sábado, 22 de junho de 2019

Ciência e Política - Duas Vocações



  • Sobre o autor: Maximillian Karl Emil Weber, ou simplesmente Max Weber, nasceu em Erfurt em 1864. Seu pai foi um jurista bem-sucedido e sua mãe uma liberal culta que o criou sob fortes bases protestantes. Weber se formou em Direito pela Universidade de Heidelberg. Como acadêmico de renome trabalhou em Universidades como as de Berlim, Freiburg, Viena, Munique e na própria Heidelberg. É considerado um dos fundadores da Sociologia, tendo papel crucial no desenvolvimento dessa ciência na Alemanha. Entre suas principais influências intelectuais temos: Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Immanuel Kant. Dentre suas principais obras, podemos citar: a) A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo; b) A Ciência como Vocação; c) A Política como Vocação; d) Economia e Sociedade. Max Weber faleceu na cidade de Munique em 1920, vítima de uma pneumonia. 



Ciência e Política - Duas Vocações - Max Weber - Editora Cultrix



Notícias sobre Max Weber - Nessa breve introdução, escrita por Manoel Tosta Berlinck, encontramos um breve resumo da vida e obra de Max Weber. Não se perdendo muito em aspectos de sua vida pessoal, e partindo já para sua densa produção teórica, destacamos que para Berlinck a teoria sociológica weberiana tem como foco o entendimento da racionalidade. Seus estudos sobre religião, surgimento do sistema capitalista, impressões sobre poder e burocracia assim como suas percepções metodológicas tinham ao fundo o objetivo de responder as seguintes questões: quais as origens e condições que assentaram o desenvolvimento da racionalidade?; qual a natureza da racionalidade?; quais as consequências da racionalidade? 

A racionalidade em Weber é representa por uma equação entre meios e fins. Ou seja, toda ação humana é impulsionada por valores e metas. Essa ação sempre é relativa, pois: a) existem várias formas de agir; b) a ação humana move uma variedade de valores e metas a serem atingidas. É daí que ele tipifica as ações humanas em: 
  • Ação Tradicional: baseada em hábito tradicionais de longa prática; 
  • Ação Afetiva: baseada em motivações puramente emocionais; 
  • Ação Racional com Relação a Valores: baseada em motivações valorativas que permeiam comportamentos religiosos, éticos etc; 
  • Ação Racional com Relação a Fins: baseada numa racionalidade que busca os melhores meios para atingir aos fins desejados. 
Nas obras presentes (tanto A Ciência como Vocação quanto A Política como Vocação) o foco de Weber é no entendimento do último tipo de ação social, típica do processo de racionalização do mundo. Com isso, "Em A Política Como Vocação, tal interesse se volta para as condições necessárias ao funcionamento do Estado moderno, para a burocracia como organização numa orientação zwecrational de ações e nas consequências da burocratização do Estado moderno para a sociedade em que se encontra inserido" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 11/12)

Já "Em A Ciência Como Vocação", o interesse de Weber pela orientação zwecrational se manifesta no exame da própria prática da racionalidade. Segundo ele, a Ciência ou a prática da Ciência contribui para o desenvolvimento da tecnologia, que controla a vida"  (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 12). Esse controle da vida pela tecnologia acarretaria num adestramento do pensar em que o homens sabem o que querem e o devem fazer para obter o que querem. 

Por fim, o contexto dessa essa se insere no momento em que demagogos de toda espécie começam a ganhar espaço na vida acadêmica, preocupando Weber. O espírito crítico e a liberdade de pensamento vinham sendo atingidas graças a aqueles que utilizam das cátedras para proferir discursos políticos demagogos com forte inspiração autoritária. Era o germe do futuro desenvolvimento do Nazismo na Alemanha. E é por conta desse contexto que observamos a tentativa de Weber em resgatar princípios como a objetividade na prática científica e docente. Sua obra torna-se um clássico da Sociologia ao buscar ligar orientações baseadas em valor com comportamentos reproduzidos em estruturas sociais. 

