sábado, 12 de outubro de 2019

Introdução ao Fascismo



  • Sobre o autor: Leandro Konder foi um advogado e filósofo carioca que nasceu em 1936 e faleceu em 2014 aos 78 anos. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuou como advogado criminalista e trabalhista até ser demitido de sindicatos por conta do golpe militar de 1964. Foi obrigado a sair do país em 1972, retornando apenas em 1978. Em 1984 obteve o título de doutor em Filosofia pela mesma UFRJ que tinha estudado anos atrás no curso de Direito. A partir daí Konder seguirá uma prestigiada carreira acadêmica, atuando como professor no Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e também no Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). De orientação marxista e com vasta produção teórica, Konder é autor de clássicos das Ciências Sociais brasileira como: a) Marx: vida e obra; b) Marxismo e Alienação; c) História das ideias socialistas no Brasil etc. 


Introdução ao Fascismo - Leandro Konder - Editora Expressão Popular


O CONCEITO DE FASCISMO

I - Leandro Konder admite a multiplicidade de pesquisas sobre o fascismo, fenômeno político considerado como significativo para o século XX. Porém adverte que essa multiplicidade, muitas oriundas de fontes ditas "liberais" ou "socialistas", "implicava impedir que o fascismo fosse efetivamente compreendido, implicava confundir e enfraquecer as forças capazes de se opor com firmeza às tendências fascistas" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 23). E é dentro dessa "batalha teórica" (termo utilizado pelo próprio autor) que essa obra se insere, visando facilitar o entendimento do público brasileiro a respeito do fascismo.

II - Konder adverte o uso irresponsável dado a palavra "fascismo" dentro da esquerda. Usado como mero efeito de agitação na luta política cotidiana, a palavra ganhou significado de xingamento contra a direita. Esse uso incorreto e irresponsável da palavra, até pode ter seus efeitos políticos imediatos, mas acaba obscurecendo o rigor científico que ajuda numa análise realista da realidade social. Logo,
Nem todo movimento reacionário é fascista. Nem toda repressão - por mais feroz que seja - exercida em nome da conservação de privilégios de classe ou casta é fascista. O conceito de fascismo não se deixa reduzir, por outro lado, aos conceitos de ditadura ou autoritarismo (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 25).
Episódios de tirania e autoritarismo é visto durante toda à história humana, desde seus primórdios. Esparta e Nero em Roma, são exemplos citados pelo autor. Apesar do autoritarismo presente nessas situações e contextos, é incabível afirmar que existiu fascismo na Grécia Antiga ou em Roma. Para encerrar essa parte, Konder compara François Duvalier (presidente do Haiti entre 1957 e 1971) com Adolf Hitler e Benito Mussolini. As atrocidades cometidas por Duvalier, pode até superar as praticadas por italianos e alemães. Entretanto, o significado histórico que fez surgir Hitler e Mussolini nos anos de 1920 é totalmente diferente do que produziu Duvalier. Assim,
"A tirania Duvalier não passa de uma variante extemporânea (nem por isso menos trágica) de despotismo reacionário de velho estilo, cujas formas de existência foram sendo banidas dos centros da história contemporânea e só subsistem relegadas à periferia do nosso mundo. Mussolini e Hitler, ao contrário, conquistaram um lugar no próprio centro da história do nosso século, como pioneiros de uma nova concepção política da direita (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 26).
III - A direita é o gênero e o fascismo é a espécie, afirma Konder. O objetivo da obra é justamente entender o que essa espécie apresenta de novo no quadro geral do gênero a que ela pertence. Do ponto de vista geral, a ideologia da direita é aquela ligada pela conservação de um tipo específico de sistema socioeconômico que se baseia na propriedade privada dos meios de produção. Sua necessidade de conservar certos privilégios, faz essa ideologia ser essencialmente conservadora.

Mas dentro da ideologia da direita existem diferenças e disputas por espaço, só se unindo para lutar contra inimigos em comum. O principal desafio da ideologia da direita era o seguinte:
Os ideólogos especulativamente melhor aparelhados da direita (como Schopenhauer, Nietzche, Bergson) não assumiam funções significativas na direção de organizações conservadoras especificamente políticas. E os dirigentes políticos efetivos da direita não mostravam nenhum talento especulativo, em suas tentativas de teorização. (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 29).
Visando superar essa contradição entre teóricos não engajados e políticos não intelectualizados, o fascismo "adotou a solução do pragmatismo radical, servindo-se de uma teoria que legitimava a emasculação da teoria em geral" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 29). O lema do fascismo seria basicamente representado nessa frase: "A ação enterrou a filosofia".

IV - O fascismo acaba importando conceitos do marxismo, visando neutralizar importantes ferramentas teóricas produzidas por Karl Marx. O grande responsável por essa importação falseada foi o fascismo italiano, representado pela figura de Mussolini. Ex-membro do Partido Socialista, Mussolini adaptou três importantes conceitos marxistas ao cardápio fascista. São eles: 01) o conceito de luta de classes; 02) o conceito de imperialismo; 03) o conceito de ideologia. Vamos explicar como ele realizou essa tarefa abaixo.

Para Marx, a luta de classes é o principal motor da história humana. Através dela ocorrem as transformações sociais, políticas e econômicas. A principal objeção dos fascistas a esse conceito marxista, estava relacionado a temporalidade da luta de classes. Marx e Engels acreditavam que através da luta revolucionária, sob liderança do proletariado, seria possível construir o comunismo e consequentemente alcançaríamos o fim da luta de classes. Já "Mussolini encarava a luta de classes como um aspecto permanente da existência humana, uma realidade trágica insuperável: o que se precisava fazer era discipliná-la, e o único agente possível dessa ação disciplinadora teria de ser uma elite de novo tipo, enérgica e disposta a tudo"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 32).

Outro conceito marxista importado pelos fascistas em suas reflexões, foi o de imperialismo. Para Mussolini, a teoria marxista daria muito foco ao antagonismo entre burguesia e proletariado, deixando de lado o principal um aspecto central: a luta entre "nações capitalistas" e "nações proletárias". Essa ênfase dada ao antagonismo entre "nações capitalistas" e "nações proletárias" tinha total ligação com a burguesia italiana que se viu em desvantagem na partilha do mundo, em comparação com as burguesias inglesas e francesas.

Por fim, o último conceito marxista assaltado pelos fascistas foi o de ideologia. Para Marx a ideologia é a expressão mental das condições materiais de existência dos homens. Nessa relação, as condições materiais determina a produção mental, estando as ideias dominantes de uma sociedade à serviço da classe dominante. Os fascistas instrumentalizaram o conceito e "Em lugar de reconhecerem socialmente condicionadas (como em Marx), as verdades passaram a morrer, sistematicamente, pregadas na cruz da utilidade circunstancial que o cinismo dos fascistas encontrava para elas'  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 33).

V - Do ponto de vista teórico, o movimento fascista se denominava "super-relativista", obtendo uma grande flexibilidade ideológica. Mas essa relativismo era insuficiente do ponto de vista político e prático, pois impedia uma mobilização apaixonada das massas em torno de uma base unificadora. Essa unidade, ou mito, seria logo identificada por Mussolini: a nação. A ideia de nação foi central para os fascistas unificarem sua luta política.

Essa valorização dada a nação, vista como entidade mítica a ser defendida, casa perfeitamente com a ideia de imperialismo que os fascistas trazem e reinterpretam da teoria marxista. A nação unificada, mítica, idealizada e fictícia camuflava os conflitos sociais presentes na sociedade italiana e oriunda da luta de classes entre capital/trabalho. Mussolini foi influenciado pelo nacionalista de direita Enrico Corradini. A defesa do fascismo italiano era da "nação proletária", explorada pelas "nações capitalistas". Traçado esse objetivo central, Mussolini desenhava os inimigos a serem mortalmente combatidos: os socialistas, aqueles responsáveis por incitarem no proletariado uma luta interna que enfraquecia a Itália frente a seus inimigos externos. A luta se resumia entre nação e antinação, estando a luta social absolvida pela luta nacional.

Hitler adotou a mesma linha na Alemanha, começando pela ideia de "Nacional-Socialismo", que buscava fazer a luta social como parte da luta nacional. A influência de Hitler foi o nacionalista de direita Arthur Moeller van den Bruck, escrito da obra "Terceiro Reich" (que daria nome ao regime hitleriano), publicada no ano de 1923. Esse livro do Bruck advertia aos alemães que o país estava sendo proletarizado pelas nações europeias vencedoras da Primeira Guerra Mundial. Aproveitando essa ideia, Hitler segue a mesma linha de pensamento de Mussolini: a principal luta deve ser contra as nações estrangeiras e para que essa luta seja desenvolvida, faz-se necessário eliminar forças internas antinacionais como os sociais-democratas e os comunistas. Resume Konder,
O sentido social conservador dessa ideia era claro: tanto na Alemanha quanto na Itália, os trabalhadores eram convidados a ver em seus compatriotas capitalistas não os beneficiários de um sistema social baseado na exploração interna, mas sim colegas proletarizados (ou em vias de proletarização), vítimas de um sistema de exploração internacional  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 37).
VI - Konder afirma que a retórica fascista em torno da nação só obteve êxito graças a fase imperialista que se encontrava o capitalismo. Nos países de capitalismo avançado o capital industrial fundiu-se com o capital bancário, formando o capital financeiro. Esse novo tipo de capital necessitava de expansão, gerando a exploração imperialista. A corrida imperialista foi a principal responsável pela Primeira Guerra Mundial. Sua consequência foi o desenvolvimento de um ressentimento nacionalista entre as nações imperialistas. Esse ressentimento foi habilmente utilizado por Mussolini e Hitler em prol de seus interesses.

Porém, Konder busca diferenciar o nacionalismo das nações imperialistas do nacionalismo das nações anti-imperialistas. Ele diz que "O nacionalismo dos povos efetivamente oprimidos e explorados é tendencialmente democrático e se fortalece através da mobilização popular feita 'de baixo para cima'"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 39). Nesse nacionalismo defensivo, o mito da nação não é central na mobilização popular. O que move os nacionalistas nesse caso são as próprias condições reais de existência, então sob exploração dos colonizadores. Já o nacionalismo das nações imperialistas, defendido pelos fascistas, depende da manipulação das massas em torno de um mito criado: a nação, idealizada e sem contradições. Além disso, sua prática pressupõe uma lógica "de cima para baixo". Ainda sobre a natureza do nacionalismo fascista, diz o autor:
Na prática, a demagogia fascista assume frequentemente formas "populistas", lisonjeando o "povo", prestando-lhes todas as homenagens e contrapondo-o à "massa" (que representa apenas o peso morto da "quantidade"). Mas esse "populismo" pressupõe um "povo" tão mítico como a "nação", nos quadros da ideologia fascista. E todas as vezes em que alguma tendência no interior do fascismo se mostrou mais sensível a pressões "plebeias" e procurou aprofundar certos aspectos "populistas", foi sumariamente cortada pelas forças que mantinham a hegemonia no movimento fascista  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 40).
Dentre essas forças cortadas pela hegemonia no movimento fascista Konder cita Gregor Strasser na Alemanha, Roberto Farinacci na Itália e Kita Ikki no Japão. Strasser era braço direito de Goebbels até 1926, mas seria assassinado em 1934 por manter suas posições anti-capitalistas. Farinacci foi afastado do Partido Nacional Fascista (onde assumia o cargo de secretário-geral) depois da aliança feita entre Mussolini e a Igreja Católica. Já Ikki lançou as bases de um movimento que preconizava a libertação da raça amarela da raça branca, dando ao fascismo nipônico fortes traços anti-imperialistas. Foi fuzilado em 1937 após uma tentativa de golpe de estado. Todos esses casos mostram que, tendências que buscaram discordar da hegemonia do movimento fascista, foram duramente reprimidas e abafadas.

Por fim, e ainda visando diferenciar o nacionalismo imperialista do nacionalismo anti-imperialista, afirma Konder:
O nacionalismo que exprime os sentimentos de um povo explorado pelo capital estrangeiro ou que exprime a revolta de um povo contra imposições de outra nação é um nacionalismo essencialmente defensivo: seus valores podem levá-lo a hostilizar circunstancialmente os estrangeiros exploradores, mas ele não se afirma em contraposição à humanidade em geral e não nega os valores das outras nações. A valorização fascista da nação, ao contrário,  exatamente porque é inevitavelmente retórica, precisa ser agressiva, precisa recorrer a uma ênfase feroz para disfarçar o seu vazio e tende a menoscabar os valores das outras nações e da humanidade em geral  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 41).
VII - E quais as condições sociais, políticas, econômicas e culturais que propiciaram o sucesso do fascismo? No plano cultural, os pensadores da direita ajudaram nas condições que propiciaram o êxito do fascismo ao destruírem os princípios do liberalismo, principalmente seu aspecto político que oferecia convicções democráticas as massas populares. Filósofos como Nietzche exaltava preconceitos aristocráticos, menosprezando a democracia e a chamada "plebe". Essas ideias acabaram tendo repercussão até mesmo em setores potencialmente progressistas que passaram a enxergar a organização política das massas com pessimismo.

No plano social, político e econômico temos o desenvolvimento de um sistema que concentrou indivíduos em pequenas cidades sob o estímulo desenfreado da competição. E, "Vítimas da tendência desagregadora que se fortalecia no interior da vida social, reduzidos a uma solidão angustiante, os indivíduos - reconhecendo sua fragilidade - ansiavam por se integrar em comunidades capazes de prolongá-los, de completá-los"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 44). Esse papel de unificador dos indivíduos poderia ter sido feito pelo movimento socialista, porém, o ambiente hostil encontrado e suas disputas internas acabou enfraquecendo os socialistas. Aproveitando a crise do movimento socialista, cindido por conta da interpretação dada a Primeira Guerra Mundial, o fascismo encontrou um caminho livre para colocar o mito da nação como "algo capaz de satisfazer às exigências da vida comunitária, que os indivíduos, no quadro da sociedade capitalista, são levados a experimentar de maneira intensa porém frequentemente confusa"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 45).

É bem verdade, como pontua Konder, que os principais entusiastas do discurso fascista foram os membros da pequena burguesia, porém vários trabalhadores se sentiram seduzidos por fazerem parte da "comunidade popular" proferida por Hitler ou por se sentirem herdeiros do Império Romano, como defendia Mussolini.

