terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Estado Novo: ideologia e poder


  • Sobre as autoras: Lúcia Lippi Oliveira graduou-se em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) em 1966. Concluiu o curso de mestrado no IUPERJ, em 1973, onde defendeu a dissertação "O Partido Social Democrático". Seu doutorado foi pela Universidade de São Paulo (USP). Hoje está vinculada na Fundação Getúlio Vargas. Mônica Pimenta Velloso formou-se em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1976. Fez mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) e doutorado em História pela Universidade de São Paulo (USP). Ângela Maria de Castro Gomes graduou-se em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Fez mestrado e doutorado na IUPERJ. Hoje é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 




Estado Novo: ideologia e poder - Lúcia Lippi Oliveira, Mônica Pimenta Velloso e Ângela Maria Castro Gomes - Editora Zahar


Apresentação: nessa breve apresentação da obra, escrita pela Lúcia Lippi Oliveira, temos um rápido resumo do que será o livro que se estrutura num conjunto de 05 artigos. Antes de mais nada ela afirma ser o Estado Novo (1937-1945) um período histórico que é um resultado político do seu tempo. Nos anos 30, tanto no Brasil quanto no mundo, a descrença na democracia liberal ganhava vulto e regimes políticos de cunho autoritário buscavam ser alternativas a esse modelo fracassado. Porém, diferente de muitos autores, Lúcia Lippi já deixa claro que apesar de serem resultados de um mesmo período histórico a costumeira ligação entre Estado Novo e Fascismo europeu ignorava especificidades que marcam o regime iniciado no Brasil em 1937. 

Dito isso, o objetivo da obra é reunir reflexões sobre o aparato ideológico que envolveu o Estado Novo. Busca investigar os pressupostos ideológicos desse regime e esse trabalho interpretativo visa trazer os posicionamentos oficiais dados por um grupo de intelectuais que fizeram parte dessa construção ideológica. O conceito de ideologia é trazido pela autora como um conjunto de ideias que buscam justificar a existência humana e muitas vezes, como é o caso do objeto escolhido, visa apagar incêndios ocasionados por crises. 

Fazendo um resumo do que será o livro, a autora alerta que na introdução é debatido a influência fascista entre a intelectualidade brasileira dos anos 30. Depois desse complexo debate, os dois primeiros capítulos que se seguem vão trazer o pensamento de duas figuras centrais na construção ideológica do Estado Novo: Almir de Andrade e Azevedo Amaral. Após a reconstituição do pensamento desses dois intelectuais estado-novistas, o capítulo seguinte trás o papel das revistas Cultura Política e Ciência Política na difusão da ideologia do Estado Novo. Avaliado o papel dessas revistas e consequentemente dos intelectuais envolvidos, os dois últimos capítulos entram no debate em torno do redescobrimento da história do Brasil feita pelo Estado Novo que buscou se firmar enquanto marco fundador da nação brasileira. Finalizando essa apresentação, a autora afirma ser os artigos complementares apesar de debaterem diferentes facetas desse importante período histórico. 

Introdução: A introdução, escrita por Lúcia Lippi Oliveira, busca identificar a influência que o Fascismo exerceu sobre intelectualidade brasileira dos anos 30. E ela começa essa missão traçando um breve resumo da conjuntura internacional. O mundo dos anos 30 passava por uma crise profunda do ideal liberal de democracia e representação política. Esse desgaste do liberalismo levou ao crescimento, dentro da intelectualidade, do irracionalismo (que já se fazia presente na Europa desde o fim do século XIX com pensadores como Friedrich Nietzche) e das teorias elitistas que seriam a base ideológica para o surgimento do Fascismo. Concomitantemente cresciam os movimentos nacionalistas no continente europeu que detinham em seus discursos uma forte representação mitológica da história cultural do seu povo, fixando-se como oposição ao conhecimento científico que era até então tomado como detentora da verdade. No plano nacional, vimos uma influência do que ocorria no contexto internacional. A Primeira Guerra Mundial incutiu na intelectualidade brasileira um ceticismo com relação ao que vinha de fora e desde os anos 20 observamos uma preocupação desses pensadores em compreender o país. 

Após a Revolução de 30, um caminho frutífero foi aberto para os intelectuais brasileiros que começaram a debater projetos políticos para o país. Para Lúcia Lippi, três pilares nortearam essa intelectualidade pós-30: a) o Elitismo; b) o Conservadorismo; c) o Autoritarismo. E é por ser resultado dos anos 30 que a doutrina ideológica do Estado Novo receberá desses pilares forte influência. 

A teoria elitista, resultado direto da descrença na democracia liberal, tem como postulado a ideia de que era preciso desenvolver uma elite dirigente ou "boa elite" que conduzisse o processo político nacional. Esses intelectuais elitistas "reafirmavam a desigualdade entre os homens e a presença de uma minoria, elite estratégica a qual outorgavam o privilégio do poder" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 15/16). Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca são os fundadores dessa teoria que está bastante presente entre a intelectualidade nacional dos anos 30. O conservadorismo presente no pensamento político e intelectual do Brasil dos anos 30 não está ligada a manutenção do status quo, mais sim busca atrelar mudança social com ordem social. O progresso é natural, considerado até uma lei social, mas para que ocorresse era necessária a manutenção da hierarquia, da tradição e da ordem. Sendo assim, "ordem e progresso podem ser tomados como concepções centrais do positivismo-conservadorismo que marca a elite intelectual brasileira" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 16). Por fim, o autoritarismo está associado ao fortalecimento do Poder Executivo como forma de desenvolver o país. A criação da nacionalidade era necessária, mas para isso ter um Estado forte e eficiente era pré-requisito. 

Tendo isso em mente, a autora afirma que é sobre o pilar do autoritarismo que sua introdução focará. Ela busca analisar a interpretação que alguns intelectuais brasileiros tiveram do Fascismo, assim como vai explorar as justificativas dadas para a presença do autoritarismo estatal. Como recorte, três são os autores escolhidos. São eles: a) Afonso Arinos de Melo Franco; b) Miguel Reale; c) Cândido Mota. 