A Ciência como Vocação (1917) - Nessa palestra que tornou-se livro, Weber inicia sua exposição de ideias com a seguinte pergunta: quais são, no sentido material do termo, as condições de que se equivale a ciência como vocação? Essa pergunta é seguida de outra: quais são as perspectivas de alguém que decida dedicar-se profissionalmente à ciência, no âmbito da vida universitária? Para responder tais indagações, ele opta por uma comparação entre os sistemas universitários da Alemanha e dos EUA. Esses dois países apresentam realidades completamente diferentes no que tange ao tratamento dado aos cientistas iniciantes em suas carreiras. 

O jovem cientista alemão precisa primeiramente ocupar a posição de Privatdozent. Após densos estudos ao lado de especialistas, esse jovem iniciante na carreira acadêmica busca sua habilitação através da redição de uma tese. Após isso ele se submete a um exame para assim ser integrado ao corpo docente da Universidade. Integrado, está apto para ofertar cursos com temáticas escolhidas por ele. Porém, sem qualquer tipo de remuneração. O único meio de tirar dinheiro é lotando sala e recebendo das taxas pagas pelos estudantes. 

Já nos EUA ocorre um processo diferente. A primeira função de um jovem cientista é de um assistente onde desde o início de sua jornada é lhe garantido um pagamento. É garantido logo no início de sua carreira acadêmica uma estabilidade, apesar do pagamento estabelecido ser semelhante a de um trabalhador semi-especializado. Dito isso, Weber conclui que "A diferença que nosso sistema apresenta em relação ao americano significa que, na Alemanha, a carreira de um homem de ciência se apóia em alicerces plutocráticos"  (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 18). Predomina nos EUA um sistema burocrático, já no caso alemão predomina um sistema arcaico que liga produção de conhecimento a não-remuneração bem aos antigos moldes aristocráticos. Porém, observa Weber, as Universidade alemães passavam por importantes transformações internas que orientavam suas práticas de acordo com o visto nos EUA. 

Mas enquanto esse processo não se conclui, a antiga estrutura ainda predomina. Nela o papel do acaso é destacada por Weber como muito presente. É somente ao acaso que o Privatdozent poderá apostar suas fichas quando seu desejo é obter o cargo de professor titular de alguma Universidade alemã. Esse acaso fica claro quando Weber comenta de sua própria experiência: conseguiu uma vaga como professor titular em detrimento de colegas que produziram muito mais que ele. Isso são problemas referentes a seleção de professores, Weber enxerga outros no tocante a prática desses professores. 