VIII - O fascismo foi o primeiro movimento conservador, para não dizer político no geral, que aproveitou de técnicas de propaganda criadas pela sociedade de massas e/ou de consumo. O capitalismo que já controlava à produção, passou a controlar o consumo, promovendo propaganda dos produtos com o intuito de formar uma conduta do consumidor. O movimento fascista logo percebeu que poderia utilizar essas técnicas de propaganda na sua atividade política. Qual o resultado dessa inovação? Diz Konder:
No lugar da imagem dos políticos conservadores tradicionais, com seus fraques e cartolas, muitas vezes apoiando em bengalas seus vultos pálidos e senis, difundiu-se pela Itália inteira a imagem de um Duce cheio de vitalidade, viajando frequentemente de avião e ditando por telefone os artigos diários destinados aos leitores do seu jornal. No lugar da polida oratória parlamentar, impôs-se o discurso enérgico, de agitação, pronunciado ao vivo em múltiplos comícios ou então ressoando por todo o país, graças ao uso sistemático (pioneiro) do rádio  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 47-48).
IX - Nesse capítulo, Konder questiona de onde provinham os investimentos aos fascistas. Na Itália, ele cita o patrocínio de Max Bondi, do grupo Ilva, o principal grupo siderúrgico do país. Na Alemanha as relações entre o fascismo e o empresariado foi ainda maior. Entre as patrocinadoras do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, Konder cita as seguintes: Hoesch, empresa da indústria química; Empresas Unidas do Aço; Siemens & Halske; Dresdner Bank; Commerz und Privatbank e Bankhaus Stein. A ligação entre o movimento fascista e o capital financeiro é assim analisada pelo autor,
A guerra de 1914-1918 manifestou com clareza as profundas contradições existentes no mundo criado pelo capitalismo em sua fase imperialista. Pela concentração de poder econômico realizada em suas mãos, o capital financeiro foi levado a assumir a liderança na luta pela conservação (e correspondente atualização) do sistema. Para o capital financeiro, entretanto, o sistema só poderia ser salvo por meio de reformas que suprimissem certos estorvos, remanescentes da fase de "livre competição", acentuassem a concentração do capital (uma forma de "racionalização" da economia) e aprofundassem a interdependência entre os monopólios e um "Estado forte"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 51).
Sobre a questão da presença do Estado na economia, Mussolini até a crise de 1929 era apto de um Estado forte politicamente, mas não interferindo nas atividades econômicas. Porém, após as consequências da crise, ele acabou mudando de posição, passando a defender a intervenção estatal na economia. Já Hitler subiu ao poder defendendo a interferência do Estado na economia, sendo sua atividade primordial no desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado.

X - Encerrando a primeira parte do livro, Konder pontua características gerais do fascismo com base no que foi exposto nos capítulos anteriores. O que é fascismo? Responde Konder...

  1. O fascismo surge na fase imperialista do sistema capitalista, procurando desenvolver as condições necessárias para a implantação do capitalismo monopolista de Estado, expressando sua posição favorável a concentração do capital; 
  2. O fascismo é um movimento socialmente conservador que, sob uma máscara "modernizadora", põe em prática uma ideologia pragmática e radical que se serve de mitos irracionalistas e técnicas manipulatórias racionais;
  3. O fascismo é um movimento chauvinista, antidemocrático, antiliberal, anticomunista e antisocialista; 
  4. O fascismo surge e se desenvolve em condições históricas específicas que pressupõe o enfraquecimento de bases antifascistas; 
  5. O fascismo se desenvolve e utiliza aspectos da chamada sociedade de massas e/ou de consumo, bem como incentiva e propicia a fusão do capital bancário com o industrial, gerando o capital financeiro. 
COMO O FASCISMO "CLÁSSICO" FOI INTERPRETADO NA SUA ÉPOCA

I - Aqui Konder busca responder duas perguntas: como surgiu o fascismo e como foi interpretado? Buscando se afastar de análises vagas, que vão em Maquiavel ou até Platão (caso de Karl Popper) para interpretar o fenômeno do fascismo, Konder afirma que sua influência sobre o assunto é o filósofo húngaro Gyorgy Lukács. Segundo Lukács, "o fascismo aproveitou elementos das mais variadas linhas de pensamento reacionárias, reunindo-os de maneira eclética e em função de um uso muito claramente pragmático" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 59). Abaixo iremos enumerar alguns nomes que influenciaram o movimento fascista, segundo Konder:

Itália: Georges Sorel (sua concepção de violência) e Friedrich Nietzche (a ideia de Super-Homem);
Alemanha: Friedrich Nietzche, Eugen Duhring, Paul Botticher e Houston Steuart Chamberlain;
França: Arthur de Gobineau, Vacher de Lapouge, Gustave Le Bon, Joseph de Maistre, René de la Tour du Pin e Maurice Barrès.
De maneira geral, todo o pensamento de direita que, ao longo do século 19, se empenhou na "demonização" da esquerda, desempenhou um papel significativo na preparação das condições que o fascismo pôde, mais tarde, irromper (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 60).
II - A palavra fascismo, criada por Mussolini, vem de fascio que significa feixe. Sobre o símbolo do fascismo italiano, escreve Konder: "Os machados simbolizavam o poder do Estado de decapitar os inimigos da ordem pública. E as varas amarradas em redor do cabo constituíam um feixe que representava a unidade do povo em torno da sua liderança" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 63). O termo fascio foi apropriado por Mussolini, mas existia antes dele. No século XIX, organizações populares em defesa de seus interesses se denominavam de fascio. Um exemplo citado por Konder são fascio na Sicília, entre 1891 e 1894, que liderados por socialistas, lutavam por melhores condições de vida no campo. No século XX o termo fascio retornaria na cena política italiana. Eram os fascio patrióticos que surgiram em apoio a entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial.

Na época do surgimento desses fascio, Mussolini era membro do Partido Socialista Italiano (PSI) e diretor do jornal do partido (o Avanti!). Após a decisão do PSI em se contrapor a entrada do país na Primeira Guerra Mundial, Mussolini rompe com o partido e funda seu próprio jornal, o Popolo d'Itália, então financiado por grandes empresas como a Fiat, a Ansaldo, a Édison e a Unione Zuccheri. Graças a esse financiamento, o jornal Popolo d'Itália logo se tornaria o principal na defesa da entrada italiana no conflito mundial.

Após certa hesitação, os italianos entram na guerra e Mussolini participa da mesma como combatente. Terminado o conflito, os combatentes retornavam à Itália com grande prestígio frente a população, pois o país tinha ficado ao lado das nações vencedoras, mesmo sendo tímida contribuição para essa vitória. Porém, a entrada no conflito não resolveu os problemas internos do país que passava por problemas como: concentração na indústria, crise no setor agrário, quebra de pequenas e médias empresas, forte inflação e proletarização da pequena burguesia.

Após o fim da Primeira Guerra Mundial Mussolini intensifica sua guinada à direita, começando pela mudança do subtítulo de seu jornal: antes era "Jornal Socialista" e passou a ser "Órgão dos combatentes e produtores". A partir daí, Mussolini passa a se voltar contra as forças anti-nacionais: a democracia liberal e o socialismo. Os liberais que comandavam o Estado no pós-guerra eram acusados de submissão aos nações imperialistas; já os socialistas eram vistos como representantes dos russos na Itália. Ambas eram forças políticas a serem combatidas pelo nascente movimento fascista. Nessa conjuntura, em 1919, Mussolini funda o primeiro fasci di combattimento que logo tomariam conta de todo o país.

III - Os fasci di combattimento, ou grupos italianos de combate, não tinham programa e se limitavam a combater seus inimigos políticos a base de discursos exclamativos, além do corriqueiro uso da violência. Era a chamada "dialética dos punhos e dos revólveres". Inicialmente Mussolini achava positivo essa violência impulsiva desses grupos, mas depois do crescimento do movimento fascista, ele passou a tratar a necessidade de uma racionalidade no uso dessa violência. O fascismo cresceu assustadoramente e com vista grossa de governos italianos como os de Ivanoe Bonomi e Luigi Facta.

IV - De uma forma geral, à esquerda repudiou o fascismo desde seu nascimento. Porém, não soube interpretá-lo de maneira correta (do ponto de vista teórico) no calor do momento. Uma das primeiras tentativas de interpretação do movimento fascista foi realizada por Giovanni Zibordi, então ex-companheiro de Mussolini quando esse eram membro do PSI. Ele foi responsável por notar a flexibilidade retórica dos fascistas que em alguns lugares da Itália se diziam republicanos, em outros se afirmavam como monarquistas e noutros assumia um discurso demagogo e obreirista. Zibordi também observou a variedade de classes sociais que estavam inseridos no movimento: banqueiros, industriais, comerciantes, ex-soldados, pequenos burgueses, desempregados e até operários. Sua visão inicial sobre o fascismo levou a preocupação em entender as bases sociais desse movimento, assim como seu conteúdo de classe.

O principal erro teórico de muitos que buscaram interpretar o fascismo no calor do momento foi resumi-lo a Itália. O movimento fascista era considerado um produto da conjuntura italiana, sem chance de expandir-se para outros países. Foi assim que o liberal Francesco Nitti enxergava o fascismo, como obra exclusiva da maldade de um homem: Benito Mussolini.

Em contraponto a essas interpretações errôneas, existiram outros observadores que enxergavam o fascismo como o resultado de um movimento mais amplo e com proporções histórico-mundiais. Um deles foi o comunista italiano Antonio Gramsci que em 1920, escrevia no Avanti! que o fascismo não era um fenômeno exclusivo da Itália, assim como não era a formação do partido comunista. Na Alemanha, A. Jacobsen diz em tom profético na revista Die Internationale que as causas do fascismo é de teor internacional e alerta para a necessidade de combatê-los também na Alemanha. Clara Zetkin, já em 1923, alertava para a necessidade do proletariado combater o movimento fascista que, por sua vez, deveria ser distinguido de outras formas de repressão da direita, pela sua amplitude de mobilização e radicalidade.

V - Na época, o fascismo foi interpretado como um movimento capitaneado pela pequena burguesia. Era essa classe que proporcionava amplitude ao movimento. Criticando essa visão estreita, afirma Konder:
Alguns autores passaram da constatação do papel central da pequena burguesia nas massas que o fascismo lograva mobilizar à tese do caráter pequeno-burguês do fascismo. Na ocasião, presos a critérios sociológicos de tipo mais ou menos positivista, não lhes ocorreu que a massa pequeno-burguesa poderia estar servindo de suporte "popular" a um movimento cujo efetivo conteúdo corresponderia muito mais aos interesses de uma outra classe social do que aos dela (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 73).
Um dos primeiros representantes na defesa desse caráter pequeno-burguês do fascismo foi Luigi Salvatorelli, em seu livro "Nazionalfascismo", publicado em 1923. Para ele a luta de classes entre burguesia e proletariado fez a pequena burguesia receber pancadas dos dois lados, acabando que o fascismo encarnado por Mussolini seria a expressão de revolta desses setores. Já para Giulio Aquila, pseudônimo do comunista húngaro Chasch, o movimento fascista era hegemonizado pela burguesia industrial que desde a campanha pela entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial, estava patrocinando Mussolini. Ele considerava o partido fascista como "braço armado do capital industrial italiano". A pergunta seria: mas o que teria levado a burguesia industrial na Itália a optar pelo fascismo, caminho não escolhido por outras burguesias na Europa? Para Aquila, "a opção fascista da burguesia industrial italiana teria sido determinada pelas condições extremamente difíceis que ela encontrou para a 'reconstrução' no pós-guerra e pelas facilidades oferecidas pela divisão interna do proletariado" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 74-75).

Já para liberais como Pierro Gobetti, o fascismo era a expressão de aspectos culturais negativos da Itália. Segundo ele, o fascismo surgiu acentuando mazelas da cultura italiana como a retórica, a corrupção e a demagogia. Os fascistas eram incapazes de amar a nação real, pois eram incapazes de aceitá-la do ponto de vista concreto: ou seja, uma comunidade imperfeita e galgada a divisões internas.

VI - Feita essa breve exposição sobre a visão sobre o movimento fascista para aqueles contemporâneos ao seu surgimento e desenvolvimento, Konder pontua a inserção deles no mundo cultural e/ou intelectual. Os intelectuais, segundo Konder, tendem a ter posturas contrárias a lógica capitalista. Sua tarefa de enriquecer a autoconsciência da humanidade em cada época e país acaba não recebendo o devido valor no sistema capitalista, jogando esses setores em condições de vida e de trabalho não benéficas. Não sentido as vantagens econômicas da propriedade capitalista, intelectuais e artistas tendem a um posicionamento contrário ao capitalismo, mesmo que sem uma consciência de união como tem a classe trabalhadora. Buscando limitar a ação política desses setores, a classe dominante busca a todo momento dividi-los, aprofundando suas contradições internas.

O marxismo oferece a esses artistas e intelectuais um importante papel na construção de uma nova sociedade, revestindo-os de uma análise libertadora e cobrando deles a humildade necessária para renunciar as suas fantasias idealistas de supervalorização de si mesmos. Devem entender que os desafios que enfrentam tem raízes num plano socioeconômico, isto é, nas relações de produção. Mas o fascismo é a completa aversão ao materialismo histórico e dialético do marxismo. Ele inverte a noção de "idealismo" e "materialismo", tomando o primeiro como positivo e o segundo como negativo e vinculado a egoísmo e falta de ideais.

Foi assim, invertendo as noções desses importantes conceitos filosóficos, que o fascismo ganhou forte inserção no campo artístico e intelectual. Dentre os nomes citados por Konder, temos: Giovanni Gentile, Drieu la Rochelle, Luigi Pirandello, D'Annunzio, Guido Piovene etc.

VII - Passado os italianos, Konder chega na ascensão fascista na Alemanha. Lá o principal nome desse movimento foi Adolf Hitler. Na conjuntura alemão que se fez surgir o nazifascismo, temos um crescente movimento socialista que entre 1913 e 1919 subiram ao poder na Baviera, mas logo seriam reprimidos. Em Berlim, o proletariado se amontoava em conflitos contra a burguesia sob liderança de figuras como Rosa Luxemburgo e Karl Liebbknecht.

Além desse organizado movimento socialista, tínhamos as forças armadas alemãs, então completamente humilhadas pelo Tratado de Versalhes. Esse tratado, assinado após a Primeira Guerra Mundial, oficializou a perda da Alsácia e a Lorena, distribuiu colônias africanas para outras potências imperialistas e reduziu o exército alemão de 400 mil para 100 mil soldados. Nessa conjuntura de pós-guerra e crescimento dos socialistas, surgiram grupos de extrema-direita que buscaram se contrapor tanto ao avanço dos socialistas quanto as humilhações impostas a Alemanha pelo Tratado de Versalhes.

Em 1919 é fundado o Partido Operário Alemão por Anton Drexler que em 1920, já sob liderança de Hitler, então responsável pela propaganda do partido, mudaria seu nome para Partido Operário Alemão Nacional-Socialista. O programa inicial dos nazistas contava com a supressão da cidadania dos judeus (vistos como responsáveis pela crise do país), uma reforma agrária "adequada às exigências nacionais", participação dos trabalhadores nos lucros das grandes empresas e o confisco daqueles que enriqueceram às custas da guerra. Segundo Konder, aos poucos, os pontos mais "avançados" do programa foram sendo retirados a medida que o movimento crescia e se desenvolvia.

Em 1923, influenciado por Mussolini, Hitler tenta tomar o poder e é preso. Julgado a seis meses de prisão, escreve seu livro "Minha Luta" e vê o partido nazista sofrer baixa. Mas apesar disso, não desanimou. A extrema-direita tomava o poder na Itália, Hungria, Espanha, Portugal e na Polônia. Olhando ao seu redor, Hitler encontrou forças para continuar lutando. O primeiro passo para a reabilitação foi se aproximar cada vez mais do mundo empresarial, dividindo os empresários entre "bons" e "maus", além da busca pela "cura" do capitalismo e não pela sua superação. Logo o movimento liderado por Hitler ganharia simpatia de empresários como Alfred Krupp, Werner Siemens entre outros.

A crise de 1929 será responsável pelo agravamento da crise da Alemanha, derrubando um governo sob liderança do Partido Social Democrático. A partir de 1930, os chanceleres são nomeados diretamente pelo presidente Hindemburg. Era a guinada alemã à direita bem antes da ascensão do nazismo. Nomeados pelo presidente, as leis não dependeriam mais do congresso, mais sim de decretos de emergência.  Apesar da derrota eleitoral nas eleições legislativas de 1932, os nazistas viram Hitler chegar ao posto de chanceler em 1933, após a nomeação de Hindemburg, acatando um pedido feito por grandes industriais e banqueiros do país. Como chanceler, Hitler só sai do poder após o fim da Segunda Guerra Mundial.

