domingo, 17 de fevereiro de 2019

Talcott Parsons e a Sociologia Americana


  • Sobre o autor: Guy Rocher é um sociólogo canadense nascido em Quebec. Foi graduado em Sociologia pela Universidade de Montreal, 1943; obteve mestrado em Sociologia pela Universidade Laval, 1950; e concluiu seu doutorado, também em Sociologia, pela Universidade de Harvard, 1958. Desde 1960 é professor da Universidade de Montreal, sendo referência na aplicação de ferramentas teóricas da Sociologia para o entendimento da sociedade de Quebec. 

Talcott Parsons e a Sociologia Americana - Guy Rocher - Editora Francisco Alves


Introdução - Essa obra, aqui resumida, foi lançada em 1972 e parte de uma defesa (ou, ao menos, uma nova visão) sobre a teoria social parsoniana. Rocher busca contextualizar a obra de Parsons, sociólogo norte-americano, e trazer reflexões sobre sua produção teórica para além das estereotipadas críticas feitas ao autor. Para isso, ele divide o livro em 07 capítulos, são eles: Capítulo 01: O "incurável teórico da sociologia americana; Capítulo 02: A teoria geral da ação; Capítulo 03: Sistema social e sociedade; Capítulo 04: Os sistemas econômico e político; Capítulo 05: Estrutura e desenvolvimento da personalidade; Capítulo 06: Os ensaios empíricos; Capítulo 07: A sociologia parsoniana: influência e controvérsias. Buscaremos aqui traçar um panorama geral de cada capítulo, assumindo a complexidade que é tratar da obra de Talcott Parsons. 

Capítulo 01 - O "incurável teórico" da sociologia americana

A obra de Talcott Parsons é vista com ojeriza por boa parte da Sociologia Norte-americana, apesar dele fazer parte da mesma. Isso acontece porque Parsons produziu sua Sociologia de uma forma diferente do resto dos colegas. Enquanto a hegemonia, nos EUA, era de uma Sociologia puramente empírica (focadas em micro-realidades e monografias locais, principalmente, da complexa vida urbana) Parsons buscava uma pegada mais teórica com fortes inclinações para generalizações e abstrações. Sua preocupação também era tornar a Sociologia uma ciência ou reforçar seu status enquanto tal e, por isso, sempre buscou um diálogo do conhecimento sociológico com outros campos do conhecimento como a economia. Por isso sua teoria buscou amplitude e não recortes específicos. Outro aspecto é que a teoria parsoniana reflete muito os desafios e problemas da sociedade americana, sendo por isso acusada de reproduzir a ideologia dominante que reinava sobre tal. Apesar disso, exerceu influência sobre vários sociólogos do país como Robert Merton, Robert Bellah, Edward Shils, Neil, Smelser, Robin Williams etc. 

A) Uma carreira exclusivamente universitária - nascido no início do século XX, em 1902, Colorado-EUA, Talcott Parsons foi filho de pai pastor. Crescido em meio a tradição puritana e reformista, Parsons foi inclinado para as Ciências Sociais na Universidade de Amherst muito por conta da militância política do seu pai que foi ativo no "Evangelho Social", movimento protestante de reforma social. Bacharel em Sociologia e crítico a atenção empirista dada pelas universidades norte-americanas, Parsons parte para a Europa onde parece nutrir mais simpatia. Primeiro vai para a London School of Economics, onde conhece a obra de Bronislaw Malinowski. Depois parte para a Universidade de Heidelberg, Alemanha, onde conhece a obra de Max Weber que irá exercer forte influência sobre sua teoria. De Weber, o jovem Parsons já retira de imediato sua análise sobre o Protestantismo e seu papel no desenvolvimento do capitalismo moderno. De volta a Amherst, dialogia com a Economia Institucional e passa a observar a complexidade existente entre relações econômicas, políticas e sociais. Daí, começa a entrar em choque com os economistas utilitaristas que enxergavam no fator econômico uma certa independência. Finalmente, em 1927, entra na Universidade de Harvard onde termina toda sua atividade enquanto pesquisador e professor. De 1927 a 1931 é assistente no departamento de Economia (nesse período, traduz "A Ética Protestantes e o Espírito do Capitalismo" para o inglês) e a partir de 1931 adentra no departamento de Sociologia onde em 1936 obteve o status de professor permanente. A partir daí, surge como grande nome da Sociologia americana exercendo vários cargos de cunho acadêmico. Em 1964, vai a URSS dar aula sobre a Sociologia americana e vira um dos primeiros a ter contato com a Sociologia soviética. 

