam influência dessas duas formas de encarar o conflito, construindo a partir daí suas próprias ideias. Os principais representantes dessa mistura são os teóricos ligados a Escola de Frankfurt, entre eles: Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse.

Organizações como lutas pelo poder. Outros teóricos também receberam influência weberiana para produzirem sobre o conflito. O primeiro desse grupo citado por Collins é o sociólogo alemão Karl Mannheim, talvez o que mais recebeu influência de Weber entre os que estavam presente em Frankfurt. Mannheim pensou em dois tipos de racionalidade (conceito weberiano): a) a racionalidade substantiva, quando os seres humanos passam a valorizar determinados fins racionais, exaltando as bases científicas e profissionalizadas da sociedade; b) a racionalidade funcional, vinculada as organizações burocráticas e que se reproduz no cumprimento estrito de regras e regulamentações que visam sempre uma maior eficiência. Mannheim observa uma contradição entre essas racionalidades, pois "O tipo de racionalidade formal tende sempre a minar a racionalidade substantiva. Na medida em que nos tornamos mais esclarecidos e especializados cientificamente, incorporamos nosso conhecimento a organizações que já não permitem pensar em um modo humano. A organização desenvolve certa inércia, move-se sozinha e escapa ao controle humano" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 88).

Já Hans Gerth e Wright Mills foram os que levaram a visão de um Weber vinculado a tradição do conflito nos EUA, país onde a interpretação parsoniana era então dominante. Utilizando as ferramentas teóricas de Mannheim, e consequentemente de Weber, Mills afirma que três organizações burocráticas teriam o controle sobre a sociedade norte-americana, que por sua vez não estava a mercê de decisões individuais. Para Mills, "Essas organizações eram o universo das corporações empresariais, a burocracia militar do Pentágono e os burocratas do governo federal", com isso, "podemos ver aqui um tema weberiano: os capitalistas de Marx estão presentes, mas são apenas parte de uma ampla concatenação de grupos de poder, nas quais o Estado (segundo Weber, a esfera dos partidos, que são os habitantes do poder) é representado de forma importante" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 90).

Outro que vai enxergar as organizações como espaço de lutas pelo poder é Robert Michels, tendo cada organização uma espécie de luta de classes em seu seio. Com isso, "Assim como as classes superiores do sistema capitalista têm muito mais capacidade de dominação do que as classes inferiores, a elite das organizações também é capaz de impor seus interesses, a despeito do fato de ser menos numerosa do que o restante dos membros, precisamente por ser mais mobilizada", em suma, "A organização deve ser concebida como um ambiente político no qual são travadas lutas pelo controle dos meios materiais de administração" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 92). Os líderes querem manter sua dominação sobre a organização, sendo necessária a sobrevivência desta, não importando o quanto essa instituição venha a fugir dos seus princípios constituídos inicialmente. Em resumo, a luta pela dominação não se dá apenas entre as classes sociais, mas também ocorrem dentro das organizações.

Classe, cultura de classe e desigualdade: os teóricos do conflito. A partir dos anos de 1940, um conjunto de teóricos do conflito começaram a flexibilizar o modelo do conceito de classe com base em pesquisas empíricas. Esses autores produziram no sentido de eliminar as antigos e rígidos limites construídos entre as classes, visando mais a análise sob suas diferenças subjetivas e culturais do que econômicas. Outra preocupação desses teóricos estão na questão da mobilidade social, ou seja, entender como o pertencimento a uma determinada classe social não é algo permanente, principalmente quando tratamos de diferentes gerações. Para o sociólogo alemão Ralf Dahrendorf, "A principal linha de divisão entre as classes seria entre grupos de poder, entre aqueles que dão ordens e aqueles que obedecem. Em alguns casos, a propriedade pode ser a base do poder: nesse caso, as classes de poder coincidem com as classes econômicas" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 95).

Mas Dahrendorf busca ir além dessa perspectiva da propriedade, visando compreender o lado subjetivo e individual daquele que pensa e age de acordo com sua posição de classe. Isso acaba caindo em assuntos da Psicologia Social, pois questiona-se: o que significa dar ordens ou receber ordens? Como uma ou outra ação pode afetar as consciências? Vejamos então uma completa modificação de tratar os conflitos. Outro a pensar uma forma diferente o conflito foi Gerhard Lenski. Buscando responder as condições que determinam o grau de desigualdade econômica, Lenski chega a conclusão de que o excedente econômico é distribuído de acordo com o tipo de organização do poder. Os maiores níveis de desigualdade se encontram em lugares onde o poder está mais concentrado. As sociedades agrárias são os maiores exemplos desses altos níveis de concentração. Já as sociedades industriais, ocorreu uma melhora na distribuição de riqueza, graças as mudanças que deram as massas maiores participações. Nos países capitalistas, as classes médias foram as mais beneficiadas com essas medidas. Já nos países socialistas, os níveis de desigualdade reduziram-se ainda mais. Com isso, "As desigualdades que ainda existem nos países socialistas não se devem à propriedade econômica, mas à concentração de poder na hierarquia dos partidos oficiais" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 96).

Mobilização de classe e conceito político. Seguindo as descrições de sociólogos do conflito, Collins chega naqueles que debateram sobre as mobilizações de classe. Seymour Martin Lipset, enxerga a ligação entre classe social e política através das eleições em que ele chama de "luta de classe democrática". Outros teóricos citados, são: Barrington Moore, Craig Calhoun e Immanuel Wallerstein.

A era de ouro da sociologia histórica. E mais teóricos do conflito são citado por Collins: Perry Anderson, Robert Wuthnow, Theda Skocpol e Jack Goldstone.

Apêndice - Simmel, Coser e os funcionalistas do conflito. Por fim, o autor chega em Georg Simmel e Lewis Coser. Coser "tentou mostrar que o conflito pode ser incorporado na perspectiva do funcionalismo, como um outro importante elemento da ordem social" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 96), pois ajuda a estabelecer os limites de um grupo tornando-os mais coesos. Ele foi influenciado por Simmel e foi dele (junto com outros sociólogos como Reinhard Bendix e Kurt Wolfgang) que trouxe esse autor para o campo da tradição do conflito. Preocupado com a valorização do individualismo e com seus ideais antissocialitas, Simmel fez reflexões sociológicas que são duramente criticadas por Collins. Talvez sua reprodução de preconceitos, falta de estudos empíricos mais profundos e obsessão pela refutação dos teóricos socialistas tornou Simmel um teórico mais polêmico do que construtor de inovações.

02) A tradição racional-utilitarista - Antes de mostrar a influência dessa tradição na Sociologia, Collins traça sua história que remonta do Século XVIII. Foi no Século XVIII e boa parte do XIX que essa tradição surgiu e se desenvolveu, sob o nome de Utilitarismo. A Filosofia Inglesa foi o berço do Utilitarismo, desenvolvendo-se lado a lado com a Economia. Porém, em fins do Século XIX à força desses utilitaristas sofre uma redução, caindo à tradição em franco declínio. Seu ressurgimento ocorreu no Século XX, nos anos de 1950, sob o nome de "Teoria da Troca". Foi a partir dessa fase que a tradição utilitarista se encontrou com a produção sociológica. Por volta das décadas de 1970 e 1980, a tradição entra numa nova fase conhecida como "Teoria da Escolha Racional", embora também seja conhecida como "Teoria da Ação Racional" ou até "Teoria da Escolha Pública". Para englobar as diversas fases dessa tradição, Collins usa o termo "Tradição Racional-Utilitarista".

A Tradição Racional-Utilitarista não é produto direto do desenvolvimento da Sociologia. Ela esteve presente no desenvolvimento de outras Ciências Sociais, principalmente, a Economia. Porém, suas reflexões sobre a lógica operacional da escolha racional dos indivíduos acabou invadindo outras áreas como a Ciência Política e a própria Sociologia. Trazendo essa tradição para a Sociologia, Collins enxerga nela uma semelhança com a Teoria do Conflito. Essa similaridade seria vista na "forma ainda mais pragmática de olhar os indivíduos que perseguem seus próprios interesses e calculam suas vantagens; o mundo material, os ganhos financeiros e custos físicos aparecem com mais destaque nesse cenário" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 109). Entretanto, existe uma brutal diferença entre essas duas tradições. Isso porque os racionais-utilitaristas não se preocupam com questões referentes a desigualdade social, pois tendem a enxergar as trocas entre os indivíduos sob a existência de uma justiça e igualdade. Nossas relações são mediadas por uma espécie de "mão invisível" do mercado que regula e otimiza nossos comportamentos.

Apesar disso, Collins assume a existência de uma parte dessa tradição que se mostra mais crítica às instituições sociais. Porém, se apresenta como uma crítica liberal ou conservadora, diferente dos posicionamentos à esquerda encontrados em teóricos do conflito. A visão geral dessa tradição sobre a sociedade moderna, pode ser assim resumida:
Os utilitaristas criaram a controvérsia que ficou conhecida como questão micro-macro: isto é, eles veem a sociedade como uma reunião das ações dos indivíduos no nível micro, oposta à imagem da sociedade como uma entidade ou estrutura macro, que paira acima dos indivíduos. Os utilitaristas também são hostis em relação às explicações que recorrem a conceitos tais como os de cultura para explicarem como as pessoas agem; em vez disso, querem compreender por que os indivíduos agem de determinada maneira, pautados por seu autointeresse (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 110)
Surgimento e o declínio da filosofia utilitarista. À busca é pelas origens do pensamento utilitarista. E o pensador tratado como fundador desse pensamento é o filósofo inglês John Locke, expoente da Revolução Gloriosa que implantou uma monarquia parlamentarista na Inglaterra. O ponto de partida da teoria lockeana é o indivíduo racional. Esse indivíduo contém direitos inalienáveis, como: direito à vida, a liberdade e a propriedade privada. O ação do Estado (criado pelos indivíduos através de um contrato social) é mínima e deve se limitar na proteção desses direitos naturais. O trabalho individual e a propriedade exercem influência central na sociedade, tendo o Estado e a religião um papel secundário. A forma secundária de lidar com a religião, fez Locke ser defensor da tolerância religiosa, enxergando a crença como algo individual e não impositiva.

