domingo, 17 de fevereiro de 2019

O Brasil entra em campo: construções e reconstruções da identidade nacional (1930-1947)



  • Sobre o autor: Denaldo Alchorne de Souza é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde concluiu o curso tendo como trabalho de monografia o artigo "Integralismo e Igreja Católica na década de 30". Seu mestrado também foi pela UFF, sendo sua dissertação a obra que será resumida abaixo. Já seu doutorado foi realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) tendo sua tese o seguinte título, "Pra Frente Brasil, identidade nacional e futebol: enquadramentos, resistência e esquecimentos" (1950-1983). Atualmente é professor de História do Instituto Federal Fluminense (IFF) e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (LUDENS). 


O Brasil entra em campo: construções e reconstruções da identidade nacional (1930-1947) - Denaldo Alchorne de Souza - Editora Annablume


Apresentação: A apresentação do livro é feita pelo historiador Jorge Ferreira, então professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF). O primeiro ponto que ele destaca nessa breve apresentação é referente as crescentes pesquisas sobre futebol, esporte que por movimentar tantas pessoas merece ser olhado sob um prisma científico e analítico. Adiantando o que será trabalhado na obra, Jorge afirma que diferente de outros autores Denaldo Alchorne de Souza busca enxergar a relação Estado e sociedade de uma forma diferente. Sua visão passa por enxergar que a sociedade não é mero agente passivo. O exemplo de Leônidas da Silva, atleta vinculado a prática do "futebol-lazer" contra o "futebol-disciplina" proposto na época, é claro na sua argumentação. Apesar de toda reprovação dos representantes oficiais do Estado, clubes e do jornalismo sua figura não sofreu qualquer tipo de reprovação por parte da população. Além disso, Jorge ainda apresenta outras temáticas que serão trabalhadas por Denaldo como a Copa do Mundo em 1938, visto como fundador da paixão nacional pela Seleção Brasileira, e o papel da obra "O Negro no Futebol Brasileiro" de Mario Filho na construção de "verdades" solidificadas durante o tempo. Para Jorge Ferreira, o futebol foi apenas uma janela encontrada por Denaldo Alchorne para entender a relação Estado/sociedade no Brasil dos anos 1930.

Introdução: A introdução, escrita por Denaldo Alchorne de Souza, passa brevemente sobre o que será a obra. Como ele afirma, "o principal objetivo desse trabalho é compreender como o futebol foi utilizado simbolicamente por diferentes atores sociais na construção da identidade nacional no Brasil durante as décadas de 1930 e 1940" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 18). A obra tem um total de 08 capítulos: no capítulo 01 Denaldo debaterá aspectos teóricos gerais sobre os estudos sobre o futebol; nos capítulos 02 e 03 o foco será na intervenção do Estado Novo nos esportes; no capítulo 04 o debate gira em torno do discurso ideológico oficial do Estado Novo sobre o futebol; nos capítulos 05, 06 e 07 Denaldo sai da esfera estatal e busca captar a interpretação dada pela sociedade civil sobre essa construção de identidade nacional pensada de cima; por fim no capítulo 08 ele encerra a obra trazendo a perspectiva do jornalismo esportivo entrando na importância da obra O Negro no Futebol Brasileiro do cronista Mario Filho.

Capítulo 01 - Futebol e Identidade Nacional

Denaldo inicia o livro debatendo questões teóricas abrangentes sobre o futebol enquanto objeto de estudo. A pergunta inicial que ele joga é a seguinte: afinal, o que é o futebol? Para responder essa pergunta, destaca a interpretação de três correntes. A primeira, comum no meio acadêmico durante anos, considera o futebol um tipo de alienação usado por governantes para mascarar as diferenças entre as classes sociais. Apesar de discordar dessa definição no seu sentido total, o autor admite que o futebol foi sim utilizado para fins políticos e até certo ponto alienante. O exemplo da Copa do Mundo em 1970, ocorrida em pleno auge da repressão da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985), não nos deixa mentir. A segunda interpretação enxerga o futebol como meio de conciliação que produz identidade para um grupo ou país. O futebol não só une diferentes classes sociais, credos, raças e posicionamentos políticos como expressa igualdade e justiça ao propor regras simples, universais dando a possibilidade de vitória para quem obter o melhor desempenho. Ainda dentro dessa visão, o futebol no Brasil teve papel primordial na construção de uma identidade nacional ao conseguir ligar Estado Nacional com a sociedade civil. O sucesso no futebol mostrava que o Brasil tinha potencialidades para se desenvolver nos outros ramos da vida. Nicolau Sevcenko e Roberto DaMatta são os intelectuais representantes dessa vertente. Por fim, temos a última corrente que enxerga o futebol como espaço de conflitos sociais. Os problemas existentes na sociedade como a divisão entre classes sociais é levada para o futebol. A visão dos vários espaços no estádio de futebol, geral e camarotes, é um exemplo dessa expressão de desigualdade reproduzida. Helio Sussekind é citado por Denaldo e com isso visto como representante dessa visão.

Após apresentar essas visões sobre o futebol e antes de demonstrar a sua, Denaldo entra na sua base teórica no que tange ao debate sobre identidade nacional. Se baseando no historiador britânico Eric Hobsbawm, o autor enxerga a construção da nacionalidade como um "fenômeno dual" em que apesar de serem impostas de cima acaba ganhando reinterpretações dos de baixo. O trabalhador passa a ser visto como sujeito da história, apesar de também receber influência de quem detém o domínio do Estado. Citando Hobsbawm, a conclusão é que a construção da nacionalidade: a) não são ideias criadas e propagadas pelo Estado com total recepção passiva dos cidadãos; b) a identificação nacional, quando criada, não exclui ou é sempre superior a outros tipos de identificação; c) a identificação nacional pode modificar-se durante o tempo. (Aqui vale lembrar de uma importante nota do Denaldo Alchorne sobre outros dois importantes autores sobre as pesquisas envolvendo construção da nacionalidade: Ernerst Gellner e Benedict Anderson. Para Gellner o nacionalismo surge através de dois pré-requisitos importantes: a existência de uma cultura comum entre governados e governantes; a capacidade da ordem social vigente conservar ou produzir uma riqueza. A nação é uma construção histórica, não um resultado de uma imaginada essência humana. Já Anderson acreditava que a ideia de nação se baseava sob o prisma de uma comunidade política imaginada sendo limitada e soberana. Imaginada no sentido de criação, não de falsificação. Limitada porque se circunscreve territorialmente e não produz um discurso universalista como as religiões. É soberana porque surgiu numa época de crise dos reinos. Por fim, é vista como comunidade porque - apesar das diferenças - se apresenta de forma fraterna com base num companheirismo).

Tendo essa base teórica tanto sobre futebol quanto de nacionalidade, Denaldo enxerga o futebol como "instituição zero". Ou seja, um instrumento de significação e representação que pode ser utilizada por diferentes atores sociais. "Portanto, o futebol, assim como a identidade nacional, é invenção e reinvenção de governantes e governados, dominantes e dominados. É espaço de integração e espaço de conflito" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 26).

Capítulo 02 - O Estado em Ação (I): conflitos no campo esportivo

Nesse segundo capítulo Denaldo praticamente faz um resumo histórico da formação e desenvolvimento do futebol brasileiro até os anos 30. A prática dos esportes - e consequentemente do futebol - teve vasto terreno na sociedade brasileira em fins do Século XIX. O fim da escravidão marcava um divisor de águas no que tange a relação homem/corpo. Até a abolição, a atividade física era sinônimo de trabalho escravo, com isso a classe alta não investia no desenvolvimento dessas atividades para manter seu status. Com a abolição, o cuidado com o corpo e o interesse pelos esportes cresce tendo então o futebol um terreno social fértil para seu surgimento. Instalado no país através das elites, o futebol era restrito a homens brancos nos seus primeiros anos de prática. Como afirma Denaldo, "o foot-ball funcionava como um símbolo de status quo, como diferenciador de classes, um referencial para as pessoas que queriam ter bom gosto e ser aceitos na alta sociedade" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 28). São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pará foram os primeiros estados a organizarem campeonatos estaduais sendo necessária uma instituição a nível nacional. Em 1914 era criada a Federação Brasileira de Sports (FBS) que em 1916 tornar-se Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Já em 1919 recebemos um Campeonato Sul-Americano, jogado no então moderno Estádio das Laranjeiras, sendo um sucesso de público e repercussão na cidade. Foi nesse campeonato que Artur Fridenreich, mulato de pai branco e mãe negra, fez o gol que deu o primeiro título oficial da Seleção Brasileira de Futebol.

Se antes elitizado, o futebol passava a popularizar-se tendo em vista o contexto social que se encontrava o Brasil nos anos 20. Crescente urbanização, industrialização fizeram homens simples se interessarem pelo futebol. Aos poucos o amadorismo era atingido com a lógica do "bicho", espécie de prêmio pago ao jogador que normalmente vinha de classes baixas e que necessitava do dinheiro. Foi nessa conjuntura inicial de um "profissionalismo marrom" que o futebol passou a ganhar força no país. Além da já citada popularização, o contexto permitiu ao desenvolvimento de um jornalismo esportivo que passou a dar cobertura aos jogos e campeonatos. Com os jogos internacionais da Seleção Brasileira, a imagem do Brasil enquanto nação passava a ser representada pelos jogadores. Era o desenvolvimento de um monstro que logo se tornaria uma das maiores forças culturais do país.