B) Evolução da obra de Parsons  - em busca de simplificar o entendimento da obra de Parsons, o autor divide seu pensamento em três fases que podemos resumir da seguinte forma:

Fase 01: forte influência de Max Weber, Émile Durkheim e Vilfredo Pareto; busca de uma teoria da ação social, baseada nas reflexões teóricas desses autores, unificando suas formulações apesar de admitir certa oposição em alguns aspectos;
Fase 02: busca de uma teoria geral da ação humana, dando-lhe fundamentos científicos;
Fase 03: aplicação da teoria geral da ação humana a várias áreas do conhecimento, dando a Sociologia um ar de interdisciplinariedade. 

Analisaremos cada fase em específico. A obra "A Estrutura da ação social", publicada em 1937, é marco de sua fase 01. A ideia em escrever essa obra surge em sua temporada na Alemanha, onde entra em contato com Weber onde retira a noção de ação social. Já em Harvard, começa a estudar o economista inglês Alfred Marshall que tinha um visão utilitarista sobre a ação humana. Ou seja, o comportamento humano está fundamentado na expansão dos desejos e na redução de custos, sendo essa uma lógica puramente econômica. Insuficiente para explicar a complexidade das relações sociais, a teoria de Marshall faz Parsons procurar dois autores: Pareto e Durkheim. No primeiro, passa a considerar a ação não racional como parte de uma análise científica, feito não realizado pela economia clássica. E, além disso, "aprendeu a considerar a ação humana, tanto a não racional como a racional, através de um sistema e que se convenceu de que por ele deve passar toda análise verdadeiramente científica" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 16). Já de Durkheim, Parsons passa a ter uma releitura do mesmo, então menosprezado na academia americana por valorizar em excesso um "espírito coletivo" em detrimento da subjetividade. A consciência coletiva durkheiminiana é a chave, para Parsons, de uma explicação psicossocial do comportamento e ação humana. Essa ideia deu a teoria de Parsons uma nova visão sobre as instituições econômicas modernas, vistas como independentes pelos economistas clássicos como Marshall. Dessas reflexões, ele escreve a obra já citada acima objetivando: a) mostrar e comparar as visões de Marshall, Weber, Pareto e Durkheim sobre a origem e evolução do capitalismo moderno; b) mostrar e comparar as visões de Weber, Pareto e Durkheim sobre as relações econômicas e sociais. Para Parsons, é incompleta a análise econômica distante da social, pois existe aí uma relação de dependência sendo problemático analisar a estrutura de propriedade - por exemplo - e de produção sem atentar aos valores existentes na sociedade; e c) por fim, sua obra procura criar uma síntese entre Weber, Pareto e Durkheim apontando similaridades em suas teorias no que tange ao papel da subjetividade na ação humana. Essa síntese é chamada por ele de Teoria Voluntarista da Ação que não só trás a importância da subjetividade na ação humana como supera as limitações utilitaristas ao limitar o comportamento humano como mera busca de maximização dos desejos sem analisar o conjunto de normas, regras e valores existentes. 