Fundador do Empirismo, Locke rejeitava a ideia da existência de ideias inatas. Para ele, as ideias provém da experiência individual que esse indivíduo obtém com o mundo material. Sendo assim, "Cada pessoa constrói suas próprias ideias como um resultado de suas próprias sensações; cada um experimenta o mundo material e, por associação, as sensações constroem um quadro daquilo que existe" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 111). Em suma, o pensamento lockeano imagina que as ideias dos indivíduos racionais são formadas através de suas experiências, rejeitando ideias que não tem essa origem.

O Empirismo de Locke foi questionado por pensadores como David Hume, outro filósofo inglês. O principal questionamento ao analisar a obra de Locke, era: como explicar a forte presença de ideias não racionais, como as ideias religiosas que incentivavam guerras santas, em um ser humano pensado como dotado de razão? São essas e outras reflexões que teóricos como Hume buscaram superar. Para ele, "se os indivíduos agem de determinadas maneiras, é em virtude de suas experiências habituais, não porque é racional acreditar naquilo que acreditam. Hume abre o caminho para explicar por que os indivíduos aceitam as instituições, mesmo quando estas não os beneficiam ou não estão de acordo com qualquer tipo de interesse racional; se as instituições permanecem durante um longo tempo, o indivíduo acostuma-se a elas" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 113).

A ideia de moral dos utilitaristas terá forte influência em um pensador posterior a Hume, o economista escocês Adam Smith. Foi ele que demonstrou o seguinte: aquilo que chamamos de bom é aquilo que nos dar prazer, enquanto que chamamos de mau aquilo que nos causa dor. Dito isso, questiona-se: mas existe uma moralidade que transcenda os interesses pessoais? Para Smith, sim. Isso porque cada um de nós temos a capacidade de se imaginar no lugar do outro, entendendo suas dores e prazeres. Sendo assim, os interesses individuais de uma pessoa tendem a não entrar em atrito com os interesses de outras. Propondo a não intervenção estatal na economia, Smith acreditava que a busca pelos interesses individuais, acabam beneficiando a sociedade como um todo.

É a conhecida doutrina do laissez-faire que servirá de influência para os teóricos dessa tradição. Os prazeres e as dores dos indivíduos serão convertidos na atividade econômica, acarretando na busca individual pela maximização dos retornos (em outras palavras, a busca pelo lucro a partir do que foi investido). Numa sociedade livre e sem intervenção do Estado na Economia, as leis de oferta e demanda garantem que os bens produzidos sejam de qualidade e de baixos preços. Qualquer um que tentar aumentar os preços dos produtos ou reduzir sua qualidade, será logo ultrapassado por concorrentes. Essa saudável competição gera alta produtividade, qualidade nessa produção e gera produtos de baixos preços. A "mão invisível" do mercado, formada pelos indivíduos em busca do lucro, contribui para o melhor funcionamento da sociedade. Esse modelo econômico, conhecido como Liberalismo, exercerá influência na produção teórica dos racionais-utilitaristas. E foi sob o sucesso do Liberalismo que o Utilitarismo ganhou seu auge na vida intelectual européia.

As ideias morais de Smith, baseadas na capacidade humana de se colocar no lugar do outro, é vista de forma clara pelo filósofo inglês Jeremy Bentham que esteve preocupado em reformar o direito criminal da Inglaterra. Objetivando acabar com punições cruéis, Bentham propõe um código legal baseado numa punição proporcional ao crime cometido. Seu lema era garantir "o maior bem para o maior número". Assim sendo, "No fundamento do pensamento de Bentham encontramos uma tradição bastante consolidada, que afirma que os indivíduos são capazes de experimentar simpatia, de colocar a si mesmos no lugar de outras pessoas e calcular os prazeres e dores como se fossem os seus" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 115). Além de Bentham, outro filósofo contribuiu no período de expansão do Utilitarismo, o também inglês John Stuart Mill que advogou os princípios da liberdade de expressão e foi um defensor dos direitos das mulheres.

Porém, em fins do Século XIX o Utilitarismo entrou em declínio. Primeiro por conta do seu próprio sucesso: a maioria das reivindicações dos pensadores utilitaristas foram atendidas e vigoravam na Europa. O lema do laissez-faire predominava no mundo econômico e social. Outro motivo desse declínio mencionado por Collins foi o desenvolvimento da Economia, forte aliada dos utilitaristas. Bem desenvolvida, essa área ganhava autonomia própria e cada vez mais se afastava da Filosofia que outrora serviu-lhe de base. Críticas a prática utilitarista de tentar mensurar numericamente sentimentos como o prazer e a dor ou a ideia de bem ou de mal, foram cruciais para o desuso desse pensamento.

Trazendo o individualismo novamente à cena. Após um longo período em descrédito, a Teoria Racional-Utilitarista volta à cena nos anos de 1950 do Século XX. O principal nome dessa volta é George Homans que construiu sua teoria visando se opor ao Estrutural-Funcionalismo de Talcott Parsons. Visando dar autonomia ao indivíduo, então ocultado dentro dos sistemas sociais abstratos e generalizados da teoria parsoniana, Homans cria a chamada "Lei de Homan". Essa lei é baseada na seguinte lógica:
Seu principio mais importante, conhecido como "A Lei de Homan", estabelece que quanto mais indivíduos interagem, tanto mais se tornam parecidos e tendem a conformar-se a um padrão comum. Em outras palavras, se determinado grupo de pessoas é reunido de modo a ter que interagir - trabalhando em um mesmo lugar, vivendo no mesmo bairro ou vila -, elas começam a formar um grupo coeso; elas desenvolvem uma cultura de grupo que não existia anteriormente, e inculca seus padrões sobre cada indivíduo (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 118)
Porém, a Lei de Homan tem uma pré-condição: ela só se aplica em grupos onde prevalece uma situação de igualdade. A relação entre patrão e empregado, logo, não pode ter aplicação nessa lei, pois nessa interação existe uma posição de autoridade desigual. É por conta dessa pré-condição que os indivíduos tendem a não aceitar interações em que não aja recompensas para ele. Numa relação patrão e empregado, por exemplo, não existe recompensas para os dois lados pois um se encontra acima do outro. Em suma, os grupos em Homans intercambiam recompensas, são formados justamente na espera dessas e com isso "as pessoas pautam suas interações conforme as condições que garantem as melhores recompensas" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 119). O líder de um grupo é aquele que mais consegue interagir com os membros, recebendo e oferecendo recompensas nessas interações. A intensidade dessas recompensas dadas e recebidas, faz ele receber do próprio grupo uma recompensa extra: o prestígio de líder.

A teoria de Homans ficou conhecida como Teoria da Troca, ao focar nos processos mediante os indivíduos fazem trocas entre si. Radical, ele defende que os sistemas sociais são abstrações inexistentes. Na realidade apenas os indivíduos fazem algo, trocando interações. A Sociologia em Homans é apenas uma aplicação dos princípios da Psicologia.

Outro representante da Teoria da Troca foi Peter Blau. Ele desenvolveu uma análise que mostrava a presença de trocas em diferentes relações sociais. O exemplo disso é numa conversa onde duas pessoas são apresentadas. Após a apresentação, cada uma delas busca "vender seu peixe", gabando-se da sua vida pessoal e/ou profissional. Nessa primeira interação, o indivíduo busca valorizar seu valor no mercado das conversas e amizades. Num outro momento, esse indivíduo começa a se colocar como uma pessoa comum, de fácil convivência. Nessa segunda interação, ele visa reduzir seu valor, pois se elevar esse valor, corre o risco da outra pessoa não ter condições de pagar o preço, acarretando em um afastamento. Sendo isso, é reduzindo seu próprio valor que o indivíduo equilibra a relação, tornando-a equilibrada. Mas o que ocorre em trocas não igualitárias, onde o equilíbrio não foi encontrado? Diz Collins,
O resultado será o de que as duas pessoas chegarão à conclusão de que não podem interagir e afastar-se-ão dessa relação; no caso de manterem a relação, esta será marcada pela dominação de uma pessoa sobre a outra. Blau analisa os casos amorosos como relações que frequentemente se enquadram nesse segundo tipo. Quem terá maior poder nessa relação? A pessoa que estiver menos apaixonada, porque será este o que estará mais disposto a fazer movimentos que indicam uma disposição a abandonar a relação, enquanto aquele que estiver mais apaixonado fará de tudo para manter a relação. Isso é chamado de "princípio do menor interesse" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 120)
Como podemos perceber, a Teoria da Troca tem uma certa preocupação com o fenômeno do poder. Isso faz que com que seja influenciada pelo Utilitarismo, mas caminhe com as próprias pernas. Isso porque a preocupação com questões como poder e desigualdade é pequena na teoria utilitarista. Apesar disso, os teóricos da troca não se interessam em pesquisar as origens dessa dominação. Eles preferem seguir a seguinte linha de raciocínio: a diferença existente entre patrão e trabalhador se dar pela expertise do primeiro. O fato dele ter mais dinheiro não entra em voga.