Afonso Arinos parte de uma crítica tanto a URSS de Vladimir Lênin, quanto do Fascismo de Benito Mussolini. Para ele qualquer revolução só obteria êxito se tiver espaço para a atuação dos intelectuais. E, apesar de considerar Lênin e Mussolini como intelectuais, Afonso afirma que ambos fundaram regimes totalitários anti-intelectuais. Não existe nenhuma simpatia por parte do autor a experiência fascista que ocorria na Itália. A simpatia pelo Fascismo fica por conta de Miguel Reale, outro autor analisado nesta introdução. Reale faz uma interpretação do Fascismo em que o coloca como ideologia que põe o Estado acima dos indivíduos, sendo um organismo moral, político e econômico superior sendo então a encarnação da nação organizada. Esse Estado Fascista tinha como fundamento: a) o não antagonismo entre liberdade e autoridade; b) o não antagonismo entre indivíduo e sociedade; c) o não antagonismo entre nação e humanidade; d) a negação da luta de classes que só existe num Estado desorganizado que a incita; e) a inexistência de igualdade entre os homens; f) a propriedade privada deve ser respeitada e protegida. Ainda para Reale, a concepção fascista de Estado se divide em duas vertentes. A primeira totalitária que enxerga no Estado uma instituição acima de qualquer outra, devendo exercer então uma influência determinante sobre o indivíduo. Já a outra vertente, defendida por ele e que deveria ser o horizonte da Ação Integralista Brasileira (AIB) ao qual era membro, é o Estado integral que acreditava ser necessária a formação de outras instituições sociais que integrassem o Estado ao indivíduo. Logo, "em sua concepção doutrinária de um fascismo integral, o autor guarda a preocupação - comum ao pensamento conservador europeu - com a hierarquia e com a existência de grupos intermediários que se integrem no Estado, visto como criador de uma unidade orgânica" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p.19/20)

Cândido Mota parte de uma justificativa, tanto do Fascismo quanto do Bolchevismo. Nele a centralidade do Estado promovida por Mussolini era uma solução revolucionária aos problemas enfrentados pela Itália. No Fascismo, o indivíduo some e dar lugar ao homem social. O partido político era a ferramente para a construção de um Estado forte que, por sua vez, representaria a expressão jurídica da sociedade estando o Direito em função dessa instituição. Criticando o anti-Estado do liberalismo, Mota propõe um redesenho do Estado que teria num chefe político seu piloto. Com isso, ele propõe um Estado forte, corporativista, guiado por um líder a ser enaltecido e com a presença de um partido que deve não mobilizar massas mas formar elites dirigentes. Sobre o aspecto do líder a ser enaltecido, a autora ainda trás brevemente as ideias de Otávio de Faria que em sua obra "Maquiavel e o Brasil" enxerga em Mussolini a figura que cumpria devidamente a tarefa de salvar a Itália do caos que se assemelhava com à época do renascimento. 

Após a análise desses autores, Lúcia Lippi admite que o Estado Novo carrega ideias como a importância da centralização do Estado e a crença no líder a guiar à nação. Porém, se preocupa com a taxação em vincular o Estado Novo ao Fascismo. Isso porque, "se há elementos comuns entre governos distintos, há, entretanto, diferenças de substância, de formulações de precisam ser vistas se queremos alcançar um nível de análise mais complexo e denso" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 24). Dentre as principais características do Fascismo, a autora elenca: a) importância da centralização do Estado, visto como a nação organizada e por isso responsável pela soberania; b) elite dirigente como gênio que deve guiar os assuntos da nação; c) conciliação entre capital/trabalho sob uma estrutura corporativista; d) respeito a individualidade, mas quando esta não interfere nos interesses do Estado; e) anti-liberalismo. Dentro dessas características gerais do Fascismo, indaga a autora: como distinguir as diferenças entre a doutrina fascista da estado-novista? 

Os motivos que distinguem o Estado Novo do Fascismo Italiano, giram em torno do partido político e da militarização da vida. Em suma, o Fascismo encara o partido político como importante e indispensável ferramenta para a vida orgânica do Estado. Além disso, o Fascismo se manifesta enquanto um movimento de massas organizado que toma o poder e preza por sua militarização, sendo então uma concorrente das Forças Armadas. O regime de 1937 não foi imposto por um movimento de massas organizado como o Fascismo, a ideia de formar um partido político foi completamente rechaçada e a militarização da vida não era presente. O que existia era uma educação moral e cívica. Logo, "seja do ponto de vista doutrinário ou da realidade histórica, o caso brasileiro do Estado Novo se distingue do fascismo italiano" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p.25). Os principais ideólogos do Estado Novo, em seus escritos, até buscam se desvincular da experiência fascista mas tal fato é simplesmente ignorado pelo analistas que consideram tais posicionamentos uma forma de mascarar a realidade. 

Por fim, a autora conclui a introdução respondendo a pergunta que fez no início. Afinal, qual a justificativa para a imposição de um Estado forte e centralizador? Para os intelectuais estado-novistas, só através da ação controladora do Estado que seria possível passarmos de uma sociedade rural-oligárquica para uma urbano-industrial. Essa nova sociedade urbano-industrial deve ser hierarquizada e não igualitária, mais oferecendo igualdade de oportunidades. Em suma, o reforço do Estado proporcionaria uma "modernização a curto prazo e controle do ritmo das demandas sociais no processo de transformação da sociedade brasileira" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 28)

Capítulo 01 - Tradição e Política: o pensamento de Almir de Andrade - Lúcia Lippi Oliveira

Almir de Andrade foi um dos intelectuais mais ativos na construção do aparato intelectual estado-novista. Coordenando a revista Cultura Política (1941-1945), procurou justificar o Estado Novo numa base eminentemente cultural em que buscou ligar ação política com tradição cultural brasileira. O novo regime para Almir tinha como tarefa fazer o país e seu povo reconectar-se com suas tradições culturais do qual se distanciou por conta dos desvios liberais proporcionados pela república. Logo, sua obra interliga o novo com o velho sendo a preservação deste último a justificativa do primeiro. 