VIII - Com a ascensão de Hitler na Alemanha, o fascismo ultrapassava as fronteiras da Itália e passava a ser um problema de cunho internacional para seus adversários. Fazia-se necessário a formulação de novas interpretações sobre esse movimento, que guiassem rumo a uma mudança na ação política, visando o combate a esses setores. Para Franz Borkenau, o fascismo italiano foi o remédio encontrado pelo capitalismo para promover seu desenvolvimento, neutralizando as reivindicações do movimento operário e de estruturas pré-capitalistas. Porém, a burguesia alemã, diferente da italiana, é forte e autônoma o suficiente para não se deixar ser representada por um partido fascista. Assim, Borkenau limitava o fascismo a um movimento tipicamente italiano. Outra visão errada do movimento foi feita pelo socialista francês Léon Blum que, frente a derrota eleitoral dos nazistas nas eleições legislativas de 1932, atestou o fracasso das pretensões de Hitler de chegar ao poder.

Mas não foram só esses dois que erraram na interpretação do movimento fascista. Na URSS, Josep Stálin considerava a Social-Democracia como "ala moderada do fascismo", e até mais perigosa por sua dissimulação. Essa visão radical de Stálin condizia com as acirradas rivalidades entre comunistas e sociais-democratas que encontraram na Alemanha seu apogeu. Foi no governo do social-democrata Friedrich Ebert que líderes comunistas como Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Leo Jogiches, foram brutalmente assassinados. O crime ficaria impune, causando uma revolta entre os comunistas. Se por um lado os comunistas enxergavam os sociais-democratas como uma ala moderada e dissimulada do fascismo; por outro, os sociais-democratas acreditavam que a unidade do movimento operário só poderia ser garantida sob uma forte oposição aos comunistas.

Com a constatação de que o fascismo era um problema mundial, e não mais restrito a Itália, se fazia necessário uma reinterpretação sobre esse movimento e também a construção de uma nova relação entre comunistas e sociais-democratas. Pensadores como Rajani Palme Dott, Maurice Thorez e Palmiro Togliatti buscaram traçar o caminho dessa reinterpretação. Porém, a figura destacada por Konder é a do búlgaro Georgi Dimitrov. Buscando convencer Stálin, Dimitrov fez um discurso no 7º Congresso da Terceira Internacional que seguia a seguinte linha: "o fascismo é 'a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro'" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 91). Graças a influência das ideias de Dimitrov, foi decidido nesse congresso:
O mesmo Congresso que consagrou a nova interpretação comunista do fascismo aprovou também a nova atitude ante o inimigo fascista: a linha de frente popular antifascista, a luta num quadro de aliança com a social-democracia. Uma aliança, aliás, que abrangia não só a social-democracia como, mais amplamente, todas as forças burguesas capazes de se opor aos elementos do capital financeiro responsáveis pelo avanço do fascismo (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 91)
Sobre essa frente ampla, León Trotsky se levantava contra. Já dissidente da URSS, Trotsky achava uma bobagem a ideia stalinista de equiparar social-democracia com fascismo. Pelo contrário, enxergava que para sair do isolamento, os comunistas deveriam fazer alianças com os trabalhadores sociais-democratas. Sobre o fascismo, misturou análises "proféticas" com outras errôneas. Profeticamente, alertou para a grande possibilidade de Hitler invadir a URSS. Porém, analisou erroneamente ao afirmar que Hitler logo seria sucumbido pelas nações imperialistas, tornando-se um defensor do Tratado de Versalhes. Mas sua crítica a frente ampla proposta por Dimitrov era consequência de sua visão estreita que tendia a fazer sobre a relação da classe operária com as demais classes sociais. Trotsky não enxergava a prática política como uma mediação. Essa sua visão "podia comportar uma aliança dos comunistas com os social-democratas, mas repelia a ampla frente popular antifascista, que abrangia setores da própria burguesia" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 93).

A consequência da visão trotskista foi o completo isolamento das organizações de esquerda influenciadas por seu pensamento. Por outro lado, aquelas organizações que seguiram a recomendação de Dimitrov, como o Partido Comunista Francês, tornaram-se grandes partidos de massa. Outras visões do movimento fascista citadas pelo autor foram as de Otto Bauer e Richard Lowenthal, ambos líderes sociais-democratas. Bauer ainda carregava aquela velha interpretação que via no fascismo um forte teor pequeno-burguês, já Lowenthal "interpretava o fascismo como um amálgama de setores de diversas classes que tinham em comum o fato de se encontrarem todos falidos" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 95). Entretanto, conclui afirmando que foi a visão de Dimitrov que ganhou maiores seguidores e acabou sendo base oficial para a ação do movimento comunista internacional na conjuntura de avanço fascista.

IX - A política da frente ampla não ganhou simpatia entre os países de língua inglesa. Na França, vimos sua maior expressão com o front populaire onde o PCF passou de 25 mil militantes, 1932, para incríveis 350 mil, em 1936. Mas o pacto de não-agressão assinado por Stálin em 1939 foi um grande baque para o PCF que obteve uma derrota política dentro da França. A política das frentes amplas foram derrotadas na Espanha por Francisco Franco e em seguida na França, após a queda do governo de León Blum. Compensando essas derrotas, a URSS entrou definitivamente no conflito mundial e ao lado da França, Inglaterra e EUA.

Unidos com os comunistas, contra o Eixo nazi-fascista, a burguesia inglesa, francesa e norte-americana logo começaram a produzir interpretações do movimento fascista que se diferenciassem da proposta pelos soviéticos. Eram as nações capitalistas buscando evitar uma infiltração ideológica dos comunistas em seus países, produzindo eles mesmos suas interpretações sobre os fatos.

Hermann Rauschning, ex-nazista e conservador, logo tratou de vincular o nazismo a ideais revolucionários. O Nacional-Socialismo de Hitler vinha dando certo, porém, caiu no erro ou deterioração moral de enveredar por caminhos revolucionários. Essa era uma ideia fantástica para conservadores ingleses, franceses ou norte-americanos que desejavam se afastar da áurea nazista.

Pensadores como Peter Drucker e Frank Munk enxergavam que na Alemanha de Hitler o que se via não era capitalismo. Chegou-se a chamar o nazi-fascismo de "coletivismo burocrático". Emil Lederer, por sua vez, afirmava que o nazifascismo era resultado da sociedade de massas, superando ou buscando superar as divisões internas em classes sociais. As massas se encontravam obedientes graças a capacidade de certos líderes de unificar suas reivindicações e anseios em torno de emoções.

Outra interpretação do fascismo citado por Konder foi a do alemão Franz Neumann, ligado a "Escola de Frankfurt", e que por isso produziu uma reflexão do fascismo que se diferenciava daquelas defendidas por conservadores vistos acima. Para ele, o fascismo era um capitalismo monopolista totalitário. Sua grande diferença para os autores conservadores é que ele vincula o fascismo com o capitalismo. Porém, segundo Konder, "Os limites da concepção de Neumann estavam numa certa idealização da sociedade capitalista anterior ao irrompimento do fascismo" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 99).

X - Nesse último capítulo dessa segunda parte do livro, Konder descreve o fim da guerra. A Alemanha avançou suas tropas, como bem avisara Trotsky, sobre a URSS. A forte militarização da vida, tanto na Alemanha quanto na Itália, não impediam que pequenos grupos antifascistas se articulassem. Professores como Mario Alicata, ligado a Universidade de Roma, reunia jovens universitários para estudar o marxismo com base na própria campanha antimarxista feita pelos fascistas. Na Alemanha, Wolfgang Harich, liderava um conhecimento do marxismo semelhante ao visto na Itália.

A derrota do Eixo tem início com a invasão inglesa e norte-americana a Sicília, encurralando Mussolini que via antigos aliados (como a burguesia italiana) enveredarem para o lado dos Aliados. O rei italiano Vittorio Emanuele III também foi outra figura a dar as costas para o Duce que, humilhado e frágil, foi preso em 1943 sob articulação do monarca. Libertado por tropas alemãs a mando de Hitler, Mussolini ocupa o Norte da Itália e junto com os militares alemãs fundam a República Social Italiana, sua última tentativa de caminhar. Abandonado pela burguesia e cercado pelos Aliados, Mussolini enfrentou uma greve na área que controlava junto com os alemães. Cada vez mais desgastado, foi capturado e fuzilado em 1945. Dois dias depois a morte de seu aliado, Hitler se suicida e a Segunda Guerra Mundial tem seu fim.

A DISCUSSÃO SOBRE O FASCISMO DEPOIS DA MORTE DE HITLER E MUSSOLINI.

I - Após o fim da Segunda Guerra Mundial ficou nítido que a estrutura econômica italiana e alemã nada tinham mudado, mesmo após o fim dos regimes de Mussolini e Hitler. O então chamado "corporativismo", visto como uma espécie de "terceiro sistema", síntese do capitalismo e do socialismo, era cada vez menos definido. As promíscuas ligações entre Hitler e o capital financeiro alemão foi escancarado mundialmente com as investigações do Tribunal Internacional de Nuremberg.

Também foi nesse tribunal que as diferenças entre os Aliados, outrora unidos contra o Nazifascismo, começaram a surgir. O perdão dado a Hjalmar Schacht e Franz von Papen, dois dos principais articuladores de unir Hitler com o grande capital alemão, foi duramente contestado pelos soviéticos. Os EUA e seus aliados ocidentais (principalmente Grã-Bretanha e França) davam mostras de que a "desnazificação" proposta por eles não era tão radical quanto a dos soviéticos. Já era o início da Guerra Fria.

No pós-guerra o socialismo havia se estruturado no mundo com a liderança da URSS. Mais além dos soviéticos, países como a Polônia, Albânia, Romênia, Iugoslávia, Tchecoeslováquia, Hungria, Bulgária etc., trilharam o caminho da construção do socialismo. Restaram as potências capitalistas a utilização das contradições internas desse bloco socialista (como a oposição entre Stálin e Tito) com o intuito de desestabilizá-lo. Além disso surgiram um conjunto de intelectuais preocupados em reinterpretar o fascismo sob uma ótica não socialista. O conceito de totalitarismo surge nesse contexto, tendo fortes implicações na interpretação do movimento fascista.

II - Dentre as interpretações não marxistas sobre o fascismo, temos a do liberal italiano Benedetto Croce que havia apoiado Mussolini em 1924, ano da crise do fascismo italiano por conta da morte do parlamentar socialista Matteotti, e fazia parte de uma "oposição moderada" ao regime. Sem um estudo aprofundado sobre o movimento, Croce se limitava a comparar o fascismo a uma doença que tinha invadido a Itália. Essa doença, entretanto, não teria vinculações com conflitos de classes, como pensavam os socialistas.

Outra interpretação não marxista sobre o fascismo foi feita pelo alemão Friedrich Meinecke. Para ele, a ascensão de Hitler ao poder foi ocasionada por um processo de "desnaturação", "no qual a tecnificação da vida reprimiu as necessidades metafísicas mais profundas do espírito" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 115). Esse processo gerou um conflito entre o racional e o irracional, levando a um afastamento dos padrões espirituais, típicos dos tempos de Goethe. Essa tecnificação também gerou uma expansão do "espírito revolucionário" dos socialistas, antes restrito ao proletariado urbano, para outras classes sociais.

Meinecke coloca o pontapé inicial na comparação feita entre socialismo e fascismo, ambas com "espírito revolucionário" que as unem num certo grau de parentesco. Mas existiram outros que fizeram essa mesma comparação. Konder começa com o líder católico Luigi Sturzo que, em 1926, trata a URSS como um "fascismo de esquerda" e o fascismo seria, por outro lado, um "comunismo de direita". Outro a seguir o mesmo caminho foi o filósofo francês Jacques Maritain, acreditando que "a crise religiosa do nosso tempo levara as massas que apoiavam os comunistas ou os fascistas a dirigirem para seres humanos e coisas exclusivamente humanas sentimentos que deveriam estar dirigidos para Deus" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 116).

Essas ideias que buscavam ligar fascismo e comunismo tiveram uma baixa com o estouro da guerra e a consequente aliança entre a URSS e demais potências capitalistas. Porém, após a guerra e na conjuntura da Guerra Fria, essa ideia retornou e sob uma forma mais modernizada. A principal representante dessa nova fase foi a filósofa Hannah Arendt com sua célebre obra "As origens do Totalitarismo", de 1951.

Arendt tem uma visão sobre o imperialismo totalmente diferente da vista em Vladimir Lênin, político russo e principal líder da Revolução Russa. Para ela, o imperialismo não era uma fase superior do capitalismo, era sim o princípio do aburguesamento da sociedade contemporânea. Egoístas e sedentos por mais lucros e mercados, a burguesia a partir do século XIX passa a manobrar as massas populares, servindo-se delas como ponta de lança de suas manobras. Para Arendt, 
As contradições internas do estado de coisas criado por essa política explodiram na guerra europeia de 1914-1918. E as massas, às quais uma politização intensa e caótica tinha sido imposta, passaram a ser "trabalhadas" pelos fascistas e pelos comunistas. Segundo H. Arendt os comunistas e os fascistas recrutaram seus adeptos nessa massa, que os demais partidos haviam se acostumado a desprezar, considerando-a "apática" e "estúpida" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 117).
Os movimentos totalitários, como o fascismo e o comunismo, são frutíferos em lugares onde se encontra uma massa sedenta por organização política. Essas duas ideologias irmãs, segundo Arendt, seriam uma espécie de adestradores de massa. Sobre a ligação entre o fascismo e o comunismo, pensava Arendt:
Em sua análise, a escritora tende a equiparar o fascismo e o comunismo. Para ela, a guerra entre a União Soviética e a Alemanha Nazista foi "uma guerra entre dois sistemas essencialmente idênticos". Na comparação entre os dois "totalitarismos", H. Arendt chega mesmo a enxergar certos aspectos mais humanos no nazismo, já que o terror na União Soviética era um fenômeno que podia atingir qualquer pessoa e não estava sequer limitado pelas discriminações raciais, como na Alemanha de Hitler (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 117).
III - Outras visões sobre o movimento fascista foram feitas por William Shirer e Karl Popper. Ambos buscaram analisar as origens filosóficas do nazismo e encontraram um culpado: Georg Hegel, justamente o pai da dialética moderna, e principal influência sobre Karl Marx. Para Shirer, Hegel foi responsável por uma valorização do Estado, instituição então primordial para os nazistas. Já Popper afirma que Hegel, um mero charlatão e irresponsável, havia incentivado a formação do "totalitarismo moderno" ao valorizar a construção de uma sociedade de tipo "fechada", aquela que dilui o indivíduo a uma espécie de "tribalismo" ou "coletivismo". Essas ideias foram sustentadas pelos autores, mesmo com textos de intelectuais nazistas que criticavam a filosofia hegeliana. Para Alfred Rosenberg, principal ideólogo do Nacional-Socialismo Alemão, a idealização de Hegel do Estado era incompatível com as ideias nazistas. Outro intelectual nazista a criticar Hegel foi Otto Koellreuter.

IV - O conceito de totalitarismo, segundo Konder, teve um importante aliado na empreitada de empobrecer as análises sobre o fascismo: as variadas biografias sobre Hitler e Mussolini. Sem querer considerar inútil a produção de biografias sobre grandes personalidades históricas, Konder alerta que a grande maioria desses biógrafos escorreram numa chamada concepção idealista da história, "que atribui ao arbítrio, a caprichos ou intuições inexplicáveis de alguns 'chefes' determinadas decisões ou manobras políticas que só poderiam ser efetivamente entendidas como respostas às questões apresentadas num dado momento, de forma bem concreta, pelas condições de luta, à organização específica em que o chefe se apoia" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 123).