A Sociologia descobre o mercado de casamento e o mercado sexual. A Teoria da Troca se desenvolve ainda mais, visando a análise de diversos mercados sociais. É com o intuito de expandir suas reflexões que os teóricos da troca chegam em mercados como o sexual. Um dos primeiros a analisar esse mercado foi o sociólogo Willard Wallter, nos anos de 1930. Fazendo seu trabalho de campo em escolas de nível médio, Wallter chama a atenção para um "complexo de classificação de encontros" entre os jovens. Esses jovens se situam nesse mercado de namoros e/ou encontros com base em seus recursos. As meninas mais populares, sabem que recebem muitos convites; os meninos populares, sabem que dificilmente seus convites serão rejeitados e os jovens menos populares nunca sabem se terão ou não um parceiro. Nessas condições, os adolescentes são classificados nesse mercado com base em recursos, sendo: aparência física, personalidade, dinheiro, habilidades sociais etc. Esses recursos devem ser movidos para conquistar pessoas. Apesar dos jovens terem variados recursos, uma coisa nos une: a necessidade de fazer escolhas estratégicas. Alguns possuem muitas alternativas, logo, precisam eliminar algumas; enquanto outros possuem poucas alternativas, tornando dura sua missão. Esse mercado de namoro seria, para Wallter, uma preliminar do mercado de casamentos.

O mercado de casamentos começa a ser estudado através de reflexões do tipo: por que as pessoas tendem a casar-se com pessoas da mesma classe social, mesmo na diferenciada e complexa sociedade moderna? Essa situação existia na realidade, gerando uma espécie de endogamia de classe. Outra reflexão desses teóricos foi o estudo das desigualdades existentes no casamento e das relações de poder nele contido. Para esses pesquisadores, o domínio do marido ou da esposa no casamento tinha origem na quantidade de dinheiro que cada um dispunha. Uma esposa desempregada e com filhos, tende a ser mais submissa ao marido que uma empregada e sem filhos. Foram por conta de estudos desse gênero que o movimento feminista pôde questionar o casamento, entrando esse em declínio. Apesar disso, diversas críticas do próprio movimento feminista foram desenvolvidas, por conta da forma desumana que esses pesquisadores tratavam as relações sociais. A frieza das análises era vista como característica de obras feitas por homens. Visando se defender dessas críticas, fala Collins:
A teoria da troca não prevê que os casamentos serão sempre dominados por homens, ou que o processo de encontrar parceiros no amor será sempre inevitavelmente uma iniciativa masculina. O que a teoria diz é que o poder advém da desigualdade entre os recursos da troca, e que cada lado desenvolve sua própria maneira de negociar, conforme o tipo de recurso que possui. A teoria da troca prevê com clareza que quem quer que seja que possua mais recursos econômicos, sempre estará apto a dominar o mercado do casamento, e terá mais poder em casa (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 124)
As mudanças no comportamento sexual, realizadas a partir da década de 1960, só foi possível graças a presença feminina no mercado de trabalho, conquistando recursos econômicos. A igualdade entre homens e mulheres será realizada quando a riqueza de ambos estiverem em pé de igualdade. Sendo assim, "a teoria da troca não toma como pressuposto que existam grupos cuja cultura permaneceu invariável ao longo de toda história, ou que independem das circunstâncias sociais. Ao contrário, essa teoria mostra como as culturas emergem a partir de determinadas situações de troca que ocorrem em determinada época; dado que essas estruturas de troca mudam, a teoria afirma que as culturas também mudam, em conformidade com elas" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 126).

Essa teoria servem bastante para entendermos a ideia popular de ponto de vista feminino ou masculino. Para Arlie Hochschild os homens não são mais calculistas que às mulheres, apesar de se encontrarem com mais recursos econômicos. Pelo contrário, sua sólida situação financeira os fazem escolher suas parceiras estritamente por suas qualidades (leia-se atrativos físicos ou personalidade). Isso torna os homens mais propensos as emoções. Enquanto que as mulheres são "especialistas no amor", mas não porque são mais sentimentais, sim porque conversam mais sobre seus potenciais parceiros com amigas. A expressão de sentimentos por parte das mulheres é racional, pois lidando com as emoções elas conseguem melhor controlá-los.

Em suma, "A cultura da emoção feminina e a masculina são moldadas conforme o alinhamento dos recursos, especialmente nas negociações do mercado de casamento de determinado período da história. A teoria da troca também poderia prever que, se os recursos desse mercado forem transformados, aquilo que consideramos como cultura masculina e feminina sofrerá uma transformação" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 127).

Três aplicações da Sociologia do Mercado: inflação educacional, mercado de trabalho cindido e bens ilegais. Quando os sociólogos falam em um mercado, como o de casamento, por exemplo, eles se distinguem da visão de mercado pensada pelos economistas. Isso porque,
O economista preocupa-se com um sumário quantitativo das coisas que serão produzidas para serem trocadas, enquanto os modelos sociológicos de mercado se preocupam com os padrões da estrutura social que constituem as próprias trocas. Além disso, enquanto a teoria econômica tende a idealizar um sistema de troca igualitária, a Sociologia enfoca as desigualdades produzidas ou reproduzidas pelas trocas (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 127).
Collins traz três exemplos de mercados sociais, analisados pela Sociologia. São esses: a educação, o mercado de trabalho e o mundo do crime. Comecemos pelo exemplo da educação.

O mercado educacional enfrenta um paradoxo: apesar do seu alcance maximizado durante o Século XX, as taxas de mobilidade social permaneceram as mesmas. A esperança de que o acesso à educação, tornaria a sociedade mais igualitária, não vem ocorrendo na prática. Para alguns sociólogos, a educação é como um grande mercado. Nas escolas adquirimos capital cultural e um diploma que significa uma credencial na busca por um emprego, mas não a garantia do emprego em si. Logo, "O valor da cultura educacional, ou dos diplomas, é como o dinheiro. Quanto mais dinheiro está em circulação, menos se pode comprar com uma mesma quantia de dinheiro, porque o aumento da oferta de dinheiro faz os preços subirem" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 128). Existe, então, uma inflação educacional. Por exemplo, um diploma de ensino médio era muito valioso por volta dos anos de 1920. Com a expansão do ensino secundário, esse diploma foi popularizado e já nos anos de 1960 não representava grande serventia. Então, o diploma do ensino superior começou a ganhar importância. Mas essa importância vem caindo nos últimos anos, por conta da crescente expansão do ensino superior. Inflacionado esse mercado, o que passa a ganhar importância são as pós-graduações. Afirma Collins que já é possível prever, num futuro próximo, que esses diplomas de pós-graduações também terão seu prazo de validade vencido. Como podemos perceber, a análise sociológica se debruça pela criação e reprodução da desigualdade, perspectiva bem diferente daquela pensada pelos economistas.

Vamos agora à análise sobre o mercado de trabalho. Segundo a Economia Clássica, o mercado é um espaço competitivo em que prevalece a igualdade entre os competidores. No longo prazo, não existiria lucro, pois aqueles que cobrassem um preço alto em seus produtos, logo seriam derrubados pela concorrência que tenderia a baixar o preço. Se fomos deslocar essa lógica para o mercado de trabalho, teríamos a seguinte dinâmica: as pessoas que trabalham em ocupações de baixo salário, logo, tenderiam a procurar ocupações com melhores salários. Para melhor exemplificar essa lógica, Collins utiliza o exemplo do médico e do gari. Os médicos ganham mais que os garis e se não fossem as barreiras para conseguir um diploma de médico, certamente os garis tenderiam a procurar a Medicina. Com a superlotação dos diplomas médicos, os salários desses profissionais acabariam por reduzir-se, sendo equiparados a profissões de nível médio. Porém, isso simplesmente não ocorre na realidade, pois existem diversas barreiras para que um indivíduo possa se tornar médico.

Se essa tal sociedade, com um mercado de trabalho igualitário, realmente existisse, seriam as profissões menos atraentes (no sentido de condições de trabalho e prestígio social) que teriam os melhores salários. Rumando todos para as profissões prestigiosas, como a prática médica, os salários dessas ocupações cairiam. E a escassez naquelas profissões menos atraentes, iriam torná-las em ocupações com os melhores salários. Em suma, "são as barreiras que impedem pessoas de diferentes ocupações de competir pelos mesmos empregos; as barreiras são as responsáveis pela desigualdade. Se um mercado absolutamente aberto é sinônimo de igualdade, um mercado fechado, separado por barreiras, é fonte de desigualdade" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 130).

Essa relação entre trabalho e desigualdade, exerce bastante influência sobre a Teoria do Mercado Cindido. O que diz essa teoria? No mercado de trabalho cindido, existem duas configurações de trabalho: 01) marcada por condições precárias, com longas jornadas de trabalho e baixos salários; 02) marcada por boas condições de trabalho, com segurança, salário alto, jornada razoável e pagamento de horas extras. Na primeira configuração, existe uma ausência de instituições como sindicatos ou associações profissionais, sendo atividades marcadas pela suscetibilidade às pressões do mercado. Também são atividades com um alto nível de concorrência, pois é bastante fácil ocupar esses empregos, criando um excesso de contingente que não gera outra coisa a não ser redução salarial. Já na segunda configuração, temos o inverso. São empregos ligados as grandes fábricas, tendo uma forte atuação sindical. Os trabalhadores nessas atividades detém uma maior estabilidade, recebendo proteção de sindicatos e associações profissionais. É considerado como um setor monopolista da economia, pois um punhado de empresas controlam grande parte dos negócios.

Tendo em vista esse cenário bipolar no mundo do trabalho, questiona-se: por que há trabalhadores que buscam empregos nas atividades da primeira configuração descrita acima, mesmo diante de sua vulnerabilidade? A socióloga norte-americana Edna Bonacich responde a esse questionando, afirmando que essas atividades de vulnerabilidade tem um forte teor étnico. Ou seja, quem as ocupa são imigrantes de diversas regiões do globo (América Latina, Sudeste Asiático, Oriente Médio, África etc) ou negros norte-americanos. Logo, "A teoria de Bonacich é a de que as populações étnicas só conquistam sua identidade quando são migrantes. Isso significa que, se uma pessoa vem de um país pobre, ele estará mais disposto a aceitar emprego com um salário relativamente menor do que alguém que está acostumado a padrões de vida mais elevados" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 131). Com essa teoria, Bonacich afirma que a discriminação étnica não diz respeito somente a diferença com a cor da pele, mas também existe um conflito econômico que aloca esses indivíduos nesse mercado de trabalho cindido. Essa teoria muda o teor costumeiramente positivo dos utilitaristas clássicos, pois em vez de exaltar as virtudes do livre mercado, vem mostrá-lo como fonte reprodutora de desigualdades.

