domingo, 24 de março de 2019

Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo



  • Sobre o autor: Benedict Richard O'Gorman Anderson, ou simplesmente Benedict Anderson, nasceu em 1936 na cidade de Kunming, China. Filho de descendentes britânicos, Benedict rumou para os EUA ainda criança onde ganhou cidadania norte-americana. Já na fase adulta foi para a Inglaterra onde se formou pela Universidade de Cambridge. Voltaria aos EUA onde se tornou professor pela Universidade Cornell, situada em Nova York. Sua principal obra é essa que iremos resumir brevemente abaixo. Lançada em 1983, ela deteve tradução para 21 idiomas. Benedict foi irmão do historiador marxista Perry Anderson, falecendo em 2015 por conta de um ataque cardíaco. 



Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo - Benedict Anderson - Editora Companhia das Letras


Apresentação - Imaginar é difícil (porém necessário): Essa apresentação, muito bem escrita pela antropóloga Lilia Schwarcz, vem fazer um breve e rico comentário sobre princípios básicos que norteiam a obra. De imediato observamos uma certa inovação da obra sobre a temática do nacionalismo, pois Lilia afirma que Anderson se afasta das interpretações então dominantes sobre o assunto. Primeiro se distancia do filósofo Ernest Gellner (que ligava o surgimento do nacionalismo ao desenvolvimento da industrialização européia), depois rompia com o historiador Elie Kedourie (que ligava o surgimento do nacionalismo com a Revolução Francesa) e por fim também s distanciava das postulações feitas por Eric Hobsbawm sobre o assunto (apesar de não explicitar onde exatamente Anderson rompe com o historiador britânico).

A obra vem defender a tese de que as nações não são apenas inventadas mais também imaginadas. A ideia de nação representa para determinada coletividade anseios, desejos e projeção para o futuro. Ela constrói a "alma" de um povo. Sendo assim, "Benedict Anderson mostra como o nacionalismo, ao contrário do modelo marxista, que privilegia a esfera da "emissão" e entende a política como exercício exclusivo dos mandatários e poderosos, possui uma legitimidade emocional profunda" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 10). Essa emoção torna uma construção nova como artefato do passado, passando por um processo de naturalização desse passado que se liga ao presente. E sem se preocupar com uma argumentação racional dos fatos, a retórica nacionalista sofre de "amnésias" que recortam o passado na busca de justificar o presente.

Com isso, Anderson se afasta de duas concepções de nacionalismo. A primeira naturalista ou essencialista que acredita em elementos naturais do nacionalismo e a segunda de cunho maquiavélico que enxerga a construção do nacionalismo sob um forte controle dos governos então representados por suas classes dominantes. Sua visão é baseada na Antropologia, vendo o nacionalismo como uma espécie de parentesco. E sendo toda nação uma construção imaginativa, o que muda são os estilos que são imaginadas e os recursos usados no decorrer dessa construção. A nação em Anderson tem três características e se apresentam como: a) limitadas, ou seja, se encontra num determinado território e não pretende ser representante de toda a humanidade; b) soberanas, ou seja, nascem na história através do enfraquecimento tanto do pensamento religioso quanto do jugo dinástico que tanto preza pela prática da submissão; c) comunidades imaginadas, ou seja, "independentemente das hierarquias e desigualdades efetivamente existentes, elas sempre se concebem como estruturas de camaradagem horizontal. Estabelece-se a ideia de um "nós" coletivo, irmanando relações em tudo distintas" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 12).

O nacionalismo surge quando o pensamento religioso começa a perder força na Europa, possibilitando novas formas de olhar o mundo e consequentemente novas maneiras de identidade. Aqui Lilia destaca a influência que Anderson recebe de Walter Benjamin na defesa da noção de simultaneidade, então de importância ímpar para o desenvolvimento do nacionalismo. Ela teria como função criar uma noção de tempo vazio e homogêneo que seria perfeita para que frutificassem as explicações mitológicas, então base das teorias nacionalistas que estavam preocupadas nos mitos fundadores de seus grupos nacionais. O chamado "capitalismo editorial" impulsiona essas explicações, tendo a unificação da língua como base. Seja através dos jornais (utilizando a história selecionada) ou dos romances literários (confirmando a hipnótica das explicações mitológicas), o "capitalismo editorial levava a cabo para um alcance cada vez maior de pessoas a ideia de nação. A língua seria o suporte, servindo também como parte de uma antiguidade a ser defendida.