Konder adverte que toda a ideia que supervalorizava líderes fascistas como Mussolini e Hitler, era produto não de sua mera individualidade diferenciada, mas de um forte empenho propagandístico daqueles que se serviam (e que também serviam deles). Como adverte Max Horkheimer, esses grandes líderes são criações publicitárias que não detém nenhuma individualidade genuína. Resumindo essa crítica a essa "psicologia dos grandes líderes", Konder conclui:
Fixando a atenção dos leitores nas pessoas dos líderes fascistas, na psicologia deles, os autores de quem estamos falando não contribuem para esclarecer melhor a complexa questão do papel real das grandes personalidades na história: limitam-se (independentemente das intenções subjetivas que os animam) a obscurecer as responsabilidades objetivas de determinadas organizações políticas e de seus financiadores (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 125).
Essas limitações dessas biografias, para o autor, também expressa a fraqueza do conceito de totalitarismo como meio de explicação do fenômeno político e social do fascismo.

V - Essa visão de enxergar o fascismo como fruto de personalidades autoritárias, segue o seguinte caminho: primeiro, normalmente, comparar as figuras de Hitler ou Mussolini com as de Stalin; e, em seguida, chegam no real objetivo dessa comparação: a equiparação entre fascismo e comunismo. Ambos são movimentos vistos como "radicais" e "revolucionários", sendo um o protagonista de uma "revolução vermelha" e outro de uma "marrom".

Críticos como Wolfgang Fritz Haug, examinando textos de professores universitários alemães sobre o fascismo entre 1964 e 1966, percebeu que o centro da crítica a esse movimento é a sua "radicalidade", deixando a entender que um fascismo mais "moderado" poderia até ser aceito. As críticas se resumiam a aspectos adjetivos e não substanciais.

VI - A morte de Josep Stálin em 1953 e o 20º Congresso do PC da URSS, marcado pela defesa da "desestalinização" do partido e do movimento comunista de um modo geral, a teoria do totalitarismo se fortaleceu na sua tentativa de ligar comunismo e fascismo como lados opostos de um mesmo problema: o autoritarismo. A emancipação a esses dois caminhos de cunho autoritário era o capitalismo liberal. Porém, esse capitalismo liberal defendido pelos teóricos do totalitarismo se encontrava em crise na Europa e nos EUA.

Nos EUA, a perseguição marcartatista (desencadeada pelo senador Joseph McCarthy) resultou numa "caça às bruxas" no plano interno e no incentivo a guerras neocolonialistas no âmbito externo, como a Guerra do Vietnã e a intervenção na Guatemala. Na França, o capitalismo liberal foi fortemente criticado por conta do envolvimento do país na cruel guerra contra os argelinos. Além disso, os liberais se viram obrigados a lidar com antigos aliados de Hitler e Mussolini, como foi o caso da Espanha de Francisco Franco e Portugal de Antonio de Oliveira Salazar.

Inspirado no "corporativismo" de Mussolini e no "austro-fascismo" de Engelbert Dollfuss, Salazar foi ministro das Finanças em 1928 e primeiro-ministro em 1932, instituindo em Portugal uma ditadura que durou de 1932 até 1968. Junto com Hitler e Mussolini, ajudou materialmente o general Franco que veio a derrubar a República Espanhola. Franco, muito mais próximo de Mussolini e Hitler que Salazar, conseguiu tomar o poder na Espanha graças a eles, mas após o estouro da Segunda Guerra, prestou apoio tímido aos antigos aliados.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os países representantes do chamado "capitalismo liberal" perdoaram as antigas relações obscuras de Salazar e Franco com Mussolini e Hitler. Salazar, que modificou o nome do seu regime de "Estado Novo" para "Democracia Orgânica, passando a aceitar uma contestada eleições no país, conseguiu inserir Portugal na OTAN já em 1949. O pequeno país da Península Ibérica recebeu ajuda financeira do Plano Marshall numa quantia que soma mais de 50 milhões de dólares. Já Franco recebeu certa resistência, tendo enfrentado bloqueio econômico da maioria dos países que compunham a ONU. Porém, sob proteção norte-americana, a Espanha de Franco conseguiu a suspensão desse bloqueio em 1950. Essa ajuda ianque não viria de graça: em 1953, os EUA instalavam bases militares em solo espanhol, selando a aceitação do ex-aliado de Mussolini e Hitler pelo mundo capitalista do pós-guerra. O caso Franco geraria: "Nos Meios conservadores-liberais, ela causava certo constrangimento. E contribuía para desacreditar as abordagens do fascismo baseadas no conceito de 'totalitarismo'" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 132).

VII - Konder descreve e critica interpretações não marxistas sobre o fascismo, que se desenvolveram paralelamente a chamada teoria do totalitarismo. Autores como Paul Sering (pseudônimo do social-democrata Richard Lowenthal), Rudolf Heberle e Seymour Martin Lipset enxergavam o movimento fascista como "uma expressão dos descontentes e dos psicologicamente desenraizados, das frustrações pessoais, dos seres socialmente isolados, dos economicamente inseguros, dos indivíduos incultos, estúpidos e autoritários das diversas classes e camadas da sociedade" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 133).

A grande diferença entre esses autores é que Sering (marxista), não inocenta o grande capital no desenvolvimento do movimento fascista, sua interpretação põe, em última instância, a centralidade das classes sociais por trás desse fenômeno. Já Lipset, defende a tese do caráter pequeno-burguês do fascismo e a partir daí atesta a existência de três movimentos políticos extremistas, são eles: "o comunismo (apoiado no operariado), o autoritarismo tradicional (apoiado nas classes 'altas') e o fascismo (apoiado nas classes 'médias')" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 134).

Segundo Lipset, o autoritarismo tradicional (representado pelos movimentos monarquistas e nos regimes de Salazar, Horthy e Dolfuss) são insignificantes e por isso não representariam maiores riscos a democracia representativa. Porém, o comunismo e o fascismo representavam. Por isso que Lipset, em sua teoria, visa instigar nos "democratas" a luta contra o extremismo das classes médias (fascismo) e do proletariado (comunismo). Porém, Konder problematiza a visão de democracia para Lipset, utilizando o seguinte argumento:
O mínimo que se pode dizer desses valores "democráticos" é que eles são bem estranhos: representam uma "democracia" que se define numa atitude de acentuada desconfiança ante a esmagadora maioria da população (constituída pelo proletariado e pelas "classes médias") e ignora a existência do grande capital, reduzindo a ação dos poderosos interesses conservadores atuantes em nossa sociedade à presença de uns tantos grupos passadistas insignificantes (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 134).
Tomando esse argumento, Konder afirma que Lipset parece almejar uma democracia sem povo. Influenciado pela teoria do totalitarismo e por Lipset, William Kornhauer enxergava o fascismo como um movimento político das camadas inferiores da sociedade que só chegou ao poder por falta de controle das elites. Essa mesma ideia foi vista em Christian Werner que põe a culpa da ascensão de Hitler na República de Weimar que se mostrou "tolerante demais".

Outras interpretações combatidas por Konder são as teses do "fascismo-militarismo" e "fascismo-bonapartismo". A tese do fascismo-militarismo tem como principal defensor o liberal Moritz Bonn. Para ele, o militarismo é um sistema político que se opõe ao parlamentarismo, pois "nesse último o bom funcionamento do sistema depende do debate e do confronto de posições diversas, ao passo que a disciplina essencial ao primeiro exige um rigoroso controle das controvérsias" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 135). A supressão do parlamentarismo e a militarização da vida política enquadra o fascismo como defensor e dependente do militarismo. Apesar de acreditar na ideia de que não existe fascismo sem militarização, Konder critica essa tese por dar foco as Forças Armadas, esquecendo de toda uma estrutura social que faz as Forças Armadas ser totalmente dependentes das classes sociais. Segundo suas próprias palavras:
Os limites da concepção de M. J. Bonn (e seus simpatizantes modernos) se acham no fato de que ela ignora sistematicamente a dependência em que se encontram os militares ante as classes sociais, quando se trata de encaminhar uma solução para os problemas da produção e da economia, em geral (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 136).
Já a tese do fascismo-bonapartismo foi elaborada por August Thalheimer. O bonapartismo, segundo Marx, seria um governo militar que, emergindo frente ao desgaste da luta de classes, era marcado pela conciliação de interesses diversos das diferentes frações da classe dominante. Para Thalheimer, o movimento fascista se encaixaria perfeitamente nessa conceituação. Outro defensor dessa tese foi Gert Schafer que, crítico de Dimitrov, enxergava o fascismo como defensor de uma "estrutura de compromisso" que levaria o Estado a acolher concepções que pouco ou nada tinham relação com o desenvolvimento racionalizado do capitalismo. Entretanto, pontua Konder que:
O equívoco básico de Schafer, como observou Reinhard Opitz, está no fato de ele ter se fixado num modelo "puro" de capitalismo, calcado sobre a imagem do capitalismo liberal, passando então a considerar "estranha" ao capitalismo a política posta em prática por Hitler e Mussolini, sem perceber que essa política correspondia, no essencial, aos interesses específicos do capitalismo monopolista de Estado, nas condições específicas da Alemanha e da Itália, ao longo dos anos de 1920 e 1930 (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 137).
Todas essas interpretações descritas e criticadas apresentam, segundo Konder, um erro crucial: analisar o fascismo pondo a esfera política acima da econômica. Para Konder, o marxismo anula a importância da esfera política, mas:
Mas, quando uma interpretação se fixa em alguns aspectos "criativos" da política fascista para pretender descaracterizar o conteúdo de classe do fascismo, ou para descrever o fascismo como o "domínio de um grupo que corporifica o primado do político sobre o econômico", semelhante interpretação assume um caráter nitidamente antimarxista, contribui objetivamente para inocentar o capital financeiro na gênese de fenômenos tipo Mussolini e Hitler, e - ainda por cima - acolhe uma ideia muito cara aos dois falecidos ditadores, que sempre se empenharam em disfarçar o conteúdo de classe da política que punham em prática, enfatizando exatamente o primado do político sobre o econômico (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 137-138).
VIII - Outra interpretação errônea do fascismo é aquela que busca responder ao seguinte questionamento: o fascismo contribui ou não para o avanço da industrialização? Para autores como Henry Turner Jr e David Schoenbaum, não. Mas para Peter Drucker, sim. A tarefa desses autores é confusa para Konder, pois "É impossível avaliar corretamente as relações de um movimento político com qualquer processo social" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 139). Konder afirma que o processo de industrialização pode ser levado em curso tanto por uma opção socialista, quanto por uma capitalista, sendo essa última uma reprodutora de contradições que afetam negativamente a sociedade. Dito isso, ele afirma que esses autores são limitados ao não problematizar as consequências da industrialização, sob a opção capitalista.

Mas autores como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Erich Fromm, Herbert Marcuse e Wilhelm Reich trataram de reflexões semelhantes, porém, sob um viés anticapitalista. São as reflexões desses autores que Konder focará nessa parte final da parte dois do livro.

IX - O primeiro a ser discutido por Konder foi o psicanalista ucraniano, Wilhelm Reich. Como militante, Reich participou ativamente das lutas que precederam a ascensão de Hitler ao poder. A derrota imposta pelos nazistas aos comunistas, fez Reich criticar os marxistas. Para ele, os marxistas tinham uma visão simplista da realidade e por isso não davam importância a fatores irracionais que podem exercer influência sobre as ações dos homens.

Encarando Marx como um sociólogo, faltava ao marxismo um viés psicológico, que veio a ser feio por Reich, então baseado nas teorias de Sigmund Freud. A teoria freudiana sobre o inconsciente, a libido, o complexo de Édipo e as teses sobre as inibições serviu como um complemento a base sociológica da teoria marxista. Dessa junção, Reich teve o mérito de analisar a ascensão nazifascista com base em aspectos socioculturais:
Reich fez observações interessantes, por exemplo, sobre as tradições educacionais fortemente repressivas da sociedade burguesa e sobre o papel que essa educação desempenhava na formação de indivíduos dóceis, recalcados, sem espírito crítico, fáceis de recrutar para as fileiras das organizações fascistas, onde lhes era proporcionada a chance compensadora de se "identificarem" com a personalidade enérgica do "chefe" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 142).
Essa teoria antirrepressiva de Reich, fez dele um teórico influenciador do movimento ocorrido em maio de 1968, na França. Porém, sua teoria carrega limitações para Konder que podem ser resumidas da seguinte forma:
Fixando sua atenção na "patologia" das massas pequeno-burguesas alemãs e exagerando os efeitos que sobre elas produzia o símbolo da cruz gamada, Reich foi levado a desconhecer a extensão do papel desempenhado pelo capital financeiro (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 142-143).
Encontrando-se isolado no movimento socialista por conta de suas reflexões teóricas, Reich ruma para os EUA onde cessa suas atividades políticas.

X - Depois de Reich, outros dois teóricos se destacam quando o assunto é análise sobre o fascismo, são eles: Theodor Adorno e Max Horkheimer. Ambos, conjuntamente, no que conhecemos hoje como "Escola de Frankfurt", analisam criticamente a formação da estrutura familiar burguesa e patriarcal, que para os dois autores contribuiu para a popularidade do fascismo. Além disso, "promoveram, também, uma ampla discussão sobre os mecanismos de deformação ideológica acionados pela sociedade capitalista" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 145). A Escola de Frankfurt estava mais preocupada com a circulação das mercadorias e não com o processo produtivo. Por isso que o conceito marxista mais utilizado pelos autores é o de Fetichismo da Mercadoria, analisado por Marx no Volume I da obra O Capital.

A principal oposição encontrada pela Escola de Frankfurt no marxismo, teve o húngaro Gyorgy Lukács como expoente. Lukács se contrapunha a Adorno e Horkheimer acerca das origens filosóficas do fascismo. Na obra "A destruição da Razão", de 1954, Lukács coloca na filosofia irracionalista a grande responsável pelas bases ideológicas do fascismo. Já Adorno e Horkheimer, na obra "A dialética do iluminismo", acreditavam que "as matrizes ideológicas do fascismo na consciência burguesa se encontravam não no irracionalismo e sim no neopositivismo, com sua capitulação diante do real, com seu pseudorracionalismo manipulatório" e continua Konder, "Na vida cultural de nossa época, Adorno e Horkheimer enxergavam quase que apenas os efeitos devastadores da manipulação dos indivíduos por parte da indústria da cultura" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 147).

Essa visão de Adorno e Horkheimer, fizeram Lukács acusar suas reflexões de "conformismo disfarçado de não conformismo". Konder parece concordar com essa crítica do filósofo húngaro, pois encerra afirmando o seguinte:
De fato, independentemene de muitas observações notavelmente argutas sobre as mazelas da "sociedade contemporânea" e sobre as tendências fascistas que ela necessariamente encerra, Adorno e Horkheimer - estorvados por um ceticismo elitista, de consequências políticas negativas - chegavam em suas análises a um determinado ponto a partir do qual não conseguiam mais ir adiante: o ponto onde a compreensão dos problemas passava a depender do reconhecimento da direção de sua possível solução (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p.148).
CONCLUSÃO: A SITUAÇÃO ATUAL DAS CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO FASCISMO

I - Konder busca nessa última parte do livro, resumir suas ideias abordadas anteriormente. A primeira retomada pelo autor diz respeito a análises personalistas e subjetivas do fascismo que centram suas reflexões numa hipotética "personalidade fascista". Se por um lado, essas reflexões ajudam a problematizar o sistema educacional no capitalismo, por outro obscurece o entendimento de um movimento de cunho social e não meramente individual.