O terceiro e último exemplo da Sociologia do Mercado é o referente ao mundo do crime. O argumento base desses teóricos se fundamenta no seguinte: a existência de leis proibitivas aumentam, em vez de reduzir, as atividades criminosas. Como? A lógica é a seguinte, afirma Collins:
Os cientistas sociais, utilizando conceitos econômicos, apontaram que o preço de um bem legal é determinado, assim como qualquer outro bem, pela oferta e demanda. Uma sanção penal muito severa tende a restringir a oferta, mas a demanda por esses bens ilegais parece relativamente inelástica. Com a diminuição da oferta, o preço desses bens de consumo ilegais tende a subir (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 132).
O resultado disso é que os traficantes conseguem obter altas taxas de lucro. E mesmo sob o constante risco de ser preso, o mercado nunca se imobiliza. Pelo contrário, mais e mais vendedores continuam surgindo no lugar daqueles que foram presos. As leis proibicionistas acabam tendo um efeito reverso, pois apesar de representarem uma ameaça individual aos traficantes, acabam contribuindo estruturalmente para suas elevadas taxas de lucro num mercado pouco competitivo (por ser ilegal).

Além disso, as leis proibitivas acabam contribuindo para o aumento da violência. Isso porque a violência, quando o assunto são bens ilegais, é o caminho usado na luta pelo estabelecimento de um monopólio. É impensável que em negócios legais um concorrente utilize à violência como forma de eliminar seu rival no mercado. Mas em negócios ilegais, não protegidos pelo Estado, o uso da força física é o único caminho de ultrapassar a concorrência e galgar espaço no mercado. "Portanto, a violência das gangues não é um fenômeno meramente emocional ou irracional; ela corresponde a interesses racionais envolvidos na constituição e na proteção de um mercado de bens ilegais" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 134).

Além de contribuir estruturalmente para as altas taxas de lucro dos traficantes e alimentar à violência física entre as gangues; as leis proibitivas também exercem influência sobre os usuários. Esses, tendo que pagar sempre mais para sustentar seus vícios, acabam caindo no "desvio secundário", ou seja, práticas ilícitas como furtos e assaltos como fonte conseguir dinheiro. Em suma, a proibição de produtos ilegais acabam formando um círculo vicioso que contribui para o fortalecimento do crime e não seu enfraquecimento. Encerrando a reflexão sobre essa Sociologia do Mercado, afirma o autor:
Em todos os três casos que acabamos de discutir - a inflação educacional, os mercados de trabalho cindidos e os bens ilegais - os interesses racionais dos indivíduos conduzem a desigualdades sociais e a outros tipos de consequências indesejadas (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 134)
Em todos esses exemplos, as ações racionais individuais, acabam trazendo consequências negativas para o coletivo. Foi a partir dessas reflexões e questionamentos sobre o real alcance das ações individuais que a tradição racional-utilitarista passou a questionar a própria ideia de racionalidade existente entre eles, dando palco para novas produções.

Os paradoxos e os limites da racionalidade. Existem dois tipos de paradoxos que a teoria racional-utilitarista começou a procurar resolver. O primeiro relativo aos limites das decisões individuais e o segundo trata da questão sobre como esses indivíduos racionais podem se formar enquanto grupos.

O primeiro paradoxo foi intitulado de Paradoxo da Racionalidade Limitada que deu origem a linha neorracionalista. O que está em análise nesse paradoxo é a capacidade de um indivíduo em ser racional em suas ações. As reflexões que deram origem a esse paradoxo foram feitas por Herbert Simon em estudos sobre empresas, focando na figura do gerente. O gerente precisa lidar com uma variedade de informações e atribuições. Essas devem resultar na maximização da produção, controle dos custos e ao mesmo tempo manter a autoestima dos empregados em alta. Palavras como qualidade, quantidade, prazo, futuro, planejamento etc., são rotineiras em suas profissões. Em vista desse vasto cenário sobre os ombros do gerente, Simon concluiu que um gerente não consegue fazer todas as coisas ao mesmo tempo e sequer tenta isso. O que ele busca no seu dia a dia é satisfazer suficientemente e não maximizar.

Em suma, "Um administrador tem diante de si um conjunto de coisas com as quais precisa se preocupar: produção, qualidade, quantidade, velocidade, segurança, etc. Para cada área, ele ou ela estabelece um nível satisfatório; se as coisas se dão dentro desse nível, então ele ou ela não precisa dedicar muita atenção a essa área em particular, deixando seguir sua rotina" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 136). Essa lógica é chamada de princípio da racionalidade limitada, pois a racionalidade não se apresenta como universal, pois os indivíduos são limitados e só conseguem atingir um nível satisfatório daquela atividade.

Já o segundo paradoxo tem vinculação com a capacidade dos indivíduos racionais em se organizar em grupos, chamado por Collins de problema da coordenação social. Collins utiliza o exemplo do "problema do carona" para explicar esse paradoxo. Mancur Olson que formulou esse problema em 1965. Olson considera que alguns serviços são vistos como bens públicos por serem oferecidos a todas as pessoas. O paradoxo disso é que, indivíduos que não contribuem para o funcionamento desses bens públicos, permanecerá utilizando os serviços gratuitamente. Se eu posso usufruir de serviços gratuitos, mesmo não contribuindo, qual minha preocupação em ajudar? Respondendo essa pergunta,
Olson conclui que isso não pode ser explicado a partir do autointeresse dos indivíduos. Em vez disso, os bens públicos devem ser garantidos a partir de uma decisão arbitrária ou até mesmo coercitiva; o transporte coletivo ou a pureza do ar devem ser garantidos a partir do recolhimento de impostos ou da proibição de práticas poluidoras por parte dos indivíduos. Se isso dependesse apenas dos indivíduos privados, nunca teríamos esses bens (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 138)
Ainda segundo Collins,
Aliás, notemos que o dilema do carona não pode ser resolvido com a afirmação de que as pessoas levam o interesse coletivo em consideração, isto é, que têm um sentimento de solidariedade em relação ao todo. A resposta correta implica que se considere a seguinte questão: o que queremos saber é como é possível que indivíduos egoístas, pensando apenas em seus interesses podem, de fato, colocar os interesses do grupo acima de seus interesses egoístas imediatos (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 138)
Um desdobramento do problema do carona é o "dilema do prisioneiro". Em síntese: esse dilema imagina hipoteticamente dois prisioneiros. Os policiais oferecem opções para cada prisioneiro, são elas: 01) se o prisioneiro um confessar o crime, mas o prisioneiro dois não confessar, o primeiro ganhará uma pena branda e o segundo uma mais severa. Se nenhum confessar, o crime não terá como ser provado e ambos se safam. Já se ambos confessarem, receberão uma pena moderada. Conclui Collins sobre esse dilema:
O dilema do prisioneiro é análogo a um mundo social no qual os bens públicos são algo muito importante de se ter, mas no qual os indivíduos perderiam se contribuíssem para esse bem, enquanto as outras pessoas deixam de fazê-lo. É preciso haver alguma garantia de que o outro lado abrirá mão daquilo que lhe foi oferecido como barganha; mas não há como ter certeza disso, e na realidade já se presume que a outra pessoa irá agir do mesmo modo que eu. Se assumirmos que a outra pessoa é egoísta ou não confiável, o resultado será o mesmo. Indivíduos racionais e egoístas numa relação com outros indivíduos racionais e egoístas nunca irão sacrificar nada em proveito do bem comum, por isso seria uma desperdício. É isso o que faz dessa situação um dilema (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 139)
Propostas de soluções racionais para criar solidariedade social. Visando resolver esse dilema, alguns teóricos da tradição racional-utilitarista criaram reflexões como a Teoria dos Jogos Repetidos. O objetivo final desses sociólogos, surgidos no final da década de 1980, foi pensar numa explicação racional da solidariedade social. Dois autores são citados por Collins na busca dessa missão: Michael Hecther e James Coleman. Ambos tiveram como premissa de que os indivíduos precisam uns dos outros, pois existem coisas que só podem ser feitas em conjunto. Mas quando as pessoas são capazes de superar o dilema do carona e caminha para o bem-estar coletivo?

Para Hecther, "a condição central para que isso ocorra é que todos os membros do grupo possam fiscalizar e punir todos os outros, para evitar que outros apenas peguem carona" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 141). Para a obtenção da solidariedade social é preciso uma combinação entre vigilância e punição. A sociedade precisa desenvolver recompensas positivas, para aqueles que contribuem para seu melhor funcionamento, e punições negativas para aqueles que não contribuem. Porém, Hecther alerta para o uso das punições, pois "A ameaça de punição tende a gerar desconfiança e é um incentivo para que se tente esconder o próprio comportamento. Desse modo, os grupos que apostam em recompensas positivas geralmente terão mais solidariedade" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 141). Existem dois tipos de recompensas positivas, são elas: intrínsecas, como uma aprovação social; extrínsecas, tais como pagamento material. Hecther opta pela recompensa intrínseca.

