terça-feira, 17 de julho de 2018

Cultura, um conceito antropológico


  • Sobre o autor: Roque de Barros Laraia é um antropólogo brasileiro nascido em Pouso Alegre, município localizado no sul de Minas Gerais. Formou-se bacharel em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1959. Em 1960, participou do curso de especialização em Teoria e Pesquisa em Antropologia Social no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nos anos 70, alcançou o título de doutor e pós-doutor. Em 1972, obteve seu doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) sob orientação ilustre do sociólogo Florestan Fernandes. Já em 1978 concluiu seu pós-doutorado na Universidade de Sussex, Inglaterra. Laraia já acumulou cargos acadêmicos de importância como a presidência da Associação Brasileira de Antropologia (1990-1992) e da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) em 2000. Desenvolveu pesquisa antropológica nas seguintes tribos indígenas do Brasil: a) Suruí; b) Akuáwa-Asurini; c) Kamayurá; d) Urubu-Kaapor. Também escreveu obras na Antropologia como "Índios e castanheiros" em 1967 (escrito conjuntamente com outro antropólogo, Roberto DaMatta) e "Tupi, índios no Brasil" em 1987. Atualmente é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). 




Cultura, um conceito antropológico - Roque de Barros Laraia - Editora Zahar


Introdução - O livro resumido é o mais conhecido de Roque Laraia, sendo bastante utilizado nos primeiros períodos do curso de Ciências Sociais. Trata-se de uma obra pequena, introdutória e com linguagem simples até para quem não é da área. Basicamente, a obra é dividida em duas partes que serão brevemente resumidas abaixo. São elas: 1) Da natureza da cultura ou da natureza à cultura, obtendo 06 pequenos capítulos; e 2) Como opera a cultura, obtendo 05 pequenos capítulos. Dois anexos encerram o livro (o primeiro chama-se "Uma experiência absurda" e o segundo "A difusão da cultura"), mas o foco aqui serão apenas os 11 capítulos que compõe a primeira e segunda parte.