Almir foi responsável por dar aos intelectuais um papel ativo no novo regime que surgia. O papel desses intelectuais seria construir a tradição brasileira, buscando nela valores que justifiquem a nova ordem política que se instalava no país a partir de 1937. Com isso, 
O regime instaurado em 1937 assume como ideário a crença de que cada povo deve construir suas instituições obedecendo às inspirações históricas de seu tempo. Nesta perspectiva, o intelectual é visto como aquele capaz de captar, de modo mais direto e imediato, as aspirações do inconsciente coletivo de um povo (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 34)
Basicamente enxergamos em suas ideias o vínculo entre cultura e política, onde a segunda só tem contato com o povo a partir do entendimento da primeira. Influenciado pelo evolucionismo social, Almir acreditava que as sociedades humanas seguiam leis sociais assim como à natureza. Porém, ele combina evolucionismo social com certo particularismo histórico tendo em vista que cada sociedade seguirá uma trajetória particular, apesar de enxergar nessas diferenças um curso geral definido por leis sociais. E qual a base dessas leis? Para Almir as leis tem como fundamento a tradição de um povo combinando seus hábitos, crenças e costumes. 

Almir também diferencia civilização de cultura. Para ele, civilização é uma consciência ocidental de cunho generalizante enquanto que cultura teria um sentido mais particular. Por isso, as leis sociais que regem cada cultura são diferentes, não sendo aceitável a transferência de uma para outra. Dito isso, o autor enxergava uma crise moral existente no mundo ocidental e consequentemente na sociedade brasileira. Essa crise, introduzida pelo pensamento cartesiano, separou espírito e matéria. Sua proposta para o enfrentamento dessa crise moral está dentro de uma perspectiva conservadora de mudança social e é aqui que ele diferencia renovação de inovação. Enquanto que renovar é avançar dentro dos limites da evolução natural, inovar equivale a minar tradições. O que ele defende é uma renovação, ou seja, uma mudança do statos quo sem grandes rupturas que desestabilizem a sociedade. 

Por isso que Almir busca na tradição a justificativa da mudança social no Brasil, seu objetivo não é ser cabeceador de uma revolução. Em busca dessa mudança respeitando o passado, alguns conceitos são de extrema importância para o entendimento de suas ideias. O primeiro é o conceito de nação, visto como a organização política de uma cultura. A nação é uma espécie de personalidade individual que cada cultura particular cria. O nacionalismo seria então uma ferramenta de defesa de culturais mais fortes que se encontravam em estado de expansão. Outro importante conceito em sua teoria é o de Estado que cumpriria um papel de garantir aos homens os benefícios de viver em sociedade. 

Se distanciado das concepções liberais de liberdade e democracia, Almir de Andrade busca dar outro sentido aos conceitos. Democracia para Almir se baseia na condição de oferecimento de direitos para todos, sendo então baseada pela igualdade de oportunidades. Ele também afirmara que o respeito a individualidade não era obra do liberalismo, sim do Direito Romano que colocando a lei sobre o arbítrio propiciou um crescente respeito pelo indivíduo. Por fim, pensa democracia como aquela que representa os valores nacionais sob inspiração dos princípios do Direito Romano. Com isso, "a legitimidade de um governo seria dada, ao mesmo tempo, pela tradição da cultura nacional, e por uma outra tradição, que é parte do patrimônio da civilização ocidental - o apreço à lei, a condenação ao arbítrio, a vigência de uma dominação de tipo racional-legal" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 39). É papel do governo estar submetido as leis (baseadas na tradição nacional) e oferecer a igualdade de oportunidades que desenvolvam a pessoa humana. 

Em sua visão sobre o Brasil, observamos uma forte influência do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre. Sua influência freyriana se encontra no sentido positivo dado a colonização portuguesa no Brasil, onde "são reforçados os traços psicológicos (tolerância e plasticidade) do português, que o fizeram o melhor colonizador, capaz de se adaptar às condições de um país tropical e aos elementos das culturas negras e indígena" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 41). As consequências dessa colonização no ideário popular são: a) o interesse local mais acentuado que o geral; b) a tendência do brasileiro se inclinar para a personificação da política através de chefes políticos. A ideia do homem cordial de Sérgio Buarque de Hollanda também é bem reproduzida por Almir. 

Em sua análise histórica sobre o país, destaca positivamente o Império Brasileiro que através da centralidade do Poder Moderador conseguia manter uma unidade nacional. Porém, suas críticas se encontram a república que desde seu nascimento agregava ideias alienígenas representadas pela literatura francesa e norte-americana. Acarretando, com isso, no federalismo radical que perdurou até a Revolução de 30. Essas ideias liberais estavam de volta após a Constituição de 1934, sendo o regime de 1937 uma tentativa de trazer o país novamente para suas tradições culturais e políticas. Valorizando a figura do chefe político nesse processo, Almir enaltece a personalidade de Vargas como aquela capaz de levar o país para a empreitada que necessitava. Pois "o caráter nacional, definido pelo espírito de tolerância, e o homem cordial vivenciado por Vargas teriam garantido a legitimidade e a eficácia do regime" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 44). Como podemos observar, a contribuição de Almir de Andrade a ideologia estado-novista se encontra no campo eminentemente simbólico e cultural não tendo maiores contribuições na política institucional do regime. Sua ideia de "tradição cultural" é baseada na tentativa de justificar o novo regime buscando causas no passado, onde as verdadeiras raízes do país estariam presentes. 

Capítulo 02 - Autoridade e Política: o pensamento de Azevedo Amaral - Lúcia Lippi Oliveira

Azevedo Amaral se preocupa em justificar a autoridade presente de forma centralizada no Estado. Como o advento dessa autoridade poderia ajudar na transformação da sociedade brasileira? Os textos bases para a análise do seu pensamento usados por Lúcia Lippi são: a) O estado autoritário e a realidade nacional (1938) e b) Getúlio Vargas estadista (1941). Suas ideias a serem resumidas brevemente abaixo giram em torno de uma perspectiva evolucionista onde nas chamadas por ele de crises de mutação as elites dirigentes e o gênio político ganham destaque. 