Na fase 02, Parsons procura testar suas intuições buscando a formulação de uma teoria geral da ação humana. A obra "O Sistema Social" de 1951 é chave para compreender essa sua segunda fase, porém, ele escreve vários artigos sobre temas diversos como família, religião, movimentos políticos etc. Sua teoria passa de Estrutural-Funcionalista para Sistêmica, criando variáveis estruturais que mais adiante serão detalhadas. Por fim, a fase 03 corresponde a aplicação da teoria parsoniana a vários campos de conhecimento como a Economia. Sigmund Freud exerce forte influência sobre seu pensamento nessa fase e com ela escreve "Estrutura Social e Personalidade" em 1964 onde passa a analisar as implicações de sua teoria na construção da personalidade, na aprendizagem, nos processos de socialização etc. Em "Política e Estrutura Social" de 1969, passa a tratar de temáticas da época que afligiam a Ciência Política como a ascensão do Nazifascismo e do Bolchevismo em que ele procura ser crítico. Encerra sua trajetória, buscando analisar as diferentes fases por qual passavam as sociedades humanas e aí se aproxima bastante do evolucionismo social de Herbert Spencer e Auguste Comte. Aqui ele escreve "O Sistema Social das Sociedades Modernas" de 1971. 

C) A sociologia americana entre as duas guerras - em qual contexto a Sociologia estava imersa no entre-guerras? Basicamente, três eram as correntes sociológicas nos EUA nesse período. As duas primeiras sob forte influência de um empirismo radical e a outra sendo um desenvolvimento da Psicologia Social. São elas: a) Escola de Chicago, representada por sociólogos como Robert Park e Ernest Burgess, vinha a valorizar as pesquisas empíricas e baseadas em trabalhos quantitativos. Seu foco era a vida urbana norte-americana e "havia a favor da pesquisa empírica uma predisposição muito favorável, constituída por uma "veneração" pelos fatos que não tinham sido nem falseados nem camuflados por um quadro teórico ou conceitual preconcebido" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 21); b) Monografias urbanas, representada por William Lloyd Warner e Helen Lynd, sendo uma extensão dos estudos da Escola Chicago, buscavam uma análise da sociedade norte-americana através de trabalhos que microssociais. Seu objetivo era traçar uma análise do contexto urbano de cidades grandes, médias e pequenas dos EUA entendendo que uma teoria universal não daria conta para o entendimento desses vários contextos; c) Interacionismo Simbólico, representada por Charles Cooley e George Mead, recebeu forte influência da Psicologia Social e suas reflexões giravam em torna da "análise das relações interpessoais, a percepção de si mesmo e dos outros que resulta dessas relações e que, ao mesmo tempo, as condiciona e, de modo mais amplo, sobre a influência do meio social imediato no desenvolvimento da personalidade individual" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 22). Essas vertentes acima citadas nutriam forte simpatia pelas teorias de George Simmel e Gabriel Tarde, tendo Durkheim pouco campo na Sociologia produzida nos EUA. O interesse em estudar as interações sociais e focando em pequenos grupos, evitando generalizações, parte de Simmel e pode ser encontrada em todas as correntes citadas acima. Os autores clássicos das Ciências Sociais como Comte, Marx, Spencer e o já citado Durkheim eram mais vistos como filósofos que como cientistas sociais. O foco na pesquisa de campo, descritas nas monografias, era enorme e com esse norte eram formados os sociólogos nos EUA. Menos Parsons, esse teria uma visão de Sociologia completamente diferente como veremos em seguida. 

