sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Futebol, Cultura e Sociedade



  • Sobre o autor: Jocimar Daolio é graduado e pós-graduado (mestrado e doutorado) em Educação Física. A graduação e o mestrado foram concluídos na Universidade de São Paulo (USP), enquanto o doutorado foi realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Daolio ainda é graduado em Psicologia, pela USP. Foi professor titular da UNICAMP, ligado ao Departamento de Educação Física e se aposentou em abril de 2019. 


Futebol, Cultura e Sociedade - Jocimar Daolio (org.) - Editora Autores Associados


Estudo Um - A Superstição no Futebol Brasileiro - Jocimar Daolio - A perspectiva desse estudo feito por Jocimar Daolio, visa enxergar o futebol como expressão da sociedade e não meramente como uma modalidade esportiva para fins recreativos. Ou seja, "Em outras palavras, só é possível discutir a superstição no futebol brasileiro se o olharmos como fenômeno sociocultural que expressa e reflete a própria condição do ser humano nacional" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 4). Somente as Ciências Humanas, e a Antropologia Social em particular, terá ferramentas para explicar ou refletir a superstição em torno do futebol brasileiro. 

Não é novidade estudar o futebol como um fenômeno sociocultural e para isso, Daolio traz três autores que seguem essa linhagem. São eles: a) Roberto DaMatta, antropólogo, "afirmou que o futebol constitui-se em veículo para uma série de dramatizações e representações da sociedade brasileira, permitindo a expressão e vivência de problemas nacionais" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 4-5); b) Arno Vogel, pensou o futebol como uma expressão ritualística (vista como uma representação de si para si mesma) utilizada pela sociedade brasileira para expressar questões mais profundas como o luto e a euforia; c) José Sebastião Witter, acredita que estudar o futebol é se debruçar sobre a própria história e formação do povo brasileiro que se mantém conectado a esse esporte durante todo o século XX. Assim, para esses autores: 
O futebol brasileiro tem se constituído, ao mesmo tempo, em expressão da sociedade brasileira e em um modelo para ela, espelhando toda a sua dinâmica, com todas as contradições e todas as riquezas nela presentes (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 6).
Tomando como base Eunice Durham, o autor afirma que a cultura é formada por um conjunto de símbolos que orientam e dão significado as nossas ações. Tomando esse conceito de cultura, pode-se afirmar que o futebol é dotado de um conjunto de símbolos que expressam a sociedade brasileira em que ele está inserido. Segundo Geertz, "o futebol é parte da teia de significados que os humanos, em sua dinâmica social, vão construindo, constantemente atualizando e revivendo, teia essa que constitui a própria cultura de um povo" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 6). 

Sendo assim, se a sociedade brasileira tem como base a reprodução de um conjunto de crenças e superstições em sua dinâmica cultural, nada mais que natural que essas características também estejam presentes no futebol. É nessa ligação que o estudo se baseia. E como Daolio deixa bem claro no texto: sua visão de superstição não é negativa ou como uma característica tradicional da nossa sociedade a ser modernizada. O estudo se baseia na vinculação inerente entre superstição e futebol, entrelaçados e inseridos numa sociedade que leva ambos em consideração. 

A superstição no futebol é vista diariamente entre os diversos atores que compõem esse esporte: jogadores, técnicos, imprensa esportiva, cartolas etc. Para justificar sua ideia, Daolio traz algumas manchetes de jornais entre as quais podemos citar duas referentes a Copa do Mundo de 1994: "Parreira adere a superstição" e "Zagalo, o homem do 13: ele acredita no título, baseado no seu número de sorte". Não se deve, contudo, pensar que o futebol cria o pensamento supersticioso. Ele apenas expressa e reproduz uma visão de mundo que é própria da sociedade brasileira. Essa sociedade busca, a todo momento, dar explicações sobre fenômenos inexplicáveis e para isso utilizam de um conjunto de crenças e superstições sem comprovação científica.  