Quanto ao tocante a prática, ele já alerta aos jovens: caso desejem adentrar na carreira acadêmica, faz-se necessário o entendimento de que nela ocuparão a tarefa dupla de cientista e professor. E é possível ser um belíssimo cientista, mas um pífio professor. Weber afirma que a grande preocupação das universidade alemãs é atrair estudantes. E como o pagamento do professor depende desses estudantes, sua prática docente se limita a busca incessante em lotar salas de aula. Seu sucesso ou insucesso é medido pela quantidade de estudantes que venham assistir suas aulas. E é a partir dessas observações que Weber faz a seguinte contestação: 
"Quando de um Dozent se diz que é mau professor, isso equivale, na maioria das vezes, a pronunciar uma sentença de morte universitária, embora ele seja o primeiro dos cientistas do mundo. Avalia-se, portante, o bom e o mau professor pela assiduidade com que os Senhores Estudantes se disponham a honrá-lo. Ora, é indiscutível que os estudantes procuram um determinado professor por motivos que são em grande parte - parte tão grande que é difícil acreditarmos em sua extensão - alheios à ciência, motivos que dizem respeito, por exemplo, ao temperamento ou à inflexão da voz" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 23)
A esse problema Weber de aristocracia espiritual. O professor universitário alemão precisa conter esse espírito para que consiga seu objetivo: lotar sala de aula, conquistando estudantes. Caso consiga isso garante um sucesso duplo que se materializa na garantia do seu pagamento e também no prestígio da universidade em questão. É certo que Weber atesta a importância de uma educação científica, ou seja, uma técnica que expõe problemas científicos de maneira entendível para aqueles não iniciados. Mas sua contestação gira em torno de que isso não pode ser medido pelo número de ouvintes, pois essa capacidade depende muito mais de um dom pessoal do professor do que propriamente seu êxito nessa educação científica. E é em meio a esse completo acaso cego que Weber lança todo seu pessimismo:
"Impõe-se, porém, que a todos os outros candidatos também se pergunte. 'Você se acredita capaz de ver, sem desespero nem amargor, ano após ano, passar à sua frente mediocridade após mediocridade?'. Claro está que sempre se recebe a mesma resposta: 'Por certo que sim! Vivo apenas para minha vocação'. Não obstante, eu, pelo menos, só conheci muito poucos candidatos que tenham suportado aquela situação sem grande prejuízo para suas vidas interiores" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 24).  
Tudo debatido até aqui Weber denomina de "condições exteriores da ocupação de cientista". E as interiores? O primeiro fator interior que se espera de uma imaginada "vocação científica" é a especialização, vista como um processo onde o cientista pode falar para si: "desta vez, consegui algo que permanecerá". Em suma, a carreira científica exige que o cientista se torne um especialista. Outro fator interno trazido pelo Weber é a existência de uma paixão, vista por ele como uma espécie de "inspiração". Essa paixão como parte da vocação científica se opõe a uma visão mecânica que enxerga a prática científica como uma pura operação de cálculo que se realizaria em laboratórios e escritórios. Até nos laboratórios, fábricas ou escritórios faz-se necessário o desenvolvimento de um espírito que inspire o trabalhador para além do cálculo frio. Podemos definir ideia de Weber da seguinte forma:
  • Trabalho + Paixão = Intuição
O trabalho mais calculista somado a uma paixão inspiradora pode ocasionar no jovem cientista uma intuição bastante frutífera em suas reflexões. Sendo assim, "A intuição, ao contrário do que julgam os pedantes, não desempenha, em ciência, papel mais importante do que papel que lhe toca no campo dos problemas da vida prática, que o empreendedor moderno se empenha em resolver" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 26/27). Quanto a natureza do trabalho científico, Weber admite que sua sina é o envelhecimento. Ou seja, toda produção intelectual tem um prazo de validade que significa tornar-se algum dia "ultrapassado" após novas indagações que venham a surgir. Dedicar-se à ciência, deve resignar-se a tal destino, pois esse progresso tende a se perpetuar como característica do conhecimento científico. Diante dessa constatação, Weber questiona: "Que obras significativas espera o homem de ciência realizar graças a descobertas invariavelmente destinadas ao envelhecimento, deixando-se aprisionar por esse cometimento que se divide em especialidades e se perde no infinito?". 

A essa pergunta, Weber responde que o progresso científico é um fragmento de um processo maior: o de intelectualização. Mas o que significa esse processo de intelectualização ou racionalização intelectualista? Com as próprias palavras do Weber: "A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente acerca das condições em que vivemos. Significam, antes, que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderíamos, bastando que o quiséssemos, provar que não existe, em princípio, nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa vida; em uma palavra, que podemos dominar tudo, por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo. Para nós não mais se trata, como para o selvagem que acredita na existência daqueles poderes, de apelar a meios mágicos para dominar os espíritos ou exorcizá-los, mas de recorrer à técnica e à previsão. Tal é a significação essencial da intelectualização" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 31). Dito o conceito de intelectualização, Weber se questiona: e quais a implicância e/ou consequências desse processo que despoja de magia o mundo? E é mais uma vez recorrendo as próprias palavras do autor que respondemos esse questionamento: 
"O homem civilizado, ao contrário, colocado em meio ao caminhar de uma civilização que se enriquece continuadamente de pensamentos, de experiências e de problemas, pode sentir-se 'cansado' da vida, mas não 'pleno' dela. Com efeito, ele não pode jamais apossar-se senão de uma parte ínfima do que a vida do espírito incessantemente produz, ele não pode captar senão o provisório e nunca o definitivo. Por esse motivo, a morte é, a seus olhos, um acontecimento que não tem sentido. E porque a morte não tem sentido, a vida do civilizado também não o tem, pois a 'progressividade' despojada de significação faz da vida um acontecimento igualmente sem significação" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 31)
Em suma, todo o conjunto de conhecimentos formados a partir do processo de intelectualização, tornou a vida do homem moderno um ninho de possibilidades onde não lhe resta outra alternativa a não ser aceitar a inacessibilidade do que é produzido. Captando apenas o superficial, e nunca o essencial ou definitivo, a consequência direta disso é o desencantamento do mundo por parte desse homem moderno. Mas isso nem sempre foi assim. Trazendo o exemplo dos gregos, especificamente da obra de Platão, Weber observa que naquela época os instrumentos e/ou ferramentas intelectivas estavam à serviço da procura pela verdade eterna. O principal instrumento da época era o conceito, visto como meio possível de se chegar ao ideal e correto. Indo um pouco mais além, e chegando no Renascimento, Weber observa a descoberta da experimentação racional. Essa experimentação que foi crucial para o desenvolvimento das Ciências da Natureza, tinham um significado simples: encontrar o caminho que conduz a Deus. Pois, "Deus está oculto, seus caminhos não são os nossos, nem seus pensamentos os nossos pensamentos. Esperava-se contudo, descobrir traços de suas intenções através do exame da natureza, por intermédio das ciências exatas, que permitiriam apreender fisicamente suas obras" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 34).