01) Primeira parte - Da natureza da cultura ou da natureza à cultura

Antes de iniciar o capítulo 01 dessa primeira parte, Laraia faz uma breve reconstrução histórica buscando mostrar o quão a preocupação com a diversidade cultural está presente na história da humanidade. Heródoto com os lícios; Tácito com as tribos germânicas; Marco Polo com a China; José de Anchieta e Montaigne com os tupinambás são alguns exemplos citados da presença tanto dessa curiosidade em conhecer o outro quanto da estranheza que isso pode causar. Por fim, Laraia encerra esclarecendo o objetivo da primeira parte do livro: refutar os determinismos biológicos e geográficos que buscam explicar os nossos comportamentos com base em nossa genética ou local de moradia. Capítulo 01 - O determinismo biológico: é bastante antiga a ideia que vincula comportamento humano com inatismo. Mas para Laraia, os antropólogos estão totalmente convencidos que a genética não é fator determinante quando temos como análise o comportamento humano. Esse inatismo, ou seja, a ideia de que o ser humano possui comportamentos inatos foi oficialmente desconsiderada no pós-Segunda Guerra Mundial quando a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) declarou com apoio de vários cientistas a não ligação direta entre caracteres genéticos com comportamentos. Pelo contrário, o comportamento humano só pode ser devidamente explicado com o estudo da história cultural dos povos. O homem tem a capacidade de aprender e de maneira diferente a depender das manifestações culturais que o cercam. Laraia assume que existem diferenças físicas entre os homens, principalmente, no que tange ao sexo biológico (masculino e feminino). Entretanto, os comportamentos existentes entre os sexos não são determinados biologicamente mas tem forte influência cultural. Em suma, o papel do homem e da mulher muda a depender da cultura analisada. Para entender isso, o autor cita o exemplo da divisão sexual do trabalho. A tarefa de carregar pesados baldes de água é tarefa feminina no Xingu. Em nossa sociedade tarefas que requer tamanha disposição física é quase sempre atribuída ao sexo masculino, visto como representante da virilidade. Até manifestações biológicas podem ser ditadas pela cultura, vide a amamentação que na modernidade pode ser transferida para a figura masculino com o auxílio da mamadeira. O capítulo se encerra com a seguinte conclusão: nossos comportamentos são aprendidos através de um processo de aprendizagem, chamado de endoculturação e não por determinismo biológico/genético. Capítulo 02 - O determinismo geográfico: o determinismo geográfico vincula os comportamentos dos seres humanos a seu local de nascimento. Dois filósofos representam esse pensamento, são eles: a) Jean Bodin, afirmava que os povos do norte tem uma personalidade mais fiel, cruel e pouco interessada sexualmente já os povos do sul seriam maliciosos, abertos e mal adaptados ao exercício da política; b) Ibn Khaldun, acreditava que os povos de climas quentes tinham natureza passional, já os de climas frios não tinham vivacidade. Essas ideias foram amplamente refutadas por antropólogos como Alfred Kroeber e Franz Boas que em suas pesquisas de campo mostraram o seguinte: dentro de um mesmo território podemos encontrar uma farta variedade cultural e consequentemente comportamental. Laraia cita uma série de exemplos e podemos citar alguns como as diferenças entre os esquimós e os lapões no norte polar; dos índios pueblo e navajo nos EUA e dos índios brasileiros no Parque Nacional do Xingu. Portanto, fica entendido que é a cultura a qualidade que diferencia a espécie humana das demais espécies e que ela não é movida por nenhum tipo de determinismo. Capítulo 03 - Antecedentes históricos do conceito de cultura: nesse capítulo o autor passa rapidamente pela história envolvendo o conceito de cultura. O antropólogo inglês Edward Tylor foi quem cunhou o termo, sendo "tomado em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 25). A palavra cultura vem de Culture e é a junção de dois termos, o germânico Kultur (significa os aspectos espirituais de um povo) e do francês Civilization (significa os aspectos materiais de um povo). Tylor juntou o sentido desses dois termos e conceitou cultura. Kroeber destaca que o conceito de cultura, dado por Tylor, foi a maior obra realizada pela Antropologia na primeira metade do Século XX. Já Clifford Geertz acredita que atualmente a tarefa da Antropologia é "diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 27). O homem é a espécie que produz cultura, então a única. E para Laraia a cultura soma dois aspectos que só os seres humanos conseguiram desenvolver: a) comunicação oral; b) fabricação de instrumentos. Foi se comunicando e fabricando instrumentos que melhorassem a qualidade de vida que os homens produziram cultura, se diferenciando do restante da natureza. Capítulo 04 - O desenvolvimento do conceito de cultura: aqui Laraia mostra um pouco da mudança que o conceito de cultura sofreu durante a história da teoria antropológica. Tylor, seu formulador, acreditava que a cultura precisava ser estudada por possuir "causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultura e a evolução" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 30). A cultura tinha origem e era regida por leis que precisavam ser identificadas, analisadas e sistematizadas pelos antropólogos a fim de esclarecer o processo evolutivo do homem. Tylor enxerga os homens iguais e diferentes ao mesmo tempo, ou seja, são iguais porque fazem parte de uma mesma espécie mas diferentes no processo de evolução. Ou seja, "a diversidade é explicada por ele como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo evolutivo" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 32/33). Quais seriam esses estágios? Para Tylor, três: a) selvageria; b) barbárie; c) civilização. No último estágio estariam os europeus e nos outros as demais sociedades. Essas sociedades "selvagens" ou "primitivas" chegariam, algum dia, no processo civilizatório. A tarefa da Antropologia seria então escalar as sociedades. Essa escola de pensamento antropológico foi a pioneira e é chamada de Evolucionismo Cultural. Tylor não foi o único representante e Laraia citou outros nomes que seguiam a mesma linha de raciocínio. Entre os citados: a) Henry Maine, analisou os estágios culturais das sociedades com base em suas instituições jurídicas; b) Johann Bachofen, analisou os estágios culturais com base na ideia de promiscuidade e instituição do matriarcado; c) John McLennan, analisou os estágios culturais com base na ideia de matrimônio. Apesar de terem grande importância na fundação e desenvolvimento da Antropologia como ciência, os evolucionistas caíram em erros crassos como o etnocentrismo. Ou seja, julgar a cultura dos outros com base na sua. A reação ao evolucionismo foi o Particularismo Histórico desenvolvido por Franz Boas, antropólogo alemão com desenvolvimento intelectual nos EUA. Laraia destaca duas visões inovadoras de Boas para a Antropologia, são elas: a) análise dos povos só possível com uma reconstrução de sua história; b) a importância da comparação das diferenças culturais, tendo em mente que elas seguem leis que são universais apesar de terem demonstração diferenciada. Por fim, Laraia encerra o capítulo trazendo as concepções de Alfred Kroeber que procurou superar a oposição orgânico x cultural, dando ênfase e importância ao último. Para ele o homem é resultado do meio cultural em que vive e herdeiro de um processo acumulativo representado pelas gerações que o antecederam. Capítulo 05 - Ideia sobre a origem da cultura: qual a origem da cultura na história humana? Eis o questionamento desse capítulo. Laraia cita a visão de três antropólogos sobre isso, são eles: a) Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, achava que a cultura surge a partir do instante que o homem impõe a primeira regra social e essa seria a lei ou tabu do incesto que proibia homens de relacionar-se com certos tipos de mulheres; b) Leslie White, antropólogo norte-americano, afirmou que a cultura surge quando os homens foram capazes de produzir símbolos e esses "devem ter uma forma física, pois do contrário não podem penetrar em nossa experiência, mas o seu significado não pode ser percebido pelos sentidos" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 55/56); c) Alfred Kroeber, antropólogo norte-americano, considerava que a cultura surge após um salto qualitativo entre os primatas que passaram a desenvolver qualidades nunca antes vista como o de ensinar, aprender e exprimir-se. Laraia encerra o capítulo trazendo contribuições de Geertz que mostrou o desenvolvimento simultâneo entre equipamento biológico humano e a cultura. Capítulo 06 - Teorias modernas sobre cultura: encerrando a primeira parte da obra, Laraia traça uma sintética "árvore genealógica" da atual teoria antropológica e de como ela encara atualmente o conceito de cultura. A base para as afirmações, diz Roque Laraia, é o artigo "Theories of Culture" de Roger Keesing. A título de informação, temos as seguintes divisões: a) "teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 59) que pensam o conceito de cultura como "sistemas (de padrões de comportamentos socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 59). As mudanças sociais nessa corrente é vista como uma expressão de uma adaptação semelhante a seleção natural, pensada pelo biólogo Charles Darwin; b) "refere-se às teorias idealistas de cultura" (LARAIA, Roque de Barros, 2013, p. 60). Essa corrente se divide em três partes: b.1) a primeira seria a que encarra a cultura como sistema cognitivo, busca entender os sentidos dados a cultura pelos membros da comunidade que ela reproduz e sua prática é feita pelo chamados "novos etnógrafos"; b.2) a segunda seria a que encarra a cultura como sistemas estruturais, que conceitua cultura como criação da mente humana com poder acumulativo e "seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios culturais - mito, arte, parentesco e linguagem - os princípios da mente que geram essas elaborações culturais" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 61); b.3) a terceira seria a que encarra a cultura como sistemas simbólicos. Para essa vertente "estudar a cultura é portanto estudar um código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 63)