Afinal, questiona Konder: o que seria personalidade fascista? O ódio, a fascinação pela violência ou o espírito aventureiro? É impossível traçar uma personalidade fascista exata pois, segundo ele, o fascismo abarcou diferentes tipos de personalidades individuais. Adolf Hitler é citado como exemplo, apesar de ser protagonista de discursos efusivos e explosivos; sua intimidade mostra um homem capaz de desenvolver pensamentos surpreendentes como a implantação de uma verdadeira tolerância, através do triunfo do nazismo.

Sendo assim, Konder acredita que o foco nas personalidades acaba sendo ineficaz quando o fascismo se serviu de diferentes tipos humanos, desde o pervertidos sexuais como Julius Streicher, como homens pacatos cumpridores de ordens. Finalizando essa crítica, citemos o próprio Konder:
As contradições e a complexidade psicológica dos indivíduos apresentam interesse secundário, quando se trata de avaliar a exata significação da política que punham em prática. Precisamente por ter chegado a se tornar um movimento de massas, o fascismo não pode deixar de ter mobilizado (e não pode deixar de continuar a mobilizar) gente de toda espécie. Fixar unilateralmente a atenção nos indivíduos é um modo de perder de vista o social. Um daqueles casos em que, como dizia Hegel, as árvores impedem enxergar a floresta (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 155).
II - Derrotado em 1945, como o fascismo se rearticulou? Após a derrota do que Konder chama de "fascismo clássico", os fascistas se reorganizaram, seja criando organizações próprias ou migrando para partidos conservadores "respeitáveis". 

Na Itália, os fascistas se reorganizaram já em 1946 com a criação do Movimento Social Italiano-Direita Nacional (MSI-DN). O MSI-DN veio do Uomo Qualunque, uma organização fascista fundada por Guglielmo Giannini, que chegou a obter impressionantes 1,2 milhões de votos nas eleições para a Assembleia Constituinte, 1946. Porém, o Uomo se desarticulou e suas principais lideranças fundaram o MSI-DN, que até a escrita do livro do Konder ainda permanecia em atividade, mas foi dissolvido em 1995, dando sucessão a vários outros partidos. Entre as lideranças citadas por Konder, temos: Valerio Borghese, Augusto De Marsanich, Arturo Michelini e Giorgio Almirante. Se aliando aos monarquistas, o MSI-DN chegou a obter 3,0 milhões de votos nas eleições legislativas de 1972.

Na Alemanha os nazistas se reatircularam na parte ocupada pelas potências capitalistas. Com um programa baseado num forte discurso cristão, foi fundado em 1946 o Partido da Direita Alemã que nas eleições de 1948, chegou a ganhar a prefeitura da cidade de Wolfsburg, obrigando as autoridades inglesas que ocupavam a região a anular o pleito. O PDA foi dirigido por Adolf von Thadden, mas em 1964, ele conseguiu a unificação de várias organizações de extrema-direita, sendo então fundado o Partido Nacional Democrático da Alemanha.

Tanto Almirante na Itália, quanto Thadden na Alemanha, não se vinculavam diretamente a Mussolini e Hitler, respectivamente. Enunciavam que o fascismo estava derrotado e que eles queria a democracia. Mas ninguém se enganava quanto a aproximação deles com o "fascismo clássico". Só não era mais estratégico para essa extrema-direita se vincular a Mussolini/Hitler, sendo seu discurso carregado pela ideia da construção do "novo", mais "lúcido" e "democrático". Com esse discurso "inovador", Almirante até conseguiu êxito com o MSI-DN, mas Thadden via a direita alemã preferir outros partidos como o União Democrata-Cristã ou o União Social-Cristã.  E quais as relações desses partidos conservadores "respeitáveis" com as organizações nazifascistas? Segundo Konder,
No interior dos partidos conservadores "respeitáveis", por sua vez, os líderes da direita procuram demonstrar aos que não romperam com os velhos ideais fascistas que, modificados os métodos, eles podem contar com uma posição implacavelmente firme ante o comunismo na defesa dos pontos essenciais do programa básico da reação (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 159).
III - Konder afirma que na conjuntura da Guerra Fria esses partidos conservadores "respeitáveis" deram uma forte guinada à direita. Esse movimento dos partidos conservadores à direita, foi o principal motivo para o não sucesso de von Thadden. Na luta contra o comunismo soviético, ocorreu "uma assimilação de certos aspectos essenciais do fascismo por parte do conservadorismo tradicional. Para ser efetivamente 'assimilado', o fascismo precisava deixar-se 'transformar', renunciando ao que nele se mostrava 'superado'; e, para conseguir 'assimilar' verdadeiramente as energias do fascismo, o conservadorismo tradicional era levado a se 'fascistizar', dentro de certos limites" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 161-162). 

Essa flexibilidade, tornou possível o surgimento de formas "impuras" de fascismo como os regimes de Dolfuss na Áustria, Horthy na Hungria, Franco na Espanha e Salazar em Portugal. Porém, até mesmo essas experiências "impuras" foram derrotadas. Diante disso, conclui Konder: "Ao que parece, os possíveis modelos de um regime fascista, neofascista ou facistoide, nas condições atuais, não poderão ser desencavadas do passado: precisarão ser inventadas" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 163). E mais:
Os centros mais influentes da direita vêm optando pelo gradualismo, pelas pressões no sentido de que o aparelho do Estado seja melhor utilizado - tal como existe, ou então submetido a pequenas reformas - na repressão e neutralização (ou aniquilamento) da esquerda (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 163).
Por fim, Konder destaca interpretações que enxergam expressão do fascismo nos chamados países subdesenvolvidos. Dois países para Konder estariam muito próximos do modelo "clássico" de fascismo: a Coreia do Sul e o Chile. Outras visões enxergam expressão fascista em países como Irã, Argentina (principalmente após a morte de Perón), Grécia (entre 1967 e 1974) e até no Brasil. Sobre essa tentativa de analisar possíveis expressões fascistas no Terceiro Mundo, Konder adverte: "pode-se admitir que em alguns casos haja exagero no emprego do adjetivo fascista, mas não se pode deixar de reconhecer que é sintómático a preocupação expressada por tais cientistas: caso não houvesse nenhum fundamento, seria difícil que semelhante preocupação se manifestasse tão amplamente e alcançasse tão vasta repercussão" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 163-164).

IV - Passada essa análise sobre a reorganização do movimento fascista, Konder passa rapidamente pelas ideias de John Keynes. Economista conservador, Keynes tinha como preocupação salvar o capital financeiro que, agressivo na busca por seus interesses, ocasionou duas grandes guerras mundiais. Enxergando o comunismo como moralmente mais elevado que o capitalismo, ao desenvolver uma maior preocupação com os problemas da comunidade, Keynes observa que diante disso o capitalismo só poderia sobreviver se fosse eficiente economicamente. Mas o sistema precisava passar por uma autorrenovação que em suas reflexões, deveria seguir a seguinte direção: "sua solução dependeria de uma direção política forte e razoável, cujo discernicamento e cabeça fria precisavam ser protegidos contra as pressões democráticas dos eleitores 'ignorantes'" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 167). Em suma, ele "enxergou claramente a ligação profunda entre a necessária intervenção crescente do Estado capitalista na economia e a política necessariamente antidemocrática que deveria preservar a ação estatal contra 'interferências' populares" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 167).

V - A principal pergunta feita por Konder é a seguinte: o adjetivo fascista não tende a mais obscurecer do que iluminar os fenômenos atuais? Para autores como Renzo De Felice e Ernst Nolte, o fenômeno do fascismo deveria ser visto circunscrito nas realidades alemãs e italianos do Entre Guerras. Eles não consideram, por exemplo, que regimes como o de Salazar em Portugal seja fascista. Essas visões, para Konder, são errôneas, pois coloca a história como presa ou exilada ao passado, sem possibilidade de atualização.

Buscando criticar essa ideia, Konder cita Togliatti que em 1935 afirmou: "É preciso não considerar o fascismo como qualquer coisa de definitivamente caracterizado, é preciso considerá-lo no seu desenvolvimento, nunca como algo fixo, nunca como um esquema ou como um modelo" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 170).

Konder afirma que nas limitações da obra, é impossível traçar as diferentes expressões do fascismo em cada realidade. Porém, "algumas rápidas observações sobre o quadro mundial em que elas se operam, isto é, algumas observações sobre o complexo de problemas aflorado por Keynes e Hobson e mencionado no capítulo anterior: a necessidade de uma crescente intervenção do Estado na economia, a necessidade do caráter antidemocrático do Estado dessa intervenção. O quadro que o capitalismo apresenta, hoje, aos nossos olhos, como sistema" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 171).

VI - Na fase do capitalismo atual (na época que o livro foi escrito), a tendência era a forte e intensa participação do Estado na economia. Os capitalistas perceberam a importância dessa instituição e passaram a tratá-la com maior atenção. Mas, para Konder, a centralidade do Estado no plano econômico ajudaria numa possível passagem do capitalismo para o socialismo. E é por isso que, mesmo entendendo sua importância, os capitalistas ficam receiosos dessa centralidade do Estado. Isso porque, "se as forças populares chegarem a se apoderar revolucionariamente do aparelho do Estado, será mais fácil para elas servirem-se dele, agora, na transformação eficiente da estrutura da sociedade" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 175). E assim ele conclui sobre esse assunto:
Mesmo que a tomada do poder por partes das forças populares não lhes pareça estar na ordem do dia, os grandes capitalistas percebem, apreensivos, que o aparelho do Estado não é imune às pressões e infiltrações. O número de capitalistas diminui, ao passo que o número de assalariados aumenta. E o conteúdo de classe do Estado não basta para vaciná-lo contra a contaminação de impulsos políticos provenientes da massa cada vez mais ampla e mais densa das camadas populares. Quanto mais importante se torna o controle do Estado, mais os grandes capitalistas são levados a lutar para "limpá-lo" de "inscrustações democráticas", empelhando-o cada vez mais radicalmente em funções repressivas e antipopulares. Daí a tentação do fascismo (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 175).
 VII - A tentação do capital financeiro em enveredar para o fascismo sempre existiu, porém, eles acabam se encontrando tímidos por conta da presença do então (na época da escrita do livro) bloco socialista. Assim, melhor que investir numa alternativa fascista, é mais viável explorar as contradições internas desse bloco a fim de enfraquecer o inimigo. Os grandes avanços bélicos também são, para Konder, motivos para um recuo de uma alternativa fascista. Porém, essa alternativa é ainda vista a cada "guerra localizada" ou "intestinais". Se virou impossível expressar o fascismo em atacado, tenta-se a prestações.

Os antigos mitos racistas e antisemita, foram enfraquecidos e deram lugar ao forte teor anticomunista, encarado mais do que nunca como uma ameaça nacional. Diante dessas condições:
As condições atuais da luta não animam o capital financeiro a correr o risco de apoiar partidos de massa, capazes de empunhar bandeiras com cruzes suásticas nas ruas: é preferível tentar manipular a "maioria silenciosa", que fica discretamente em casa, entregue ao consumo da Coca-Cola e da televisão. Novos padrões de conduta política passam a ser inculcados sob a capa de atitudes "não políticas" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 178).
Assim, finaliza Konder:
As circunstâncias exigem dos fascistas que eles sejam mais prudentes e mais discretos do que desejariam. Pragmaticamente, adaptam-se às exigências dos novos tempos. Mas continuam a trabalhar, infatigalvemente, preparando-se para tempos "melhores", que lhes permitam maior desenvoltura (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 178).
 
 










 














segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Aparelhos Ideológicos de Estado: Nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado



  • Sobre o autor: Louis Althusser nasceu na Argélia, em 1918, mas passou a maior parte de sua vida na França. Foi aluno da Escola Normal Superior de Paris e combatente na Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, desenvolveu graves problemas psicológicos que o atormentariam pelo resto de sua vida, chegando a receber tratamento com eletrochoques em 1947. Em 1948 filiou-se ao Partido Comunista Francês (PCF) e no mesmo ano tornou-se professor da Escola Normal Superior de Paris. Em 1980, Althusser estrangulou sua então companheira, Hélène Rytmann, num surto psicótico. Inocentado em 1981 desse crime, foi internado em clínicas psiquiátricas onde permaneceu até 1983. A partir daí, Althusser viveu em reclusão no norte de Paris, até seu falecimento em 1990, aos 72 anos, e em decorrência de um ataque cardíaco. Um dos principais nomes do Estruturalismo Francês dos anos de 1960, Althusser tem como principais obras: a) A Favor de Marx; b) Ler O Capital; c) Freud e Lacan, Marx e Freud. 



Aparelhos Ideológicos de Estado: Nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado - Louis Althusser - Edições Graal. 


APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO - TRADUÇÃO DE MARIA LAURA VIVEIROS DE CASTRO 

Sobre a Reprodução das Condições de Produção - O texto de Althusser busca entender os mecanismos que resultam na reprodução das condições de produção. Todo modo de produção necessita de mecanismos que reproduza sua lógica e o faça perpetuar-se. Logo, segundo o autor, toda formação social é resultado de um modo de produção que para se manter hegemônico deve produzir e reproduzir dois fatores: a) as forças produtivas; b) relações de produção.

A Reprodução dos Meios de Produção - Para que qualquer modo de produção se mantenha orgânico, ele necessita se manter vivo às condições materiais de produção. Ou seja, necessita da reprodução dos meios de produção. A reprodução dos meios de produção ocorre em dois níveis: a) reprodução dentro das fábricas; b) reprodução fora das fábricas. Dentro das fábricas, afirma Althusser, qualquer economista (e capitalista) sabe que precisa sempre repor matéria-prima, manter em funcionamento as instalações fixas e os instrumentos de produção (leia-se as máquinas) etc. Porém, até mesmo para teóricos antes de Karl Marx, como o economista francês François Quesnay, a reprodução ao nível da empresa é insuficiente para que um modo de produção possa se manter em funcionamento. Faz-se necessária uma lógica que só ocorre para além do espaço físico da fábrica. E como funciona essa lógica? Assim a descreve Althusser:
Basta refletir um pouco para se convencer: o Sr. X, capitalista, que produz tecidos de lã em sua fábrica, deve "reproduzir" sua matéria-prima, suas máquinas, etc... Porém quem as produz para a sua produção são outros capitalistas: o Sr. Y, um grande criador de ovelhas da Austrália; o Sr. Z, grande industrial metalúrgico, produtor de máquinas-ferramentas, etc, etc, devem por sua vez, para produzir esses produtos que condicionam a reprodução das condições de produção do Sr. X, reproduzir as condições de sua própria produção, e assim infinitamente, tudo isso numa proporção tal que, no mercado nacional (quando não no mercado mundial), a demanda de meios de produção (para a reprodução) possa ser satisfeita pela oferta (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 55)
Para entender melhor esse mecanismo descrito acima como uma espécie de "fio em fim", Althusser indica o estudo da obra "O Capital" de Marx. O aprofundamento da reprodução dos meios de produção não é, pois, o objetivo principal da obra. Por esse motivo que Althusser a descreve superficialmente e prossegue com o texto.