Coleman segue Hecther ao enxergar com bons olhos o uso de recompensas positivas em contraposição as punições negativas. Isso porque em uma sociedade baseada em punições, como forma de unificar seus membros, terá que arcar com o grande custo que significa à repressão. Sobre as ideias de Coleman, diz Collins:
O melhor é que esse controle especializado e formal seja evitado ou minimizado. Coleman afirma que isso é mais fácil se a comunidade consistir em uma rede densamente integrada, fechada para aqueles que não pertencem a ela. Nesse caso, o controle tenderá a ser informal em vez de formal. Os controles informais são menos dispendiosos e costuma envolver mais sanções positivas do que controles formais. As pessoas irão se conformar mais facilmente a um grupo pequeno e denso, desde que elas possam experimentar esse sentimento de pertença ao grupo como recompensa por sua conformidade, enquanto que, se forem submetidas a um controle exercido de forma impessoal, que geralmente envolve punições, o todo será mantido coeso não porque as pessoas experimentam sentimentos benéficos, mas pelo medo de serem pegas (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 142)
Sendo assim, as teorias de Hecther e Coleman apontam que a solidariedade social é mais atingida em pequenos grupos, densamente integrados e fechados para membros exteriores.

A Economia invade a Sociologia, e vice-versa.  Como podemos perceber, a visão de mercado da Economia e da Sociologia são diferentes. Na abordagem sociológica, enxergamos uma perspectiva questionadora da imagem do indivíduo racional da abordagem econômica. Os exemplos das teorias de Hecther e Coleman vem mais para mostrar as relações não mercadológicas existentes nas relações sociais do que tentar provar o inverso. Retirado do centro, o indivíduo racional é visto em seus limites. Limites impostos pelas estruturas sociais que se encontram em sua volta.

A Teoria Racionalista do Estado. E quais as visões da tradição racional-utilitarista sobre o Estado? Divergindo dos teóricos utilitaristas clássicos, John Rawls afirmou que é racional a implementação de uma política liberal que buscasse reduzir as desigualdades. Se houve discriminação de raça, gênero no passado; ou se os privilégios de classe social foram transmitidos de geração para geração, nada mais que justo que o Estado busque reduzir essas desvantagens. É um modelo de Estado totalmente diferente do imaginado pelos utilitaristas clássicos. Esses imaginavam um Estado que não privilegiasse nenhum grupo social e defendesse a competição aberta entre as pessoas. O mercado aberto e o Estado não intervencionista seriam meios seguros para a redução das desvantagens. Porém, Rawls pensa totalmente diferente e segundo Collins, por seguir a seguinte lógica:
Seu raciocínio é o seguinte. Imagine que você irá fazer parte da construção de um Estado e poderá escolher qual será a constituição desse Estado. Você fará isso estando atrás de um "véu de ignorância": isto é, você não faz ideia de qual posição irá ocupar nessa futura sociedade, se será rico ou pobre, negro ou branco, homem ou mulher. A partir desse ponto de vista neutro, é racional você escolher uma constituição que ofereça mais vantagens para aqueles que são desprivilegiados, de modo a compensá-los e fazer com que sejam iguais a todo mundo. Você pode ser uma dessas pessoas em desvantagem, portanto, para prevenir-se contra isso, é racional aceitar essa constituição COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 148)
Esse modelo de Estado imaginado por Rawls foi criticado por muitos teóricos dentro da tradição racional-utilitarista, principalmente aqueles vinculados ao neorracionalismo. Para esses a racionalidade individual é limitada e por isso não seria possível que os homens imaginassem uma ideia geral de Estado como propõe Rawls. A busca por satisfazer em vez de maximizar, tende a fragmentar as visões individuais sobre diversos assuntos. Na mesma tradição existiram visões diferentes sobre o Estado, visto como uma instituição que surge para cobrar taxas por proteção. Os impostos arrecadados pelo Estado servem para garantir aos seus membros segurança, uma espécie de aluguel para viver de forma segura e livre de invasões estrangeiras e crimes domésticos.

A nova ciência política utilitarista. James Buchagan foi responsável pela criação da Teoria da Escolha Pública, pensada para explicar a política. Para ele, a política é um mercado de busca por votos, onde os políticos usam o Estado para oferecer serviços que os eleitores gostarão. Mas esses serviços requer dinheiro, ou seja, aumento de impostos. Visando oferecer serviços sem aumentar os impostos, os políticos praticam empréstimos. Esses empréstimos tem um efeito positivo a curto prazo, mas traz consequências nefastas a longo prazo. Mas mesmo assim eles fazem esses empréstimos, pois "o autointeresse da geração atual é contrário ao autointeresse da geração futura" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 152). Para controlar essas práticas, Buchagan propõe uma emenda constitucional que teria como função controlar o jogo político.

Mas o que mobilizaria os indivíduos a aderirem essa emenda? Eles não podem seguir a lógica do carona e seguir apoiando um modelo deficitário que permanece sustentando seus benefícios? Segundo Collins, "Buchagan espera que os indivíduos abdiquem de seu papel como utilitaristas racionais no nível individual e se concentrem em um metanível, no qual se preocupariam com a racionalidade em um nível coletivo" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 152). Mas existe um cálculo que faça os indivíduos se sentirem parte de um grupo? Collins enxerga aqui limitações dessa teoria, mostrando que para uma possível resposta, esses autores teriam que sair dos limites da sua própria tradição.

Essa relação conflituosa entre individualidade e coletividade também é pensada por James Coleman. Para ele, o principal problema da sociedade moderna é o trato individual com as instituições coletivas. No nível microssocial, temos a família, onde os pais buscam mais focas em suas vidas que na formação dos filhos. Já num nível mais macrossocial, temos as corporações onde os patrões visam exclusivamente o aumento de seus lucros. Ao enxergar essa problemática, Coleman busca ir por um caminho inverso de Rawls e Buchagan. Em vez de idealizar uma lógica altruísta e coletivista, Coleman busca justificar uma mudança de comportamento com base em um cálculo racional e utilitarista.

No caso da família, por exemplo, o incentivo a uma atenção maior às crianças seria possível tendo em vista os gastos do Estado com o combate contra a criminalidade. Os esforços financeiros do Estado no combate ao crime, poderia ser transferido para a socialização e criação dessas crianças, indo na raiz do problema. Coleman se pretende enquanto uma visão realista, divergindo do utilitarismo clássico, mas também daqueles que advogavam um Estado de bem-estar social. Ele não queria criar um Estado grande, desconsiderando a individualidade racional e interessada. Pelo contrário, para ele, "os indivíduos continuam a ser autointeressados, não importa quais sejam as consequências, portanto, é preciso estruturar seu autointeresse de modo a fazer com que os resultados sigam na direção que se espera" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 155).

03) A Tradição Durkheimiana - Assim como a Tradição do Conflito, a Tradição Durkheimiana busca também busca desvendar o que está implícito na sociedade. Se para os teóricos do conflito o que está explícito são os conflitos e o que se encontra implícito é a dominação; na tradição que pega emprestado o nome do sociólogo francês Émile Durkheim, o que está explícito e na superfície da sociedade são os rituais e os símbolos, já o que se encontra implícito são forças irracionais fundadas no subconsciente.

Durkheim e seus seguidores estavam preocupados em identificar leis sociais ou formas elementares da vida em sociedade. Na busca por essa missão, valorizou-se o estudo sobre as sociedades ditas como tribais, pois eram nelas que os sentimentos não racionais estavam presentes de forma mais nítida que nas sociedades ocidentais, modernas e industriais. Esses sentimentos não eram exclusividade dessas sociedades tribais, pelo contrário, os teóricos dessa tradição acreditam que eles estão presentes em todas as sociedades. O foco em sociedades mais simples é visto apenas como um recorte, vide a simplicidade dessas sociedades. É aí que os teóricos dessa tradição divide "Etnologia" de "Sociologia", sendo a primeira o estudo descritivo de sociedades tribais e a segunda uma análise teórica de qualquer tipo de sociedade, seja ela tribal ou moderna. As reflexões desses teóricos foram compartilhadas pela L'Année Sociologique, primeira revista científica de Sociologia a ser fundada.

A Sociologia como a ciência da ordem social. Durkheim foi o primeiro a buscar formular uma metodologia para os estudos sociológicos. O método científico utilizado por ele foi o comparativo, baseado na seguinte lógica: "o método científico é a busca por um conjunto de generalizações causais mutuamente consistentes, baseadas em comparações sistemáticas das condições associadas a um índice de resultados variados" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 159). O exemplo desse método é o estudo sociológico sobre o suicídio, realizado por Durkheim. O que faz Durkheim? Primeiro ele levanta uma variedade de variáveis que podem levar ao suicídio. Testando essas variáveis, ele exclui aquelas que não se sustentam ao exame da análise comparativa. Mas Durkheim não estava preocupado com essa gama de variáveis levantadas, pelo contrário, seu objetivo é buscar uma generalização a partir dessas variáveis. Segundo Collins,
Durkheim estava tentando provar: que as estruturas sociais altamente densas impedem o indivíduo de matar a si mesmo. Durkheim estava interessado na generalização teórica, não nos indicadores empíricos por si mesmos. O que a ciência faz é uma generalização a partir de diversos indicadores; a síntese das diferentes partes de uma teoria é tão crucial quanto o método das comparações sistemáticas (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 159)
Sua tarefa, pois, foi a construção de uma teoria analítica e não uma mera interpretação empírica das variáveis coletadas. Seu estudo sobre o suicídio visa demonstrar a força exercida sobre os laços sociais nos indivíduos. Laços esses não percebidos no cotidiano pelos indivíduos, mas que existem e que afetam nos nossos comportamentos, fortalecendo ou enfraquecendo nosso nível de solidariedade social.