De imediato, vale lembrar que a inspiração externa de Azevedo Amaral é a experiência norte-americana do New Deal. Além disso, ele mostra preocupação em diferenciar o regime de 1937 das experiências totalitárias representadas pelo socialismo soviético e fascismo italiano. Em seu diagnóstico sobre a conjuntura dos anos 30, a sociedade estava enferma sendo o remédio a instauração de um Estado autoritário que, guiado por uma elite política dirigente, levaria a situação para o rumo certo. O Estado autoritário não era uma especifidade do socialismo ou do fascismo, mas uma tendência universal tendo em vista a falência da democracia liberal. A presença do Estado é justificada, pois "um povo para se transformar em uma nacionalidade, precisa organizar-se em uma estrutura hierárquica, cuja solidez e funcionamento eficiente exigem a atuação de uma autoridade capaz de tornar-se a força coordenadora e orientadora dos elementos que se justapõem na sociedade" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 53)

Diferentemente de Almir de Andrade, a autoridade em Azevedo Amaral é justificada pela sua eficiência em manter a sociedade sob proteção e estado de ordem. Sua meta é o bem comum, visto como alcançável através do desenvolvimento industrial. Porém, essa autoridade precisava estar submetido às leis. A fundação do Estado autoritário não estaria na tradição, mas sim no seu próprio ato de fundação. Sendo assim, Azevedo atesta ser necessária uma revolução, termo evitado por Almir em seus escritos. Mas uma revolução que criasse "algo novo, fundador de uma nova ordem, legitimador e estabilizador da autoridade. Diante do perigo representado pelo caos pós-revolucionário - uma ameça à sociedade e à unidade nacional -, ele valoriza o papel do estadista" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 55). A revolução é seguida de um estabilidade onde faz-se necessário a figura de um chefe político.

A revolução em Azevedo busca estabelecer ou restabelecer a hierarquia, não sendo uma proposta igualitarista para a sociedade. Ela é liderada por uma elite dirigente que tem o papel de retirar do caminho as forças que retardam o desenvolvimento e o progresso do país. Essa dura tarefa só é possível tendo um Estado forte e centralizado imposto que mantenha a coesão nacional. A sua visão do papel do Estado o faz se distanciar da maioria dos conservadores, pois para esses a autoridade estatal é dividida com outras instituições como a família e à Igreja. Para Azevedo, o Estado deve está acima de qualquer instituição. Esse "Estado Orgânico" deve ser "fundado sobre os sentimentos de solidariedade e harmonia, expressão da nacionalidade vista como uma comunidade de sentimentos e aspirações presentes no inconsciente coletivo" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 56)

E qual a visão de Azevedo sobre os conceitos de democracia e liberdade? Por democracia, Azevedo Amaral não parte do princípio de que existe uma igualdade entre todos os indivíduos. Tendo em vista essa natural desigualdade entre os homens, ele propõe formas de representação como uma autonomia política aos municípios que pela pequena quantidade de eleitores teriam mais chance de uma maior participação política. No que tange a liberdade, o Estado autoritário mescla concepções liberais e autoritárias. Busca conciliar os interesses do indivíduo com os interesses coletivos, sem sobrepor um a outro. Sendo assim, "a democracia é concebida como um sistema garantidor da igualdade de oportunidades. Como os indivíduos não são naturalmente iguais, resulta uma sociedade desigual, onde a democracia assegura que cada um faça uso de seu nível de liberdade dentro dos parâmetros da vontade coletiva, expressa na ação estatal" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 58)

Para que esse Estado autoritário vingasse, era preciso criar uma consciência cívica. A construção dessa consciência ficaria a cabo dos intelectuais, figuras ativas no pensamento de Azevedo. A tarefa desses pensadores é compreender o bem comum (ou seja, a sociedade brasileira) e transpor seus valores para o campo da política. O objetivo aqui é ligar nação com Estado, sendo desnecessária a intervenção de partidos políticos. Os aspectos que justificam o Estado autoritário é a busca pelo desenvolvimento econômico, fortalecimento da segurança nacional, unificação nacional, defesa da soberania e projeção internacional. Resumindo o pensamento de Azevedo em alguns pontos podemos destacar: 
  • A valorização da autoridade e da ordem, sendo uma influência do pensamento conservador;
  • A concentração no Estado a quem deve ter a missão de fundar uma nova ordem; 
  • Esse Estado, todavia, não deve abolir a individualidade como nos regimes totalitários; 
  • Não sendo igualitária, a representação política na sociedade deve ser assimétrica evitando conflitos; 
  • Não sendo imutável, a sociedade necessita de uma elite dirigente que dirija as transformações;
  • Nas crises de mutação, surge dentro das elites um chefe político ou homem de gênio que deve guiar o país ao progresso. 
Capítulo 03 - Cultura e Poder Político: uma configuração do campo intelectual - Mônica Pimenta Velloso

Mônica Pimenta Velloso inicia seu texto fazendo comentários gerais sobre o Estado Novo. Cunha o regime como "bem-articulado" por saber ganhar adesões e manejar conflitos sociais. Para tal tarefa, foi necessário movimentar um aparato ideológico que é o recorte que a autora fará do período. Esse aparato ideológico buscou, apesar de defender um Estado capitaneado por uma elite política, busca angariar em sua base de sustentação o apoio das classes populares. Para que isso fosse realizado, era necessário instrumentalizar à cultura em prol da manutenção da centralidade estatal que dava fundamento ao regime instalado em 1937. 

Esse uso político da cultura, através de aparatos oficiais do Estado, buscou legitimar o regime para vários segmentos da sociedade brasileira. O resultado disso é não só a fundação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) como a elaboração sistemática de aparelhos ideológicos sofisticados e nunca vistos antes na história do país. O recorte da autora no texto são duas revistas: a Cultura Política e à Ciência Política. Logo, é destacado o papel da imprensa (sem desvalorizar o papel de outros meios de comunicação como o rádio, o cinema etc) nessa legitimação do regime. As revistas analisadas representam o centro ideológico do Estado Novo e os demais veículos de comunicação recebem de suas ideias forte influência. A tese defendida é que enquanto a Cultura Política cria os conceitos mais abstratos da ideologia estado-novista, a revista Ciência Política propaga. É essa divisão intelectual que será abarcado pela autora no presente capítulo.