Reprodução da Força de Trabalho - Fazendo parte das forças produtivas, encontramos a força de trabalho que também deve ser reproduzida para que um determinado modo de produção possa continuar existindo. A reprodução da força de trabalho, afirma Althusser, ocorre estritamente fora da empresa. O salário é a principal forma de reprodução da força de trabalho no capitalismo. Sobre o papel desempenhado do salário nesse sistema, atesta o autor:
No entanto é assim que ele "atua", uma vez que o salário representa apenas a parte do valor produzido pelo gasto da força de trabalho, indispensável para sua reprodução, quer dizer, indispensável para a reconstituição da força de trabalho do assalariado (para a habitação, vestuário e alimentação, em suma, pra que ele esteja em condições de tornar a se apresentar na manhã seguinte - e todas as santas manhãs - ao guichê da empresa); e acrescentemos: indispensável para a criação e educação das crianças nas quais o proletariado se reproduz (em X unidade: podendo X ser igual a 0,1,2, etc...) como força do trabalho (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 56)
O salário atende, então, a necessidades biológicas e sociais do trabalhador assalariado. Sim, também necessidades sociais, como bem já mencionava Marx ao dizer que os proletários ingleses precisam de cerveja, enquanto os franceses precisam de vinho. Logo, o salário atende ao determinismo biológico e as variações sociais. Aqui Althusser destaca: o direito ao salário não foi uma doação por parte dos capitalistas, mas uma conquista da luta dos trabalhadores em busca da saciedade de suas necessidades históricas. Assim, a luta de classes se apresenta em duas frentes principais: contra o aumento da jornada de trabalho e contra a diminuição dos salários.

Entretanto, não basta apenas oferecer o salário aos trabalhadores para que existe a reprodução da força de trabalho. Esse mesmo trabalhador precisa ser qualificado, necessitando do investimento de uma capacitação mínima. Assim, "O desenvolvimento das forças produtivas e o tipo de unidade historicamente constitutivo das forças produtivas numa dado momento determinam que a força de trabalho deve ser (diversamente) qualificada e então reproduzida como tal. Diversamente: conforme às exigências da divisão social-técnica do trabalho, nos seus diferentes 'cargos' e 'empregos'" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 57).

Mas como se dar a qualificação da força de trabalho no capitalismo? Segundo Althusser, dentro de uma instituição central para esse sistema: a escola. O sistema escolar tem como principal objetivo a qualificação da força de trabalho, respeitando a divisão social-técnica do sistema capitalista. Seguimos com palavras do próprio autor:
Ora, o que se aprende na escola? É possível chegar-se a um pouco mais ou menos avançado nos estudos, porém de qualquer maneira aprende-se a ler, escrever, e contar, ou seja, algumas técnicas, e outras coisas também, inclusive elementos (que podem ser rudimentares ou ao contrário aprofundados) de "cultura científica" ou "literária" diretamente utilizáveis nos diferentes postos da produção (uma instrução para os operários, uma outra para os técnicos, uma terceira para os engenheiros, uma última para os quadros superiores, etc...). Aprende-se o "know-how" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 57-58)
Além desse "know-how", as escolas também são responsáveis pela introjeção dos bons comportamentos. Ou seja, "as conveniências que devem ser observadas por todo agente da divisão do trabalho conforme o posto que ele esteja 'destinado' a ocupar; as regras de moral e de consciência cívica e profissional, o que na realidade são regras de respeito à divisão social-técnica do trabalho e, em definitivo, regras da ordem estabelecida pela dominação de classe" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 58). Em suma, a reprodução da força de trabalho exige não só a qualificação, mais também à submissão desse indivíduo a ideologia dominante. Podemos resumir a lógica, utilizando as próprias palavras de Althusser, através do seguinte trecho:
Enunciando este fato numa linguagem mais científica, diremos que a reprodução da força de trabalho não exige somente uma reprodução de sua qualificação mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua submissão às normas da ordem vigente, isto é, uma reprodução da submissão dos operários à ideologia dominante por parte dos operários e uma reprodução da capacidade de perfeito domínio da ideologia dominante por parte dos agentes da exploração e repressão, de modo a que eles assegurem também "pela palavra" o predomínio da classe dominante (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 58)
A escola, assim como outras instituições como à Igreja, ensina o "know-how" que assegure a submissão dos indivíduos a ideologia dominante. Entendendo essa lógica, entramos no conceito que permeia todo o texto: ideologia. Mas antes de aprofundar o debate sobre as implicações desse conceito, Althusser busca responder a seguinte pergunta: o que é a sociedade? Para isso, utilizará de ferramentas teóricas oriundas da teoria marxiana.

Infra-estrutura e Superestrutura - Para Althusser, seguindo a concepção marxiana de sociedade, a sociedade é formada por dois níveis ou instâncias: a infra-estrutura, representada por uma base econômica que une forças produtivas e relações de produção; e a superestrutura, representada pelo seu nível jurídico-política (o Direito e o Estado) e ideológico (diferentes ideologias políticas, religiosas etc). A sociedade em Althusser é vista como um grande edifício onde a infra-estrutura econômica é a base e determina as expressões da infra-estrutura política-ideológica. Assim diz o autor:
Qualquer um pode facilmente perceber que a representação da estrutura de toda a sociedade como um edifício composto por uma base (infra-estrutura) sobre o qual erguem-se os dois "andares" da superestrutura constitui uma metáfora, mais precisamente, uma metáfora espacial: um tópico. Como toda metáfora, esta sugere, faz ver alguma coisa. O que? Justamente isto: que os andares superiores não poderiam "sustentar-se" (no ar) por si sós se não se apoiassem sobre sua base (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 60).
Ocorre, em suma, uma "determinação em última instância do que ocorre nos 'andares' da superestrutura pelo que ocorre na base econômica" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 60). O que visa a obra é, respeitando essa metáfora do edifício, compreender como se dar a reprodução da superestrutura determinada em última instância pela infra-estrutura. Althusser entender a reprodução do Direito, Estado e da ideologia na sociedade capitalista.

O Estado -  E qual a visão de Althusser do Estado? É a visão marxista-leninista, iniciada desde as reflexões do "Manifesto Comunista" até a obra "O Estado e a Revolução" de Vladimir Lênin. Nessa visão o Estado é concebido como um aparelho repressivo que intervém a serviço da classe dominante que ele controla. Aprofundando essa visão marxista de Estado, descreve Althusser:
O Estado é, antes de mais nada, o que os clássicos do marxismo chamaram de o aparelho de Estado. Este termo compreende: não somente o aparelho especializado (no sentido estrito), cuja existência e necessidade reconhecemos pelas exigências da prática jurídica, a saber: a política - os tribunais - e as prisões; mas também o exército, que intervém diretamente como força repressiva de apoio em última instância (o proletariado pagou com seu sangue esta experiência) quando a polícia e seus órgãos auxiliares são "ultrapassados pelos acontecimentos"; e, acima deste conjunto, o Chefe de Estado, o Governo e a Administração (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 62-63)
Da Teoria Descritiva à Teoria Propriamente Dita -  O que Althusser fez foi uma pura descrição do Estado. Essa rápida exposição do conceito de Estado está no campo da Teoria Descritiva que, para ele, representa a primeira etapa das Ciências Sociais. Porém, a Teoria Descritiva é apenas uma etapa transitório e o que Althusser propõe nessa obra é a passagem dela para uma Teoria Propriamente Dita. Como ele bem afirma,
1) que a "teoria descritiva" é, sem dúvida alguma, o começo sem retorno da teoria, porém, 2) que a forma "descritiva" em que se apresenta a teoria exige, pelo efeito mesmo desta "contradição", um desenvolvimento da teoria que supere a forma da "descrição" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 64)
Por isso, faz-se necessário acrescentar algo a descrição do Estado. Um acréscimo "à definição clássica do Estado como aparelho de Estado" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 65).

O Essencial da Teoria Marxista do Estado - Antes de aprofundar o debate sobre o Estado, Althusser pontua ideias que são essenciais para a teoria marxista que ele navega. O ponto mais importante destacado por ele é a necessidade de compreender a diferença entre Poder de Estado e Aparelho de Estado. O Poder de Estado é onde gira a luta de classes, pois está ligado a uma disputa pela posse do Estado por uma classe ou aliança de classes. Enquanto que o Aparelho de Estado é o Estado em si, permanecendo de pé mesmo diante de modificações bruscas na sociedade. Por exemplo, mesmo após a Revolução Russa de 1917, o Aparelho de Estado permaneceu existindo. A modificação foi apenas na forma de gerenciá-lo, no caso, passando de uma gerência capitalista (dominada pela burguesia e aliados) para uma socialista (dominada pelo proletariado e aliados). Visando resumir melhor essas teses essenciais para o marxismo, Althusser enumera:
Resumindo este aspecto da "teoria marxista do Estado", podemos dizer que os clássicos do marxismo sempre afirmaram que: 1) o Estado é o aparelho repressivo do Estado; 2) deve-se distinguir o poder de estado do aparelho de Estado; 3) o objetivo da luta de classes diz respeito ao poder de Estado e consequentemente à utilização do aparelho de Estado pelas classes (ou alianças de classes ou frações de classes) que detêm o poder de Estado em função de seus objetivos de classes e 4) o proletariado deve tomar o poder do Estado para destruir o aparelho burguês existente, substituí-lo em uma primeira etapa por um aparelho de Estado completamente diferente, proletário, e elaborar nas etapas posteriores um processo radical, o da destruição do Estado (fim do poder do Estado e de todo aparelho de Estado (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 66)
Os Aparelhos Ideológicos do Estado - Dito esses comentários gerais, Althusser avança e diz onde deseja acrescentar a teoria marxista do Estado: trazer para análise outro aspecto do Estado, os Aparelhos Ideológicos do Estado que atua em sintonia com os Aparelhos Repressivos do Estado, porém dele se diferencia. Vale lembrar que, em nota, Althusser pontua o pioneirismo do italiano Antonio Gramsci no estudo desses aparelhos ideológicos que conseguiam ir além dos repressivos, desses se diferenciando. Porém, também destaca nessa mesma nota que suas anotações (bastante relevantes), acabaram sendo parciais, sendo necessário um aprofundamento do debate levantado.

O que são os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE)? -  Althusser diferencia Aparelhos Repressivos do Estado (ARE) dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). Antes de partir para a conceituação dos AIE, Althusser afirma que os ARE "compreende: o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc, que constituem o que chamaremos a partir de agora de aparelho repressivo do Estado" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 67). O repressivo carrega consigo a natureza das ações desses aparelhos: eles se guiam, fundamentalmente, pela violência física.

Enquanto aos AIE, Althusser lista uma variedade de instituições que podem se encaixar nesse tipo de aparelhos, são eles: 1) AIE Religioso (o sistema das diferentes Igrejas); 2) AIE Escolar (o sistema das diferentes "escolas" públicas e privadas); 3) AIE familiar (que também serve para a reprodução da força de trabalho); 4) AIE Jurídico (o Direito pertence tanto aos AIE quanto aos ARE); 5) AIE Político (o sistema político, os diferentes Partidos); 6) AIE Sindical; 7) AIE de Informação (a imprensa, o rádio, a televisão etc...); 8) AIE Cultural (Letras, Belas Artes, Esportes, etc...).

Descrita essa lista, indaga o autor: o que define a diferença entre ARE e os AIE? A primeira diferença entre esses aparelhos é que o ARE se apresenta unificado, enquanto que os AIE é marcado por uma pluralidade de instituições. Outra diferença primordial, segundo Althusser, é que os ARE estão vinculados ao domínio público, enquanto os AIE estão vinculados ao domínio privado. A diferença entre público e privado aqui é vista centrada no domínio direto que o Estado detém sobre uma esfera, mas não detém na outra. Mas visando resumir a diferença entre ARE e os AIE, dando objetividade a reflexão, afirma Althusser:
Mas vamos ao essencial. O que distingue os AIE do Aparelho (repressivo) do Estado, é a seguinte diferença fundamental: o Aparelho repressivo do Estado "funciona através da violência" ao passo que os Aparelhos Ideológicos do Estado "funcionam através da ideologia" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 69)
Visando melhor explicar a afirmação acima, Althusser pontua em seguida: os ARE também opera pela ideologia, assim como pode existir o uso da violência física nos AIE. Inexiste aparelho unicamente repressivo ou ideológico. O debatido por Althusser é a predominância, definindo assim sua natureza.

Sobre a pluralidade dos AIE, Althusser diz que apesar de suas diferenças, existe uma ideologia dominante que tem a capacidade de unificá-los. Assim sendo, "Se os AIE 'funcionam' predominantemente através da ideologia, o que unifica a sua diversidade é este funcionamento mesmo, na medida em que a ideologia, na qual funcionam, está de fato sempre unificada, apesar da sua diversidade e contradições, sob a ideologia dominante, que é a ideologia da 'classe dominante'. Se consideramos que por princípio a 'classe dominante' detém o poder do Estado (de forma clara ou, mais frequentemente por alianças de classes ou de frações de classes) e que dispõe portanto do Aparelho (repressivo) do Estado, podemos admitir que a mesma classe dominante seja ativa nos Aparelhos Ideológicos do Estado. Bem entendido, agir por leis e decretos no Aparelho (repressivo) do Estado é outra coisa que agir através da ideologia dominante nos Aparelhos Ideológicos do Estado" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 71).

Para que uma classe dominante permaneça dominando, faz-se necessário o controle não só dos ARE, mais também dos AIE. Althusser aponta que nos AIE a luta de classes também existe, até de forma encarniçada. Isso porque "A classe (ou alianças de classes) no poder não dita tão facilmente a lei nos AIE como no aparelho (repressivo) do Estado, não somente porque as antigas classes dominantes podem conservar durante muito tempo fortes posições naqueles, mas porque a resistência das classes exploradas pode encontrar o meio e a ocasião de expressar-se neles, utilizando as contradições existentes ou conquistando pela luta posições de combate" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 71-72).

Em resumo, retoma Althusser: faz-se necessário diferenciar Poder de Estado (detenção ou disputa pelo controle do Estado) de Aparelho de Estado (o Estado em si). Entendida essa diferença, adiantamos: o Aparelho de Estado se divide entre os ARE e os AIE. Resumida essa ideia, Althusser indaga: mas qual a função dos AIE, conceito inovador na teoria marxista do Estado?

Sobre a Reprodução das Relações de Produção - Os AIE tem como função principal a reprodução das relações de produção, como bem explica o autor na seguinte passagem: "Na linguagem metafórica do tópico (Infra-estrutura, Superestrutura) diremos: ela é, em grande parte, assegurada pela superestrutura jurídico-política e ideológica" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 73).

Buscando reforçar seus argumentos, Althusser repete: 1) A natureza dos ARE e dos AIE não são definidas de forma estrita, pois os ARE podem atuar pela ideologia e os AIE pela violência. Mas o que se debate é a prevalência; 2) Os ARE se mostram empiricamente centralizados, enquanto os AIE se mostram descentralizados em diversas instituições com diferentes origens; 3) A pluralidade e descentralização dos AIE é assegurada pela ideologia dominante que consegue abarcar essa diferença, tornando hegemônica e dominante na essência dessa variedade de AIE.

Sobre os ARE, "O Papel do aparelho repressivo do Estado consiste essencialmente, como aparelho repressivo, em garantir pela força (física ou não) as condições políticas da reprodução das relações de produção, que são em última instância relações de exploração" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 74). Em suma, os ARE conservam-se e ao mesmo tempo conservam os AIE.

Reafirmada a natureza dos ARE, Althusser foca nos AIE. A ideologia dominante unifica a pluralidade existente nos AIE, como bem já mencionamos. Essa variedade não é uma característica singular do capitalismo, pois formações sociais diferenciadas como o feudalismo, já apresentava essa natureza dos AIE. Na Idade Média, como bem descreveu Althusser, existia um número menor de AIE mas ainda víamos uma pequena variedade. Além da hegemonia da Igreja, tínhamos: o AIE familiar que na época desempenhava um papel mais forte do que exercerá no capitalismo; o AIE político representado pelos Estados Gerais, Parlamento, Ligas Políticas e Comunas libertadas; o AIE que Althusser chama de "pré-sindical" contendo as confrarias dos mercadores, banqueiros e associações dos empregados etc. Porém, Althusser não nega o papel hegemônico da Igreja nos AIE das sociedades ditas como "pré-capitalistas" por ele.