Porém, o objetivo do trabalho não é menosprezar esse conhecimento do senso comum baseado em crendices. Daolio não o considera nem pior e nem melhor que o conhecimento científico, ele apenas afirma que o senso comum "nada mais é do que a forma como cada pessoa, disposta em uma dada dinâmica sociocultural, lida com as manifestações do mundo e procura sentido para nele se orientar" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 13). Se baseando em Clifford Geertz, o autor mostra que o conhecimento do senso comum parte de cinco características. São elas:  
  1. Naturalidade: essa característica "diz respeito ao fato de que o senso comum considera determinados acontecimentos como partes de uma natureza dada e tradicional" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 14);
  2. Praticabilidade: essa característica significa "a busca que os indivíduos empreendem no sentido de que as suas ações tenham um fim prático, que resultem naquilo que eles esperavam alcançar" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 15);
  3. Leveza: é a capacidade do senso comum mostrar ou apresentar um fato como se fosse exatamente aquilo que parece ser, naturalizando sua visão sobre o acontecimento; 
  4. Não-Metodicidade: em vez do uso de teorias e fórmulas, o senso comum utiliza de piadas, provérbios populares, lendas etc para expressar sua visão de mundo e "Esses provérbios, histórias e frases compõem aquilo que se chama de sabedoria popular, um conjunto de crenças que perpetua determinadas formas de viver e de explicar o mundo" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 16-17);
  5. Acessibilidade: por fim e sendo uma consequência das outras quatro características, aqui o conhecimento produzido pelo senso comum é visto como de fácil entendimento e sua obtenção não requer nenhum tipo de saber especializado. 
Essa visão de senso comum do Geertz, permite uma interpretação desse conhecimento como culturalmente construído, afastando-se de concepções preconceituosas. Mas qual sua utilidade para os estudos sobre o futebol brasileiro, enquanto reprodutor de superstições? Para Daolio:
Para o estudo do futebol brasileiro, que se constitui em uma das principais manifestações culturais de nossa sociedade, essa análise do pensamento de senso comum é importante pois permite a compreensão do funcionamento dessa tradição sem preconceitos e sem cientificismos que neguem as formas de expressão da cultura popular. Isso talvez explique o fato de os comportamentos supersticiosos persistirem no futebol brasileiro ao longo dos anos, mesmo com todo o avanço científico das ciências do esporte (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 18).
Estudo Três - Futebol-Arte ou Futebol-Força? O estilo brasileiro em jogo - Sérgio Settani Giglio - O início da oposição Futebol-Arte e Futebol-Força - Assim como no estudo um, feito pelo Jocimar Daolio, esse estudo três segue o mesmo preceito: olhar o futebol como um fenômeno sociocultural e não meramente um esporte com fins recreativos. A ideia da existência de um futebol-arte e um futebol-força, esbarra na noção de estilos de jogo bastante debatida dentro dos estudos sobre futebol. Para muitos, cada país acabaria desenvolvendo um tipo específico de jogar futebol, com base em sua dinâmica cultural.

Foi tendo essa ideia como base que se criou a bipolaridade futebol-arte e futebol-força, sendo a primeira representante do estilo de jogar dos brasileiros e a segunda dos europeus. Essa criada ideia de futebol-arte, serviu para consolidar nossa identidade interna e externa. Mas qual a natureza dessas duas formas de jogar futebol? Segundo Sérgio,
Uma das características que o futebol-arte apresenta é o fato de o jogo ser encarado como espetáculo. A estrutura da partida está centrada na plasticidade das jogadas encenadas pelos artistas da bola em um gramado, ou melhor, em um teatro de arena. No futebol-força, prevalece a competição e, consequentemente, a eficiência passa a ser a norteadora do objetivo a ser alcançado. Aqui também podem acontecer jogadas bonitas, mas essa não é uma característica frequente deste tipo de futebol (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 56).
A habilidade e ginga, inerente ao futebol-arte, é tratado como inato. É a expressão de um dom, uma espécie de dádiva ou presente natural que apenas os brasileiros conseguem desenvolver. Mas essa ideia de dom inato e natural é criticado pelo autor. Ele afirma o seguinte sobre essa afirmação:
Não podemos analisar o dom sem considerar o aspecto cultural. Se aceitamos a ideia de que uma pessoa possa ter um dom ou "talento natural", precisaríamos fazer essa análise pela ótica da cultura, ou seja, nesse caso o dom pode ser entendido como algo aprendido culturalmente, como um componente adquirido que aperfeiçoa e melhora a natureza inata de cada um (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 57).
Do ponto de vista biológico, seria impossível afirmar que o brasileiro é um povo geneticamente mais propenso a prática do futebol. Sem essa cientificidade concreta, como esse discurso de futebol-arte se baseia? Qual sua argumentação e justificativa? O improviso e a brincadeira são elementos usados para comprovar esse inatismo do brasileiro. Individualista e intuitivo, o jogador brasileiro "não pensa para jogar", ele improvisa suas jogadas a depender das dificuldades encontradas durante o jogo. Já a espontaneidade é fruto do processo de socialização do brasileiro que, desde cedo, é incentivado a jogar futebol na rua. Futebol no Brasil é sinônimo de infância e brincadeira. E isso desenvolve uma forma de jogar que não teme o erro, tratando uma partida de futebol como diversão. Essas representações do futebol-arte teve seu auge entre os anos de 1930 a 1974 e os craques eram produzidos nas ruas, nos campos de várzea. As escolinhas de futebol como conhecemos hoje só vai surgir após esse período e fruto de uma mudança no cenário urbano que reduziu o número de campos.