E quais são as características gerais dessas revistas? A revista Cultura Política teve vida de 1941 a 1945, sob direção de Almir de Andrade. Foi a revista oficial do DIP e que buscava registrar os principais feitos do governo assim como estimular um debate sobre os problemas nacionais a serem enfrentados. Já a revista Ciência Política foi ativa de 1940 a 1945, sendo ligada a Instituto Nacional de Ciência Política (INCP). Entre seus objetivos estava a difusão dos debates envolvendo os problemas nacionais sendo mais que um grupo de estudos, visando então uma práxis na realidade. Sendo brevemente definidos, a autora resume a natureza das revistas da seguinte forma:
Enquanto a Cultura Política se propõe a "definir" e/ou "esclarecer" o rumo das transformações político-sociais, fornecendo as coordenadas do discurso, a Ciência Política se autoconfigura enquanto "escola de patriotismo" voltada para a difusão dos ensinamentos do Estado Novo (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 76)
A análise dessa divisão de tarefas no campo ideológico é baseada em Pierre Ansart, usado pela autora no texto. Ansart parte da visão de que nas ideologias políticas existe uma diversificação da atividade, contendo então grupos especializados como os produtores, os militantes, os simpatizantes e por fim o público geral que é o destino da mensagem. Sua teoria, aplicada a partidos políticos, pode ser aplicada (segundo Mônica Pimentel Velloso) ao contexto das revistas estudadas.

Após essa análise geral das revistas, a autora traça um rápido perfil dos intelectuais que participaram na elaboração teórica desses veículos. Na Cultura Política, então vista como revista oficial do regime e ligada diretamente ao DIP, temos como principais intelectuais nomes como: a) Francisco Campos; b) Almir de Andrade; c) Azevedo Amaral; d) Lourival Fontes. Ainda se via a contribuição de teóricos de outras correntes ideológicas como Nélson Werneck Sodré, Gilberto Freyre e Graciliano Ramos. Entre a alta cúpula da revista, Francisco Campos era responsável por assuntos relativos a educação, Direito e instituições políticas. Enquanto que Azevedo Amaral representava os anseios de um desenvolvimento industrial para o país, chegando a ter autonomia intelectual para criticar partes da Constituição de 1937. A grande marca da revista Cultura Política é seu alto grau de abstração e teorização nas discussões que "produz um discurso altamente elaborado, permeado por concepções filosóficas acerca da natureza do Estado e da nação, do lugar do indivíduo na ordem política, do exercício da autoridade etc" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 80). Logo, a autora deduz que por seu alto nível de discussões a revista visa um público mais restrito e integrado as temáticas apresentadas.

Já entre os teóricos da revista Ciência Política, temos nomes como: a) Pedro Vergara; b) Sabóia Lima; c) Humberto Grande; d) Renato Travassos; e) Lineu de Albuquerque; f) Atílio Vivácua; g) Benjamin Vieira; h) Rubenstein Duarte. São considerados pela autora "intelectuais médios", cuja função é difundir as ideias produzidas pelos "intelectuais de renome" que produzem na Cultura Política. Partindo para a principal parte do capítulo, Mônica Pimenta parte para a análise do discurso das revistas selecionadas. Se existe uma unidade no discurso dessas revistas é a tentativa de buscar fundar uma nova ordem, crítica a antiga hegemonia liberal que desvirtuou o país dos rumos certos. Para melhor facilitar o entendimento, ela recorta os principais temas encontrados em sub-tópicos que serão brevemente resumidos abaixo. Primeiro tem-se a preocupação em recuperar o passado, ou seja, criar uma nova ordem valorizando uma tradição passada onde encontramos as origens da brasilidade. Debatida essa tradição, parte-se para o que seria essa nova ordem que buscaria formar tanto uma nova cultura política quanto um homem novo. Na condução dessa nova ordem, surge a figura do presidente Vargas, aquele capaz de conduzir o progresso com ordem. Por fim, chega-se a natureza do regime que busca estabelecer um equilíbrio entre o consenso e a força na busca por sua legitimação. Segue o aprofundamento desses sub-tópicos:
  • A Recuperação do passado - Nessa busca pelo passado enxergamos uma clara visão conservadora onde passado e presente coexistem não sendo vistos como etapas sucessivas de uma escala linear. O passado se encontra no "inconsciente popular, sendo o Estado Novo a representação dessa inconsciência ao revalorizar esse passado. Logo, "as normas de orientação do novo regime não são retiradas do abstrato, mas do "já experimentado" enquanto vivência da alma coletiva" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 83/84). O liberalismo foi a ideia estrangeira que omitiu a "alma nacional", sendo o Estado Novo a recuperação dessa brasilidade. Na dicotomia entre Brasil legal x Brasil real, a ideologia estado-novista reivindica o último em detrimento do primeiro. Surge então um novo nacionalismo, orgânico e ligando presente e passado. A base teórica para isso é a aceitação da existência de leis sociais que efetuariam o equilíbrio entre as forças conservadoras e transformadoras. O passado pacificador do país é usado como justificação para o centralismo, contra o separatismo regional. A figura do bandeirante (aquele que conquista e possui) e a do jesuíta (aquele que impõe limites e cristaliza a moralidade) são usados pelo regime como exemplos da personalidade nacional. Por fim, a homogeneidade religiosa é encontrada sendo o Cristianismo visto como religião a nortear a nova ordem; 
  • A nova concepção de política - Dentro dessa nova concepção de política, encontramos uma crítica frontal as ideais liberais e as suas consequências como a disputa do homem contra o homem. Sendo assim, "o discurso estado-novista contrapõe uma concepção da política: humanista, porque voltada para o bem comum; "realista", porque não extraída de cânones importados, mas voltada para a realidade nacional; e "cristã", na medida em que o cristianismo seria um dos pilares da nacionalidade" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 86/87). A política não seria mais espaço para disputas mesquinhas, mas sim espaço de conciliação em busca do bom senso. Representando o ideário popular, a consciência nacional, caberia ao Estado propiciar a sociedade a estabilidade e o desenvolvimento necessário. A extinção de partidos políticos, a centralidade no Poder Executivo e a defesa do corporativismo são bases essenciais dessa nova política a ser formada; 
  • Visão das revistas "Cultura Política" e "Ciência Política" sobre a nova concepção de política - Cumprindo sua tarefa de trazer discussões abstratas, a revista Cultura Política debate a necessidade de juntar cultura (homem) e política (cidadão), então aspectos separados no liberalismo. Enquanto uma elabora, a outra busca meios de ação. Na revista Ciência Política vemos, então, caminhos de como pôr isso em prática e dentre as propostas como estudo da psicologia nacional, criação de movimentos culturais nacionais e conhecimento dos problemas nacionais. O desenvolvimento de um "espírito público" é também essencial. Outra ideia criada pela revista é o pan-americanismo, baseado numa aproximação política com os EUA, e que representasse um ideal de valorização das culturas americanas. Temas "como educação sexual, eugenia, alcoolismo, lazer e higiene passam a constituir área de interesse do Estado, que se coloca como a instância mais competente para educar o conjunto da sociedade" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 90)
  • A construção do "homem novo" e o papel do intelectual - O novo homem, buscado pelo Estado Novo, se diferente do homem criado pelo liberalismo e seu individualismo anárquico. Sendo uma espécie de leviatã, o Estado na ideologia estado-novista surge para corrigir os erros da sociedade sendo uma espécie de protetor do indivíduo. A ideologia do Estado Novo não se configura como liberal, pois combate o individualismo, mas também não pode ser considerada totalitária pois sua busca é conciliar homem/Estado e não sobrepor o último sobre o primeiro. Se revindica como terceira via. A construção de uma identidade nacional é bastante debatida, sendo a diversidade racial presente no país visto de forma positiva sendo uma fonte de originalidade. Os intelectuais, por sua vez, cumprem no novo regime papel fundamental estando ligados a política e não alheio a ela. São verdadeiros "porta-vozes dos verdadeiros anseios da sociedade, corporificam e dão forma ao "subconsciente coletivo" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 93). Enquanto a Cultura Política valoriza o conhecimento abstrato, a Ciência Política prefere seguir uma linha mais prática do conhecimento vendo sua esterilidade uma negativa herança colonial; 
  • O mito Vargas: "homo magus" e "homo faber" - O Estado Novo representa na história nacional a primeira tentativa de mitificar o Estado e um líder político. Vargas era visto como um conciliador de interesses e representante dos interesses da nação. Ora visto como homem comum, ora visto como político eficiente e até um líder com dotes especiais. Então, "Vargas é homo magus, que domina e encarna as forças inconscientes da alma nacional, e é o homo faber porque artífice e técnico da obra política que é o Estado nacional" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 95);
  • Relação consenso e força - Sendo Getúlio Vargas e o Estado representantes da "consciência nacional", o rechaço a métodos de violência é existente na ideologia estado-novista. Isso porque "já que o Estado se estabeleceu com base no "consentimento político", a sociedade civil que o legitimou tem o dever de defendê-lo, não permitindo que "nenhum dos seus membros [da sociedade civil] venha quebrar a harmonia do todo, discordar do seu idealismo e perturbar o seu equilíbrio" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 97/98). Sendo assim, as forças desestabilizadoras (comunistas, integralistas, democratas) eram injustas em tentar desestabilizar um Estado que, representando o bom senso, tentava manter a paz social. No âmbito das revistas, a Cultura Política apresenta um discurso mais ameno contra a ação política dissidente enquanto que a Ciência Política mostra-se mais incisiva contra tais atores sociais. 
Capítulo 04 - O Redescobrimento do Brasil - Ângela Maria de Castro Gomes