Essa generalização teórica, objetivada por Durkheim, difere a Sociologia das demais ciências como a Etnologia (conhecida também como Antropologia) e a Psicologia. Ela seria capaz de realizar generalizações próprias. Como podemos perceber, a Tradição Durkheimiana é aquela que vem dar a corpo e envergadura a ciência da sociedade. Comte considerava a Sociologia como a "mãe das ciências", tendo um efeito prática de combate aos diversos males sociais, Durkheim "acreditava que a Sociologia era como uma ciência médica e que deveria desenvolver leis que permitissem distinguir entre os estados normais e os patológicos do organismo social" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 161). Em suma, a pergunta básica feita por Durkheim foi: o que mantém uma sociedade unida? O problema central dessa tradição é compreender a lógica da ordem social. Essa busca não era um exercício meramente filosófico abstrato, mas passava por objetos empíricos que poderiam ser devidamente analisados através de uma comparação sistemática.

A Lei da Gravidade Social de Durkheim. A explicação de Durkheim passa pela morfologia social, ou seja, o estudo das relações estruturais entre os indivíduos. Não basta estudar as relações entre indivíduos, mas sim das estruturas sociais que esses indivíduos são reprodutores. A sociedade aqui não é vista como uma soma de indivíduos, mas como um conjunto de estruturas em que esses indivíduos estão inseridos. Sendo assim, "Durkheim se referia à sua Sociologia como sendo a Física ou a Fisiologia da sociedade. Os fatores básicos determinantes são as relações estruturais entre os indivíduos, não os indivíduos em si mesmos" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 162).

Essa Sociologia de Durkheim dizia mais: as mudanças históricas ocorrem independente da vontade dos indivíduos, graças a uma espécie de "lei da gravidade do mundo social". Essa lei proporcionou mudanças como a crescente especialização das funções, que foi resultado do seguinte cálculo: crescimento populacional + migração para as cidades + desenvolvimento na tecnologia dos transportes e comunicações. Isso gerou uma crescente concentração da sociedade em centros urbanos, gerando uma especialização das funções. Essas transformações "diminuíram os espaços entre os grupos e provocaram uma maior interação entre as pessoas" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 162). As mudanças na densidade social descritas acima terão centralidade na reflexão que Durkheim faz da sociedade.

Tendo como base essas reflexões, e tomando como base comparativa as sociedades tribais com as modernas, Durkheim constata a existência de dois tipos de sociedade: uma de densidade social baixa, marcada pela falta de especialização e outra de densidade social alta, marcada pela forte presença de especialização. E o que sai da comparação desses dois tipos de sociedades? Diz Collins:
O argumento geral, portanto, é o de que os aspectos físicos da estrutura determinam a parte mental e moral da sociedade. Portanto, ao comparar sociedades com alta e com baixa densidade social (pequenas sociedades tribais ou grupos rurais isolados versus sociedades complexas e urbanizadas), Durkheim afirma que no primeiro caso as ideias das pessoas são mais concretas e particulares, enquanto no segundo caso as ideias assumem um caráter mais geral e abstrato. Grupos isolados tendem a focar os detalhes concretos das coisas; em suas religiões, os deuses e os espíritos geralmente são concebidos como pessoas, animais ou coisas do tipo. A história é apresentada na forma de mitos, porque as pessoas têm pouca capacidade de conceber causas gerais e abstratas. Em uma sociedade urbanizada e complexa, por outro lado, a personificação de processos naturais e sociais dá lugar a conceitos abstratos; as pessoas falam sobre inflação, sobre a balança de pagamentos, sobre as descobertas da Medicina e até mesmo suas concepções de religião pressupõem a ideia abstrata de uma ser supremo que transcende a mera personalidade humana ou, muitas vezes, até mesmo a própria moralidade (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 163)
Collins afirma que essa diferenciação é abstrata em Durkheim, pois nem todo indivíduo na sociedade moderna pensa abstratamente. Até mesmo dentro dessas sociedades existem indivíduos que são expostos a diferentes níveis de densidade moral. Aquelas que tendem a ter uma visão mais abstrata, são aquelas que ocupam posições especializadas, como as classes mais altas. Já as classes mais baixas, como aponta Herbert Gans, vivendo como camponeses dentro da cidade moderna, acabam por desenvolver uma visão mais concreta e menos abstrata das coisas ao seu redor. Aqui Collins enxerga uma diálogo entre durkheiminianos e teóricos do conflito, atentando para a complementação de suas reflexões numa análise da estratificação dos meios de produção mental.

Mas o que mantém a moral de uma sociedade coesa, unificando seus indivíduos? Essa pergunta passa pela ideia de rituais sociais, bastante presente nessa tradição. Os rituais são eventos onde a solidariedade social atinge alto níveis. Entramos em contatos com as pessoas, repetimos gestos, palavras e canções. Tudo isso cria uma consciência de grupo no indivíduo, tornando-o mais integrante daquela coletividade. E "Como resultado disso, certas ideias passam a representar o próprio grupo, tornando-se seus símbolos. Os objetos que eram tabus nas tribos primitivas, o altar de uma religião, a bandeira no moderno ritual político - até mesmo a bandeira de um time de futebol - adquirem um significado sagrado, que transcende o ordinário e exige respeito" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 164-165).

Em suma, esses rituais produzem ideias que unificam os indivíduos em sociedade. No início de sua produção intelectual, Durkheim afirmou a sobreposição das estruturas sobre as ideias. Porém, ele acaba dando um maior protagonismo à força das ideias. As ideias tem um elemento mental muito importante, pois criam representações coletivas que são vistas como "partículas carregadas que circulam entre os indivíduos e alojam-se por um tempo em suas mentes, mas são partículas que foram originadas nos rituais do grupo" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 165). Ou seja, as ideias exercem o papel de orientar os indivíduos em momentos em que eles não estão se relacionando nos intervalos dos rituais. Em outras palavras,
As ideias são criadas e carregadas de significado social nas circunstâncias em que ocorrem os rituais; mas depois disso os indivíduos se dispersam e levam essas ideias consigo, trocam-nas com outros indivíduos nas conversas e utilizam-nas para orientar seu próprio pensamento e para tomar suas próprias decisões" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 165)
Isso faz Durkheim pensar uma sociedade em dois níveis. O primeiro é onde se encontram as ideias sociais e o segundo são os conteúdos contidos em nossa consciência, sendo essa formada pelas ideias sociais. "Portanto, Durkheim concebe a sociedade como tendo um nível consciente e superficial,  uma estrutura inconsciente no âmbito da qual operam as verdadeiras determinações. Concebemos a nós mesmos como racionais, como senhores de nossos destinos; na realidade, nossa própria racionalidade nos é dada pela estrutura social na qual habitamos, uma estrutura que nos forma de tal modo que nos leva a pensar de uma maneira e não de outra" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 166).

Estamos presos numa estrutura social que determina nosso pensamento, mas não percebemos isso porque estamos preocupados com os detalhes do dia a dia. Crítico dos utilitaristas, Durkheim afirmava que a ideia de um indivíduo com escolhas racionais acontece apenas na superfície da sociedade, pois lá no fundo esses comportamentos tinham bases não racionais. Já com relação aos teóricos do conflito, Durkheim não enxergava a possibilidade da existência de uma sociedade sem classes e livre das ideologias. Isso porque as crenças morais são necessárias para o funcionamento da vida em sociedade, logo, a destruição de uma moral sempre faz emergir uma nova conforme as inevitáveis leis das estruturas sociais e dos rituais de interação.

Duas vertentes: a tradição da macrossociologia. Feita essa exposição geral de Durkheim, o texto segue com teóricos influenciados por suas ideias. Na tradição durkheimiana, existe uma divisão entre: a) Vertente Macrossociológica, fundamentada na teoria da divisão social do trabalho e no estudo das estruturas sociais; b) Vertente Microssociológica, fundamentada na teoria das trocas e dos rituais.

Montesquieu, Comte, Spencer e a morfologia social. Antes de entrar nesses teóricos posteriores a Durkheim, o autor volta para traçar três pensadores que influenciaram seu pensamento: trata-se de Montesquieu, Auguste Comte e Herbert Spencer. Em sua tese de doutorado, Da Divisão do Trabalho Social, Durkheim põe Montesquieu como um importante predecessor da Sociologia. Em sua célebre obra "O Espírito das Leis" (1748), Montesquieu pontuou a importância da construção de uma ciência da sociedade. Nessa obra, ele pontua a necessidade da criação de leis gerais para a explicação da sociedade, sendo também o primeiro a diferenciar sociedade de Estado. Além de tudo isso, é sabido que foi Montesquieu o responsável pela Teoria das Três Poderes, que visava um combate ao autoritarismo e seus abusos. Montesquieu ainda dividiu as sociedades em dois tipos clássicos: 01) A antiga república grega e romana; 02) A monarquia européia contemporânea. Sobre essa divisão, afirma Collins:
A antiga república descrita por Montesquieu era um tipo de sociedade baseada na "solidariedade mecânica": sociedades pequenas e espalhadas por grandes áreas. Dentro de cada grupo, o indivíduo é subordinado à comunidade. O sentimento básico desse tipo de sociedade é o que Montesquieu chamou de esforço para ter "virtude", o que implica a obediência a todos os ritos sagrados e o sacrifício de si mesmo pela própria família e pela própria cidade. As monarquias de Montesquieu representam o fim mais moderno de um continuum no qual as sociedades se tornam progressivamente mais amplas, mais densas e mais especializadas e coordenas internamente. O sentimento características dessas sociedades é o que Montesquieu chamou de honra, que é o equivalente ao espírito de "individualismo" de Durkheim, o esforço para exaltar o eu (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 169).
Outro pensador que influenciou a obra de Durkheim, foi o também francês Auguste Comte. Comte elaborou uma análise da sociedade que a fazia comparações com o organismo biológico. O resultado dessa análise foi a elaboração  da ideia de que as sociedades passavam por estágios evolutivos de desenvolvimento, sendo a Lei dos Três Estágios a principal expressão dessas reflexões.