No contexto da República Velha, o autor cita três presidentes que buscaram contato com o futebol. O primeiro foi Epitácio Pessoa que chegou a conceder recursos a CBD para que a Seleção pudesse fazer excursões na Argentina. Sua ressalva era que apenas atletas brancos deveriam ser utilizados. Em 1922 um novo Campeonato Sul-Americano foi organizado no país e sob forte ajuda governamental. Artur Bernardes foi outro presidente que chegou a oferecer recursos para a CBD tendo como ressalvas a utilização exclusiva de atletas brancos. O foco era um Sul-Americano disputado na Argentina em 1925. Por fim Washington Luís também manteve relações com o futebol ao contribuir financeiramente com os recursos para a Copa do Mundo de 1930, a primeira, realizada na vizinha Uruguai. Por conta de um conflito entre representantes cariocas e paulistas (esses não aceitaram a imposição de uma comissão técnica totalmente composta por cariocas) a Seleção Brasileira saiu fortemente desfalcada tendo em vista a não ida de atletas atuantes em São Paulo. Desorganizada, acabou sendo eliminada já na primeira partida da competição após uma derrota para a Iugoslávia.

Esse é basicamente o cenário do futebol brasileiro até 1930. Um esporte elitizado que vinha ganhando aos poucos forte adesão popular, mantendo uma relação com o Estado ainda não sistematizada. É a partir de 1930 que esse cenário começa a mudar, pois "nesse período, os esportes e a moderna comunicação de massa, como imprensa, cinema e rádio, foram significativos em transformar os símbolos nacionais em parte da vida dos indivíduos comuns, rompendo as divisões que existiam entre o privado e o público, entre o local e o nacional" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 36). A relação Estado e futebol começa a se tornar mais íntima a partir de 1932 com a conquista da taça Rio Branco, disputada contra o Uruguai. O então presidente Getúlio Vargas, chefe de um Governo Provisório, chegou a receber os atletas no Palácio do Catete. O título foi bastante comemorado pois tratou-se de um triunfo sobre a Seleção Uruguaia, sensação da época, recém campeão do mundo em 1930 e bicampeã olímpica.

Começava uma nova forma de tratar o esporte no país. Para Hobsbawm, "o espetáculo esportivo se tornou um meio eficaz para inculcar sentimentos nacionalistas devido à facilidade com que todos os indivíduos podiam se identificar com a nação simbolizada por jovens que se destacavam no que todo homem gostaria de ser: bom naquilo que faz" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 37). E segundo conclui Denaldo, "portanto, o torcedor, quando observa a seleção nacional jogar, está vendo um pretenso espelho da nação e, mais importante, se sente participando dela. O futebol permite uma relação entre produtor/receptor, isto é, entre o jogador e o torcedor, que não é de submissão" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 37).

O futebol tornou-se um meio de extrema importância para a difusão do nacionalismo no Brasil. E foi no Estado Novo, em 1941, que o Estado começou a interferir diretamente no futebol com a criação do Conselho Nacional de Desportos (CND). Buscando analisar o contexto que deu surgimento a CND, assim como seus desdobramentos a posteriori, Denaldo divide sua análise em dois campos (aqui no sentido bourdiesiano do termo): a) campo esportivo; b) campo político. Como campo no sentido utilizado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, o autor afirma "que consiste num espaço onde agentes sociais travam lutas concorrenciais em função de interesses e conflitos específicos à área em questão - seja artística, intelectual ou esportivo -, sem abandonar os aspectos políticos, econômicos e sociais mais amplos" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 39).

O conflito no campo esportivo trazido no livro diz respeito a Arnaldo Guinle e Rivadávia Corrêa Meyer. Guinle era ligado ao Fluminense, foi presidente da CBD e participava do Cômite Internacional Olímpico (COI). Suas ideias, ao menos inicialmente, era em prol do amadorismo. Ele liderou, junto com outras figuras, a criação da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA) quando equipes como o Vasco buscava obter maior influência sobre o futebol. Já Rivadávia, ligado ao Botafogo, foi presidente da AMEA depois da gestão Guinle. Foi ele responsável pela convocação de jogadores negros em 1932 durante a Copa Rio Branco vencida pelo Brasil. Também seria responsável pela entrada de clubes menores (aqueles não ligados as aristocracias) no Campeonato Carioca após conflito com os fundadores do torneio. Inicialmente ambos eram a favor do amadorismo, mas foi Guinle que percebeu a força econômica do futebol e rapidamente passou a defender medidas que avançassem rumo ao profissionalismo.

E Guinle, tendo o apoio da CBD e da APEA (futebol paulista), conseguiu impor uma vitória inicial ao impor a fundação de uma liga profissional que seria erguida em 1933 sob o nome de Liga Carioca de Futebol (LCF). O movimento foi seguido pelos paulistas. Porém, entra em cena o campo político. Rivadávia desfilia os clubes que aprovaram a criação da liga profissional da AMEA, incluso o Fluminense de Guinle. O caso vai para a CBD, entrando em cena a figura de Luiz Aranha (ligado a Vargas e irmão de Oswaldo Aranha). Aranha, acionado por Rivadávia, consegue virar o caso a favor dos que não apoiavam a criação de uma liga profissional fazendo o então presidente da CBD abandonar seu cargo após as articulações. Era fato que as figuras do governo nutriam uma simpatia pelo amadorismo por preservar as qualidades do esporte que o profissionalismo deturpa.

E se em 1930 o conflito foi entre paulistas x cariocas na Copa do Mundo de 1934 ficou por conta dos profissionais x amadores. A base da seleção basicamente foi o time do Botafogo, o time grande da época filiado a CBD já que os outros foram expulsos da AMEA. Apesar disso, a "amadora" CBD tentou oferecer dinheiro para que alguns jogadores quebrassem o contrato com seus clubes, caso de Leônidas da Silva que aceitou a proposta. O chefe da delegação seria Lourival Fontes, figura simpática ao Fascismo Italiano e que na época era diretor-geral do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC) que futuramente se tornaria no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O resultado dessa desorganização foi mais uma campanha pífia do país, eliminado no primeiro jogo pela Espanha. Restou a Seleção Brasileira fazer uma série de amistosos em solo europeu sob uma estrutura precária. Apesar do fracasso, o grupo de Rivadávia saiu vitorioso com o controle da AMEA e CBD. Além do laço criado com o campo político. Novas ligas foram criadas ainda em 1934, curiosamente, aceitando profissionais. Os antigos defensores do amadorismo, voltavam atrás.

O ponto-chave para que o Estado passasse a interferir nos esportes foram as Olimpíadas de Berlim em 1936. O grupo de Guinle, então membro do COI, foi nomeado para compor a delegação. Decisão que não agradou a CBD. Resultado: após vários impasses, viajamos para a então Alemanha Nazista com duas delegações. Nessa crise, a preparação dos atletas foi negligenciada e o desempenho do país foi vergonhoso. Sobre o desfecho dessa crise:
A paz entre as duas entidades finalmente foi selada em 20 de julho de 1937, quando os presidentes de América e do Vasco da Gama assinaram um acordo estabelecendo as bases de fundação de uma liga no futebol carioca que congregaria todas as forças esportivas. Esta ficaria atrelada à Federação Brasileira de Futebol (FBF), que, por sua vez, se filiaria à CBD. A FBF ficaria com o controle total sobre o futebol no país, cabendo à CBD as filiações internacionais e a representação do Brasil em competições no exterior. O mesmo ocorreria com os outros esportes: as federações regionais ficariam filiadas às federações especializadas e estas à CBD (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 57).
Capítulo 03 - Estado em Ação (II): conflitos no campo político

Se no capítulo anterior debateu-se os conflitos no campo esportivo, agora Denaldo trás para o debate os conflitos no campo político. Logo após das Olimpíadas de Berlim, mais exato em novembro de 1937, instaurou-se no país o Estado Novo que representou profundas mudanças na sociedade brasileira sendo os esportes (e o futebol) apenas uma parte. Dentro do campo político algumas figuras se destacaram na relação com os esportes. Dentre eles, Lourival Fontes e Luiz Aranha já apresentados no capítulo anterior. Além desses dois, Francisco Campos e Gustavo Capanema também se apresentaram como figuras políticas interessadas com os esportes. Campos foi ministro da Educação durante o Governo Provisório (1930-1932) e um dos grandes articuladores do golpe de Estado que instalaria o Estado Novo. Após o golpe, ele foi nomeado ministro da Justiça e Negócios Interiores. Foi um dos principais ideólogos do período e acreditava que os esportes "possibilitariam a formação dos sentimentos de disciplina e de nacionalidade entre os jovens com o objetivo de ampará-los para uma efetiva participação política" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 60). Já Capanema foi ministro da Educação e Saúde Pública de 1934 a 1945. Para ele, "a educação era o instrumento do Estado e deveria ser regida pelo sistema de diretrizes morais, políticas e econômicas que formavam a base ideológica da nação" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 60). Dentro desse projeto educacional estaria incluído os esportes, então importante ferramenta de inserção ao trabalho e a sociedade. Como podemos ver, todos os envolvidos eram figuras do mais alto escalão do Estado Novo. Além dessas figuras as Forças Armadas também mantinham uma relação com os esportes ao enxergá-los como necessárias para a formação militar. Temos então as principais figuras do campo político interessadas nos esportes.