É só a partir das revoluções liberais e burguesas que o poderio clerical sobre os AIE vai sendo reduzido, até chegar a seu enfraquecimento total. Essas disputas não foram pacíficas e muito menos resolvidas da noite para o dia, sobre isso o autor cita os variados conflitos entre burguesia e aristocracia durante todo o Século XIX. A hegemonia burguesa não foi estabelecida sem conflitos. E o que mudou nos AIE com o advento dessa hegemonia burguesa? Althusser afirma,
Acreditamos portanto poder apresentar a Tese seguinte, com todos os riscos que isto comporta. Afirmamos que o aparelho ideológico de Estado que assumiu a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo aparelho ideológico do Estado dominante, é o aparelho ideológico escolar (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 77)
Aqui Althusser dar um alerta: aparentemente parece ser o AIE político, e não o escolar, que incide maior influência sobre os AIE no capitalismo. Entretanto, a burguesia mostrou historicamente que ela pode se acomodar no poder em formatos políticos que não seja a democracia parlamentar. Na França tivemos um forte desenvolvimento burguês sob o Império, a Monarquia Constitucional e a Monarquia Parlamentar. Na Inglaterra a burguesia decidiu dividir o controle do Estado com a aristocracia, desenvolvendo uma Monarquia Parlamentarista, vigente até os dias atuais. Já na Alemanha assistimos uma nova aproximação entre desenvolvimento burguês e aristocracia. No caso, a aproximação da burguesia com os Junkers imperiais no desenvolvimento do capitalismo alemão. É sob esses argumentos que Althusser afirma: se nas sociedades pré-capitalistas prevaleceu a dicotomia Igreja-Família, nas formações sociais capitalistas a hegemonia nos AIE representa-se na dicotomia Escola-Família. A escola substituiu, de forma laica, as funções antigas da Igreja.

Mas não basta simplesmente negar, faz-se necessário responder categoricamente a seguinte pergunta: por que o AIE escolar se tornou dominante no capitalismo? E mais, como funciona essa hegemonia sobre os demais AIE? Antes Althusser lembra (ou relembra) quatro pontos fundamentais: 01) Todos os AIE objetivam a mesma coisa: reproduzir as relações de produção que mantém a exploração capitalista sob funcionamento; 02) Cada AIE, dentro de sua pluralidade, concorre para este fim de um modo diferente. O AIE política utiliza a ideia de "democracia", o AIE de informação através dos diversos meios de comunicação ou o AIE religioso pregando o pacifismo; 03) Apesar dessa diversidade de modos, todos os AIE são baseados na ideologia dominante à serviço da classe dominante; 04) A escola desempenha um papel central dentre os AIE mobilizados no capitalismo. Sobre a dimensão da escola, analisa Althusser:
Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e desde o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais "vulnerável", espremida entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história natural, as ciências, a literatura), ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral, educação cívica, filosofia). Por volta do 16º ano, uma enorme massa de crianças entra "na produção": são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude escolarizável prossegue: e, seja como for, caminha para os cargos dos pequenos e médios quadros, empregados, funcionários pequenos e médios, pequenos burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja para cair num semi-desemprego intelectual, seja para fornecer além dos "intelectuais do trabalhador coletivo", os agentes da exploração (capitalistas, gerentes), os agentes da repressão (militares, policiais, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda espécie, que em sua maioria são "leigos" convictos). (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 79).
Cada grupo citado acima cumpre uma função específica na sociedade de classes, sendo o nível de educação acumulado, compatível com sua finalidade. Assim temos aqueles que cumprirão o papel de explorado (desenvolvendo uma consciência apolítica), de agente da exploração (saber comandar os explorados), de agente da repressão (aprender a comandar sem ser questionado), ou de profissionais da ideologia (saber comandar as consciências). A escola tem a tarefa de formar esses papéis, sendo uma instituição que domina nossas vidas por longos anos, 5 a 6 dias na semana e numa média diária de 8 horas.

Porém, toda essa estrutura coordenada pela escola é encoberta pela ideologia dominante que logo trata de pintar essa instituição "como neutra, desprovida de ideologia (uma vez que é leiga), aonde os professores, respeitosos da 'consciência' e da 'liberdade' das crianças que lhes são confiadas (com toda confiança) pelos 'pais' (que por sua vez são também livres, isto é, proprietários de seus filhos), conduzem-nas à liberdade, à moralidade, à responsabilidade adulta pelo seu exemplo, conhecimentos, literatura e virtudes 'libertárias'" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 80). E em seguida, adverte:
Peço desculpas aos professores que, em condições assustadoras, tentam voltar contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas que os aprisionam, as poucas armas que podem encontrar na história e no saber que "ensinam". São uma espécie de heróis. Mas eles são raros, e muitos (a maioria) não têm nem um princípio de suspeita do "trabalho" que o sistema (que os ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, ou, o que é pior, põem todo seu empenho e engenhosidade em fazê-lo com a última orientação (os famosos métodos novos!). Eles questionam tão pouco que contribuem, pelo seu devotamento mesmo, para manter e alimentar esta representação ideológica da escola, que faz da Escola hoje algo tão "natural" e indispensável, e benfazeja a nossos contemporâneos como a Igreja era "natural", indispensável e generosa para nossos ancestrais de alguns séculos atrás (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 81).
Assim, em resumo, a escola desempenha um importante papel entre os AIE no sistema capitalista.

Acerca da Ideologia - O conceito de ideologia não foi criado por Marx. Antes dele, autores utilizaram o termo como Destutt de Tracy que enxergava a ideologia como uma teoria das ideias. Marx, cerca de 50 anos depois, retoma esse conceito, mas concedendo-lhe um outro sentido, sendo "um sistema de ideias, de representações que domina o espírito de um homem ou de um grupo social"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 81). O que Althusser propõe é uma teoria da ideologia em geral, empreitada não capitaneada por Marx.

A ideologia não tem história - O objetivo de Althusser não é construir uma teoria das ideologias. Essa existe e, segundo ele, repousa em última instância nos modos de produção e da luta de classes que se desenvolve numa nada formação social. Porém, seu objetivo é formular uma teoria da ideologia em geral e de imediato ele afirma o seguinte: a ideologia não tem história.

A visão negativa de que a ideologia não tem história é vista na obra de Marx e Engels, chamada "Ideologia Alemã". Nessa obra, os dois afirmam que a ideologia significa uma pura ilusão da realidade concreta. Ela seria uma espécie de sonho nos autores anteriores a Sigmund Freud. Até Freud, o sonho era considerado nulo e desordenado. Assim como o sonho, a ideologia em Marx e Engels também seria vazia e nula.

Em suma, "a ideologia não tem história, uma vez que sua história está fora dela, lá onde está a única história, a dos indivíduos concretos etc..."  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 83). Althusser resume a visão marxiana de ideologia em dois pontos, são eles:
  1. A ideologia é puro sonho, resultado da alienação da divisão do trabalho; 
  2. A ideologia não tem história, pois ela se fundamenta na inversão da história real. 
Dito isso, Althusser afirma que tem uma concepção de ideologia diferente da marxiana. Para ele, de fato, a ideologia em geral não tem história. O que tem história é apenas as ideologias particulares. Entretanto, sua visão se assenta num sentido positivo e não negativo desse conceito. Como seria esse sentido positivo do conceito de ideologia na teoria althusseriana? De acordo com o próprio autor:
Este sentido é positivo se consideramos que a ideologia tem uma estrutura e um funcionamento tais que fazem dela uma realidade não-histórica, isto é, omni-histórica, no sentido em que esta estrutura e este funcionamento se apresentam na mesma forma imutável em toda história, no sentido em que o Manifesto define a história como história da luta de classes, ou seja, história das sociedades de classe  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 84).
Logo, quando Althusser afirma que a ideologia não tem história, não é porque ela representa uma distorção da realidade concreta, mas porque ela está presente em toda história humana ao ponto de ser não-histórica. Althusser compara sua visão de ideologia com a visão freudiana do inconsciente. Para Freud, o inconsciente não tem história porque é eterno. Assim como o inconsciente, a ideologia em geral sempre existiu e por isso pode-se afirmar que ela não tem uma história.

A ideologia é uma "representação" da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência - Para defender sua ideia central, Althusser divide seu pensamento em duas teses. São elas:
  1. Tese: A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Antes de desenvolver essa ideia, Althusser adianta que sua visão sobre a ideologia em geral é semelhante a de um etnólogo que se debruça sobre os mitos de uma "sociedade primitiva". Logo, ele não encara as ideologias (políticas, morais, religiosas etc), como ponto de vistas. Pelo contrário, sua visão crítica o que faz enxergar a ideologia como uma construção imaginária que não corresponde totalmente à realidade. Para um melhor, usemos as próprias palavras do autor: "Portanto, admitindo que elas não correspondem à realidade e que então elas constituem uma ilusão, admitimos que elas se referem à realidade e que basta 'interpretá-las' para encontrar, sob sua representação imaginária do mundo, a realidade mesma desse mundo (ideologia = ilusão/alusão)"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 86). Dita sua forma crítica de como enxerga a ideologia, Althusser afirma: a ideologia em geral representam, de forma imaginária, as condições reais de existência. Mas por quê os homens necessitam dessa representação imaginária de sua realidade? Existem, basicamente, três respostas para essa pergunta. A primeira trata a representação imaginária da realidade como o produto de um pequeno grupo de homens que buscam dominar a consciência do povo, falseando assim à realidade. A segunda resposta é aquela dada por Marx que, influenciado por Friedrich Feuerbach, "os homens se fazem uma representação  ( = imaginária) de suas condições de existência porque estas condições de existência são em si alienadas"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 87). A terceira resposta é a formulada por Althusser que atesta o seguinte: "Então, é representado na ideologia não o sistema das relações reais que governam a existência dos homens, mas a relação imaginária desses indivíduos com as relações reais sob as quais eles vivem"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 88)
  2. Tese: A ideologia tem uma existência material. Toda ideologia existe dentro de um aparelho que, por sua vez, é dotado de um conjunto de práticas, mediadas por rituais. E tanto essas práticas, quanto esses rituais, têm uma existência material. É a partir das suas crenças (seja em Deus, na Justiça, no Dever, na Escola etc) que os indivíduos formulam ideias e essas ideias norteiam seus comportamentos materiais no dia a dia. Esse indivíduo se comporta de uma forma ou de outra, com base em ideias que escolheu livremente, enquanto um sujeito detentor de uma consciência plena. Assim todo sujeito é dotado de consciência, crer em ideias que sua consciência lhe inspira e, adotando-as livremente, age segundo suas ideias. Em suma, as ideias dos sujeitos se materializam em seus atos. Assim, "Diremos portanto, considerando um sujeito (tal indivíduo), que a existência das ideias de sua crença é material, pois suas ideias são seus atos materiais inseridos em práticas materiais, reguladas por rituais materiais, eles mesmos definidos pelo aparelho ideológico material de onde provêm as ideias do dito sujeito. Naturalmente, os quatro adjetivos "materiais" referem-se a diferentes modalidades: a materialidade de um deslocamento para a missa, de uma genuflexão, de um sinal da cruz ou de um mea culpa, de uma frase, de uma oração, de uma constrição, de uma penitência, de um olhar, de um aperto de mão, de um discurso verbal interno (a consciência) ou de um discurso verbal externo não são uma mesma e única materialidade"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 92). E buscando resumir o que foi descrito acima, "a ideologia existente em um aparelho ideológico material, que prescreve práticas materiais reguladas por um ritual material, práticas estas que existem nos atos materiais de um sujeito, que age conscientemente segundo sua crença"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 92). Após essa exposição, Althusser enuncia mais duas teses: a) Só há prática através de e sob uma ideologia; b) Só há ideologia pelo sujeito e para o sujeito. 
A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos - Em Althusser a ideologia só existe para o sujeito e pelo sujeito. E o papel de toda ideologia é transformar o indivíduo em sujeito. Sendo assim, Althusser considera o homem como um "animal ideológico". Porém, reconhecer que somos sujeitos ideológicos não significa um conhecimento científico sobre o mecanismo que impulsiona esse reconhecimento.

Na tentativa de uma explicação científica para essas afirmações, conclui o autor: "toda ideologia interpela os indivíduos concretos enquanto sujeitos concretos, através do funcionamento da categoria de sujeito"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 96). E como Althusser descreve esse mecanismo? Ele descreve da seguinte forma:
Sugerimos então que a ideologia "age" ou "funciona" de tal forma que ela "recruta" sujeitos dentre os indivíduos (ela os recruta a todos), ou "transformar" os indivíduos em sujeitos (ela os transforma a todos) através desta operação muito precisa que chamamos interpelação, que pode ser entendida como o tipo mais banal de interpelação policial (ou não) cotidiana: 'ei, você aí!'"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 96)
Mas um efeito da ideologia é negar a si própria. Como? Segundo Althusser:
Podemos acrescentar: o que aparentemente ocorre fora da ideologia (mais exatamente na rua) ocorre na realidade na ideologia. Portanto o que na realidade ocorre na ideologia parece ocorrer fora dela. Por isso aqueles que estão dentro da ideologia se pensam, por definição, como fora dela: é um dos efeitos da ideologia a negação prática do caráter ideológico da ideologia, pela ideologia: a ideologia nunca diz: 'eu sou ideológica'"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 97)
Por fim, Althusser conclui o seguinte: se a ideologia age interpelando indivíduos para que se tornem sujeitos, podemos concluir que os indivíduos são sempre sujeitos. Por que? Porque a ideologia sempre existiu e por isso transforma indivíduos em sujeitos de forma contínua. Logo, os sujeitos (produtos da ação da ideologia, então sempre existente) sempre são sujeitos e já nascem assim. Aqui Althusser traz o exemplo da criança que, antes do seu nascimento, já detém uma identidade (como o nome) dado pelo aparelho ideológico familiar.

Um exemplo: a ideologia religiosa cristã - Tratando toda ideologia como idêntica, ou seja, seguindo o mesmo mecanismo de reprodução, Althusser encerra a obra dando como exemplo a ideologia religiosa cristã. Para realizar essa reflexão, ele deixa a ideologia religiosa cristã falar por si mesma, para daí fazer suas análises.