02) Segunda parte - Como opera a cultura

Enquanto que a primeira parte do livro buscou refutar os determinismos biológicos e geográficos, mostrando também a evolução do conceito de cultura na Antropologia, na segunda o autor vem mostrar a aplicação da cultura "num ser biologicamente preparado para viver mil vidas". Capítulo 01 - A cultura condiciona a visão de mundo do homem: três são as ideias que Laraia busca passar nesse capítulo, são elas: a) culturas são lentes que os indivíduos utilizam para enxergar o mundo, logo, "homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 67); b) a cultura consegue afetar até o uso do nosso equipamento fisiológico e como exemplo o autor cita o riso que dentro de cada sociedade terá um significado diferente pois "pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 69); c) apesar do conhecimento da diversidade cultural, temos a propensão em repudiar ou estranhar a cultura do outro criando a oposição "Nós x Eles" que pode desaguar no etnocentrismo ou "crença de que a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 73). Capítulo 02 - A cultura interfere no plano biológico: a cultura interfere no aparelho biológico, afirma Laraia. Utilizamos o funcionamento do corpo humano a depender do contexto sócio-cultural em que estamos inseridos. Exemplos? Laraia cita alguns e o primeiro seria a apatia sofrida por negros africanos que vieram para o Brasil trabalhar sob mão-de-obra escrava. Longe da sua terra, da suas crenças, da sua cultura muitos negros recém-chegados acabavam se suicidando. O banzo, traduzido como saudade, foi uma violência que começava no plano cultural (ao afastar o negro da sua cultura de origem) e terminava no plano biológico (com o suicídio desse indivíduo). Mas outros exemplos menos impactantes são mencionados como o horário das alimentações, crença em curas (maioria baseadas na fé) e até doenças psicossomáticas são resultado da cultura que afetam nosso dispositivo biológico/fisiológico. Capítulo 03 - Os indivíduos participam diferentemente de sua cultura: aqui Laraia constata que o indivíduo ele não tem capacidade de, sozinho, participar de todos os elementos de sua cultura. Por exemplo, mulheres em tribos do Xingú são impedidas de participarem de alguns rituais religiosos assim como o trabalho doméstico não é bem visto em nossa sociedade quando feito por homens. Além do sexo, a faixa etária também pode influenciar na não participação completa dos elementos culturais. Entretanto, independente dos critérios referentes ao sexo ou idade não existe como um indivíduo conhecer e participar de todos os elementos de sua cultura. Isso porque segundo Marion Levy Jr., "nenhum sistema de socialização é idealmente perfeito, em nenhuma sociedade são todos os indivíduos igualmente bem socializados, e ninguém é perfeitamente socializado" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, 82). O mais importante, para Laraia, seria a garantia de uma socialização mínima que permitisse ao indivíduo compreender as regras e normas de sua sociedade para que assim entre em articulação com seus demais membros. Capítulo 04 - A cultura tem uma lógica própria: seguindo a tarefa de dar aplicabilidade ao conceito de cultura, Laraia afirma que cada uma tem sua própria lógica sendo ultrapassado tratar sistemas culturais "lógicos" e outros "pré-lógicos". A cultura e os elementos que a compõe tem um sentido próprio que só pode ser compreendido a partir do entendimento da sociedade a que pertence. Pois, "é que cada cultura ordenou a seu modo o mundo que a circunscreve e que esta ordenação dá um sentido cultural à aparente confusão das coisas naturais" (LARAIA, Roque de Barros. 2013, p. 92). Capítulo 05 - A cultura é dinâmica: nesse capítulo de encerramento, Laraia pontua a ligação entre cultura e mudança social. Em suma, a cultura é dinâmica pois está em constante mudança. Essa mudança na cultura pode ocorrer de duas formas: a) interna, resultante de mudanças no próprio sistema cultural e que por isso pode parece mais lenta; b) externa, resultante de mudanças exterior ao sistema cultural, mas que afeta esse de forma brusca e rápida. A ideia de tempo é muito importante se ter em mente, pois é analisando ele que podemos perceber as diversas mudanças na cultura como os padrões de beleza, as regras morais, as vestimentas etc. O entendimento da dinâmica cultural nos preparam para o enfrentamento de constantes mudanças na cultura.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

O que é Questão Agrária


  • Sobre o Autor: José Graziano da Silva nasceu em Urbana, Estados Unidos, e é filho de pai brasileiro tendo dupla nacionalidade. É um acadêmico com foco na questão agrária no Brasil. Sua formação é em Agronomia pela Universidade de São Paulo (USP) onde também obteve seu mestrado em 1974. Já seu doutorado, data de 1980 e foi conquistado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Enquanto que seu pós-doutorado veio da Universidade da Califórnia e no Instituto de Estudos Latino-americanos do University College London. Entre 2003 e 2004 atuou como ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, sendo responsável pela instalação do programa Fome Zero. Desde 2011 ocupa o cargo de diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). 