Mas qual o sentido da ciência e do seu conhecimento nos dias atuais? Weber é taxativo: hoje a ciência se constitui em um espaço de completa abstração que até se esforça, mas não consegue explicar e/ou atingir toda a complexidade da vida real. A busca por um conhecimento que seja ponte para uma verdadeira natureza, felicidade, arte ou Deus foi totalmente criticada e despedaçada pela própria ciência. E não tendo essa ciência princípios, vale o questionamento: que devemos fazer e como devemos viver frente a essa completa desorientação nebulosa?

A resposta do como se viver não nos é dada por esse novo estágio que se encontra a ciência. Weber trás exemplos disso nos mais variados ramos do conhecimento. Nas Ciências da Natureza, apesar de prezar pelo desenvolvimento de leis que devam explicar minimamente o devir cósmico, enxerga-se uma dificuldade em responder objetivamente o porquê esse mundo merece existir ou se ele encerra algum sentido. Na Medicina a preservação de uma vida, mesmo em estado terminal, ainda é vista como merecedora de ser preservada com base em argumentos estritamente técnicos que fogem da pergunta: isso tem algum sentido? Nas Artes, os conhecimentos produzidos não conseguem responder satisfatoriamente indagações do tipo: deveria haver obras de arte? Por fim, as chamadas por Weber de Ciências Históricas ao buscarem compreender fenômenos políticos, sociais, literários e econômicos não conseguem responder questões do tipo: esses fenômenos mereceriam realmente existir?