Ainda dentro da análise ideológica estado-novista, o capítulo presente busca responder as seguintes perguntas: qual o novo significado dado a democracia? Como o Estado Novo se apresenta como uma proposta revolucionária? O recorte na busca por respostas é a produção da revista Cultura Política, tendo em vista seu caráter oficial.

A autora começa debatendo de onde os intelectuais estado-novistas foram tirar o teor revolucionário do regime de 1937. O início da revolução foi em 1930 com a derrubada da República Velha, período onde imperou no país a ideologia liberal que se desvirtuou de nossas origens tradicionais. O golpe de 1937 apenas aprofundaria as tarefas já iniciadas em 1930. Porém, o teor revolucionário do acontecimento de 1937 se difere de acontecimentos como os de 1822 e 1889. Para Azevedo Amaral, o conceito de revolução que vem a destruir as estruturas é errôneo e fruto do liberalismo. O verdadeiro conceito de revolução tinha um teor construtivo e renovador. Com isso, diferente de 1822 e 1889, o golpe de 1937 visava fundar um Estado nacional nunca antes visto em nossa história.

Em 1930 tivemos uma revolução restauradora, tendo em vista que a situação política pré-30 marcada pelas ações radicais do proletariado junto com a insensibilidade dos oligarcas estavam levando o país para uma situação anárquica. Assim, com base num argumento hobbesiano, surge a Revolução de 30 para acabar com aquele então estado de natureza que se encontrava o Brasil. Conservando a ordem, qual o sentido inovador da Revolução de 30? Para Azevedo, a atenção dada aos problemas sociais. A atenção aos problemas sociais representava a união, nunca antes vista, entre elites e massa criando uma "vontade nacional". O Estado, livre das influências estrangeiras que o liberalismo impunha, se unia ao consciente popular e revalorizava as tradições do povo brasileiro baseado em princípios humanistas e cristãos. Sendo assim "o novo Estado nacional constrói para si uma outra interpretação de política: é a cultura que põe "a política em contato com a vida", com as mais genuínas fontes da inspiração popular" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 116).

Para que se criasse uma nova ordem e um novo homem, respeitando as tradições, era preciso uma maior atenção a questão social emergente. No liberalismo a terra e o homem não se ligavam à política, então desligada da cultura nacional. Sendo assim a valorização do homem e do nosso território só seria possível se a questão social fosse bem tratada pelo recém-fundado Estado nacional. Sobre a atenção dada a questão social pós-30, afirma a autora:
É fundamental reconhecer, desta forma, que a questão social surge como a grande marca distintiva e legitimadora dos acontecimentos políticos do pós-30. A revolução, e principalmente o estabelecimento do Estado Novo, distinguem-se de todos os demais fatos de nossa história política passada, na medida em que se afastam das meras preocupações formais com o procedimento e modelos jurídicos, para mergulhar nas profundezas de nossas questões econômicas e sociais. Neste sentido, constituem-se em momentos reveladores da maturidade política do país, que se volta para os verdadeiros problemas da nacionalidade (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 120)
A garantia da atenção aos problemas sociais era prática da defesa da justiça social, visto como importantíssimo principalmente após a Primeira Guerra Mundial. O liberalismo combatido a partir de 1930 foi insuficiente em resolver os problemas do povo brasileiro e de suas necessidades básicas, sendo necessária a intervenção do Estado na construção de uma legislação social que protegesse os trabalhadores. E a proteção desse não passava pelo simples desenvolvimento da mecanização, pelo contrário, o excesso de mecanização agravava os problemas dos mais humildes. A tentativa era conciliar desenvolvimento com proteção social, conquanto "o Estado brasileiro era, portanto, uma verdadeira imposição da natureza de nossa sociedade; um Estado organizador de nosso povo em uma nação; um Estado voltado para o homem, em particular para o trabalhador, expressão viva e máxima de nossas possibilidades de desenvolvimento sócio-econômico" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 122).