O que é Questão Agrária - José Graziano da Silva - Editora Brasiliense 



O livro resumido é a obra de maior destaque do José Graziano em toda sua trajetória intelectual, tendo sido publicado originalmente em 1980 pela Editora Brasiliense. Ele é dividido em quatro partes, são elas: 1) Introdução; 2) O desenvolvimento recente da agricultura brasileira; 3) Os trabalhadores da agricultura brasileira e sua organização sindical; 4) A retomada da questão agrária. Resumiremos abaixo esses pontos.

Introdução - Graziano faz um simples apanhado histórico de como foi encarada a questão agrária no país durante a história. Ele destaca quatro períodos: a) Anos 30: nesse período o debate sobre a questão agrária girava em torno da crise do café (nosso maior produto agroexportador na época) e da Grande Depressão (mais conhecida como Crise de 1929) que ocorreu nos EUA trazendo repercussões sobre grande parte do mundo; b) Fim dos anos 50, início dos anos 60: nesse período o debate sobre a questão agrária girava em torno dos rumos que deveria seguir a industrialização brasileira, tendo em vista que se achava a agricultura (por seu atraso) um empecilho para o desenvolvimento econômico do país, entendido como investimento em industrialização pesada; c) Meados dos anos 60 e início dos anos 70: período marcado pelo silenciamento do debate sobre a questão agrária no país, tendo em vista o "Milagre Econômico" por qual passávamos e, principalmente, pela forte repressão política instaurada pela Ditadura Militar; d) Após 1973: nesse período o desencanto com o "milagre econômico" já afetava o país com a conclusão de que esse milagre tinha concentrado renda e terra nas mãos de uns poucos privilegiados, sendo esse período em diante (reforçado após 1978 com as aberturas políticas) um momento de construção de análises/críticas a questão agrária no Brasil. Após o ressurgimento desse debate (na verdade após o enfraquecimento da repressão política no país, pois o debate sobre a questão agrária não deixou de existir da reflexão de vários intelectuais brasileiros) serviu para separarmos questão agrária de questão agrícola. A questão agrícola está ligada a produção em si mesma, ou seja, preocupada em analisar o que se produz, onde se produz e quanto se produz. Vemos então a preocupação com: variedade, localidade e quantidade. Enquanto que a questão agrária está ligada a relações de produção, ou seja, preocupada em analisar como se produz e de que forma se produz. Vemos então a preocupação com: forma como se produz. É na questão agrária que entra a qualidade de vida dos trabalhadores rurais, seus níveis de renda, suas condições de trabalho etc. Baseado no economista Ignácio Rangel (1914-1994), o autor exemplifica crises dessas duas questões já conceituadas. Para Rangel, à medida que avançasse a industrialização brasileira o setor agrícola teria que: a) Aumentar a produção, ou seja, produzir mais matérias-primas para o setor industrial fazer seus produtos e produzir mais alimentos para às pessoas que viviam nos centros urbanos; b) Liberar a mão-de-obra, ou seja, dar espaço para que pessoas saíssem do campo para que fossem morar nas cidades com o intuito de suprir necessidade de força de trabalho nas indústrias. Dessa dualidade cobrada pelo setor agrícola, podemos identificar duas crises: 1) Crise Agrícola, caso a produção agrícola de matérias-primas e alimentos não suprisse satisfatoriamente as indústrias e os trabalhadores urbanos; 2) Crise Agrária, caso fossem liberadas muita ou pouca mão-de-obra para as indústrias - localizadas nas cidades - ocasionando numa urbanização exagerada (maioria dos casos) ou insuficiente. Nossa crise agrária, ainda segundo Rangel, já estava configurada desde os anos 60 como consequência de uma urbanização em excesso. Foi a partir dos anos 60 que se intensificou no campo brasileiro a concentração de terra, ocasionando a saída exagerada de trabalhadores rurais para as cidades. Para Graziano isso ocorreu graças ao controle do capital na produção agrícola. O capital "industrializou" a agricultura, procurando produzir mais e aumentando a jornada de trabalho. No texto, Graziano dar o exemplo da avicultura. De um lado a produção antiga, onde as galinhas eram criadas em terreiros obedecendo seu instinto biológico de procriação. Do outro a produção moderna que especializou a avicultura, ou seja, agora temos a produção de pintinhos/galinhas e a produção de ovos separadamente. A criação espontânea em terreiro é trocada pela mecanizada, onde a galinha passa o dia presa numa gaiola comendo para engordar e produzir ovos. A produção também se tornou mais complexa, pois o criador de galinhas agora dar lucro a quem produziu as gaiolas, as rações que por sua vez já vai dar lucro ao fabricante de milho etc. E dentro dessa lógica, o pequeno produtor não tem condições de se manter competitivo, sendo engolido pelas grandes empresas que podem arcar com esse aumento de custos na produção, causado essa especialização. Temos então um grande problema: uma estrutura agrícola/agrária que beneficia os grandes proprietários em detrimento dos pequenos que precisam escolher entre viver na miséria com suas posses, se submeter a exploração dos grandes proprietários ou rumar para os centros urbanos em busca de emprego e qualidade de vida. Dessa problemática, Graziano critica duramente os "anarquistas-ecológicos" que querem uma volta romântica ao passado. A classe média urbana seria a principal representante desses "ecológicos" que propõe o combate a tecnologia, ao aumento da produção e basicamente propõe "tecnologias alternativas". Essas estariam, segundo Graziano, galgadas de reformismo equivocado pois orbitam dentro do capitalismo (nunca buscando alternativas a esse sistema que gera toda a crise dita acima). Além disso são propostas que, por negarem a produção em larga escala, elitistas por não se basear no nível de consumo da massa trabalhadora. Após essa crítica, Graziano encerra a introdução afirmando que a mudança deve ser feita na lógica do sistema capitalista e não na redução da produção, tendo em vista que essa pode estar atrelada a um sistema econômico socialista onde o trabalhador por ser dono do fruto do seu próprio trabalho poderá utilizá-la a seu favor.