Também é analisado por Anderson o papel dos censos, mapas e museus na construção do nacionalismo. Com os censos foi possível conhecer detalhadamente as pessoas presentes naquele dado território, facilitando a elaboração de políticas. Os mapas estabeleceram limites geográficos, reforçando a ideia do "nós" em contraponto ao "eles". Por fim, os museus ajudaram no fortalecimento de histórias tipicamente nacionais. Para encerrar esse breve resumo do que foi/será a obra, encerro com o seguinte trecho da autora:
Nações são imaginadas, mas não é fácil imaginar. Não se imagina no vazio e com base em nada. Os símbolos são eficientes quando se afirmam no interior de uma lógica comunitária afetiva de sentidos e quando fazem da língua e da história dados "naturais e essenciais"; pouco passíveis de dúvida e de questionamento. O uso do "nós", presente dos hinos nacionais, nos dísticos e nas falas oficiais, faz com que o sentimento de pertença se sobreponha à ideia de individualidade e apague o que existe de "eles" e de diferença em qualquer sociedade (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 16)
Introdução: Benedict Anderson inicia a introdução dando como exemplo a Guerra Cambojana-Vietnamita. Essa guerra, ocorrida entre dois países socialistas, é usada pelo autor como forma de refletir sobre a importância do nacionalismo que chegava ao ponto de propiciar um conflito bélico entre duas nações que teoricamente professam projetos de sociedade semelhantes, representados pela teoria marxista. Com isso, afirma que "a realidade é muito simples: não se enxerga, nem remotamente, o "fim da era do nacionalismo", que por tanto tempo foi profetizado. Na verdade, a condição nacional [nation-ness] é o valor de maior legitimidade universal na vida política dos nossos tempos" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 28). Dito isso, Anderson fala sobre o objetivo da presente obra que é analisar as origens históricas, os significados criados ao longo do tempo e a legitimidade emocional em torno do nacionalismo então visto por ele como produto cultural específico se modelando com suas especificidades em variados terrenos sociais.

Ao estudar o fenômeno do nacionalismo, os teóricos encontram três paradoxos destacados por Anderson. São eles: 01) se refere a oposição entre a visão do historiador que enxerga um teor moderno na ideia de nação versus a visão dos nacionalistas que enxergam um teor antigo; 02) se refere a evidente universalização do nacionalismo como conceito sociocultural presente no mundo moderno (basta perceber que todos tem uma nacionalidade) versus a percepção de que o processo de desenvolvimento do nacionalismo remete a uma definição sui generis onde o nacionalismo grego se difere do nacionalismo de outro país; 03) se refere ao poder político dos nacionalistas versus a pobreza intelectual desses mesmos nacionalistas na justificação de suas ideias. Acima desses paradoxos, Anderson baseia sua concepção de nacionalismo que para ele está mais próximo do conceito de "parentesco" e "religião" que de qualquer ideologia política definida como o "liberalismo" ou o "fascismo". Sendo assim, "dentro de um espírito antropológico, proponho a seguinte definição de nação: uma comunidade política imaginada - e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 32).

A nação é uma comunidade imaginada "porque mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.32). A nação é uma comunidade limitada "porque mesmo a maior delas, que agregue, digamos, um bilhão de habitantes, possui fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais existem outras nações. Nenhuma delas imagina ter a mesma extensão da humanidade" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 33).