Em meio a essa conjuntura começa os preparativos para a Copa do Mundo de 1938, realizada na França. Pela primeira vez o selecionado brasileiro contava com sua força máxima, sem qualquer tipo de divisão. A preparação dos comandados de Adhemar Pimenta também foi inovadora com direito a treinos em Minas Gerais e até a contratação de um cozinheiro para acompanhar o escrete em solo francês. Alzira Prestes, filha do presidente, foi considerada dama da seleção. E um caso novo e interessante foi a Campanha do Selo, lançada pela CBD. Sobre a natureza dessa campanha, diz o autor:
Quem adquirisse um selo cebedense por apenas quinhentos réis estaria ajudando os jogadores brasileiros a irem à França e concorreriam a um lugar na delegação. O selo tinha a seguinte frase: "Auxiliar o escrete é o dever de todo brasileiro". Mais do que um ato esportivo, comprar o selo era encarado como um ato patriótico (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 62).
Na França, a Seleção Brasileira venceu a Polônia no primeiro jogo por 6x5 e na prorrogação. Depois empatou por 1x1 contra a Tchecoslováquia, sendo necessária a realização de uma partida de desempate. Nessa, vencemos por 2x1 e passamos para as semi-finais. Esses dois triunfos foram motivo de bastante festa e repercussão no Brasil. Atletas negros, mestiços e pobres venceram duas seleções européias. Na partida decisiva contra os tchecos, repartições foram fechadas em vários estados. Segundo o jornal Diario de Pernambuco, "os futebolistas brasileiros fizeram, nestes últimos dias, mais pelo Brasil e pelo seu renome do que toda e qualquer propaganda paga, que acaso se tenha feito até hoje" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 67). No mesmo jornal, o sociólogo Gilberto Freyre escrevia o artigo "Foot-Ball Mulato" em que contrastando o nosso estilo de jogar com o dos europeus começava a associar o futebol com a ideia de identidade nacional. Esse artigo representa a primeira reflexão intelectual sobre o futebol, sendo um marco quando se debate o assunto. Nas semi-finais, perdemos de forma polêmica para a Itália, então atuais campeões e que na frente consagrariam o bi-campeoanto mundial.  Finalizamos essa histórica copa contra a Suécia, vencendo por 4x2 e garantindo um comemorado terceiro lugar. O futebol, passa a representar "mais do que uma representação positiva da harmonia social, o entusiasmo pelo futebol combinava o nacionalismo e o orgulho cívico, tão defendidos pelo Estado Novo" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 70). Os políticos passavam a enxergar o futebol com mais seriedade a partir da repercussão da Copa do Mundo de 1938 que teve em Leônidas da Silva a consagração do grande ídolo nacional.

E como ficava as disputas políticas em torno dos esportes? A principal oposição ficou entre Lourival Fontes e Gustavo Capanema. Enquanto Fontes desejava ver os esportes como espetáculo de massas e propaganda vinculado ao DPDC, Capanema enxerga que a ligação dos esportes deveria ser com a educação. Nesses conflitos, Francisco Campos seria enfraquecido e isolado após propor a criação da Organização Nacional da Juventude (ONJ) que teria funções e práticas de uma rede paramilitar. Entre suas ações estavam canto do hino, respeito a bandeira, continência e organização de colunas/falanges/ companhias/legiões. Essa sua proposta foi criticada por todos: desde Capanema até as Forças Armadas que enxergavam na criação da ONJ uma forma de desrespeito as suas funções. Até Alzira Vargas chegou a criticar a ideia, principalmente por colocar o Catolicismo como religião obrigatória além do seu excesso de militarismo. Capanema reformou a proposta inicial de Campos e, retirando seu teor inicial militarista, criou em 1940 o Movimento da Juventude Brasileira.

Capanema também veria seu leque de apoio aumentar após a criação do DIP que deu grandes poderes a Lourival Fontes, retirando as tarefas de censura da Polícia Civil e Forças Armadas. Com isso, Capanema logo buscou se aproximar dos insatisfeitos militares para assegurar seus interesses com os esportes. Junto a isso, buscou um diálogo maior com Luiz Aranha, então presidente da CBD e antigo aliado de Lourival. Como? Ofereceu a Aranha comissões e departamentos para que pudesse debater os caminhos a serem tomados nos esportes diante dessa nova conjuntura. Como reforço da sua influência sobre o campo esportivo, Capanema propôs: "a construção de uma escola de educação física e desportos que servisse de modelo para as outras instituições; a criação de um grande estádio na capital da República; e a formação de um conselho superior que normatizasse e fiscalizasse os esportes no país" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 75).

Em 1939 a sua primeira proposta foi concretizada com a criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENED) ligada a então Universidade do Brasil. Sua tarefa seria a de formação de profissionais da área assim como o desenvolvimento de pesquisas tendo auxílio da Prefeitura do Distrito Federal e da Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx). A criação do estádio para 120 mil pessoas no Rio de Janeiro, então capital do país, não foi posto em prática por conflitos entre as esferas municipais e federais no que tange ao privilégio de liderar a execução das obras. Por fim, foi criado o Conselho Nacional dos Desportos (CND) dentro do Ministério da Educação (MEC). A CND seria liderada por uma comissão de 05 membros, nomeados pessoalmente pelo presidente. A CND recebeu forte apoio da CBD, então presidida por Luiz Aranha e em seguida por Rivadávia Correa Meyer. Logo,
Com a criação do Conselho ficava definitivamente separado o esporte da educação física. A educação física era definida como parte do sistema educacional, que também estava se institucionalizando naquele momento. Já os desportos ficavam definidos por sua ligação com as associações e as ligas desportivas onde eram praticados (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 77).
Na pirâmide criada o CND estava no topo. Abaixo se encontravam as confederações que poderiam ser ecléticas ou especializadas em apenas um esporte. As confederações imediatas foram: CBD (contendo futebol, vôlei, atletismo, remo, natação, tênis, saltos, polo aquático e handebol), basquete, pugilismo, vela, xadrez e esgrima. Estava legitimada a intervenção e fiscalização do Estado nos esportes, após longo processo de disputas envolvendo campo político e esportivo. Esses campos, após o fracasso das Olimpíadas de Berlim e o sucesso da Copa do Mundo em 1938, decidiram em consenso por essa interferência. Os esportes, consequentemente também o futebol, passava a ser reprodutor dos ideais estado-novista de harmonia social e nacionalismo.

Capítulo 04 - O Discurso Oficial

Nesse capítulo Denaldo busca compreender a interpretação que a intelectualidade estado-novista tinha dos esportes. Dois pensadores são selecionadas: Fernando Azevedo e João Lyra Filho. O primeiro trabalhou intensamento no Ministério da Educação, foi figura participante da criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD). Já o segundo foi presidente do Botafogo, participou do CND e até chegou a ser conselheiro da FIFA. Enquanto Fernando está vinculado ao campo educacional, João está no campo esportivo.

O Estado Novo seguia um tripé no campo educacional formado pelo trabalho manual, a educação cívica e a educação física. O trabalho manual tinha como objetivo fazer os jovens entrarem em contato com as profissões, combatendo a ociosidade. A educação cívica buscava formar o jovem próximo aos ideias nacionalistas, combatendo as tendências desagregadoras presentes na sociedade brasileira. Por fim, a educação física teria como fundamento o desenvolvimento de valores como a disciplina, o dever e o adestramento militar. Era tarefa da CND propiciar meios que desenvolvesse a educação física no seio da sociedade, buscando o aperfeiçoamento físico e espiritual do "homem novo" que se buscava criar. Logo, os esportes tinham como objetivo "a formação moral e cívica do jovem e o desenvolvimento eugênico dos brasileiros" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 83). Os esportes coletivos ganhavam uma atenção maior por parte da ideologia estado-novista, pois representavam o ideal de solidariedade e otimismo. No pano de fundo disso se encontrava o interesse de utilizar os esportes como forma de integração social entre jovens de diferentes classes e etnias. O papel das mulheres nesse contexto é secundarizado, pois elas são vistas como figuras guardiãs das famílias sendo sua inserção no mercado de trabalho necessária só através de atividades consideradas normais para o sexo feminino. Os esportes era um espaço masculino e bastante voltado para os jovens operários, objetivando afastá-lo de ideais nocivos como o comunismo e a malandragem.