01) O desenvolvimento recente da agricultura brasileira 

Graziano já no início do capítulo, afirma: a diferença entre o desenvolvimento do capital na indústria para a agricultura é que o meio de produção desta última (a terra) não é multiplicada ao bem-prazer do homem. Daí só podemos avaliar de forma segura a situação agrária do Brasil se fizermos uma análise histórica de como foi apropriada a terra, durante os processos históricos. Essa apropriação, construída historicamente, é o pano de fundo da questão agrária no país. O autor começa destacando o início da colonização, onde houveram grandes doações de terra por parte do Estado Monárquico Português a portugueses que desejavam explorar o novo território descoberto. Daí surgiram as sesmarias, o consequente desenvolvimento dos latifúndios escravistas sustentado a base da monocultura e mantenedor de uma divisão social entre senhores de terra e escravos. Esses latifúndios estavam voltados para a exportação de produtos agrícolas (como o açúcar) e aliado ao tráfico de escravos, compunham a base econômico do Brasil Colônia. O foco era produzir o que estava bem cotado no mercado internacional. Com isso, a produção de alimentos era secundarizada em virtude do produto exportado do momento. Só se produzia alimentos nos latifúndios quando pequenos agricultores pagavam ao latifundiário para produzir num pequeno espaço de suas terras ou quando os próprios escravos utilizavam da terra em seus "tempos livres" - domingo, feriados etc. Fora dessa lógica, temos uma pequena parcela de pequenos produtores agrícolas no país que trabalhavam por sua subsistência, vendendo o excedente em mercados. Já no Século XIX, período que marca o declínio do Brasil Imperial e a construção do Brasil Republicano, temos a conhecida Lei de Terras de 1850 que determinou o direito a posse das terras através da compra e venda. Essa lei reforçava a desigualdade social e concentração de renda, a partir do momento que determinava que somente os ricos tinham direito a ter terra como sua propriedade. Mão-de-obra escrava, direito a terra livre. Mão-de-obra livre, direito a terra limitado. Por fim, o período que se estende após a Revolução de 30 (início do Século XX) marca o desenvolvimento da industrialização do país que passava a ocupar um grande espaço em nossa economia, ofuscando o antigo sucesso do setor agroexportador. Industrializam o país com base na substituição de importações. E também o campo, como afirma o autor. A partir dos anos 70, período marcado pela Ditadura Militar, começam a se instaurar no país indústrias voltadas para a agricultura como as indústrias de tratores, fertilizantes químicos, rações etc. O papel do Estado foi muito importante nesse momento pois foi ele que, através de políticas agrícolas, estimulou o consumo desses novos equipamentos. E é esse período que vai vim a refutar, segundo o autor, a tese dos teóricos da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) que diagnosticavam uma dualidade entre a estrutura agrária brasileira (baseada na forte concentração de terra) com a industrialização do país. A argumentação desses teóricos, giravam em torno de duas idéias: 1) a produção de alimentos reagia menos que o crescimento dos preços dos produtos, ou seja, haveria um aumento populacional urbano acompanhado de uma pressão pela baixa dos preços dos produtos e consequente aumento salarial; 2) a não ligação entre latifúndios e produção industrial, pois os primeiros eram auto-suficientes e produziam suas ferramentas de trabalho de forma ainda artesanal. Baseados nesses