Saindo das perguntas sem respostas e se detendo a disciplinas que lhe são caras (ele cita no texto a Sociologia, a História, a Economia Política, a Ciência Política e a Filosofia), Weber busca finalmente traçar algum princípio no que tange a formação e reprodução do conhecimento científico. Nesse princípio procurado, Weber afirma que: não se deve misturar, em sala de aula, ciência com política. Isso porque se posicionar politicamente é visto por ele como o inverso de analisar cientificamente estruturas sociais e políticas. Se posicionar politicamente é proibido por parte do cientista? Não, mas que faça isso no lugar devido que são as reuniões públicas onde se pode substituir a análise científica pelo apego político. Por isso,
"Seria vil empregar as palavras de tal maneira em uma sala de aula. Quando, em um curso universitário, manifesta-se a intenção de estudar, por exemplo, a 'democracia', procede-se ao exame de suas diversas formas, o funcionamento próprio de cada uma delas e indaga-se das consequências que uma e outra acarretam; em seguida, opõe-se à democracia as formas não-democráticas da ordem política e tenta-se levar essa análise até a medida em que o próprio ouvinte se ache em condições de encontrar o ponto a partir do qual poderá tomar posição, em função de seus ideais básicos" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 39)
A rua e as reuniões públicas estão para os demagogos sendo um erro do professor usar de sua posição hierárquica para formar discípulos de suas próprias concepções políticas. Sendo assim, "O professor que sente a vocação de conselheiro da juventude e que frui da confiança dos moços deve desempenhar esse papel no contacto pessoal de homem para homem. Se ele julga chamado a participar das lutas entre concepções de mundo e entre opiniões de partidos, deve fazê-lo fora da sala de aula, deve fazê-lo em lugar público, ou seja, através da imprensa, em reuniões, em associações, onde queira" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 44). Dito isso, qual é a contribuição positiva da ciência para a vida prática e pessoal dos indivíduos? Weber destaca quatro pontos, são eles:
  1. Domínio técnico da vida, o conhecimento científico coloca o homem a par de ferramentas teóricas que permitem o domínio da vida por meio da previsão;
  2.  Formação de métodos de pensamento, ou seja, instrumentos e ferramentas que ajudam a instrumentalizar o pensar; 
  3. Clareza em mostrar diferentes perspectivas, onde mostra as várias possibilidades práticas em atender a problemas variados onde o papel do professor se limita a mostrar a necessidade de escolher um caminho sem direcionar para qual em específico; 
  4. Clareza em demonstrar a significação das coisas, onde o cientista pode esclarecer se tal ou qual visão se liga a uma e não de outra perspectiva. 
E encerrando, "Se um professor alcança esse resultado, inclino-me a dizer que ele põe a serviço de potências 'morais', ou seja, a serviço do dever de levar a brotarem, nas almas alheias, a clareza e o sentido de responsabilidade. Creio que lhe será tanto mais fácil realizar essa obra quanto mais ele evite, escrupulosamente, impor ou sugerir, à audiência, uma convicção. 

A Política Como Vocação (1919) - A pergunta inicial feita por Max Weber nessa conferência realizada em 1919 é: que é a vocação política e qual o sentido que pode ela revestir? Para sanar essa indagação, faz-se necessário primeiramente conceituar política. Sendo assim, ele considera política tudo aquilo que está em volta da instituição "Estado", então visto como um agrupamento político. Mas o que seria então o Estado? Na análise weberiana, o Estado enquanto agrupamento político é visto pelo meio que lhe é peculiar: o uso da coação física na manutenção de sua dominação. Weber deixa claro que a violência não é vista somente no Estado (que também utiliza outros meios para dominar), porém, é o uso desta é sua característica mais singular em comparação com outros agrupamentos. Sendo assim, o conceito de Estado em Weber seria:
"Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território - a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado - reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 56)
Já como política, entende Weber como "o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 56). Em resumo, a política em Weber é o interesse em torno da divisão, conservação e/ou transferência do poder. E esse poder nada mais seria que a probabilidade de aceitação de uma dominação. Sendo necessária a divisão na sociedade entre dominadores versus dominados para a manutenção do Estado, surge outro questionamento no autor: em que justificações se apóia essa dominação?