Dentro de um novo conceito de democracia, os ideólogos do Estado Novo buscaram ser críticos tanto ao liberalismo quanto ao totalitarismo (representado pelo fascismo e socialismo). O abandono e rechaço de ideologias importadas era uma premissa base para esses autores. A base da nova democracia que surgia era o respeito ao trabalho e a seus frutos. O trabalho, para isso, precisa ser humanizado pelo Estado que deve defender o bem comum. Sendo assim o conceito de trabalho ganha forte conotação positiva pelo aparato ideológico estado-novista, sendo uma atividade que regula e fundamenta a relação indivíduo/Estado. Em suma,
O cidadão desta nova democracia, identificado por seu trabalho produtivo, não mais se definiria pela posse de direitos civis e políticos, mas justamente pela posse de direitos sociais. Só assim estaria verdadeiramente superada a herança liberal, que marcara profundamente os conceitos de democracia e cidadania. Pelo trabalho o cidadão encontraria sua posição na sociedade e estabeleceria relações com o Estado; por esta mesma razão, o Estado se humanizaria, destinando a assegurar a realização plena dos cidadãos pela via de promoção da justiça social (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 127).  
A democracia não passa mais a ser vista com a garantia de direitos superficiais como os civis e políticos, ditos garantidos pelos liberais. Se diferenciando esse artificialismo do conceito, o Estado Novo se basearia no bem-estar do povo trabalhador sendo a garantia de direitos sociais sua base de legitimação. E qual a visão sobre o conceito de liberdade? Antes de mais anda, a autora define liberdade para o liberalismo. Segundo ela, o liberalismo enxerga o conceito de liberdade vinculado ao âmbito privado da vida. Os direitos individuais de participação política (baseada no direito ao voto) e  não intervenção estatal em suas atividades econômicas eram a base do conceito de liberdade para os liberais. Essas ideias alicerçadas eram combatidas pelos teóricos do Estado Novo que colocam a justiça acima da liberdade. Logo, o principal problema a ser enfrentado não é o da liberdade, mas o da necessidade. Deve-se então em vez de "procurar fórmulas que garantam um máximo de liberdade e um mínimo de autoridade, buscar os meios de tornar a autoridade mais justa e mais eficiente no enfrentamento da questão social da necessidade" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 130/131). Tendo em vista a natural desigualdade entre os homens, o dever do Estado é garantir meios que promovam uma maior igualdade social.

Sendo assim, o objetivo não era repetir as fórmulas de representação do liberalismo, mas tornar vigente a representação corporativa que daria a diferentes sindicatos poderes políticos que representariam a vontade popular. O embate era reduzir as diferenças naturais, não criar uma artificial e inexistente sociedade igualitária. Sendo assim o Estado Novo se diferencia do liberalismo por se preocupar com a questão social, mais também do totalitarismo tendo em que nesse estado quem governa é o governante sob sua única vontade sem a atenção devida ao bem-estar dos governados. Logo,
O esmagamento do homem através de sua absorção pelo Estado totalitário, ou o abandono do homem pelo omissão do Estado liberal dimensionavam, de formas distintas, a ignorância e a impossibilidade da resolução da questão social. No primeiro caso, imperava a força bruta e, no segundo, a mera igualdade política do direito ao voto, que pressupunha que todos os demais direitos aí estivessem contidos (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 132/133).
Essa nova democracia, chamada por Democracia Social, teria no Estado intervencionista e anti-liberal seu alicerce. Retirando o Estado de mero expectador, faria dele o promotor da busca pela igualdade de oportunidades então considerada fundamento da democracia social estado-novista. Com isso, "a conquista da democracia é definida como a defesa do critério do direito e da justiça social, entendidos como a igualdade de oportunidades para todos e a primazia da necessidade sobre a liberdade" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 133/134). Essa justiça social só seria alcançada através do respeito ao trabalho e seus frutos, feitos não postos em prática pelo Estado liberal que só causou competição desenfreada, aguçamento das desigualdades e sua consequente luta entre as classes sociais. O Estado intervencionista, respeitando os limites da propriedade privada e por isso se diferenciando dos regimes totalitários, seria então o remédio para o adoecimento da sociedade.

Sobre a questão da representação política, os teóricos do Estado Novo prezavam pela unidade política e por isso viam com rechaço a ideia dos "três poderes" assim como a ideia de que um regime democrático se faz à base do dissenso. A proposta era a unidade e centralização política que teria na figura do Poder Executivo, representada por um líder, o órgão supremo da nação. Logo, "o Estado nacional precisava de um regime forte e centralizador, capaz de combater os excessos de regionalismo e individualismo que se manifestariam nas formações partidárias" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 137). Porém, diferentemente dos ditos regimes totalitários, a nação e o Estado não estavam acima do indivíduo. Pelo contrário, o Estado era a própria representação do conjunto de indivíduos sendo visto como reprodutor da alma nacional. Aqui o Estado é visto como "superindividual" e não acima ou exterior aos indivíduos sendo o bem-estar coletivo complementar ao bem-estar individual.