A nação é uma comunidade soberana "porque o conceito nasceu na época em que o Iluminismo e a Revolução Francesa estavam destruindo a legitimidade do reino dinástico hierárquico de ordem divina" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 34). Por fim, a nação é imaginada como uma comunidade "porque, independentemente da desigualdade e da exploração efetivas que possam existir dentro delas, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 34).

Capítulo 01 - Raízes culturais

Benedict Anderson inicia o capítulo falando dos cenotáfios, memorial fúnebre erguido para homenagear alguma pessoa ou grupo cujos restos mortais estão em outro local ou estão em local desconhecido, de soldados desconhecidos que vem representar imagens nacionais espectrais. Seu questionamento é: por que o marxismo ou o liberalismo não reconhecem os seus em monumentos como os cenotáfios? Segundo Anderson essas duas ideologias não se preocupam com a morte ou a imortalidade. O significado cultural dos cenotáfios está mais alinhado com o imaginário nacionalista, então diferente das ideologias políticas acima citadas. Isso porque, segundo o autor, o imaginário nacionalista detém raízes que o aproximam mais do imaginário religioso que dessas ideologias. O resgate dessas raízes culturais do nacionalismo é o que se busca no presente capítulo.

A religião sempre se preocupou com questões negligenciadas por ideologias políticas como o marxismo e o liberalismo. A própria sobrevivência de religiões milenares como o Cristianismo, o Budismo e o Islamismo se faz pela sua capacidade de imaginativamente tornar o peso do sofrimento humano menor ao ligar fatalidade com continuidade. O Iluminismo, vigente hegemonicamente a partir o século XVIII, enfraqueceu o pensamento religioso e outros estilos de continuidades foram pensadas. A ideia de nação foi, certamente, uma das mais presentes nessa nova construção imaginativa.