D) Oposição à sociologia americana -  são diversas as oposições entre Parsons e os demais sociólogos norte-americanos. A primeira divergência se encontra em sua forte inclinação para os pensadores europeus como Weber, Pareto, Durkheim, Marshall e filósofos ingleses como Thomas Hobbes, John Locke e Stuart Mill. Todos esses são teóricos que vão surgir na teoria parsoniana, enquanto que nenhuma citação a sociólogos norte-americanos é feita em A Estrutura da Ação Social. Apenas os interacionalistas Cooley e Mead são debatidos por Parsons em sua carreira. Sua teoria é vista como "antiempirista" e não porquê ele desvalorizava a pesquisa empírica em si, mas porque "acredita que a ciência não se satisfaz somente com a pesquisa empírica; ela precisa se enquadrada por um pensamento teórico que fornece as intuições, as hipóteses, as relações lógicas, as interpretações explicativas e, finalmente, os fundamentos da previsão científica" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 25). Em suma, a pesquisa de campo ou empírica deveria ser acompanhada de uma teoria geral. Outra grande divergência de Parsons com os companheiros de Sociologia americana é a valorização a Economia, vista por ele como o campo de conhecimento mais avançado das Ciências Sociais por reduzir as margens de incerteza ao focar nos comportamentos racionais dos homens em uma determinada atividade. Apesar de se denominar como "empirista pragmático", Parsons surge como "ovelha negra" da Sociologia americana e produzindo em oposição a produção hegemônica da época. 

E) Os fundamentos epistemológicos da ciência sociológica - o objetivo da vida intelectual de Parsons foi lutar pelo status científico da Sociologia. Esse caráter científico estaria em completa oposição do empirismo radical, predominante na Sociologia americana, pois esse não passava de uma ilusão científica ao menosprezar a utilização de conceitos, classificações e categorias que visem a explicação do mundo. E o que seria ciência para Parsons? Segundo ele, a ciência seria essencialmente analítica o que significa explicar ou entender a realidade com base em conceitos. Mas esses conceitos não,  reproduzem a realidade em sua totalidade, pois "são elaborados ao selecionarem na realidade certos traços, certos elementos que se tornam privilegiados servindo para estruturar a percepção e o conhecimento das coisas" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 28). Poderíamos resumir sua visão de ciência da seguinte forma:

Realidade Objetiva (o mundo social em si) x Estrutura Conceitual (construção mental, consciente ou inconsciente, da realidade e que recorta certos elementos desta em detrimento de outros).

Logo, a epistemologia parsoniana é vista como um Realismo Analítico. O conceito, enquanto representação mental, não condiz a toda realidade isso porque existe uma mútua e contínua relação entre conceito/realidade em que possibilita retoques ao que já foi construído. Parsons é ferrenho defensor dos cânones do método científico e procura se afastar de duas correntes de pensamento, são elas: a) o historicismo, representado por pensadores alemães, pois essa corrente ao igualar as Ciências Sociais a História impossibilidade da primeira a criação de teorias gerais. Pois, sendo a História feita em acontecimentos não repetitivos, seria impossível a procura de alguma generalização; e b) o behaviorismo, pois essa corrente ao procurar analisar o homem a partir de suas manifestações exteriores (como o registro e observação dos gestos e sinais) esquece de compreender as motivações dos sujeitos que agem. Parsons se preocupa, ao pensar a ação humana, na finalidade, vontade e motivação que os homens carregam e reproduzem. 

F) O problema dos valores em sociologia - por fim e encerrando o capítulo, Rocher trata da visão de Parsons sobre os valores que envolvem o cientista em sua prática. Nesse caso, a teoria parsoniana se aproxima bastante da teoria weberiana. Para Parsons, existem dois valores: o valor individual do cientista e o valor da ciência que deve prezar pela verdade dos fatos. Na relação entre esses dois valores é preciso existir uma interdependência. Os valores pessoais do pesquisador ajuda e motiva o cientista na escolha do seu problema, mas esses não podem superar a ética particular da ciência. Logo, os valores pessoais afetam nossas escolhas, mas não deve alterar os resultados da pesquisa. O cientista está preso aos valores de uma subcultura, ou seja, os valores científicos.

Capítulo 02 - A teoria geral da ação

Parsons sempre buscou uma explicação totalizante da realidade, sendo cunhado por Rocher de ecologista da Sociologia. Seu objetivo era localizar a Sociologia no meio das outras Ciências Sociais, dizer-lhe seu espaço e desenhar suas relações com essas outras ciências. Tendo isso em vista, o autor busca nesse capítulo mostrar a Teoria Geral da Ação pensada por Parsons. 