Outro ponto desses teóricos foi observar que os esportes estava além de uma ferramenta educacional, ele também teria uma tarefa de espetáculo e com isso ajudaria na difusão dos ideais do regime. Quanto a profissionalização dos esportes, esses ideólogos não enxergavam com bons olhos. O trabalhador de carteira assinada era aquele que gerava riqueza, logo, o atleta pago seria trabalhador não por produzir riqueza mais por divertir as pessoas. Isso tornaria o esporte uma prática passiva, retirando seus valores espirituais. Mas como a profissionalização dos esportes e, em especial do futebol, era favas contadas restava ao Estado através da CND fiscalizar essa prática para que ela não ultrapasse os limites da moralidade. Além disso, os jogadores não eram bem vistos por esses teóricos. Pelo contrário, os atletas eram vistos como imaturos que deveria obediência a elite dirigente dos esportes no país que era representada tanto pela CND quanto pelos dirigentes dos clubes. Sendo assim,
Portanto, era a disciplina o aspecto mais importante do discurso oficial que tratava dos assuntos ligados ao esporte e à construção da identidade nacional. Os esportes coletivos, principalmente o futebol, possibilitavam ao povo brasileiro sublimar suas características individualistas e aprender a conviver em grupos de forma harmônica e disciplinada. Nesses esportes, a equipe, fruto da disciplina, seris mais importante que o jogador, da mesma forma que toda nação era mais importante que um indivíduo (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 99).
Capítulo 05 - Mitos Populares e Resistência Cultural

O questionamento principal do capítulo é pensar de que forma o povo recebeu a visão oficial do Estado Novo sobre os esportes. Para Denaldo, a mera visão de que o Estado de cima dita por completo o comportamentos dos grupos sociais é errônea. Diferente de autores como Alcir Lenharo que enxergam uma total passividade dos grupos sociais, Denaldo afirma que "as ideias, longe de serem impostas por um grupo a toda a sociedade, circulam e são apropriadas pelos trabalhadores, que lhes dão novos e diferentes significados" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 102). A fundamentação teórica de Denaldo se encontra no historiador britânico Edward Thompson que em sua produção procurou destacar o papel ativo do sujeito na história, criticando a visão mecânica do marxismo via a relação de dependência da superestrutura quase que em sua totalidade.

Como os trabalhadores receberam a visão estado-novista de identidade nacional e esportes? Em caso de ressignificação, quais os novos significados criados a partir da propaganda oficial? É procurando responder a essas perguntas que Denaldo afirma que sua análise perpassa pela análise dos chamados mitos populares, enxergando esses como ideias que de alguma forma representavam a visão de determinado grupo social. Em suma, "o mito é uma crença que fornece uma explicação, um número de chaves para a compreensão do presente, uma sintaxe onde se apresentam os elementos construtivos da narrativa que elas compõem" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 105).

Sendo o futebol um esporte popular e construtor de mitos e heróis, Denaldo vai buscar nele as representações que tinham os trabalhadores. Antes de chegar em Leônidas da Silva, figura central no livro, o autor cita jogadores que precedente a ele detiveram alguma representação mítica/simbólica de importância no imaginário popular. Os dois primeiros mitos mencionados são dois jogadores dos anos de 1920, o goleiro Marcos Carneiro de Mendonça e o centroavante Arthur Friedenreich. Marcos de Mendonça foi o primeiro goleiro da Seleção Brasileira e esteve na primeira partida da canarinha contra o time inglês do Exeter City. Ele fundou a ideia de jogador galã fora dos campos. Dentro seria tricampeão carioca com o Fluminense e bicampeão Sul-Americano com a Seleção Brasileira. Sua figura representava uma época em que a elite usava o futebol como hobby, sendo então praticado amadoramente por homens brancos e de "boa família". Friedenreich, ou El Tigre, foi o primeiro grande craque do futebol brasileiro. Foi seu o gol que deu a Seleção Brasileira seu primeiro título, o Campeonato Sul-Americano de 1919. Também esteve na partida contra o Exeter City e seu mulatismo representa uma época em que o futebol brasileiro começava a aceitar atletas não-brancos e de classes subalternas. O famoso "bicho" - recompensa financeira em caso de êxito - começava a crescer transformando o antigo amadorismo num "profissionalismo marrom".

Outros mitos trazidos são os de Preguinho (branco), ídolo do Fluminense e ardoroso defensor do amadorismo chegando até a recusar receber o famoso "bicho", e Fausto dos Santos (negro) que chegou a sair do país por conta do fraco profissionalismo aqui presente. Em suma, Denaldo resume assim a simbologia que esses quatro jogadores representavam:
Marcos Carneiro de Mendonça e Friedenreich nos mostram valores de uma sociedade que queria ser européia e branca no início do século, quando as contradições sociais, ou melhor, a mulatice de Fried e de outros jogadores eram negadas ou disfarçadas através do "profissionalismo marrom" e de muita gomalina. Já Preguinho e Fausto dos Santos nos mostram um outro momento, quando valores antagônicos se tornaram irreconciliáveis. Não era mais possível a coexistência do mundo de Preguinho, do amadorismo puro como forma de adquirir status quo, com o mundo de Fausto, do profissionalismo como forma de ascensão social e econômica (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 111).
Chegando nos anos 30 e 40, Denaldo destaca a figura de três grandes jogadores a nível nacional. São eles: Tim, Romeu Pelliciari e Domingos da Guia. Porém, apesar dos três serem craques reconhecidos, foi Leônidas da Silva que não só ganhou a alcunha de nome do Brasil na Copa do Mundo de 1938 (a primeira com grande repercussão na sociedade brasileira) como foi aquele que ganharia adoração popular. Mas por que Leônidas? E com essa pergunta ele encerra o capítulo.

Capítulo 06 - Leônidas da Silva (I) - A Construção do Mito

Terminado o capítulo anterior com o questionamento do porquê Leônidas ter se tornado um mito popular em meio ao bom futebol coletivo na Copa de 1938, Denaldo inicia esse mostrando o apelo por Leônidas em Recife e Salvador na volta da canarinha ao país. Dentre as características contidas em Leônidas que, para o autor, o fizeram uma grande personalidade para os trabalhadores encontramos: a excepcionalidade, a predestinação, a transgressão a lógica maçante do mercado de trabalho e sua consequente ligação com o mundo do lazer. Essas características encontradas no jogador o fizeram de sua figura uma espécie de mitologia popular. Vamos as análises específicas de cada característica citada...

A) A excepcionalidade do mito: para o surgimento e fortalecimento de qualquer mito é preciso que esse tenha consigo "poderes especiais" e uma capacidade de realizar grandes façanhas. E Leônidas se tornou um jogador de façanhas e muito porque suas jogadas eram vistas como improvisadas e sensacionais. O gol descalço na Copa de 1938 contra os poloneses é um exemplo desse homem de façanhas. Sua tentativa de "gol de bicicleta" contra os tchecos, pela mesma Copa de 1938, foi outro grande feito mágico que seria executado com êxito no ano seguinte durante um jogo do Flamengo em São Januário. Em suma, "ele não podia ser o mais habilidoso, ou o que mais fazia gols, ou o que chutava mais forte, ou o que melhor driblava os adversários; porém, ele era aquele que possibilitava ao torcedor usar a sua imaginação, compartilhar sua jogada de craque" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 123). B) A predestinação do mito: o predestinado Leônidas superou as barreiras raciais, sociais, econômicas da época e conseguiu chegar aonde chegou que foi encantar com seu driblo os gramados europeus e nacionais. Em 1939, o Globo Sportivo fez uma série de reportagens sobre a origem humilde do jogador chegando até a entrevistar sua antiga professora e mãe. Sendo assim descrito, "Leônidas teve sua vida analisada a partir de uma visão linear, segundo a qual tudo que acontecia tinha uma lógica ascensional em direção ao sucesso, que é o ponto de chegada e de conclusão de sua existência. A trajetória é sempre perfeita em termos de objetivos, determinação e vitórias pessoais" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 128).

C) O mundo do trabalho e da disciplina X O mundo do lazer: primeiro faz-se necessário conceituar o que representava o mundo do trabalho na ideologia estado-novista. Segundo a visão oficial do governo, o trabalho passava a ser tanto um direito quanto um dever. Era um direito a ser garantido pelo Estado, então preocupado com o bem-estar social e a reprodução básica da vida, mas também um dever para com o coletivo. A pobreza era neutralizava com a valorização da honestidade, advinda através do trabalho. Dito a visão oficial de mundo do trabalho, o autor traça as presepadas de Leônidas nesse ambiente.

A primeira acusação sobre Leônidas foi de "mentiroso", após em interrogatório da AMEA negar que fez parte de encontros entre atletas que combinavam ações acerca do profissionalismo. A segunda acusação foi de desrespeitar o América-RJ, após assinar contrato e desistir de atuar pelo clube alvirrubro. Os próprios americanos, quer rancorosos com sua figura ou não, o acusaram de ter roubado um colar. O seu apelido "Diamante Negro" poderia até ter sido criado a partir dessa acusação. Em atuações no exterior foi acusado de indisciplina. E por fim foi chamado de mercenário por aceitar disputar a Copa do Mundo de 1934 em troca de dinheiro, vide as disputas políticas existentes na época entre amadores X profissionais. E apesar de todas essas acusações tendo forte cobertura da mídia da época, Leônidas permanecia ídolo para os trabalhadores fato que só ganhou uma projeção maior depois da Copa do Mundo de 1938.