Isso significa que o advento do nacionalismo foi produto direto do enfraquecimento do pensamento religioso ou que a ideia de nação tenha sido um substituto direto das religiões? Não, afirma o autor. Seu objetivo é,
O que estou propondo é o entendimento do nacionalismo alinhando-o não a ideologia políticas conscientemente adotadas, mas aos grandes sistemas culturais que o precederam, e a partir dos quais ele surgiu, inclusive para combatê-los (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 39).
Os sistemas culturais que precederam o nacionalismo e que são analisados por Benedict são a comunidade religiosa e o reino dinástico, pois ambos foram referências incontestes no seu apogeu. O que se busca trazendo esses dois sistemas culturais é mostrar o que conferiu sua legitimidade e em seguida analisar os processos que acarretaram sua decomposição.
  • Comunidade Religiosa: as comunidades religiosas amparavam uma imensa comunidade, unificada por uma língua sagrada que conseguia ligar pessoas de diferentes regiões do globo. O exemplo dado pelo autor é claro: se um maguindanauense encontrasse um berbere em Meca, apesar de terem idiomas orais diferentes, conseguiriam se comunicar através do árabe clássico que é a língua sagrada do Islã. O árabe cria signos universais dentro do Islã. A principal diferença entre as línguas sagradas que davam unidade a comunidade religiosa das comunidades imaginadas que se desenvolveram a partir da modernidade, reside no sacramentalismo de caráter único de suas línguas sendo base para o desenvolvimento da ideia de conversão. E quais as principais causas do enfraquecimento da comunidade religiosa? Para Anderson, dois acontecimentos atuaram fortemente no declínio desse tipo de comunidade. O primeiro foi o contato que os europeus começaram a desenvolver com outras culturas as quais "ampliaram violentamente o horizonte cultural-geográfico e, simultaneamente, os conceitos acerca das possíveis formas de vida humana, o que ocorreu sobretudo, mas não exclusivamente, na Europa"  (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 44). Um certo relativismo religioso começou a se desenvolver como mostra Anderson ao citar descrições que o viajante europeu Marco Polo fez de Cublai Cã. Já o segundo motivo foi um crescente enfraquecimento das línguas sagradas, em especial o latim na Europa Ocidental. Isso só foi possível graças ao Capitalismo Tipográfico que surgiu após a Reforma Protestante e gerou uma descentralização do uso do sagrado, então centralizado na Igreja Católica que preservava o latim como única língua que se ensinava. Afirma o autor que "se, entre as 88 edições impressas em Paris em 1501, apenas oito não eram em latim, após 1575, a maioria era sempre em francês"  (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 46). Em suma, o declínio do latim como língua sagrada unificadora afetou a comunidade religiosa, gerando uma pluralização e territorialização típico de ideias relativistas. 
  • Reino Dinástico: hoje parece difícil imaginar um mundo governado por reino dinásticos, mas no imaginário antigo esses reinos tiveram forte legitimidade principalmente em conjunturas onde as fronteiras não eram bem definidas. A expansão dos reinos dinásticos não se fez apenas através das guerras. Uma política sexual, baseada no casamento dinástico, reunia familiares de diversas regiões. Após o século XVII, por razões múltiplas não detalhadas pelo autor, os reinos tiveram seu declínio iniciado que só teria finalização após a Primeira Guerra Mundial com o fim dos grandes impérios dinásticos na Europa. 
Tanto as comunidades religiosas, quanto os reinos dinásticos, desenvolveram uma ideia que futuramente seria bastante utilizada para fundamentar o nacionalismo: a ideia de simultaneidade de um tempo vazio e homogêneo. A ideia de simultaneidade "concebe o tempo como algo próximo ao que Benjamin denomina 'tempo messiânico', uma simultaneidade de passado e futuro, em um presente instantâneo. Nessa visão das coisas, a palavra 'entrementes' não pode ter nenhum significado real"  (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 54). Melhor dizendo, 
A ideia de um organismo sociológico atravessando cronologicamente um tempo vazio e homogêneo é uma analogia exata da ideia de nação, que também é concebido como uma comunidade sólida percorrendo constantemente a história, seja em sentido ascendente ou descendente. Um americano nunca vai conhecer, e nem sequer saber o nome, da imensa maioria de seus 240 milhões de compatriotas. Ele não tem ideia do que estão fazendo a cada momento. Mas tem plena confiança na atividade constante, anônima e simultânea deles  (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 56/57).
E quais os recursos utilizados pelo Capitalismo Tipográfico no desenvolvimento dessa ideia de simultaneidade? Dois veículos são fundamentais nesse processo: o romance e o jornal. Sobre o uso dos romances no desenvolver de uma comunidade imaginada, o autor cita três exemplos no texto: a) José Rizal, romance Noli me tangere, obra considerada basilar na literatura filipina; b) José Joaquín Fernandez de Lizardi, romance El Periquillo Sarniento ou O Periquito Sarnento, retrata uma forte crítica ao governo metropolitano espanhol que exercia poder sob o México; c) Mas Marco Kartodikromo, romance Semarang Negro, representa obra-prima no desenvolvimento do nacionalismo indonésio. Sobre o jornal, Anderson afirma que o fato dele abarcar em uma edição variados fatos que não se cruzam diretamente vem provar que o vínculo entre esses acontecimentos é apenas imaginado. Esse mundo imaginado é assegurado graças a presença do jornal em cada esquina. 

Em suma, o capítulo buscou refletir sobre as influências culturais que deteve a ideia de nação. A primeira delas foi a comunidade religiosa, unificada com base numa única língua sagrada que detém o privilégio da verdade. A segunda são os reinos dinásticos, que desenvolvendo um sentimento de lealdade unia os indivíduos com base num respeito e obediência a um centro elevado. Por fim, a terceira é a ideia de temporalidade e simultaneidade que coloca aos homens como seres de uma mesma origem que se liga intimamente ao presente. Temos então a tríade fraternidade (comunidade religiosa), poder (reino dinásticos) e o tempo (ideia de simultaneidade) que serão reconstruídos sob a ideia de nação. 