Essa ideologia chama o indivíduo humano (no exemplo dado no texto, com o nome de Pedro) pelo seu nome próprio, para dizer que Deus existe, devendo esse indivíduo prestar contas a Deus. Pedro, chamado por seu nome, é vista como criatura de Deus e em sua vida tem o dever de praticar o mandamento do amor, como consta no evangelho. Sobre esse mecanismo, baseado nesse exemplo, diz Althusser:
Surpreendente se considerarmos que a ideologia religiosa se dirige aos indivíduos para "transformá-los em sujeitos", interpelando o indivíduo Pedro para fazer dele um sujeito livre para obedecer ou desobedecer a este apelo, ou seja, às ordens de Deus; se ela os chama por seu nome, reconhecendo desta forma que eles são chamados sempre/já enquanto sujeitos possuidores de uma identidade pessoal"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 100).
Mas dessa relação entre Deus e Pedro, Althusser observa: "A interpelação dos indivíduos como sujeitos supõe a 'existência' de um Outro Sujeito, Único, e central, em Nome do qual a ideologia religiosa interpela todos os indivíduos como sujeitos"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 101). Os sujeitos precisam do Sujeito, assim como o Sujeito precisa dos sujeitos. Ou seja, os homens precisam de Deus e Ele precisa dos homens. Essa interpelação do indivíduo para sujeito e da subordinação desse ao Sujeito, é um mecanismo visto em todas as ideologias e que faz ela reproduzir-se. Essa estrutura da ideologia é resumida por Althusser em quatro pontos, são eles:
  1. A interpelação dos "indivíduos" como sujeitos; 
  2. A submissão desses sujeitos ao Sujeito; 
  3. O reconhecimento mútuo entre os sujeitos e o Sujeito, e entre os próprios sujeitos, e finalmente o reconhecimento de cada sujeito por si mesmo; 
  4. A garantia absoluta de que tudo está bem assim, e sob a condição de que se os sujeitos reconhecerem o que são e se conduzirem de acordo tudo irá bem: "assim seja".  
E qual o resultado disso? Para Althusser, "envoltos neste quádruplo sistema de interpelação, de submissão ao Sujeito, de reconhecimento universal e de garantia absoluta, os sujeitos 'caminham', eles 'caminham por si mesmos' na imensa maioria dos casos, com exceção dos 'maus sujeitos' que provocam a intervenção de um ou outro setor do aparelho (repressivo) do Estado. Mas a imensa maioria dos (bons) sujeitos caminham 'por si', isto é, entregues à ideologia (cujas formas concretas se realizam nos Aparelhos Ideológicos do Estado)"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 103).

Esse sujeito em Althusser detém duas naturezas contraditórias: a) ele detém uma subjetividade livre, que o transforma de indivíduo em sujeito; b) mas ao mesmo tempo ele é um sujeito subjugado a uma autoridade superior (ou um Sujeito). Em termos científicos, isso significa que "o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para livremente submeter-se às ordens do Sujeito, para aceitar, portanto (livremente) sua submissão, para que ele 'realize por si mesmo' os gestos e atos de sua submissão. Os sujeito se constituem pela sua sujeição. Por isso é que 'caminham por si mesmos'"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 104).

Em última instância, lembra Althusser, essa lógica da ideologia visa a reprodução das relações de produção e as demais relações que delas derivam. Encerrada sua exposição sobre a natureza da teoria da ideologia em geral, Althusser aponta dois problemas a serem levados a sério. São eles:
  1. O problema do processo de conjunto da realização da reprodução das relações de produção. É fato, afirma Althusser, que os AIE descritos e analisados contribuem para a reprodução das relações de produção. Entretanto, sua exata contribuição é ainda um ponto abstrato. Assim, a reprodução das relações de produção se realiza nos próprios processos de produção e de circulação, porém, essa afirmação permanece abstrata pois "a reprodução das relações de produção, objetivo último da classe dominante, não pode ser assegurada por uma simples operação técnica formando e distribuindo os indivíduos pelos diferentes postos da 'divisão técnica' do trabalho"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 105);
  2. O problema da natureza de classe das ideologias existentes numa formação social. Aqui Althusser busca vincular luta de classes com a natureza das ideologias. E é por ter como palco essa luta de classes que "os AIE não são a realização sem conflitos da ideologia da classe dominante. A ideologia da classe dominante não se torna dominante por graça divina, ou pela simples tomada de poder do Estado. É pelo estabelecimento dos AIE, aonde esta ideologia é realizada e se realiza, que ela se torna dominante. Ora, este estabelecimento não se dá por si só, é, ao contrário o palco de uma dura e ininterrupta luta de classes: antes de mais nada contra as antigas classes dominantes e suas posições nos antigos e novos AIE, em seguida contra a classe explorada"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 106). A luta de classes nos AIE é apenas um aspecto da luta de classes. Ou seja, a luta de classes também ocorre nos AIE, mas ultrapassa esses aparelhos, pois sua origem é de outro lugar (no caso, na infraestrutura). Althusser conclui afirmando que os AIE reproduzem a luta de classes e as ideologias não nascem nesses AIE, mas sim das classes sociais em luta. 
Nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), dezembro de 1976. 

I - O objetivo desse anexo, escrito em 1976, foi combater críticas endereçadas a obra Aparelhos Ideológicos de Estado. A primeira crítica que Althusser discute foi em relação a acusação de que sua obra foi funcionalista, não dialética e que definiu os órgãos apenas por suas funções imediatas. O resultado de tudo isso foi a exclusão de toda complexidade da luta de classes.

Althusser trata essas acusações como infundadas, pois sua teoria tem total centralidade na complexidade da luta de classes. A direção ideológica da classe dominante existe, mas não como um dado que decorre consequentemente da dominação violenta que essa classe exerce na formação social. Ou seja, o domínio da ideologia dominante é produto da própria complexidade da luta de classes, nunca sendo um fato consumado desta. Para exemplificar melhor suas ideias, Althusser afirma o seguinte:
Efetivamente, a ideologia dominante, que existe no complexo sistema dos aparelhos ideológicos de Estado, é também o resultado de uma dura e muito longa luta de classes, através da qual a burguesia (se tomamos esse exemplo) só pode conseguir seus fins sob a condição de lutar, ao mesmo tempo, contra a antiga ideologia dominante, que sobrevive nos antigos Aparelhos, e contra a ideologia da nova classe explorada, que busca suas formas próprias de organização e de luta. E essa mesma ideologia, mediante a qual a burguesia consegue estabelecer sua hegemonia sobre a antiga aristocracia agrária e sobre a classe operária, não se estabelece unicamente por meio de uma luta externa, contra essas duas classes, mas também, e simultaneamente, mediante uma luta interna, destinada a superar as contradições das frações de classe burguesas e a realizar a unidade da burguesia como classe dominante (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 110).
Em suma, a própria hegemonia ideológica da classe dominante está submetida a lei da luta de classes. Sua luta interna é pela unificação e renovação, contra as formas ideológicas anteriores (aristocracia) e as novas tendências (operariado). Porém, essa unificação e renovação, faz parte de um processo inacabado e nunca definido automaticamente como pressupunha seus críticos.
Assim como nunca pode dar-se como acabada a luta de classes, tampouco pode dar-se por finalizado o combate da classe dominante que tenta unificar os elementos e as formas ideológicas existentes. Isso equivale a dizer que a ideologia dominante, embora seja essa a sua função, nunca chega a resolver, totalmente, suas próprias contradições, que são o reflexo da luta de classes (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 112).
Concluindo sua tese, Althusser afirma:
Por tudo isso, pode-se extrair, dessa primeira tese sobre a primazia da luta de classes sobre a ideologia dominante e os aparelhos ideológicos de Estado, uma segunda tese, que é consequência direta da anterior: os aparelhos ideológicos de Estado são necessariamente o lugar e o marco de uma luta de classes que prolonga, nos aparelhos da ideologia dominante, a luta de classes geral que domina a formação social em seu conjunto (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 112).
II - Outra acusação de que Althusser busca se defender faz referência ao papel ou natureza do partido político revolucionário. Se todo partido político são AIE e servem a ideologia dominante, logo, qualquer partido revolucionário também estaria enquadrado dessa forma.

Segundo Althusser, os partidos não formam um AIE, pois eles são partes de um AIE específico: o Aparelho Ideológico de Estado Político. Para começo de conversa, ele busca diferenciar esse Aparelho Ideológico de Estado Político do Aparelho Repressivo de Estado (ARE). Como Aparelho de Estado (repressivo), Althusser "compreende a presidência do Estado, o governo e a administração, instrumento do poder executivo, as forças armadas, a polícia, a justiça, os tribunais e seus dispositivos (prisões, etc.)" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 114). Já o Aparelho Político de Estado, "inclui o chefe de Estado, o governo que ele dirige diretamente (segundo o regime atual na França e em numerosos países), e a administração (que executa a política do governo)" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 114).

Para Althusser, o chefe de Estado "representa a unidade e a vontade da classe dominante, a autoridade capaz de fazer triunfar os interesses gerais da classe dominante acima dos interesses particulares de seus membros ou de suas frações" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 114). O governo executa a política da classe dominante e a administração, sob ordens do governo, aplica-a em seus detalhes. Porém, existe uma diferença entre Aparelho Político de Estado (parte do Aparelho Repressivo de Estado) e o Aparelho Ideológico de Estado Político (parte do Aparelho Ideológico de Estado).

Mas o que seria esse Aparelho Ideológico de Estado Político? Para Althusser, "O sistema político ou a constituição de uma formação social dada" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 115). Esse AIE é marcado pela representação eleitoral, baseado numa dita "vontade popular". E é justamente por essas ideias que Althusser os define como um AIE. Segundo ele:
Mas o que permite, em última instância, falar do sistema político como de um aparelho ideológico de Estado é a ficção, que corresponde a uma certa realidade, de que as peças desse sistema, assim como seu princípio de funcionamento, apóiam-se na ideologia da liberdade e da igualdade do indivíduo eleitor, na livre escola dos representantes do povo pelos indivíduos que compõem esse povo, em função da ideia que cada qual faz da política que deve seguir o Estado (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 116).
Foi sob essa ficção (considerada ficção para Althusser pois, para ele, a político do Estado está determinada pelos interesses da classe dominante) que se constituíram os partidos políticos, expressando as convergências e divergências da política nacional. A ideia é que cada indivíduo pode, livremente, votar no partido político de sua preferência.

Essa ideologia é marcada pelo respeito aos "direitos dos homens", as eleições e a todo um sistema político que pintam como democrático. Ele transforma homens em eleitores e os fazem adentrar no sistema, crendo que o respeito aquelas regras é o dever a ser cumprido e o normal a ser seguido. Tudo isso é aceito sem coação ou violência física. Assim sendo, a existência dos partidos em Althusser não nega a luta de classes, mas baseia-se nela. As influências da burguesia sobre os partidos revolucionários, como parte da luta de classes, só é possível quando esses se desviam de seus objetivos e cedem a ideologia burguesa, como é o caso do revisionismo.

III - Dito isso, os partidos comunistas têm uma natureza diversa dos partidos burgueses e até dos social-democratas/socialistas. Pois, "Seu objetivo não é limitar sua atuação ao Parlamento, mas estender a luta de classes ao conjunto dos trabalhadores, e da economia à política e à ideologia, mediante formas de ação que lhes são próprias e que desde logo nada têm a ver com depositar uma cédula de voto numa urna, a cada cinco anos. Conduzir a luta de classe operária em todos os terrenos, muito além do Parlamento, essa é a tarefa de um partido comunista. Sua vocação última não é participar do governo, mas derrubar e destruir o poder de Estado burguês" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 120).

Althusser aceita a possibilidade de um partido comunista participar de algum governo, mas adverte: por sua ideologia ser diversa da burguesa, sua atuação não pode se limitar como um partido de governo, pois seu real objetivo é a construção da ditadura do proletariado e logo em seguida, sua decomposição para uma sociedade comunista. Em resumo, adverte o autor:
Assim, pois, de modo algum, pode um partido comunista comportar-se como um partido de governo, similar a qualquer outro, uma vez que ser um partido de governo é ser um partido de Estado, o que leva inevitavelmente ou a servir ao Estado burguês ou a perpetuar o Estado da ditadura do proletariado, para cuja destruição tem, pelo contrário, a missão de contribuir (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 121).
E aqui cabe a seguinte pergunta: o que difere um partido burguês de um revolucionário? Para Althusser esses dois tipos de partidos se assentam em inspirações ideológicas e objetivos políticos completamente diferentes. Sobre a definição de um partido burguês, afirma Althusser:
Um partido burguês dispõe dos recursos e do apoio da burguesia instalada, de seu domínio econômico, de sua exploração, de seu aparelho de Estado, de seus aparelhos ideológicos de Estado, etc. Não tem como necessidade prioritária para existir a de unir-se às massas populares as quais quer ganhar para suas ideias: é, em primeiro lugar, o próprio ordenamento social da burguesia que se encarrega de sua base de massas. Do lado da burguesia, sua implantação política e ideológica é tal, e já tão bem estabelecidas, e há tanto tempo, que as opções são, em períodos normais, quase automáticas, somente com algumas variações que afetam os partidos das diferentes frações da burguesia (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 121-122).
Para cumprir sua função, os partidos burgueses não necessitam de uma doutrina científica, "basta-lhe possuir algumas ideias, extraídas do fundo comum da ideologia dominante, para ganhar partidários já convencidos de antemão, por interesse ou por medo"  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 122). Dito isso, qual a natureza de um partido comunista revolucionário?
Um partido operário se apresenta como o que é: uma organização da luta de classe operária, que dispõe, como principais forças do instinto de classe dos explorados, de uma doutrina científica e da livre vontade de seus membros, recrutados à base dos estatutos do partido. Organiza seus membros imediatamente, de modo a levar a luta de classes em todas as suas formas: econômica (em conexão com as organizações sindicais), política e ideológica  (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 122)
É por isso que é correto a afirmação dos comunistas de que sua militância e partido se diferem dos partidos burgueses. Dito isso, podemos concluir que, como todos os partidos, o partido comunista também se assenta numa base ideológica que interpela indivíduos em sujeitos (no caso em sujeitos-militantes). Althusser admite isso, porém, adverte: a ideologia proletária, que inspira esses partidos, não é baseada numa espontaneidade, mas ideologia de massa iluminada pela teoria marxista. Sendo assim, "é ideologia, uma vez que a nível das massas, funciona como toda ideologia (interpelando os indivíduos como sujeitos), mas impregnada de experiências históricas, iluminadas por princípios de análise científica" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 124).

Mas essa ideologia proletária, baseada na teoria marxista, se diferenciando da ideologia burguesa, não foi construída do exterior do movimento operário. Pelo contrário, apesar de ser formulada por intelectuais, essa ideologia foi extraída de dentro do movimento operário numa relação direta e orgânica. Pois, "Maquiavel dizia que para compreender os príncipes é preciso que se seja povo. Um intelectual que não nasce povo deve fazer-se povo para compreender os príncipes, e só pode conseguir isso compartilhando das lutas desse povo. Foi o que fez Marx: converteu-se em intelectual orgânico do proletariado (Gramsci) como militante de suas primeiras organizações e foi a partir das posições políticas e teóricas do proletariado que pôde compreender o capital" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 125).

Mas a ideologia dominante pode sim se introduzir nas fileiras dos partidos revolucionários, fazendo com que eles caiam nas armadilhas de limitar suas ações as regras impostas pela institucionalidade burguesa. E essa invasão também faz parte da própria dinâmica da luta de classes. Por isso que a questão da autonomia da classe operária é colocada com ênfase por Althusser, pois os operários só poderão se libertar se não estiverem sob influência da ideologia dominante.

O rompimento com essa ideologia dominante, implica numa "luta de logo alcance, que deve, além disso, levar em conta as formas de domínio burguês e de combater a burguesia no seio de suas próprias formas de dominação, mas sem nunca deixar-se enganar por essas formas, que não são simples formas neutras, mas aparelhos que realizam tendencialmente a existência da ideologia dominante" (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 127). 

A própria necessidade de desvencilhar-se da ideologia burguesa (dominante), prova que a luta de classe é desigual. E o que essa desigualdade na luta de classe significa?
Isso significa que a ideologia proletária não é o diretamente oposto, a inversão, o reverso da ideologia burguesa, mas é uma ideologia totalmente diferente, que leva em si outros valores, que é crítica e revolucionária. Porque é, já agora, apesar de todas as vicissitudes de sua história, portadora desses valores, já agora realizados nas organizações e nas práticas de luta operária, pelo que a ideologia proletária antecipa o que serão os aparelhos ideológicos do Estado de transição socialista, adianta, pela mesma razão, a supressão do Estado e a supressão dos aparelhos ideológicos de Estado no comunismo (ALTHUSSER, Louis. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1985, p. 128).