A) A noção de Ação Social - para entendermos a teoria geral da ação é preciso começar entendendo o significado de Ação Social em Parsons. Seria, pois, "qualquer conduta humana motivada e inspirada pelos significados que o autor descobre no mundo exterior, significados que leva em consideração e aos quais responde" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 37). Como podemos observar, é uma conceituação muito próxima da dada por Max Weber. A ação social não é meramente biológica, pois está carregada de interpretações de significados que existem na sociedade e nos influenciam. Logo, damos significados as coisas, tomamos consciência desses significados, interpretamos-os e reagimos. Parsons não analisa Ação Social do ponto de vista meramente subjetivo e afirma que sua análise vai mais além, podendo entender tanto uma entidade individual quanto coletiva. Essa Ação Social tem como base a relação ator-situação, pois o indivíduo ou o grupo age com relações entre si e num determinado espaço. São dois os meios onde o ator age, são eles: Meio Físico: entendido como os objetos materiais, o clima, a Geografia e também o organismo biológico do ator. Como destaca Rocher, "todas essas relações com o meio físico supõem um jogo de interpretações através das quais o ator percebe a realidade e lhe dá um sentido em função do qual age" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 37); Meio Social ou Simbólico: entendido como o palco das interações sociais que, baseada em símbolos, faz o ator conhecer, sentir, avaliar e agir sobre o meio em que está inserido. São os símbolos que dão sentido as ações, sejam elas individuais ou coletiva, facilitando a comunicação entre os atores. Esse conjunto de símbolos são representados pelas normas e valores que nada mais são que guias para o ator interpretar e agir. Ou seja, "é através de normas e valores que o ator pode interpretar uma situação, nela descobrir pontos de referência, limites e forças que deve levar em consideração em sua conduta" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 38). Por fim, conceitos básicos que devemos compreender aqui: Sujeito-Ator, que pode ser um grupo ou um indivíduo; Sujeito-Situação, que pode ser meio físico ou social; Símbolos, que fazem parte do meio social e tem como finalidade o conhecimento e avaliação do ator sobre o meio; Regras, Normas e Valores, que são parte do mundo social e atuam como guia para o ator.

B) O Sistema da Ação Social: -  a preocupação de Parsons era tornar o conhecimento sociológico palatável à ciência e seus cânones. Por isso ele busca analisar a Ação Social dentro de uma análise sistêmica, assim como a Biologia estuda o corpo humano com base em vários sistemas que se interligam. Para facilitar essa análise generalizante, ele diz que toda Ação Social é composta por unidades-atos que se dividem apesar de dialogarem. É preciso decompor a Ação Social para facilitar sua compreensão, mas sem deixar de levar em conta que ela nunca é isolada em si. O sistema de Ação Social requer três condições teóricas básicas, são elas: a) Condição de Estrutura, toda Ação Social deve ter um ponto de referência que lhe estabilize. Em sua decomposição, estudamos as variáveis estruturais; b) Noção de Função, diz respeito as necessidades que o sistema tem e deve satisfazer. Em sua decomposição, estudamos os pré-requisitos funcionais; c) Processo Interno de Transformação, diz respeito as mudanças no interior de cada sistema. Tendo isso em mente, Rocher destaca: o conceito de sistema de ação não é concreta, ou seja, não se encontra de forma dada na realidade. Pois, "o sistema de ação pertence à ordem da conceitualização e da análise, é um modo de reconstrução mental da realidade, uma maneira de conceber as coisas, enfim, um processo heurístico" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 40). É um conceito universal, generalizante e que como instrumento analítico é muito vasto. 