Capítulo 02 - As origens da consciência nacional 

Três são os processes originários para Anderson na fundação de uma consciência nacional. São eles: a) Mudanças no Latim, resultado do crescente desenvolvimento da vernacularização das línguas que impunha o Capitalismo Tipográfico. Os filósofos humanistas na divulgação do pensamento pré-cristão, detiveram importância crucial na quebra da centralidade do latim; b) Reforma Protestante, garantiu o enfraquecimento da instituição que garantia a força do latim como língua sagrada. Com Lutero, a Bíblia foi não só traduzida para o alemão como teve um aumento quantitativo de sua publicação. O resultado disso não foi só a vernacularização da língua, mais também sua popularidade quantitativa. E "nessa titânica 'batalha pelo espírito dos homens', o protestantismo sempre manteve a ofensiva, justamente porque sabia como utilizar o mercado editorial vernáculo, que estava sendo criado e expandido pelo capitalismo, enquanto a Contrarreforma defendia a cidadela do latim" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 74); c) Expansão das Línguas Vernáculas, buscou-se enfraquecer o latim aderindo ao desenvolvimento de línguas vernáculas que tinham um papel administrativo importante na centralização administrativa que objetivava o Estado Absolutista. Essas línguas vernáculas oficiais ajudaram no declínio da comunidade religiosa que tinha no latim seu elo centralizador. Em suma, 
O que tornou possível imaginar as novas comunidades, num sentido positivo, foi uma interação mais ou menos casual, porém explosiva, entre um modo de produção e de relações de produção (o capitalismo), uma tecnologia de comunicação (a imprensa) e a fatalidade da diversidade linguística humana (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 78).
A expansão impressa das línguas vernáculas, causa central do enfraquecimento do latim, ajudaram a desenvolver uma ideia de consciência nacional ao:

  • Em primeiro lugar, criando um intercâmbio unificado que estava abaixo do latim e acima dos vernáculos falados. As diversas variantes do inglês, francês e/ou espanhol acabavam sendo unificadas linguisticamente através da letra impressa. Surgia um tipo de integridade que forma o embrião da comunidade nacional imaginada; 
  • Em segundo lugar, a língua impressa ao ligar os homens do século XVII com as gerações posteriores criava uma ideia subjetiva de nação que tinha como base a construção de uma noção de antiguidade;
  • Por fim, a letra impressa desenvolvida e popularizada pelo Capitalismo Tipográfico, criaram novas línguas vernáculas que se diferenciavam daquele vernáculo oficial de cunho primordialmente administrativo e estatal. 
Finalizando a ideia do capítulo, 
Podemos resumir as conclusões dos argumentos apresentados até agora dizendo que a convergência do capitalismo e da tecnologia de imprensa sobre a fatal diversidade da linguagem humana criou a possibilidade de uma nova forma de comunidade imaginada, a qual, em sua morfologia básica, montou o cenário para a nação moderna (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 82).
Capítulo 03 - Pioneiros crioulos

Nesse capítulo, o autor aborda o desenvolvimento da consciência nacional na América Latina. Por aqui o desenvolvimento do nacionalismo se diferiu do caso europeu em dois aspectos principais: a) a secundarização do fator língua, vide que as metrópoles imperiais falavam a mesma língua dos crioulos da colônia; b) o nacionalismo não foi liderado por pelas classes inferiores e muito menos por uma classe média intelectualizada de estilo europeu, pelo contrário, a liderança estava em mãos dos fazendeiros locais com uma presença menor de comerciantes e profissionais como militares, funcionários públicos etc. A ideia era justamente liderar um processo de independência, antes que esse pudesse ser feito pelas classes inferiores. Tanto é que a Espanha contou o o apoio de escravos e de índios na luta contra os crioulos revoltosos, vide os casos da Venezuela e Equador, respectivamente.