O Futebol-Arte e o Futebol-Forças nas Copas do Mundo - As edições de Copas do Mundo é o recorte usado por Sérgio para desenvolver suas reflexões. O início do que conhecemos como futebol-força foi a Copa de 1966, realizada na Inglaterra e que teve os anfitriões como campeões. O futebol-força foi um meio utilizado pelos europeus de bater de frente com o futebol sul-americano, hegemônico em Copas do Mundo até então. Por conta da campanha vexatória da Seleção Brasileira naquela edição, o futebol-arte praticado pelo Brasil foi questionado. A principal pergunta era: como manter os antigos resultados, frente a objetividade e eficiência do futebol-força? 

A partir da Copa de 1966, o fator físico começou a ganhar maior destaque na preparação dos clubes e da seleção. A figura do preparador físico começava a ganhar protagonismo e uma ruptura com o romântico futebol-arte foi realizada a partir daquele momento. A Copa do Mundo seguinte, realizada em 1970, no México, marcou o tricampeonato do Brasil e também a utilização dos recursos técnicos do futebol-força no planejamento da Seleção Brasileira. Aquela edição marcou uma mesclagem entre o futebol-arte, representado por uma geração de talentosos jogadores; e o futebol-força, representado por novas técnicas de treinamento. O preparador físico Carlos Alberto Parreira, futuro técnico da Seleção Brasileira, foi uma importante figura dessa conquista. O futebol ali apresentado é considerado por Sérgio como o melhor modelo, aquele que mais recebeu aprovação do povo brasileiro. Em 1970 a qualidade técnica dos jogadores ganhou tanta importância na mídia que até se esqueceu do fato de ter sido a primeira edição em que métodos científicos e inovadores foram utilizados na preparação. 

A partir dos anos de 1990, o futebol-força ganhou maior notoriedade no futebol brasileiro, sendo representado pela chamada "Geração Dunga". A Copa de 1990, realizada em solo italiano e sob o comando técnico de Sebastião Lazaroni, marcou o triunfo do futebol de resultados que marcaria a Seleção Brasileira nas edições posteriores. Essa nova forma de jogar sofreu duras críticas em 1990, por conta da campanha fraca feita pelo Brasil naquela edição. Porém, em 1994, sob a mesma lógica de obediência tática acima da criatividade técnica, o Brasil conquistou o tetracampeonato mundial. 

Apesar disso, pequenos traços do antigo futebol-arte ainda podem ser vistos na Seleção Brasileira, graças a seus destaques individuais. Isso ficou claro na Copa de 2002, edição do pentacampeonato, onde se viu a organização tática ser acrescida dos destaques individuais como Ronaldo e Rivaldo. 

Futebol-Força ou Futebol-Arte? - Para Sérgio, a dualidade futebol-força e futebol-arte se esgotou. O que se ver no Brasil é uma mistura das duas lógicas, assim como podemos enxergar traços do futebol-arte entre os europeus. E se fomos pensar numa essência do estilo de jogo brasileiro, podemos constatar o seguinte: 
O futebol brasileiro caracteriza-se, principalmente, pela apurada habilidade e criatividade de seus jogadores. A qualidade do jogador brasileiro pode ser explicada pela influência que o futebol possui em nossa sociedade. Dentro da cultura brasileira, a rua sempre ocupou um lugar de destaque no aprendizado do futebol. Assim, o futebol deve ser analisado como parte integrante de nossa cultura e muitas habilidades desenvolvidas na infância são capazes de explicar "o dom do jogador brasileiro para o futebol" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 69).
Existe uma tendência para o futebol-arte, individualizado e focado nos atributos técnicos. Entretanto, é impossível desconsiderar a existência de fortes características do futebol-força, como a valorização do condicionamento físico. Encerra Sérgio, "Sendo assim, podemos associar elementos que num primeiro momento são opostos, como o jogo e o esporte, habilidade e força, artístico e competitivo, individual e coletivo" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 70).
















Nenhum comentário:

Postar um comentário