argumentos, os Cepalinos enxergavam o entraves para a industrialização do país. Entretanto, segundo Graziano, a realidade foi bem diferente. A agricultura, ou seja, o campo brasileiro conseguiu se aliar e consumir as produções oriundas da indústria. Isso porque: 1) houve um aumento das matérias-primas e dos alimentos, sem afetar a agro-exportação e ainda gerando divisas (disponibilidade em obter moedas estrangeiras) para o processo de industrialização em curso; 2) a agricultura passou a consumir produtos industriais, passando por uma "industrialização" que passava pelo alto consumo de máquinas e insumos industriais. E como se deu a transformação da estrutura agrária brasileira a partir dos anos 60/70, período em que o campo se industrializa e refuta as teses Cepalinas? Em suma, o autor analisa três períodos: 1) vai de 1961/1967 e é um momento de crise econômica onde existe um aumento tanto da pequena propriedade, quanto da grande; 2) vai de 1967/1972 e é o momento do conhecido "Milagre Brasileiro", onde apenas a grande propriedade aumenta de tamanho; 3) vai de 1972/1976 se repete o ciclo de 61/67 com aumento generalizado dos vários tipos de propriedades. E quais as conclusões de Graziano frente a essas informações? Simples, quando ocorre uma subida do ciclo econômico, ou seja, quando a saúde do país vai bem a grande propriedade tende a crescer em detrimento da pequena. Contudo, quando ocorre um descenso do ciclo econômico, ou seja, quando a saúde do país vai mal tende a ocorrer um aumento da pequena propriedade. As razões disso são simples: em momentos de crescimento econômico, o grande engole o pequeno e retira suas altas taxas de lucro. Já em momentos ruins, o grande resolve reduzir seus investimentos e acaba cedendo partes de sua propriedade a pequenos proprietários que cuidam do terreno de forma temporária e ainda é obrigado a dividir sua produção. E no país onde 50% dos proprietários rurais detinham apenas 2,2% de área e 5% dos proprietários rurais abocanhavam 69% da área, não poderia ocorrer outro processo a não ser o de uma urbanização acelerada, compulsória e não planejada. A indústria nos centros urbanos ganhava mão-de-obra barata, mas esse processo também vai afetava o campo. Agora era preciso abastecer minimamente as cidades com alimentos e não se podia mais pensar numa propriedade voltada apenas para a agro-exportação, auto-suficiente. Por causa de uma demanda, houve uma produção mercantil de alimentos que buscasse atender as grandes cidades. E isso acarretou numa especialização da produção, em suma, as fazendas não eram mais aquelas que produziam de tudo mas sim espaços especializados com objetivo de produção alimentícia em massa. Mas não foi apenas a produção em si que mudou, a forma também se modificou. As fazendas passaram a consumir produtos industriais como abudos, tratores etc. A agricultura se industrializou e acabou sendo um propulsor, não um empecilho, do processo de industrialização no país. Por fim, Graziano destaca diferenças na agricultura brasileira que não pode ser analisada de forma ampla. Respeitando as formações de cada região, o autor divide a agricultura nacional em três regiões: 1) Centro-Sul, onde a agricultura se industrializa de forma pioneira ao consumir produtos industriais; 2) Nordeste, onde a agricultura permanece sem grandes alterações e por isso não só bastante concentrada como também atrasada em termos de produção; 3) Amazônia, incluindo parte do Centro-Oeste, se torna a região onde mais existe o fenômeno da expansão da fronteira agrícola que oprime os pequenos produtores.