Weber, inicialmente, enxerga três fundamentos que legitimam a dominação, são os famosos e conhecidos tipos de dominação que abaixo elencaremos:
  • Poder Tradicional: ou seja, "a autoridade do 'passado eterno', isto é, dos costumes santificados pela validez imemorial e pelo hábito, enraizado nos homens, de respeitá-los" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 57). É o caso dos patriarcas e senhores de terra, segundo Weber;
  • Poder Carismático: ou seja, "a autoridade que se funda em dons pessoais e extraordinários pessoais depositadas em alguém que se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que dele fazem o chefe" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 57). É o caso dos grandes demagogos ou dirigentes de partidos políticos;
  • Poder Legal: ou seja, é uma autoridade assentada "em razão da crença na validez de um estatuto legal e de uma 'competência' positiva, fundada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, a autoridade fundada na obediência, que reconhece obrigações conformes ao estatuto estabelecido" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 58). É o caso do servidor do Estado, segundo o próprio Weber. 
Dois sentimentos mantém firmes os alicerces desses tipos de dominação, são eles: o medo da punição e a esperança de alguma recompensa. Seguindo a tradição em indagar antes de aprofundar seus reflexões, pergunta-se Weber: de que modo as forças políticas em torno do Estado conseguem manter sua autoridade para além das dominações descritas acima? Simples: necessita de ferramentas materiais que podem ser resumidas brevemente da seguinte maneira, 
"Toda empresa de dominação que reclame continuidade administrativa exige, de um lado, que a atividade dos súditos se oriente em função da obediência devida aos senhores que pretendem ser os detentores da força legítima e exige, de outro lado e em virtude daquela obediência, controle dos bens materiais que, em dado caso, se tornem necessários para aplicação da força física. Dito em outras palavras, a dominação organizada, necessita, por um lado, de um estado-maior administrativo e, por outro lado, necessita dos meios materiais de gestão" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 59).
Para que qualquer tipo de dominação se mantenha no poder é preciso o estado-maior administrativo (conjunto de ações que levem a obediência dos dominados) e também os meios materiais de gestão (recursos econômicos que venham a sustentar a estrutura a necessária força física). Dentre esses meios materiais de gestão, Weber destaca dois tipos: 01) o primeiro onde o próprio estado-maior administrativo é detentor dos instrumentos de gestão; 02) o segundo onde esses instrumentos de gestão são destituídos do estado-maior administrativo. O segundo caso é característico da sociedade feudal, onde o próprio vassalo arcava com as despesas no tocante a administração e segurança do território em que estava residindo, já o segundo é obra do Estado Moderno que ao centralizar os meios de gestão no estado-maior administrativo acabou criando uma espécie de "trabalhadores do Estado" que estão subordinados as ordens de políticos que detém o poder de distribuição dos cargos.

Sendo assim, "o Estado moderno é um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou (com êxito) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 62). E foi desse processo de centralização dos meios materiais de gestão nas mãos do estado-maior administrativo que surgiu uma nova espécie de homens: os políticos profissionais, responsáveis pela administração do Estado Moderno.

Outrora funcionário dos monarcas, os políticos profissionais são resultado do desenvolvimento de um processo que culminou na formação do que conhecemos hoje como Estado Moderno. Dito isso, Weber divide suas formas de se fazer política: 01) exercício ocasional da política, fazendo dela uma profissão secundária; 02) exercício permanente da política, fazendo dela uma profissão principal. Logo, "Nossa distinção assenta-se, portanto, num aspecto extremamente importante da condição do homem político, ou seja, o aspecto econômico. Daquele que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que 'vive da política' e diremos, no caso contrário que 'vive para a política" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 65). O determinante aí, para Weber, seria a detenção ou não de propriedade privada por parte do indivíduo.

Apesar de não simplificar sua argumentação, concluindo que indivíduos com muito poder aquisitivo estarão imunes de praticar atividade política sem intenções de ganhos econômicos com ela, Weber afirma que no caso de indivíduos despossuidores de propriedade a condição em participar da política não é relacional mais sim regular e garantido. Esses empregos surgem em várias instituições ligadas diretamente ou indiretamente ao Estado sendo as lutas partidárias mais um resultado por busca de emprego que um resultado de inspirações ideológicas. Logo, "Dessa forma, aos olhos de seus aderentes, os partidos aparecem, cada vez mais, como uma espécie de trampolim que lhes permitirá atingir este objetivo essencial: garantir o futuro" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 69).

Essas disputas internas nos partidos seriam responsáveis por apenas um grupo de funcionários do Estado chamados aqui por "funcionários políticos". Porém, o Estado Moderno desenvolveu outro tipo de funcionário: os de carreira, inspirados por uma capacidade técnica e estritamente profissional no exercício de suas funções. Pontuada a existência desses funcionários de carreira, Weber volta ao debate sobre os partidos políticos e os funcionários políticos que neles se encontram. Enxergando os partidos políticos como uma empresa de interesses, o autor constata a importância que o tipo de dominação carismática exerce grande serventia aos interesses partidários ao sobrepor as qualidades individuais do líder aos programas partidários abstratos frente a população votante.