Diferentemente da ideia de homem novo proposto pelos ideólogos estado-novistas, Leônidas encarnava a velha e tradicional ética da malandragem. Aquela que se recusava a se render a lógica dominadora e disciplinadora do mundo do trabalho. No plano simbólico, afirma Denaldo que:
Leônidas era um craque como o fã brasileiro concebia: ágil e fulminante, pequeno e atrevido. Quando se via aquele pequeno craque em volta de gigantes, enganando-os driblando-os, como de dribla as dificuldades da vida, o torcedor imediatamente comparava com a luta do anão contra um gigante, ou de uma pessoa humilde, porém esperta e intrépida, contra os poderosos (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 137)
Além de tudo, Leônidas era uma figura pública acessível e que facilmente se encontrava em meio ao povo. Chegou até a ganhar um carro em um concurso feito pelos cigarros Magnólia, oferecido ao jogador mais popular do estado do Rio de Janeiro. Além de subverter a lógica maçante do mundo do trabalho, Leônidas se mostrava como "um deles". Ele era transgressão a ordem e a esperança de um mundo melhor, tudo ao mesmo tempo. A adoração de sua figura (então representante da rebeldia, da malandragem, do mundo do lazer, da alegria etc) em contraposição as ideias oficiais do governo (então representante da obediência, da ordem, da disciplina etc) representava o conceito que Thompson chama de "contrateatro". Leônidas subvertia as ideias da classe dominante.

Capítulo 07 - Leônidas da Silva (II): a aprovação do mito

Se o capítulo anterior discutiu a base que deu a Leônidas a posição de mito para os trabalhadores brasileiros, nesse será discutido o martírio sofrido pelo atleta. Sua posição de mito era posto a prova após uma série de acusações que terminou com sua prisão como desfecho. Sua indisposição aos exercícios físicos, acumulados a sua lotada agenda de atividades comerciais extracampo, não agradavam ao então técnico do Flamengo Flávio Costa. A diretoria flamenguista também começava a entrar em atrito com o jogador, mesmo após o título carioca de 1939 sob sua liderança. Sua situação no clube ficou insustentável a partir do Campeonato Brasileiro de Seleções de 1941 quando Leônidas, apesar de uma lesão diagnosticada, acabou jogando pela Seleção Carioca sendo figura central na conquista do título. Alguns dias depois do Flamengo iniciava uma excursão para a Argentina, desejando levar seu principal atleta que logo alegou inaptidão física.

A contestação da direção flamenguista foi imediata: se pôde jogar pela Seleção Carioca, por que não pelo rubro-negro? Se recusando a jogar, Leônidas foi desligado da delegação e na volta o Flamengo decidiu discutir seu caso. Após exames sua lesão no menisco foi detectada e Leônidas tinha toda a fundamentação médica para justificar sua ausência, sendo a punição imposta pelo Flamengo infundada. E no meio desse problema, onde visivelmente a causa estava ganha para o jogador, ressurge uma antiga acusação de falsificação da reservista sobre o jogador que é condenado a 08 meses de prisão. Essa prisão coincida com a criação do Conselho Nacional de Desportos, então entidade criada pelo Governo Federal para comandar os esportes no país.

Após uma enxurrada de ataques enquanto esteve na prisão, Leônidas cumpre pena e seu carisma frente as massas permanece intacto. Seu futebol magistral também, pois agora jogador do São Paulo, conquistou um pentacampeonato paulista pelo tricolor paulista após sua liberdade. Pela canarinha, seria campeão da Copa Rocca em 1945. Detalhe: sua volta a seleção combinou ao fim do Estado Novo, não sendo convocado mais antes desde que saiu da prisão. Apesar disso foi cortado tanto do Sul-Americano de 1949 quanto da Copa de 1950, duas competições que teria totais condições de disputar.

Essa análise da história de Leônidas da Silva foi trazida por Denaldo neste trabalho com o intuito de mostrar "que os mitos também foram criados pelas classes trabalhadoras e, em muitos momentos, como no caso de Leônidas da Silva, defendendo ideias diversas ou opostas às classes dominantes e ao Estado" (SOUZA, Denaldo Alchorne de. São Paulo, AnnaBlume, 2008, p. 169).

Capítulo 08 - Mario Filho & O Negro no Foot-Ball Brasileiro

Nesse último capítulo, Denaldo busca trazer à tona o debate sobre a célebre obra "O Negro no Futebol Brasileiro" do jornalista Mario Filho. A tese central da obra mostra o futebol como instrumento de libertação e inserção social para os negros, então obrigados a serem aceitos num jogo originalmente jogado por homens brancos e de famílias tradicionais. A obra também ajudou na idealização de um estilo de jogo natural do Brasil, perpetuado durante anos. O jornalista Mario Filho não só ajudou na busca de conceituar o Brasil através do futebol como também ajudou na sua popularização seja profissionalizando a imprensa esportiva ou até formulando torneios pioneiros como a Taça Rio-São Paulo. Foi também grande entusiasta da construção do Estádio do Maraca que após sua morte acabou sendo batizado com seu nome. Mas essa construção do futebol brasileiro, baseado no talento e improviso, só daria resultados através de uma organização. Aqui é que Mario Filho divide Domingos da Guia e Leônidas da Silva. E mais na frente dividirá Pelé e Garricha. Domingos e Pelé são pensados por ele como os jogadores ideias para a construção de uma ideia de futebol brasileiro: ambos unem o talento típico do nosso futebol quando o bom comportamento tão necessário para a obtenção dos bons resultados. 

Talcott Parsons e a Sociologia Americana


  • Sobre o autor: Guy Rocher é um sociólogo canadense nascido em Quebec. Foi graduado em Sociologia pela Universidade de Montreal, 1943; obteve mestrado em Sociologia pela Universidade Laval, 1950; e concluiu seu doutorado, também em Sociologia, pela Universidade de Harvard, 1958. Desde 1960 é professor da Universidade de Montreal, sendo referência na aplicação de ferramentas teóricas da Sociologia para o entendimento da sociedade de Quebec. 

Talcott Parsons e a Sociologia Americana - Guy Rocher - Editora Francisco Alves


Introdução - Essa obra, aqui resumida, foi lançada em 1972 e parte de uma defesa (ou, ao menos, uma nova visão) sobre a teoria social parsoniana. Rocher busca contextualizar a obra de Parsons, sociólogo norte-americano, e trazer reflexões sobre sua produção teórica para além das estereotipadas críticas feitas ao autor. Para isso, ele divide o livro em 07 capítulos, são eles: Capítulo 01: O "incurável teórico da sociologia americana; Capítulo 02: A teoria geral da ação; Capítulo 03: Sistema social e sociedade; Capítulo 04: Os sistemas econômico e político; Capítulo 05: Estrutura e desenvolvimento da personalidade; Capítulo 06: Os ensaios empíricos; Capítulo 07: A sociologia parsoniana: influência e controvérsias. Buscaremos aqui traçar um panorama geral de cada capítulo, assumindo a complexidade que é tratar da obra de Talcott Parsons. 

Capítulo 01 - O "incurável teórico" da sociologia americana

A obra de Talcott Parsons é vista com ojeriza por boa parte da Sociologia Norte-americana, apesar dele fazer parte da mesma. Isso acontece porque Parsons produziu sua Sociologia de uma forma diferente do resto dos colegas. Enquanto a hegemonia, nos EUA, era de uma Sociologia puramente empírica (focadas em micro-realidades e monografias locais, principalmente, da complexa vida urbana) Parsons buscava uma pegada mais teórica com fortes inclinações para generalizações e abstrações. Sua preocupação também era tornar a Sociologia uma ciência ou reforçar seu status enquanto tal e, por isso, sempre buscou um diálogo do conhecimento sociológico com outros campos do conhecimento como a economia. Por isso sua teoria buscou amplitude e não recortes específicos. Outro aspecto é que a teoria parsoniana reflete muito os desafios e problemas da sociedade americana, sendo por isso acusada de reproduzir a ideologia dominante que reinava sobre tal. Apesar disso, exerceu influência sobre vários sociólogos do país como Robert Merton, Robert Bellah, Edward Shils, Neil, Smelser, Robin Williams etc. 

A) Uma carreira exclusivamente universitária - nascido no início do século XX, em 1902, Colorado-EUA, Talcott Parsons foi filho de pai pastor. Crescido em meio a tradição puritana e reformista, Parsons foi inclinado para as Ciências Sociais na Universidade de Amherst muito por conta da militância política do seu pai que foi ativo no "Evangelho Social", movimento protestante de reforma social. Bacharel em Sociologia e crítico a atenção empirista dada pelas universidades norte-americanas, Parsons parte para a Europa onde parece nutrir mais simpatia. Primeiro vai para a London School of Economics, onde conhece a obra de Bronislaw Malinowski. Depois parte para a Universidade de Heidelberg, Alemanha, onde conhece a obra de Max Weber que irá exercer forte influência sobre sua teoria. De Weber, o jovem Parsons já retira de imediato sua análise sobre o Protestantismo e seu papel no desenvolvimento do capitalismo moderno. De volta a Amherst, dialogia com a Economia Institucional e passa a observar a complexidade existente entre relações econômicas, políticas e sociais. Daí, começa a entrar em choque com os economistas utilitaristas que enxergavam no fator econômico uma certa independência. Finalmente, em 1927, entra na Universidade de Harvard onde termina toda sua atividade enquanto pesquisador e professor. De 1927 a 1931 é assistente no departamento de Economia (nesse período, traduz "A Ética Protestantes e o Espírito do Capitalismo" para o inglês) e a partir de 1931 adentra no departamento de Sociologia onde em 1936 obteve o status de professor permanente. A partir daí, surge como grande nome da Sociologia americana exercendo vários cargos de cunho acadêmico. Em 1964, vai a URSS dar aula sobre a Sociologia americana e vira um dos primeiros a ter contato com a Sociologia soviética. 