02) Os trabalhadores da agricultura brasileira e sua organização sindical 

Nesse capítulo Graziano busca tipificar trabalhadores rurais que tem como única forma de sobrevivência à venda de sua força de trabalho e que são obrigados a se tornarem trabalhadores assalariados pelo menos uma parte de sua vida. Esses trabalhadores são: 1) Proprietários Minifundistas: são pequenos proprietários com terras menores que o módulo rural estabelecido, são proprietários oficiais (juridicamente falando) dessas terras, recebem no máximo dois salários mínimos, tem em sua propriedade a produção familiar como característica e acabam tendo que vender sua força de trabalho para grandes proprietários como forma de manter sua subsistência. Ocupam apenas 12% da área cultivada no Brasil, mas representam 50% na produção de alimentos básicos; 2) Pequenos Posseiros: esses estão mais presentes no Centro-Sul que no Nordeste/Amazônia (onde a concentração de terra é maior) e sua diferença para os Minifundistas é que não detém juridicamente a propriedade da terra. Por deterem apenas a posse, não a propriedade, precisam trabalhar para outros e são bem vulneráveis por isso; 3) Pequenos Rendeiros: esses são os agregados que para utilizarem a terra de outros precisa pagar em trabalho, dinheiro ou produtos (ou os três). Existem como reserva de mão-de-obra e são úteis para a exploração de grandes propriedades, onde recebem uma pequena área (menor que o módulo rural) para cultivar; e 4) Empregados Assalariados: representam apenas 10% dos trabalhadores rurais e estão inseridos nas grandes propriedades. Existe o "puro", aquele que vive exclusivamente do trabalho assalariado e são os chamados bóias-frias. E os pequenos proprietários, parceiros e posseiros que trabalham de forma assalariada em alguma época do ano para garantir sua subsistência. Por fim, o capítulo acaba com o debate sobre o sindicalismo rural brasileiro representado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) que congrega toda essa complexidade de trabalhadores rurais, onde cada setor obtém suas pautas próprias.

03) A retomada da questão agrária

Nesse último capítulo, Graziano encerra destacando as reivindicações desses variados trabalhadores do campo. A pauta da reforma agrária, permanece a bandeira principal dos "camponeses-operários" que a obra buscou retratar, mas existem outras como: preço mínimo e crédito/assistência que beneficia apenas os grandes proprietários. As pautas vão se modificando a depender da região em que se encontra esse trabalhador rural. No Centro-Sul, onde a agricultura é mais industrializada que no resto do país, a principal reivindicação é segurança no trabalho assalariado como previdência social, estabilidade, salário mínimo, férias etc. Em suma, defendem o cumprimento da legislação trabalhista assim como ocorre nos centros urbanos. Já no Nordeste o cumprimento da legislação trabalhista também existe, mas atrelada a aplicação da legislação agrária que limita o proprietário na sua relação com o agregado. Esse quer definir, dentro dos trâmites jurídicos, a partilha dos frutos do trabalho se preservando de extorsões. Já na Amazônia e grande parte do Centro-Oeste a luta se define entre grileiros e pequenos posseiros que desejam combater a expansão da fronteira agrícola. É a luta contra o uso incorreto da terra que, no caso, é usada para fins especulativos e não produtivo. Ademais, o autor encerra defendendo a reforma agrária como não só uma pauta que garante o direito a propriedade, mais também garante direito ao resultado da sua produção.