Feito essa longa reflexão e já se encaminhando para o fim da conferência, Weber questiona: quais são as características que deve conter alguém que deseje adentrar na carreira política? É bem verdade que o impulso daqueles que desejam essa carreira é o que ele chama de "sentimento de poder", basicamente representa como a consciência de deter em mãos um importante elemento da História. E é partindo para questões puramente éticas que Weber se pergunta: que tipo de homem deve ser esse que deseja ter em mãos a roda da História? Para ele, três são as características ou qualidades que o homem político deve conter. São elas: a) a paixão, vista como uma devoção apaixonada a uma causa; b) sentimento de responsabilidade; c) senso de proporção, vista como uma qualidade subjetiva e psicológica que promova no homem política a tranquilidade necessária para avaliar os fatos com temperança. É enxergar os fatos fora da mera paixão, em suma, "Quer dizer que ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por consequência, manter à distância os homens e as coisas" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 106). Isso porque "Faz-se política usando a cabeça e não as demais partes do corpo" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 106).

E o que esse homem político deve evitar? A vaidade, vista por Weber como "inimiga mortal" tanto da devoção a uma causa quanto a qualidade da proporção. A vaidade pode transformar a atividade política em mera "exaltação pessoal", o que pode fazer o homem político: a) se afastar de alguma causa; b) não ter sentimento de responsabilidade. Sendo assim, analisa Weber:
"O demagogo é obrigado a contar com o 'o efeito que faz' - razão por que sempre corre o perigo de desempenhar o papel de um histrião ou se assumir, com demasiada leviandade, a responsabilidade pelas consequências de seus atos, pois que está preocupado continuamente com a impressão que pode causar sobre os outros. De uma parte, a recusa de se colocar a serviço de uma causa o conduz a buscar a aparência e o brilho do poder, em vez do poder real; de outra parte, a ausência do senso de responsabilidade o leva a só gozar do poder pelo poder, sem deixar-se animar por qualquer propósito positivo" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 107).
Por fim, Weber encerra a conferência questionando: qual a ética da política? Ele divide a ética em duas faces: a) Ética da convicção, exemplificada na moral religiosa onde se busca um fim através de um meio; b) Ética da responsabilidade, vista como uma ética não pura que aceita certos desvios (ou pequenos avanços) dos meios para que se atinja os fins. A primeira segue a coerência pura, já a segunda preza pelo cálculo. Vamos supor um membro de uma seita pacifista. Na ética da convicção, esse membro agirá sob certos princípios irrenunciáveis como o não uso de violência na resolução de conflitos. Porém, pensando num ação baseada na ética da responsabilidade, o membro poderia adotar uma resistência contra certos invasores tendo como princípio a preservação de sua comunidade, mesmo que essa resistência passe por ações violentas. Existe então um paradoxo ético que o político deve sempre compreender e saber utilizar em seu proveito.

Dito isso, Weber alerta: sendo a política interligada com a dominação e o poder, seus meandros sempre levará a dilemas éticos. E esses dilemas éticos na política sempre acarreta conflitos irreconciliáveis, sendo a violência seu principal resultado. Apesar disso, espera-se do autêntico líder político que ele consiga unir em sua atividade as duas facetas da ética descritas acima, alcançando assim a vocação política por excelência.  Encerramos esse breve resumo com as últimas palavras do sociólogo alemão Max Weber nesta conferência e que resume a vocação política por excelência que falamos anteriormente:
"A política é um esforço tenaz e enérgico para atravessar vigas de madeira. Tal esforço exige, a um tempo, paixão e senso de proporções. É perfeitamente exato dizer - e toda a experiência histórica o confirma - que não se teria jamais atingido o possível, se não se houvesse tentado o impossível. Contudo, o homem capaz de semelhante esforço deve ser um chefe e não apenas um chefe, mas um herói, no mais simples sentido da palavra. E mesmo os que não sejam uma coisa nem outra devem armar-se da força de alma que lhes permita vencer o naufrágio de todas as suas esperanças. Importa, entretanto, que se armem desde o presente momento, pois de outra forma não virão a alcançar nem mesmo o que hoje é possível. Aquele que esteja convencido de que não se abaterá nem mesmo que o mundo, julgado de seu ponto de vista, se revele demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para merecer o que ele pretende oferecer-lhe, aquele que permaneça capaz de dizer 'a despeito de tudo!', aquele e só aquele tem a 'vocação' da política" (WEBER, Max. São Paulo: 2011, p. 123/124)















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