B) Evolução da obra de Parsons  - em busca de simplificar o entendimento da obra de Parsons, o autor divide seu pensamento em três fases que podemos resumir da seguinte forma:

Fase 01: forte influência de Max Weber, Émile Durkheim e Vilfredo Pareto; busca de uma teoria da ação social, baseada nas reflexões teóricas desses autores, unificando suas formulações apesar de admitir certa oposição em alguns aspectos;
Fase 02: busca de uma teoria geral da ação humana, dando-lhe fundamentos científicos;
Fase 03: aplicação da teoria geral da ação humana a várias áreas do conhecimento, dando a Sociologia um ar de interdisciplinariedade. 

Analisaremos cada fase em específico. A obra "A Estrutura da ação social", publicada em 1937, é marco de sua fase 01. A ideia em escrever essa obra surge em sua temporada na Alemanha, onde entra em contato com Weber onde retira a noção de ação social. Já em Harvard, começa a estudar o economista inglês Alfred Marshall que tinha um visão utilitarista sobre a ação humana. Ou seja, o comportamento humano está fundamentado na expansão dos desejos e na redução de custos, sendo essa uma lógica puramente econômica. Insuficiente para explicar a complexidade das relações sociais, a teoria de Marshall faz Parsons procurar dois autores: Pareto e Durkheim. No primeiro, passa a considerar a ação não racional como parte de uma análise científica, feito não realizado pela economia clássica. E, além disso, "aprendeu a considerar a ação humana, tanto a não racional como a racional, através de um sistema e que se convenceu de que por ele deve passar toda análise verdadeiramente científica" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 16). Já de Durkheim, Parsons passa a ter uma releitura do mesmo, então menosprezado na academia americana por valorizar em excesso um "espírito coletivo" em detrimento da subjetividade. A consciência coletiva durkheiminiana é a chave, para Parsons, de uma explicação psicossocial do comportamento e ação humana. Essa ideia deu a teoria de Parsons uma nova visão sobre as instituições econômicas modernas, vistas como independentes pelos economistas clássicos como Marshall. Dessas reflexões, ele escreve a obra já citada acima objetivando: a) mostrar e comparar as visões de Marshall, Weber, Pareto e Durkheim sobre a origem e evolução do capitalismo moderno; b) mostrar e comparar as visões de Weber, Pareto e Durkheim sobre as relações econômicas e sociais. Para Parsons, é incompleta a análise econômica distante da social, pois existe aí uma relação de dependência sendo problemático analisar a estrutura de propriedade - por exemplo - e de produção sem atentar aos valores existentes na sociedade; e c) por fim, sua obra procura criar uma síntese entre Weber, Pareto e Durkheim apontando similaridades em suas teorias no que tange ao papel da subjetividade na ação humana. Essa síntese é chamada por ele de Teoria Voluntarista da Ação que não só trás a importância da subjetividade na ação humana como supera as limitações utilitaristas ao limitar o comportamento humano como mera busca de maximização dos desejos sem analisar o conjunto de normas, regras e valores existentes. 

Na fase 02, Parsons procura testar suas intuições buscando a formulação de uma teoria geral da ação humana. A obra "O Sistema Social" de 1951 é chave para compreender essa sua segunda fase, porém, ele escreve vários artigos sobre temas diversos como família, religião, movimentos políticos etc. Sua teoria passa de Estrutural-Funcionalista para Sistêmica, criando variáveis estruturais que mais adiante serão detalhadas. Por fim, a fase 03 corresponde a aplicação da teoria parsoniana a vários campos de conhecimento como a Economia. Sigmund Freud exerce forte influência sobre seu pensamento nessa fase e com ela escreve "Estrutura Social e Personalidade" em 1964 onde passa a analisar as implicações de sua teoria na construção da personalidade, na aprendizagem, nos processos de socialização etc. Em "Política e Estrutura Social" de 1969, passa a tratar de temáticas da época que afligiam a Ciência Política como a ascensão do Nazifascismo e do Bolchevismo em que ele procura ser crítico. Encerra sua trajetória, buscando analisar as diferentes fases por qual passavam as sociedades humanas e aí se aproxima bastante do evolucionismo social de Herbert Spencer e Auguste Comte. Aqui ele escreve "O Sistema Social das Sociedades Modernas" de 1971. 

C) A sociologia americana entre as duas guerras - em qual contexto a Sociologia estava imersa no entre-guerras? Basicamente, três eram as correntes sociológicas nos EUA nesse período. As duas primeiras sob forte influência de um empirismo radical e a outra sendo um desenvolvimento da Psicologia Social. São elas: a) Escola de Chicago, representada por sociólogos como Robert Park e Ernest Burgess, vinha a valorizar as pesquisas empíricas e baseadas em trabalhos quantitativos. Seu foco era a vida urbana norte-americana e "havia a favor da pesquisa empírica uma predisposição muito favorável, constituída por uma "veneração" pelos fatos que não tinham sido nem falseados nem camuflados por um quadro teórico ou conceitual preconcebido" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 21); b) Monografias urbanas, representada por William Lloyd Warner e Helen Lynd, sendo uma extensão dos estudos da Escola Chicago, buscavam uma análise da sociedade norte-americana através de trabalhos que microssociais. Seu objetivo era traçar uma análise do contexto urbano de cidades grandes, médias e pequenas dos EUA entendendo que uma teoria universal não daria conta para o entendimento desses vários contextos; c) Interacionismo Simbólico, representada por Charles Cooley e George Mead, recebeu forte influência da Psicologia Social e suas reflexões giravam em torna da "análise das relações interpessoais, a percepção de si mesmo e dos outros que resulta dessas relações e que, ao mesmo tempo, as condiciona e, de modo mais amplo, sobre a influência do meio social imediato no desenvolvimento da personalidade individual" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 22). Essas vertentes acima citadas nutriam forte simpatia pelas teorias de George Simmel e Gabriel Tarde, tendo Durkheim pouco campo na Sociologia produzida nos EUA. O interesse em estudar as interações sociais e focando em pequenos grupos, evitando generalizações, parte de Simmel e pode ser encontrada em todas as correntes citadas acima. Os autores clássicos das Ciências Sociais como Comte, Marx, Spencer e o já citado Durkheim eram mais vistos como filósofos que como cientistas sociais. O foco na pesquisa de campo, descritas nas monografias, era enorme e com esse norte eram formados os sociólogos nos EUA. Menos Parsons, esse teria uma visão de Sociologia completamente diferente como veremos em seguida. 

D) Oposição à sociologia americana -  são diversas as oposições entre Parsons e os demais sociólogos norte-americanos. A primeira divergência se encontra em sua forte inclinação para os pensadores europeus como Weber, Pareto, Durkheim, Marshall e filósofos ingleses como Thomas Hobbes, John Locke e Stuart Mill. Todos esses são teóricos que vão surgir na teoria parsoniana, enquanto que nenhuma citação a sociólogos norte-americanos é feita em A Estrutura da Ação Social. Apenas os interacionalistas Cooley e Mead são debatidos por Parsons em sua carreira. Sua teoria é vista como "antiempirista" e não porquê ele desvalorizava a pesquisa empírica em si, mas porque "acredita que a ciência não se satisfaz somente com a pesquisa empírica; ela precisa se enquadrada por um pensamento teórico que fornece as intuições, as hipóteses, as relações lógicas, as interpretações explicativas e, finalmente, os fundamentos da previsão científica" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 25). Em suma, a pesquisa de campo ou empírica deveria ser acompanhada de uma teoria geral. Outra grande divergência de Parsons com os companheiros de Sociologia americana é a valorização a Economia, vista por ele como o campo de conhecimento mais avançado das Ciências Sociais por reduzir as margens de incerteza ao focar nos comportamentos racionais dos homens em uma determinada atividade. Apesar de se denominar como "empirista pragmático", Parsons surge como "ovelha negra" da Sociologia americana e produzindo em oposição a produção hegemônica da época. 