C) Os modelos culturais, elementos estruturais do Sistema de Ação -  Parsons procura responder a seguinte questão: o que rege as estruturas das interações e como elas encontram estabilidade? Por se preocupar com a ordem, Parsons é visto como um teórico defensor do status quo. Entretanto, sua visão de ordem não é como um problema ou solução, mas como um fato que existe na sociedade e por isso deve ser analisado. A ordem sempre existiu e sua preocupação é entender seu fundamento e como se mantém. É em Sigmundo Freud e Émile Durkheim que ele vai responder as suas questões, unindo dois teóricos vistos como opositores. Como as regras, normas e valores estruturam na ação e se mantém estáveis? Para Freud, as regras surgem na forma do superego que através das sanções formam a personalidade do indivíduo. Já Durkheim, entende que as regras são representadas pela consciência coletiva e que por essa agir coercitivamente sobre os indivíduos, transforma-se em um fato social. Parsons essas duas visões. Em Freud, as regras estão interiorizadas em forma da personalidade psicológica. Em Durkheim, as regras estão institucionalizadas vindo a exercer uma influência sobre a consciência moral da pessoa. O interiorizado só é interiorizado porque existe a institucionalização dessas regras e vice-versa. Em suma, "a consciência moral de Freud encontra-se assim com a consciência coletiva de Durkheim; o superego é o inverso individualizado das representações coletivas que repousam na sociedade" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 43). Consciência individual e universo simbólico da sociedade são lados diferentes da mesma moeda.


D) As variáveis estruturais do Sistema de Ação - vimos que todo Sistema de Ação requer uma Condição de Estrutura que necessita de uma estabilidade. Essa estrutura se decompõe em unidades-atos que Parsons conceitua de variáveis estruturais. Ele constata que na cultura impera a dualidade e a contradição, pois todo comportamento humano requer uma escolha e consequentemente uma recusa. Os valores, que nos guiam, representam sempre um sim e um não. Buscando compreender essa dualidade, Parsons se baseará na teoria do sociólogo alemão Ferdinand Tonnies que vai criar os conceitos relações societárias e relações comunitárias a fim de explicar as contradições das relações sociais. Para Tonnies, "cada um dos dois tipos de relações sociais elementares era um conjunto de modelos e de valores que definiam a natureza humana e a vida em sociedade" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 44). Talcott vai criticar essa teoria de Tonnies, mas sem abandoná-la por completo. Por enquanto que a abordagem tonnieana é unidimensional a abordagem parsoniana se mostra pluridimensional. E por que? A abordagem parsoniana se torna pluridimensional ou mais flexível, a partir de uma pesquisa empírica feita por Parsons sobre o papel social do médico. No campo, ele observa que as relações médico/paciente são regidas tanto por relações que podemos chamar de comunitárias (como a procura pela cura) quanto por relações societárias (como a aceitação do paciente em ser paciente e não amigo do médico, dando uma formalidade a relação). São quatro as variáveis estruturais que Parsons adota, cada uma confrontando uma dualidade conceitual. São elas: a) Universalismo x Particularismo - no Universalismo o ator ou grupo social avalia os meios físicos e sociais conforme critérios abrangentes e gerais, já o Particularismo avalia os meios físicos e sociais conforme critérios específicos. No livro, Rocher trás o exemplo do professor e do pai para esclarecer esses conceitos. Enquanto o professor, enquanto profissional, avalia seus alunos com base em critérios mais gerais o pai de família julga seus filhos por critérios mais específicos. Nada impedi do professor adotar certo Particularismo ou o pai certo Universalismo, mas a prática dominante desses papéis é que deve ser levada em conta; b) Desempenho do Objeto x Qualidade do Objeto - no Desempenho do Objeto o ator avalia os meios físicos e sociais com base na sua produção quantitativa, já na Qualidade do Objeto o ator avalia os meios físicos e sociais com base no que ele é em si, sem julgar seu sucesso ou insucesso; c) Neutralidade Afetiva x Afetividade - na Neutralidade Afetiva, o ator age mais pelas formalidades que pelos sentimentos pessoais e como exemplo disso temos as relações sociais que rondam o mercado de trabalho, já na Afetividade o ator age mais por sentimentos pessoais que pelas formalidades e essas relações são comuns nos círculos familiares ou de amizade; d) Especificidade x Difusão - na Especificidade o ator busca manter relações mais específicas com seus interlocutores, logo, divide-se os outros atores em pacientes, empregados, clientes etc., já na Difusão o ator opta por manter relações mais globais a fim de tratar os outros atores como pessoas humanas. Se compararmos essas variáveis estruturantes com a teoria de Tonnies, observamos que o Universalismo, o Desempenho do Objeto, a Neutralidade Afetiva e a Especificidade fazem parte das chamadas relações societárias. Enquanto que o Particularismo, a Qualidade do Objeto, a Afetividade e a Difusão fazem parte das chamadas relações comunitárias. 