Por fim, o último pensador a vim exercer influência sobre Durkheim foi Herbert Spencer. A principal influência de Spencer sobre Durkheim foi o afastamento da Sociologia da religião, aproximação feita por Comte em seu desejo de criar uma "religião da humanidade". A  visão evolucionista spenceriana de que as sociedades partiam de condições simples para mais complexas, também foi partilhada pelo sociólogo francês. Mas nem tudo entre Spencer e Durkheim são flores. Influenciado pelo utilitarismo inglês, Spencer era adepto do individualismo metodológico e "sustentava que a sociedade não tinha uma consciência central (ao contrário de um organismo) e que tal consciência existia apenas nos indivíduos; na realidade os indivíduos seguem seus próprios autointeresses racionais, e formam a sociedade ao fazer contratos de troca uns com os outros" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 170).

Durkheim partia de um sentido oposto, criando os conceitos de "consciência coletiva" e "representações coletivas", acreditando que a sociedade mantinha uma espécie de unidade psíquica onde ideias e emoções são compartilhadas pelos indivíduos em constante interação. Sobre os utilitaristas, "Durkheim se perguntava como era possível que as pessoas pudessem ter uma sociedade contratual sem que tivessem a certeza de que os contratos seriam mantidos, uma vez que a vantagem seria sempre daqueles que cometem trapaça. A sociedade contratual dos utilitaristas é um mito, e só pode existir sobre a base de uma solidariedade pré-contratual. Durkheim tentou demonstrar como são produzidos esses sentimentos morais e não individualistas a partir de diferentes formas da própria estrutura social" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 171).

Merton, Parsons e o funcionalismo. Após esse breve histórico das influências sobre Durkheim, Collins volta ao que tinha pontuado anteriormente: pensar em autores que foram influenciados pela teoria durkheimiana. A primeira vertente estudada é a macrossociológica, representada pelo Funcional-Estruturalismo de Robert Merton e Talcott Parsons.

A ideia de uma análise funcionalista da sociedade se baseia no "olhar para qualquer instituição sob a luz de sua contribuição para a manutenção da ordem social" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 172). Para Merton existem dois tipos de funções: a Função Manifesta, aquela onde os resultados se mostram de forma explícita; e a Função Latente, aquela onde os resultados produzidos se mostram de forma implícita. A tarefa do sociólogo analisar a função das instituições sociais e qual sua natureza. Na visão mertoniana que a maioria das funções levam a integridade e coesão social, aquelas situações que fugiam disso eram chamadas de "disfunção", opondo-se ao termo "função". A grosso modo, as reflexões mertonianas levam a conclusões positivas sobre as instituições sociais.

Outro sociólogo influenciado por Durkheim da vertente macrossociológica foi o norte-americano Talcott Parsons, que produziu uma teoria mais geral que a "teoria de médio alcance" de Merton. Collins assim resume o pensamento parsoniano:
Seguindo Durkheim, Parsons afirmou que as sociedades não podem ser mantidas unidas racionalmente. Em sua interpretação, isso significa que a sociedade como um todo possui um conjunto de valores que são inculcados nos indivíduos. (Várias estruturas têm a função de transmitir esses valores mediante o processo de socialização: inicialmente é a família, depois a Igreja e então o sistema educacional). A base da mudança histórica, segundo Parsons, consiste na mudança dos valores básicos (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 174).
Merton, Parsons e Durkheim compartilham em comum o tratamento secundário dado aos conflitos sociais, vistos por eles como secundários, às vezes benéficos ou temporariamente presentes na sociedade em forma de patologia. Para Parsons, por exemplo, todas as sociedades tenderiam para a democracia e que experiências autoritárias como o Nazismo eram passageiras e típica de uma sociedade que se modernizou rapidamente, sem eliminar por completo sua base tradicional. Isso acaba levando essa vertente macrossociológica da tradição durkheimiana para uma perspectiva conservadora, pois enxergam que os acontecimentos sempre levarão para o melhor, sendo os contratempos apenas estágios temporários no meio de melhorias a longo prazo.

A segunda vertente: a linhagem da Antropologia Social. A segunda vertente da tradição durkheimiana é aquela vista na Antropologia Social. Seu inicio acontece na Inglaterra com antropólogos como Radcliffe-Brown, chegando a Antropologia Francesa de Marcel Mauss e em seguida Lévi-Strauss. Para esse conjunto de autores, "A prioridade da sociedade em relação aos indivíduos toma a forma de sentimentos morais: vínculos fortes e não racionais à religião, à família e à própria sociedade" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 177). A teoria dos rituais de Durkheim é a base desses teóricos que, entendendo os rituais como expressão máxima na religião, buscam enxergá-las em outros âmbitos da vida social.

Fustel de Coulanges e as guerras rituais. Sobre a teoria dos rituais, bastante forte nessa segunda vertente, Collins rememora a figura de Fustel de Coulanges. Fustel deu centralidade a questão dos rituais em sua análise sobre a Grécia e Roma antigas, na sua "A Cidade Antiga" (1864). Predecessor de Durkheim, Fustel mostra nessa obra a importância do cultu religioso para os gregos e os romanos, reconstruindo as religiões desses povos. Para ele as religiões desses povos tinha como centro a figura familiar, reverenciada em refeições, através de hinos, orações e sacrifícios. Segundo Collins, "Aqui estão presentes todos os ingredientes sociais que, segundo Durkheim, sempre compunham um ritual: a reunião de todo o grupo face a face, a atenção voltada para um mesmo foco e as emoções compartilhadas, ações sem finalidade prática realizadas com um propósito meramente simbólico" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 178). Aqueles que não faziam parte do círculo familiar, eram excluídos, sendo a família o elo que estabelecia a diferença do grupo com o mundo exterior. A autoridade dessas famílias, os patriarcas.

As cidades gregas e romanas também eram movidas por rituais. Apenas os patriarcas eram cidadãos, representando sua família no exterior. As cidades eram fundadas ao redor de templos religiosos como Atenas, por exemplo. Os rituais também afetavam a política. Os reis nada mais eram do que antigos chefes de cerimômias. Participar dos cultos tornava os homens cidadãos plenos, dando garantia a propriedade privada e proteção. Até mesmo a guerra era movida por rituais, vide os conflitos por motivos religiosos que levavam homens ao campo de batalha com gritos em devoção a seus deuses protetores. Em suma esse resgate de Fustel visa, "O argumento geral de que os rituais criam as classes e os conflitos de classes sugerem uma teoria sobre a política e sobre a revolução que ainda está por ser criada" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 183).

As teorias de Durkheim sobre a moralidade e o simbolismo. A teoria dos rituais de Durkheim, que é apresentada na obra "As Formas Elementares da Vida Religiosa" (1912), segue o cerne de pensar a religião como símbolo da sociedade. A sociedade não repousa em bases racionais e conscientes, existe uma lógica insconciente que norteiam nossos comportamentos e que tem nos símbolos suas expressões. "Contudo, Durkheim não despreza a primazia da ciência sobre a religião; em vez disso, ele produz uma teoria científica sobre a religião, concebida enquanto uma poderosa força moral que está na base de sustentação da sociedade. A religião é produzida pelos rituais, isto é, por certas configurações da interação social no mundo real" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 183).

Para Randall Collins a obra "As Formas Elementares da Vida Religiosa" tem uma dupla importância. Primeiro: mostra (ou busca mostrar) que a Sociologia é capaz de explicar o pensamento humano, sendo mais categórica que a Psicologia e a Filosofia. Durkheim propõe uma visão das ideias humanas que se difereciava tanto de Immanuel Kant, quanto dos empiristas ingleses. Kant afirmava que as ideias eram categorias a priori, ou seja, elas existem antes do indivíduo. Durkheim também apostava na visão de que as ideias surgiam antes dos indivíduos, porém, "as ideias de espaço, de tempo, de número e outras categorias gerais não são universais e imutáveis, mas adquirem uma forma específica conforme a estrutura da sociedade e mudam na medida em que a sociedade muda" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 184). Já com relação aos empiristas, Durkheim concordava na tese de que existia um mundo material anterior ao indivíduo, entretanto, a sociedade é o aspecto crucial desse mundo material. Logo, "O modo pelo qual os seres humanos são espalhados ou reunidos produz as categorias que filtram todas as outras experiências" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 184).

A segunda: sua teoria sobre os rituais, crucial para a vertente microssociológica da tradição durkheimiana. Durkheim observa que as sociedades humanas não é apenas movida negativamente, enquanto um conjunto de regras que se tornam visíveis quando são burladas pelos indivíduos. Ela também contém uma força positiva, como os rituais que fazem com que as pessoas lembrem das leis, ao mesmo tempo que reforçam seus vínculos emocionais entre si. Essa noção dos rituais não serviu de influência apenas para os antropólogos pensarem as sociedades tribais, mas também teve serventia para as sociedades modernas que contém seus próprios rituais.

As bases rituais da estratificação: W. Lloyd Warner. Lloyd Warner, professor e influenciador de Goffman, foi uma importante figura no uso da teoria dos rituais. Após realizar pesquisas antropológicas em tribos australianas, Warner se voltou para o estudo das sociedades modernas. Mais: apresentando uma aproximação da teoria dos rituais nos estudos sobre a estratificação social. Em seus estudos sobre as religiões das sociedades modernas, Warner percebeu que "Diferentes doutrinas religiosas não apenas simbolizavam diferentes grupos sociais, mas também contribuíam para manter esses grupos separados e estratificados. Os rituais religiosos reproduzem a estrutura de classe. Eles fazem isso ao afetar a consciência das pessoas acerca das diferenças morais e culturais, e porque reforçam a estrutura das associações e exclusões interpessoais" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 187).