Dito isso, questiona Anderson: por que os latino-americanos colonizados desenvolveram primeiro a ideia de consciência nacional em comparação com os europeus colonizadores? Dois motivos bem conhecidos devem ser levados em consideração: a) o fator opressão que a coroa espanhola vinha exercendo sobre suas colônias, especialmente no aumento abusivo de tributos e impostos; b) a difusão dos ideais iluministas e republicanos que se espalhavam no continente, tendo a língua espanhola que unia colonizados e colonizadores como artifício facilitador na difusão dessas ideias. A situação de inferioridade que se encontrava o colonizado, unia crioulos do México ao Chile. Isso porque "nascido nas Américas, ele não podia se um verdadeiro espanhol; ergo, nascido na Espanha, o peninsular não podia ser um verdadeiro americano" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 98). A diversidade de nacionalidades existentes depois dos processos de independência tem origem na própria estrutura administrativa colonial que fragmentou o continente. Um sinal claro dessa fragmentação é vista no texto com a análise que Anderson faz dos jornais latino-americanos. As produções jornalísticas ficavam muito restritas ao âmbito provincial, com isso os crioulos mexicanos poderiam saber do que se passava em Buenos Aires, mas não através dos jornais argentinos. Ele tinha conhecimento através dos jornais mexicanos que não tratavam a situação de outra província como parte integrante do seu processo, mas como casos meramente semelhantes.

Em suma, Anderson busca trazer no capítulo a ideia de que os fatores econômicos apesar de terem importância vital, não representam numa totalidade as causas do desenvolvimento da consciência nacional na América Latina. Tratando como uma conclusão provisória, ele sustenta a ideia de que outros fatores como a atuação dos impressores locais e também dos funcionários-peregrinos (aqueles que sentiam na pele suas diferenças com relação aos espanhóis colonizadores) tiveram papel importante no desenvolvimento não de uma consciência nacional única mais de consciências nacionais que deram origem a uma variedade de Estados-nações.

Capítulo 04 - Velhas línguas, novos modelos

Depois de traçar a origem da consciência nacional na América Latina, o autor segue para a Europa onde a centralidade da língua é um fator primordial no entendimento do processo europeu. O contexto que deu a língua a posição de propriedade privada teve na análise de William Jones sobre a civilização indiana um de seus motores. Jones descobriu que a sociedade indiana antecedeu a grega e também a judaica. Através das expedições napoleônicas, Jean Champollion decifrou os hieróglifos egípcios desenvolvendo uma Antiguidade extraeuropeia. Esse intenso processo de pluralidade, que retirava ou buscava questionar a ideia de que a Europa era o centro do universo, acabou baseando ideologicamente a Europa oitocentista culminando numa dessacralização da língua que por sua evidente diversidade não pertencia a uma divindade. Assim, "podemos ilustrar essa revolução lexicográfica como se fosse o trovejar crescente numa arsenal que começa a explodir, conforme cada pequena explosão se propaga e detona outras, até que o clarão final transforma a noite em dia" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 113).

Essas ideias estavam de acordo com a nova conjuntura européia, onde as antigas classes aristocráticas estão em decadência, enquanto a burguesia cresce em poder e influência. As antigas maneiras de se reconhecer como parte de uma comunidade, baseada pela família pelos aristocratas, dão lugar a novas formas de identidade que a burguesia necessita para se unir enquanto classe. Ligados pelos negócios e não pelos laços sanguíneos, a burguesia foi a primeira classe a forjar solidariedade com base em concepções essencialmente imaginadas. A produção desses filólogos, gramáticos e jornalistas estavam alinhadas a essa imaginação em construção. Mover as massas na consolidação dessa nova comunidade imaginada que se buscava forjar, só seria possível desenvolvendo uma língua vernácula específica que servisse como base para a atuação política. O papel desses intelectuais, em sua maioria componentes de uma classe média intelectualizada, foi criar um elo comunicacional com as classes subalternas com base na construção dessas línguas vernáculas. A serviço de uma burguesia que buscava unir para consolidar sua dominação, essa intelectualidade lidera um movimento nacionalista com forte cunho populista que só teria sentido numa nova construção identitária que buscasse o convencimento por outros meios sem ser a mera obediência servil típica dos aristocratas.