Parsons ainda busca reagrupar essas quatro variáveis em dois grupos, são eles: a) Variáveis Estruturais de Modalidade do Objeto, trata do julgamento ou interpretação que o ator tem dos meios físicos e sociais ao seu redor. Estão ligadas com a situação que o ator se encontra. São representados pelas variáveis Universalismo/Particularismo e Desempenho do Objeto/Qualidade do Objeto; b) Variáveis Estruturais de Orientação para o Objeto, trata da atitude do ator frente aos meios físicos e sociais. Estão ligadas ao ator. São representados pelas variáveis Especificidade/Difusão e Neutralidade Afetiva/Afetividade. Por fim, podemos definir que as "variáveis têm uma grande generalidade analítica, pois se aplicam a comportamentos individuais ou coletivos, à análise de grupos restritos e de sociedades globais, à descrição da ação de atores individuais ou de instituições sociais" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 47)

E) Pré-requisitos funcionais do Sistema de Ação - após analisar as variáveis estruturantes que estão ligadas a estabilidade do Sistema de Ação, Rocher analisa as dimensões funcionais propostas por Parsons em sua obra. O conceito de função tem total importância na teoria parsoniana, baseada numa análise sistêmica da ação social. Para Parsons, "a função de um sistema vivo corresponde a um conjunto de atividades que se destinam a responder à necessidade ou às necessidades do sistema enquanto sistema" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 47). O Sistema de Ação em Parsons tem necessidades externas e internas. Além disso, dispõe de objetivos e meios para alcançar esses objetivos. Tendo em mente que as dimensões funcionais do Sistema de Ação se alimentam na necessidades externa/interna e objetivo/meio, Parsons pensa em quatro dimensões funcionais. São elas: a) Adaptação - diz respeito as relações entre o Sistema de Ação com o mundo exterior, mantendo ligações com vários sistemas. A adaptação, "consiste em ir buscar nesses sistemas exteriores os recursos diversos de que o sistema necessita, em oferecer intercâmbio de produtos provenientes do próprio sistema e em armazenar e transformar esses recursos a fim de que sirvam às necessidades do sistema" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49); b) Consecução dos Objetivos - diz respeito a definição de objetivos que o Sistema de Ação traça, assim como os meios para alcança-los. Tem como intuito, "definir os objetivos do sistema, para mobilizar e gerar recursos e energias em vista da obtenção desses fine, por fim, conseguir a gratificação procurada" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49); c) Integração - diz respeito a manutenção da estabilidade do Sistema de Ação, controlando possíveis desvios. Trata de "proteger o sistema contra mudanças bruscas e a manter o estado de coerência ou de "solidariedade" necessário à sua continuidade e a seu funcionamento" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49); d) Latência - diz respeito a motivação que o Sistema de Ação deve dispor. Essa função serve "como uma espécia de sistema de canalização servindo, ao mesmo tempo, para acumular a energia sob forma de motivação e para difundi-la" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49). Temos então o seguinte quadro: 

Paradigma funcional do Sistema de Ação 

Externo: Adaptação e Consecução de Objetivos;
Interno: Latência e Integração. 

Meios: Adaptação e Latência; 
Objetivos: Consecução de Objetivos e Integração.