E) Os fundamentos epistemológicos da ciência sociológica - o objetivo da vida intelectual de Parsons foi lutar pelo status científico da Sociologia. Esse caráter científico estaria em completa oposição do empirismo radical, predominante na Sociologia americana, pois esse não passava de uma ilusão científica ao menosprezar a utilização de conceitos, classificações e categorias que visem a explicação do mundo. E o que seria ciência para Parsons? Segundo ele, a ciência seria essencialmente analítica o que significa explicar ou entender a realidade com base em conceitos. Mas esses conceitos não,  reproduzem a realidade em sua totalidade, pois "são elaborados ao selecionarem na realidade certos traços, certos elementos que se tornam privilegiados servindo para estruturar a percepção e o conhecimento das coisas" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 28). Poderíamos resumir sua visão de ciência da seguinte forma:

Realidade Objetiva (o mundo social em si) x Estrutura Conceitual (construção mental, consciente ou inconsciente, da realidade e que recorta certos elementos desta em detrimento de outros).

Logo, a epistemologia parsoniana é vista como um Realismo Analítico. O conceito, enquanto representação mental, não condiz a toda realidade isso porque existe uma mútua e contínua relação entre conceito/realidade em que possibilita retoques ao que já foi construído. Parsons é ferrenho defensor dos cânones do método científico e procura se afastar de duas correntes de pensamento, são elas: a) o historicismo, representado por pensadores alemães, pois essa corrente ao igualar as Ciências Sociais a História impossibilidade da primeira a criação de teorias gerais. Pois, sendo a História feita em acontecimentos não repetitivos, seria impossível a procura de alguma generalização; e b) o behaviorismo, pois essa corrente ao procurar analisar o homem a partir de suas manifestações exteriores (como o registro e observação dos gestos e sinais) esquece de compreender as motivações dos sujeitos que agem. Parsons se preocupa, ao pensar a ação humana, na finalidade, vontade e motivação que os homens carregam e reproduzem. 

F) O problema dos valores em sociologia - por fim e encerrando o capítulo, Rocher trata da visão de Parsons sobre os valores que envolvem o cientista em sua prática. Nesse caso, a teoria parsoniana se aproxima bastante da teoria weberiana. Para Parsons, existem dois valores: o valor individual do cientista e o valor da ciência que deve prezar pela verdade dos fatos. Na relação entre esses dois valores é preciso existir uma interdependência. Os valores pessoais do pesquisador ajuda e motiva o cientista na escolha do seu problema, mas esses não podem superar a ética particular da ciência. Logo, os valores pessoais afetam nossas escolhas, mas não deve alterar os resultados da pesquisa. O cientista está preso aos valores de uma subcultura, ou seja, os valores científicos.

Capítulo 02 - A teoria geral da ação

Parsons sempre buscou uma explicação totalizante da realidade, sendo cunhado por Rocher de ecologista da Sociologia. Seu objetivo era localizar a Sociologia no meio das outras Ciências Sociais, dizer-lhe seu espaço e desenhar suas relações com essas outras ciências. Tendo isso em vista, o autor busca nesse capítulo mostrar a Teoria Geral da Ação pensada por Parsons. 

A) A noção de Ação Social - para entendermos a teoria geral da ação é preciso começar entendendo o significado de Ação Social em Parsons. Seria, pois, "qualquer conduta humana motivada e inspirada pelos significados que o autor descobre no mundo exterior, significados que leva em consideração e aos quais responde" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 37). Como podemos observar, é uma conceituação muito próxima da dada por Max Weber. A ação social não é meramente biológica, pois está carregada de interpretações de significados que existem na sociedade e nos influenciam. Logo, damos significados as coisas, tomamos consciência desses significados, interpretamos-os e reagimos. Parsons não analisa Ação Social do ponto de vista meramente subjetivo e afirma que sua análise vai mais além, podendo entender tanto uma entidade individual quanto coletiva. Essa Ação Social tem como base a relação ator-situação, pois o indivíduo ou o grupo age com relações entre si e num determinado espaço. São dois os meios onde o ator age, são eles: Meio Físico: entendido como os objetos materiais, o clima, a Geografia e também o organismo biológico do ator. Como destaca Rocher, "todas essas relações com o meio físico supõem um jogo de interpretações através das quais o ator percebe a realidade e lhe dá um sentido em função do qual age" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 37); Meio Social ou Simbólico: entendido como o palco das interações sociais que, baseada em símbolos, faz o ator conhecer, sentir, avaliar e agir sobre o meio em que está inserido. São os símbolos que dão sentido as ações, sejam elas individuais ou coletiva, facilitando a comunicação entre os atores. Esse conjunto de símbolos são representados pelas normas e valores que nada mais são que guias para o ator interpretar e agir. Ou seja, "é através de normas e valores que o ator pode interpretar uma situação, nela descobrir pontos de referência, limites e forças que deve levar em consideração em sua conduta" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 38). Por fim, conceitos básicos que devemos compreender aqui: Sujeito-Ator, que pode ser um grupo ou um indivíduo; Sujeito-Situação, que pode ser meio físico ou social; Símbolos, que fazem parte do meio social e tem como finalidade o conhecimento e avaliação do ator sobre o meio; Regras, Normas e Valores, que são parte do mundo social e atuam como guia para o ator.

B) O Sistema da Ação Social: -  a preocupação de Parsons era tornar o conhecimento sociológico palatável à ciência e seus cânones. Por isso ele busca analisar a Ação Social dentro de uma análise sistêmica, assim como a Biologia estuda o corpo humano com base em vários sistemas que se interligam. Para facilitar essa análise generalizante, ele diz que toda Ação Social é composta por unidades-atos que se dividem apesar de dialogarem. É preciso decompor a Ação Social para facilitar sua compreensão, mas sem deixar de levar em conta que ela nunca é isolada em si. O sistema de Ação Social requer três condições teóricas básicas, são elas: a) Condição de Estrutura, toda Ação Social deve ter um ponto de referência que lhe estabilize. Em sua decomposição, estudamos as variáveis estruturais; b) Noção de Função, diz respeito as necessidades que o sistema tem e deve satisfazer. Em sua decomposição, estudamos os pré-requisitos funcionais; c) Processo Interno de Transformação, diz respeito as mudanças no interior de cada sistema. Tendo isso em mente, Rocher destaca: o conceito de sistema de ação não é concreta, ou seja, não se encontra de forma dada na realidade. Pois, "o sistema de ação pertence à ordem da conceitualização e da análise, é um modo de reconstrução mental da realidade, uma maneira de conceber as coisas, enfim, um processo heurístico" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 40). É um conceito universal, generalizante e que como instrumento analítico é muito vasto. 

C) Os modelos culturais, elementos estruturais do Sistema de Ação -  Parsons procura responder a seguinte questão: o que rege as estruturas das interações e como elas encontram estabilidade? Por se preocupar com a ordem, Parsons é visto como um teórico defensor do status quo. Entretanto, sua visão de ordem não é como um problema ou solução, mas como um fato que existe na sociedade e por isso deve ser analisado. A ordem sempre existiu e sua preocupação é entender seu fundamento e como se mantém. É em Sigmundo Freud e Émile Durkheim que ele vai responder as suas questões, unindo dois teóricos vistos como opositores. Como as regras, normas e valores estruturam na ação e se mantém estáveis? Para Freud, as regras surgem na forma do superego que através das sanções formam a personalidade do indivíduo. Já Durkheim, entende que as regras são representadas pela consciência coletiva e que por essa agir coercitivamente sobre os indivíduos, transforma-se em um fato social. Parsons essas duas visões. Em Freud, as regras estão interiorizadas em forma da personalidade psicológica. Em Durkheim, as regras estão institucionalizadas vindo a exercer uma influência sobre a consciência moral da pessoa. O interiorizado só é interiorizado porque existe a institucionalização dessas regras e vice-versa. Em suma, "a consciência moral de Freud encontra-se assim com a consciência coletiva de Durkheim; o superego é o inverso individualizado das representações coletivas que repousam na sociedade" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 43). Consciência individual e universo simbólico da sociedade são lados diferentes da mesma moeda.