Capítulo 05 - Imperialismo e nacionalismo oficial

Nesse capítulo, Anderson conceitua e contextualiza o aparecimento do chamado "nacionalismo oficial" (conceito criado por Seton-Watson). Em reação a revolução filológico-lexicográfica que baseou os primeiros movimento nacionalistas de forte cunho popular, as dinastias buscaram meios de se manter no poder utilizando ideais dessa nova conjuntura que surgiu. A ideia era se passar por aceitáveis, frente aos novos anseios nacionalistas, mesmo esses impérios abarcando uma gama de línguas que agora lutavam por sua autonomia frente a pluralidade. Esse "nacionalismo oficial" buscavam "combinar a naturalização e a manutenção do poder dinástico, em especial sobre os imensos domínios poliglotas amealhados desde a Idade Média, ou, dizendo de outra forma, de esticar a pele curta e apertada da nação sobre o corpo gigantesco do império" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 131). Seu teor era essencialmente conservador e reacionário, sendo o caso russo tratado como um dos vários exemplos citados pelo autor no texto.

Capítulo 06 - A última onda

Aqui Anderson busca debater a natureza do nacionalismo em continentes como África e Ásia após a Segunda Guerra Mundial. No contexto da formação dessa consciência nacional, temos: a) desenvolvimento tecnológico causado pelo capitalismo, facilitando as trocas e também a mobilidade; b) a necessidade prática dos Estados Coloniais em formar em suas colônias um número de bilíngues qualificados que se tornassem uma espécie de mediador entre colonizadores e colonizados; c) uma difusão do ensino no seu estilo moderno não apenas por parte do Estado, mas também por instituições paralelas como as comunidades leigas e religiosas. Esse contexto forjou aqueles responsáveis pelo desenvolvimento da consciência nacional nesses países: os intelectuais, agora bilíngues que eram a primeira geração de colonizados que recebiam uma educação diferenciada, diferenciado-se dos seus pais. Indo receber essa educação moderna em solo dos colonizadores, esses intelectuais passaram pela mesma situação que os funcionários peregrinos da América Latina. Com isso,
Em outros termos, a experiência comum e a camaradagem amigavelmente competitiva da sala de aula conferiam aos mapas da colônia que estudavam uma realidade imaginada territorialmente específica, a qual era confirmada cotidianamente pelas pronúncias e pelos traços fisionômicos dos colegas de classe (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 174)
O exemplo dos holandeses é didático. Eles usavam o termo inlanders para com esses intelectuais da colônia, sendo uma espécie de sinônimo de indígena. Ou seja, aquele ser "inferior", mas que apesar disso "pertencia" aquela comunidade. África Ocidental Francesa e Indochina são exemplos dados pelo autor ao detalhar esse processo.