Erving Goffman e o culto cotidiano ao indivíduo. Discípulo de Warner, Erving Goffman foi outro sociólogo influenciado pela teoria dos rituais de Durkheim. Ele buscou identificar rituais no nosso cotidiano, aqueles que não temos consciência. Na análise desses rituais, Goffman constatou que eles são análogos ao teatro. Nós realizamos performances que exigem figurinos e cenários reais. Assim, diz Collins sobre as reflexões de Goffman:
Os rituais, portanto, são performances. Eles não têm apenas consequências sociais - criando imagens ideais sobre o eu das pessoas, negociando laços sociais, controlando os outros -, mas eles também requerem alguns recursos, tanto propriedades materiais quanto habilidades culturais. Eles mantêm uma sociedade unida, mas fazem isso de um modo estratificado. Rituais são armas que sustentam e renegociam a estrutura de classe. Eles não apenas criam o eu, mas classificam os diferentes tipos de "eu" em diferentes classes sociais (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 191).
Rituais de interação e culturas de classe: Collins, Bernstein e Douglas. Collins, Bernstein e Mary Douglas são três autores preocupados em entender as diferenças culturais entre as classes sociais. Randall Collins em sua análise divide os rituais em dois tipos principais. O primeiro é que ele chama de Rituais de Poder. Para ele, as classes sociais são divididas entre aquelas que dão ordens, aquelas que transmitem às ordens e aquelas que apenas obedecem. Com isso, a principal dimensão da diferença entre as classes é o poder organizado. Isso é encontrado tanto nas sociedades capitalistas quanto nas socialistas, pois a detenção de propriedade privada é apenas um fator da diferença entre as classes. O controle político e militar também são outros fatores a serem levados em consideração. Se levarmos essa ideia para a teoria goffmaniana, as pessoas que estão no "palco" são as detentores de propriedade e controle político/militar. Já aquelas presentes nos "bastidores" são formadas por indivíduos informais, os cumpridores de ordens. Sobre a segunda dimensão, vale o destaque de todo o parágrafo:
A segunda dimensão da classe social acrescenta uma dimensão horizontal a esse alinhamento vertical do poder. Independentemente do fato de que as pessoas controlam os rituais ou são controladas por eles, há ainda a questão do número e dos tipos de ritual dos quais participam. Algumas pessoas estão no meio de grandes redes sociais, no âmbito das quais conhecem pessoas e circulam em todas as direções. Outras pessoas permanecem restritas a suas pequenas comunidades locais, interagindo com os mesmos indivíduos e vivendo no mesmo espaço durante anos a fio. É claro que essa é uma dimensão utilizada por Durkheim para comparar as diferentes sociedades, mas que agora é aplicada ao estudo das posições dos diferentes indivíduos no âmbito da mesma rede. Tal como destacou Herbert Gans, as pessoas das classes trabalhadoras nas grandes cidades não possuem a mesma variedade de contatos profissionais que os membros das classes mais altas; eles se parecem mais com camponeses que foram morar em uma metrópole moderna. Em função dessa diferença na estrutura social local, diferentes classes sociais têm mentalidades diferentes (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 192)
Logo, as classes sociais mais altas tendem a formar ideias mais abstratas, individualistas e em longo prazo. São classes que se aproximam de sociedades com uma divisão social do trabalho bem especializada. Enquanto que as classes mais baixas tendem a criar ideias que reproduzam o conformismo e o hábito de pensar em termos concretos, substituindo a abstração. Ainda mais, "As classes mais baixas utilizam um 'código linguístico restrito', um tipo de fala que se refere a pessoas e coisas particulares e que pressupõe que o ouvinte conhece os detalhes locais daquilo sobre o que se está falando. As classes sociais mais altas utilizam um 'código linguístico elaborado', cuja fala envolve muitas abstrações e que transmite a informação sem depender do contexto local" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 193). Em suma, a concepção durkheimiana de estratificação social, diferente da marxista, afirma que o poder político é apenas uma esfera de diferença entre as classes sociais, pois existe outra: a esfera cultural, marcada pelos rituais.

Mary Douglas vem para criticar a concepção evolucionista de Durkheim. Para ela, antropólogo, as sociedades tribais não poderiam ser resumidas como repressiva, pois existe uma variedade de comportamentos dentro dessas sociedades. Assim a concepção de que o individualismo só existe em sociedades modernas também é um equívoco. Segundo a teoria de Douglas:
As culturas tribais (em geral isso quer dizer as suas religiões) se espalham entre os seguintes extremos: (1) da mais altamente coletivizada até a mais altamente individualizada e (2) daquelas que têm os líderes mais poderosos até aquelas que têm uma relativa igualdade entre todos os membros. Cada sociedade tem sua própria forma particular de simbolismo (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 194).
Douglas estava trazendo à tona o debate da variedade e multiplicidade de comportamentos existentes na sociedades. Elas variam e essa variação também é encontrada em sociedades modernas. Ademais,
O esquema de Douglas é resolutamente multidimensional. As sociedades se diferenciam umas das outras ao longo de dois diferentes contínuos; portanto, não podemos colocar todas as sociedades em uma única linha, mas devemos considerar que estão espalhadas ao longo de uma grade bidimensional. O mesmo se aplica à teoria das culturas de classe de nossa própria sociedade. A sociedade moderna é constituída por diferentes "tribos" que podemos inapropriadamente chamar de "classes" por conveniência, mas que na verdade se diferenciam umas das outras em virtude de inúmeras características (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 195)
Redes de trocas rituais: a articulação micro/macro. A pergunta final do capítulo é: como explicar as bases sociais dos nossos comportamentos individuais?

Marcel Mauss e a magia das trocas sociais. Para responder a essa pergunta, Collins chega no antropólogo Marcel Mauss, sobrinho de Durkheim. Mauss foi uma importante figura da Antropologia Francesa, exercendo forte influência sobre o tio na obra "As Formas Elementares da Vida Religiosa". Nessa articulação entre micro/macro, Mauss estudou o fenômeno da oração.

A oração é um ato aparentemente individual. Mas, segundo Mauss, ela é "uma extensão das cerimônias públicas, nas quais as concepções coletivas são absorvidas pelos indivíduos e alojadas em suas próprias consciências" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 196). Outro fenômeno estudado por Mauss foi a magia, praticada individualmente, enquanto os rituais religiosos no geral são majoritariamente coletivas. Segundo Mauss, a magia é um ato individual que depende de um coletivo: a religião. Toda magia advém de uma religião, dependendo da mesma para ter sentido e finalidade. A religião de alcance coletivo, é então utilizada por feitiçeiros em suas ambições individuais.

Ainda segundo Mauss, a religião faz parte do poder real da sociedade, não sendo uma mera ilusão. Os feiticeiros praticantes de magia realmente acreditam que ela tem efeitos sobre as pessoas, tornando o ato uma materialidade simbólica que invade as ideias individuais e coletivas. A magia nos ensina "que um fenômeno que é social em suas origens pode passar a ser alojado na consciência individual, onde se torna parte da personalidade de alguém e das estratégias pessoais na luta para obter vantagens sociais" (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 197).

Lévi-Strauss e a Teoria da Aliança. Lévi-Strauss foi outro antropólogo a utilizar a teoria dos rituais em sua obra. Sua análise se voltou para os casamentos nas sociedades tribais, vistos como trocas que excedem a simples união de famílias e acaba se tornando a base de alianças em outras esferas da vida social como o status político e as transações materiais.

A Teoria das Cadeias de Interação Ritual. Após essas reflexões e usos da teoria dos rituais, vale resumir da seguinte forma:
A teoria dos rituais de Durkheim explica como determinadas configurações entre as pessoas e suas emoções e atenções constituem rituais que produzem laços de pertencimento e símbolos que os representem. Essas "representações coletivas" são então alojadas dos indivíduos e passam a atuar como giroscópios que guiam os indivíduos na direção de determinados encontros e os afastam de outros. Uma situação micro leva a uma outra, de modo estruturado e previsível. Portanto, o mecanismo dos microrrituais é inserido em um quadro mais amplo, o da inteira sociedade no nível macro (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 202)
Porém, Collins observa que a concepção de Durkheim de que os rituais criam um pertencimento à sociedade como um todo está se modificando, pois cada vez mais vemos as sociedades divididas em grupos diversificados. Para ele, isso acarreta numa nova visão de sociedade: vista como uma longa cadeia de interações rituais com indivíduos que se movem entre vários tipos de interações. Sendo assim, explica Collins:
É preciso que não haja nada de rígido nessa estrutura. Qualquer combinação de pessoas pode acontecer nesses encontros face a face. Mas uma vez que estão nessas situações, elas precisam negociar algum tipo de relação, travar algum conversa ritual. Como elas fazem isso, é algo que depende de seu capital cultural, as ideias simbolicamente carregadas que trazem consigo a esses encontros. Vários resultados são possíveis, conforme o capital cultural de cada pessoa se articule com o capital cultural da outra pessoa (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 202-203)
Em suma, as interações rituais formam as culturas de diferentes classes sociais. Já as redes que constituem esses encontros rituais formam a realidade das estruturas sociais.

O futuro da tradição durkheimiana. Encerrando o capítulo, Collins assim resume a contribuição da Tradição Durkheimiana para a Sociologia:
Podemos constatar que a tradição durkheimiana tem sido uma floresta rica e próspera, abundante em ideias e aplicações que se estendem em várias direções. Ela oferece uma teoria dos rituais no minúsculo da vida cotidiana, bem como uma macroteoria da grande e abstrata estrutura social que cobre todo o território do globo. Ela explica a produção das ideias, tanto na forma da religião como na forma de mitos, assim como explica potencialmente a própria ciência (COLLINS, Randall. Petrópolis-RJ, Vozes, p. 203).
04) Tradição Microinteracionista -