D) As variáveis estruturais do Sistema de Ação - vimos que todo Sistema de Ação requer uma Condição de Estrutura que necessita de uma estabilidade. Essa estrutura se decompõe em unidades-atos que Parsons conceitua de variáveis estruturais. Ele constata que na cultura impera a dualidade e a contradição, pois todo comportamento humano requer uma escolha e consequentemente uma recusa. Os valores, que nos guiam, representam sempre um sim e um não. Buscando compreender essa dualidade, Parsons se baseará na teoria do sociólogo alemão Ferdinand Tonnies que vai criar os conceitos relações societárias e relações comunitárias a fim de explicar as contradições das relações sociais. Para Tonnies, "cada um dos dois tipos de relações sociais elementares era um conjunto de modelos e de valores que definiam a natureza humana e a vida em sociedade" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 44). Talcott vai criticar essa teoria de Tonnies, mas sem abandoná-la por completo. Por enquanto que a abordagem tonnieana é unidimensional a abordagem parsoniana se mostra pluridimensional. E por que? A abordagem parsoniana se torna pluridimensional ou mais flexível, a partir de uma pesquisa empírica feita por Parsons sobre o papel social do médico. No campo, ele observa que as relações médico/paciente são regidas tanto por relações que podemos chamar de comunitárias (como a procura pela cura) quanto por relações societárias (como a aceitação do paciente em ser paciente e não amigo do médico, dando uma formalidade a relação). São quatro as variáveis estruturais que Parsons adota, cada uma confrontando uma dualidade conceitual. São elas: a) Universalismo x Particularismo - no Universalismo o ator ou grupo social avalia os meios físicos e sociais conforme critérios abrangentes e gerais, já o Particularismo avalia os meios físicos e sociais conforme critérios específicos. No livro, Rocher trás o exemplo do professor e do pai para esclarecer esses conceitos. Enquanto o professor, enquanto profissional, avalia seus alunos com base em critérios mais gerais o pai de família julga seus filhos por critérios mais específicos. Nada impedi do professor adotar certo Particularismo ou o pai certo Universalismo, mas a prática dominante desses papéis é que deve ser levada em conta; b) Desempenho do Objeto x Qualidade do Objeto - no Desempenho do Objeto o ator avalia os meios físicos e sociais com base na sua produção quantitativa, já na Qualidade do Objeto o ator avalia os meios físicos e sociais com base no que ele é em si, sem julgar seu sucesso ou insucesso; c) Neutralidade Afetiva x Afetividade - na Neutralidade Afetiva, o ator age mais pelas formalidades que pelos sentimentos pessoais e como exemplo disso temos as relações sociais que rondam o mercado de trabalho, já na Afetividade o ator age mais por sentimentos pessoais que pelas formalidades e essas relações são comuns nos círculos familiares ou de amizade; d) Especificidade x Difusão - na Especificidade o ator busca manter relações mais específicas com seus interlocutores, logo, divide-se os outros atores em pacientes, empregados, clientes etc., já na Difusão o ator opta por manter relações mais globais a fim de tratar os outros atores como pessoas humanas. Se compararmos essas variáveis estruturantes com a teoria de Tonnies, observamos que o Universalismo, o Desempenho do Objeto, a Neutralidade Afetiva e a Especificidade fazem parte das chamadas relações societárias. Enquanto que o Particularismo, a Qualidade do Objeto, a Afetividade e a Difusão fazem parte das chamadas relações comunitárias. 

Parsons ainda busca reagrupar essas quatro variáveis em dois grupos, são eles: a) Variáveis Estruturais de Modalidade do Objeto, trata do julgamento ou interpretação que o ator tem dos meios físicos e sociais ao seu redor. Estão ligadas com a situação que o ator se encontra. São representados pelas variáveis Universalismo/Particularismo e Desempenho do Objeto/Qualidade do Objeto; b) Variáveis Estruturais de Orientação para o Objeto, trata da atitude do ator frente aos meios físicos e sociais. Estão ligadas ao ator. São representados pelas variáveis Especificidade/Difusão e Neutralidade Afetiva/Afetividade. Por fim, podemos definir que as "variáveis têm uma grande generalidade analítica, pois se aplicam a comportamentos individuais ou coletivos, à análise de grupos restritos e de sociedades globais, à descrição da ação de atores individuais ou de instituições sociais" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 47)

E) Pré-requisitos funcionais do Sistema de Ação - após analisar as variáveis estruturantes que estão ligadas a estabilidade do Sistema de Ação, Rocher analisa as dimensões funcionais propostas por Parsons em sua obra. O conceito de função tem total importância na teoria parsoniana, baseada numa análise sistêmica da ação social. Para Parsons, "a função de um sistema vivo corresponde a um conjunto de atividades que se destinam a responder à necessidade ou às necessidades do sistema enquanto sistema" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 47). O Sistema de Ação em Parsons tem necessidades externas e internas. Além disso, dispõe de objetivos e meios para alcançar esses objetivos. Tendo em mente que as dimensões funcionais do Sistema de Ação se alimentam na necessidades externa/interna e objetivo/meio, Parsons pensa em quatro dimensões funcionais. São elas: a) Adaptação - diz respeito as relações entre o Sistema de Ação com o mundo exterior, mantendo ligações com vários sistemas. A adaptação, "consiste em ir buscar nesses sistemas exteriores os recursos diversos de que o sistema necessita, em oferecer intercâmbio de produtos provenientes do próprio sistema e em armazenar e transformar esses recursos a fim de que sirvam às necessidades do sistema" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49); b) Consecução dos Objetivos - diz respeito a definição de objetivos que o Sistema de Ação traça, assim como os meios para alcança-los. Tem como intuito, "definir os objetivos do sistema, para mobilizar e gerar recursos e energias em vista da obtenção desses fine, por fim, conseguir a gratificação procurada" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49); c) Integração - diz respeito a manutenção da estabilidade do Sistema de Ação, controlando possíveis desvios. Trata de "proteger o sistema contra mudanças bruscas e a manter o estado de coerência ou de "solidariedade" necessário à sua continuidade e a seu funcionamento" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49); d) Latência - diz respeito a motivação que o Sistema de Ação deve dispor. Essa função serve "como uma espécia de sistema de canalização servindo, ao mesmo tempo, para acumular a energia sob forma de motivação e para difundi-la" (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 49). Temos então o seguinte quadro: 

Paradigma funcional do Sistema de Ação 

Externo: Adaptação e Consecução de Objetivos;
Interno: Latência e Integração. 

Meios: Adaptação e Latência; 
Objetivos: Consecução de Objetivos e Integração.

F) Os Subsistemas de Ação - Parsons enxerga a existência de Subsistemas de Ação que estão de constante diálogo com as dimensões funcionais descritas anteriormente. São quatro esses subsistemas: a) Organismo Biológico, corresponde a função de adaptação, pois é através dos sentidos e do corpo humano que podemos ter contato com o meio físico a nossa volta seja para adaptar-se ou transforma-lo; b) Personalidade, corresponde a função de Consecução de Objetivos, pois é através da psique que definimos objetivos e os recursos necessários para atingi-los; c) Sistema Social, corresponde a função de Integração, nele que observamos as restrições e definições de limites; d) Cultura, corresponde a função Latência, fornece aos atores as motivações para suas ações por meio de normas, ideais, valores, ideologias etc. Esses subsistemas são independentes, mas dependentes ao mesmo tempo. É impossível falarmos do dispositivo biológico sem as motivações da personalidade sobre ele. A cultura só existe porque exerce uma forte influência sobre a personalidade, enquanto o sistema social necessita da personalidade para se exibir. Esses subsistemas estão em constante comunicação entre si e podem ser analisados como um sistema, contendo cada um deles dimensões funcionais. A complexidade da teoria parsoniana se encontra nessa rede constante, tornando o Sistema de Ação uma boneca russa. 

G) Os processos do Sistema de Ação - além da estrutura e da função, o Sistema de Ação também é palco de mudanças. Não existe Sistema de Ação sem movimento. A base que Parsons utiliza é o conceito de equilíbrio, mal interpretado pelos seus críticos, segundo aponta Rocher. Para Parsons, "o equilíbrio é um caso-limite de quase impossível realização na prática e que quase nunca corresponde a uma realidade empírica"  (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 55). Ele usa o equilíbrio apenas como ponto de partida, porém, sua prática é impossível pois toda ação acarreta escolhas e por isso desequilíbrios. Ação, acarreta reação e consequentemente mudanças. É a chamada Lei de Equivalência da Ação e da Reação. O que rompe o equilíbrio do Sistema de Ação? Para Parsons dois processos, a atividade e a aprendizagem. A atividade são todos os comportamentos que o ator pratica , gerando perturbações de pequeno ou grande porte na situação (meio físico e social) em que ele se encontra. Já a aprendizagem é o que o ator interioriza, gerando modificações em sua subjetividade que trará consequências na sua ação. Seguindo sua característica de dividir o quanto puder os conceitos, Parsons divide a ação do ator e ação do sistema obtendo cada uma dois processos de mudanças. Na ação do ator, temos: a comunicação e a decisão que é a base de qualquer ação do ator. Ele precisa se comunicar com outros atores e com isso decidir, modificando a situação em que está presente. Já na ação do sistema, temos: a diferenciação onde o sistema busca se diferenciar dos demais e a integração que busca ligar uns com os outros a fim de agrupá-los. 

H) A hierarquia cibernética -  a análise parsoniana é bastante influenciada pela hierarquia cibernética ao afirmar que todo Sistema de Ação é palco de constante circulação de energia e informação. As partes de um sistema podem contém mais informação que energia e vice-versa. O que deve-se ter em mente é que "são as partes mais ricas em informação as que impõem controle sobre as mais ricas em energia"  (ROCHER, Guy. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, p. 57). As mais ricas em energia são chamadas de Fatores de Condicionamento da Ação, porquanto que as partes mais ricas em informação são chamadas de Fatores de Controle da Ação. Tendo isso em mente e transferindo para os subsistemas e dimensões funcionais, podemos perceber o seguinte: o sistema orgânico é o mais rico em energia, já o sistema cultural é o mais rico em informação. O sistema psíquico (personalidade) está mais próximo do sistema orgânico, já o sistema social se encontra mais próximo do sistema cultural. Levando para as dimensões funcionais, observamos: a adaptação como mais rica em energia e a latência como a mais rica em informação. A consecução de objetivos está mais próximo da adaptação, já a integração se encontra mais próxima da latência. 

Capítulo 03 - Sistema social e sociedade