Capítulo 07 - Patriotismo e racismo

O debate trazido aqui é de uma pertinência atual. Até então, Anderson afirma que buscou analisar os processos pelos quais a nação veio ser imaginada e após isso remodelada e transformada. Os apegos a essa imaginação, muito vinculado com racismo e aversão ao outro, é o que busca tratar o capítulo que desvincula a ligação nacionalismo e racismo pois o primeiro "inspiram amor, e amiúde um amor de profundo autossacrifício. Os frutos culturais do nacionalismo - a poesia, a prosa, a música, as artes plásticas - mostram esse amor com muita clareza, e em milhares de formas e estilos diversos" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 200). Esse amor é encontrado mesmo entre os povos colonizados e que sofreram violentas interferências dos países colonizadores. Logo,
Dessa maneira, a condição nacional [nation-ness] é assimilada à cor da pele, ao sexo, ao parentesco e à época do nascimento - todas essas coisas que não se podem evitar. E nesses "laços naturais" sente-se algo que poderia ser qualificado como "a beleza da Gemeinschaft [comunidade]" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 201).
A língua tem papel fundamental nesse processo de devoção amorosa a nação. Como constata Anderson, quando os anglófonos escutam "Earth to earth, ashes to ashes, dust to dust" criada há 450 anos sente-se um forte sentimento que atravessa o tal tempo vazio e homogêneo descrito anteriormente. Além disso,
Segundo, existe um tipo específico de comunidade contemporânea que apenas a língua é capaz de sugerir - sobretudo na forma de poemas e canções. Tomemos o exemplo dos hinos nacionais, cantados nos feriados nacionais. Por mais banal que seja a letra e medíocre a melodia, há nesse canto uma experiência de simultaneidade. Precisamente nesses momentos, pessoas totalmente desconhecidas entre si pronunciam os mesmos versos seguindo a mesma música. A imagem: o uníssono. Cantar a Marselhesa, a Waltzing Matilda e a Indonesia Raya oferece a oportunidade do uníssono, da realização física em eco da comunidade imaginada (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 203)
E mais,
Como parece desprendido esse uníssono! Se sabemos que, além de nós, há outras pessoas cantando essas canções exatamente no mesmo momento e da mesma maneira, não temos ideia de quem podem ser, ou até onde estão cantando, se fora ou não do alcance do ouvido. Nada nos liga, a não ser o som imaginado (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 204)
A língua abre e fecha as nações, criam ou não laços que não podem ser sanguíneos. Para Anderson, racismo e nacionalismo não são sinônimos e o segundo não detém suas raízes no primeiro. Isso porque,
Os sonhos do racismo, na verdade, têm a sua origem nas ideologias de classe, e não nas de nação: sobretudo nas pretensões de divindade entre os dirigentes e nas pretensões de "linhagem" e de sangue "azul" ou "branco" entre as aristocracias. Assim, não admira que o reputado pai do racismo moderno seja, não algum nacionalista pequeno-burguês, e sim Joseph Artur, conde de Gobineau. E tampouco admira que, no geral, o racismo e o antissemitismo se manifestem dentro, e não fora, das fronteiras nacionais. Em outras palavras, eles justificam mais a repressão e a dominação interna do que as guerras com outros países (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 209)
Quando tivemos expressões do racismo alinhada a ideia de nação, foi com o chamado "nacionalismo oficial" que como vimos nada mais foi que uma reação reacionária ao crescimento do nacionalismo popular, tendo como liderança e justifica ideias aristocratas.

Capítulo 08 - O anjo da história

O capítulo debate a relação entre revolução e nacionalismo. As revoluções para Anderson também são processos sociais impulsionados pela imaginação, vide a Revolução Russa que "foi decisivo para todas as revoluções do século XX, ao permitir que elas se tornassem imagináveis em sociedades ainda mais atrasadas do que todas as Rússias" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 218). As revoluções na Ásia, onde o campesinato se encontrava quantitativamente mais expressivo que o operariado, é um exemplo de como a imaginação pode ser grande aliado dos processos revolucionários.

Anderson também debate a continuidade de traços presentes do nacionalismo oficial nos processos pós-revolucionários, logo, "o 'nacionalismo oficial' se infiltra nos estilos de liderança pós-revolucionária de uma maneira muito mais sutil. Quero dizer que essas lideranças adotam facilmente a suposta nationalnost dos dinastas mais antigos e o Estado dinástico anterior" (ANDERSON, Benedict. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 223). Um exemplo clássico disso é a história em torno do termo "Viêt Nam". Em 1802, Gia-Long tentou nomear a região onde hoje se encontra o Vietnã de "Nam Viêt", porém, seu pedido foi recusado pela China que detinha o controle do território. Os chineses decidiram que o nome seria "Viêt Nam"e mesmo com essa origem opressora e aristocrata do nome, os vietnamitas comunistas de hoje defendem orgulhosamento o termo. O exemplo dado aos países socialistas não é por acaso, isso porque seus regimes revolucionários levam o compromisso histórico de destruir todos os traços feudais e capitalistas existentes anteriormente a revolução. Em suma, Anderson buscou elucidar as ligações mantidas entre a consciência nacional e os processos revolucionários com esses carregando tradições imaginadas por processos precedentes.

09) Censo, mapa, museu - 


10) Memória e esquecimento - 














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