F) Os Subsistemas de Ação - Parsons enxerga a existência de Subsistemas de Ação que estão de constante diálogo com as dimensões funcionais descritas anteriormente. São quatro esses subsistemas: a) Organismo Biológico, corresponde a função de adaptação, pois é através dos sentidos e do corpo humano que podemos ter contato com o meio físico a nossa volta seja para adaptar-se ou transforma-lo; b) Personalidade, corresponde a função de Consecução de Objetivos, pois é através da psique que definimos objetivos e os recursos necessários para atingi-los; c) Sistema Social, corresponde a função de Integração, nele que observamos as restrições e definições de limites; d) Cultura, corresponde a função Latência, fornece aos atores as motivações para suas ações por meio de normas, ideais, valores, ideologias etc. Esses subsistemas são independentes, mas dependentes ao mesmo tempo. É impossível falarmos do dispositivo biológico sem as motivações da personalidade sobre ele. A cultura só existe porque exerce uma forte influência sobre a personalidade, enquanto o sistema social necessita da personalidade para se exibir. Esses subsistemas estão em constante comunicação entre si e podem ser analisados como um sistema, contendo cada um deles dimensões funcionais. A complexidade da teoria parsoniana se encontra nessa rede constante, tornando o Sistema de Ação uma boneca russa. 

G) Os processos do Sistema de Ação - além da estrutura e da função, o Sistema de Ação também é palco de mudanças. Não existe Sistema de Ação sem movimento. A base que Parsons utiliza é o conceito de equilíbrio, mal interpretado pelos seus críticos, segundo aponta Rocher. Para Parsons, "o equilíbrio é um caso-limite de quase impossível realização na prática e que quase nunca corresponde a uma realidade empírica"  (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 55). Ele usa o equilíbrio apenas como ponto de partida, porém, sua prática é impossível pois toda ação acarreta escolhas e por isso desequilíbrios. Ação, acarreta reação e consequentemente mudanças. É a chamada Lei de Equivalência da Ação e da Reação. O que rompe o equilíbrio do Sistema de Ação? Para Parsons dois processos, a atividade e a aprendizagem. A atividade são todos os comportamentos que o ator pratica , gerando perturbações de pequeno ou grande porte na situação (meio físico e social) em que ele se encontra. Já a aprendizagem é o que o ator interioriza, gerando modificações em sua subjetividade que trará consequências na sua ação. Seguindo sua característica de dividir o quanto puder os conceitos, Parsons divide a ação do ator e ação do sistema obtendo cada uma dois processos de mudanças. Na ação do ator, temos: a comunicação e a decisão que é a base de qualquer ação do ator. Ele precisa se comunicar com outros atores e com isso decidir, modificando a situação em que está presente. Já na ação do sistema, temos: a diferenciação onde o sistema busca se diferenciar dos demais e a integração que busca ligar uns com os outros a fim de agrupá-los. 

H) A hierarquia cibernética -  a análise parsoniana é bastante influenciada pela hierarquia cibernética ao afirmar que todo Sistema de Ação é palco de constante circulação de energia e informação. As partes de um sistema podem contém mais informação que energia e vice-versa. O que deve-se ter em mente é que "são as partes mais ricas em informação as que impõem controle sobre as mais ricas em energia"  (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 57). As mais ricas em energia são chamadas de Fatores de Condicionamento da Ação, porquanto que as partes mais ricas em informação são chamadas de Fatores de Controle da Ação. Tendo isso em mente e transferindo para os subsistemas e dimensões funcionais, podemos perceber o seguinte: o sistema orgânico é o mais rico em energia, já o sistema cultural é o mais rico em informação. O sistema psíquico (personalidade) está mais próximo do sistema orgânico, já o sistema social se encontra mais próximo do sistema cultural. Levando para as dimensões funcionais, observamos: a adaptação como mais rica em energia e a latência como a mais rica em informação. A consecução de objetivos está mais próximo da adaptação, já a integração se encontra mais próxima da latência. 

Capítulo 03 - Sistema social e sociedade 











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