Sendo assim, toda a visão de homem individualista detentor de direitos políticos igualitários é substituído por uma visão de homem que se integra a coletividade nacional eliminando os conflitos e mantendo uma ordem social hierárquica natural. Vale aqui lembrar que para o conjunto desses teóricos a natureza humana não é igualitária, somos diferentes e desiguais sendo apenas pelo corporativismo enquanto representação política que conseguiremos manter essa hierarquia natural mas reforçando um pertencimento à nação com base na atividade profissional. Mais para tudo isso transcorrer estável faz-se necessária a figura do chefe político, um líder dotado de qualidades e que representa os próprios ideais nacionais. Resumidamente,
A vontade popular encontra-se totalmente desvinculada, não só dos instrumentos políticos de representação liberal (os partidos), como igualmente da própria ideia liberal de representação, fundada na participação/expressão da vontade pelo voto. O povo, na democracia social e econômica daqueles que trabalham, está presente nas corporações e nos órgãos técnicos, que exprimem para as elites esclarecidas suas aspirações coletivas (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 140).
O povo está na base do governo, sendo representado corporativamente e de forma hierarquizada enquanto o Estado é representado pela figura do presidente que, enquanto líder político, representa os próprios interesses do povo. Como consequência, afirma a autora: ocorre uma despolitização do público, tendo em vista que as disputas políticas são trocadas pelo consenso que tem na figura do Estado sua representação maior, mas em contrapartida ocorre uma politização do privado pois apenas organizado nas corporações (sindicatos) que o homem se transforma em cidadão do Estado. O povo obedece, aceita as regras do jogo baseados no consenso e em troca uma elite esclarecida oferece aos mais humildes uma melhor qualidade de vida. Eis o legado do Estado Novo: a integração política do trabalhador brasileiro, garantido sua melhoria nas condições de vida, tendo um Estado intervencionista que regula a sociedade e inibe uma possível ameaça desestabilizadora.

E quais os legados dessa democracia autoritária para a autora? Simples, para ela o Estado Novo consegue conciliar seu legado ao valorizar uma visão estrutural da nossa história e ao mesmo tempo personalizar o processo político. Ou seja, é na construção da nacionalidade e da "memória coletiva" que o Estado Novo redesenha a história do país e põe a Revolução de 30 como acontecimento fundador de uma série de transformações que culminaria na construção do Estado nacional. O Estado Novo apenas intensifica esse processo. Por fim, ao mesmo tempo que trazem essa análise mais estrutural personificam na figura do líder político como o representante unificador do Estado e da nação. Getúlio Vargas representava a alma nacional, unindo Estado e povo num só ente. Ademais, a autora assim resume o legado que o Estado Novo deixou enquanto período histórico:
A ideia de que o desenvolvimento econômico e social do país não é compatível com a experiência da liberdade e da igualdade liberais; a ideia de um novo tipo de cidadania, que não se faz por representação eleitoral e sim por pertencimento profissional; a ideia de uma sociedade hierarquizada e integrada pelo Estado/nação; a ideia de um líder político que simboliza a "pessoa coletiva" que é o povo desta nação; enfim, a ideia de um Estado autoritário que se quer democrático, como a expressão "natural" das necessidades do país, tudo isto nos é legado - de forma sistemática e articulada - pelo Estado Novo (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 147)
Capítulo 05 - A Construção do Homem Novo: o trabalhador brasileiro - Ângela Maria de Castro Gomes

Esse último capítulo busca debater o lugar do trabalhador brasileiro para os ideólogos do Estado Novo. De imediato, Ângela constata uma inovação no país no que tange a interpretação da questão do trabalho. Agora o trabalho era atrelado não só a produção de riqueza mais também a cidadania. Com isso a pobreza, problema crônico no Brasil desde suas origens coloniais, não era mais tratada de forma natural e sim como um problema social sério que deveria ser resolvido através da intervenção do poder público.

Essa intervenção do poder público na promoção da valorização do trabalho tem início na Revolução de 30. Sendo assim, "é a partir deste momento que podemos identificar toda uma política de ordenação do mercado de trabalho, materializada na legislação trabalhista, previdenciária, sindical e também na instituição da Justiça do Trabalho. Podemos detectar também toda uma estratégia político-ideológica de combate à pobreza, que estaria centrada justamente na promoção do valor do trabalho" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 152). Juntar o trabalhador e o cidadão num só ente era a tarefa do momento. O homem agora é responsável, através do seu trabalho devidamente valorizado, por sua riqueza individual e também pela riqueza da nação.

Valorizado o trabalho, a atividade "passaria a ser um direito e um dever do homem; uma tarefa moral e ao mesmo tempo um ato de realização; uma obrigação para com a sociedade e o Estado, mas também uma necessidade para o próprio indivíduo encarado como cidadão" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 152/153). Os ideólogos estado-novistas buscam dar ao trabalho um sentido positivo baseando-se em três eixos a serem garantidos pelo Estado: a defesa, a representação e a dignificação do trabalho. É combatida a extrema mecanização do trabalho, interpretada como expressão de um materialismo que retire o valor espiritual contido no trabalho. Logo, o objetivo deve ser a mecanização do homem e a humanização da máquina se afastando de interpretações que visem santificar ou demonizar a mecanização. O trabalhador deve ser tratado com base em princípios de organização científica que lhe valorize, sem tratar a máquina como inimiga a ser extinguida.

As criações do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio assim como do Ministério da Educação e Saúde nada mais representam que uma nova forma de encarar o trabalho. Agora o trabalhador era protegido através de uma previdência social que abarcava indenização em caso da perca de sua saúde. "Os seguros contra invalidez, doença, morte, acidentes de trabalho, o seguro maternidade, todos visavam a proteção da saúde do trabalhador" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 157). Além dessas medidas paliativas, se é que podemos interpretá-las assim, o Estado Nacional a partir de 1937 começava a se preocupar com medidas preventivas que pudessem garantir a saúde dos trabalhadores estimulando sua capacidade de trabalho. Dentre as ações preventivas instauradas a partir do Estado Novo, a autora cita as seguintes:
  • A criação do Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS) em 1940 que visava melhorar as condições de alimentação dos trabalhadores com base na instalação de restaurantes populares a preços populares; 
  • A criação da Liga Nacional contra o Mocambo em 1939, sob liderança do então interventor de Pernambuco Agamenon Magalhães, e que buscava substituir os mocambos por casas populares; 
  • A criação do Instituto e Caixas de Pensões que também cumpria a tarefa na construção de casas populares no então Distrito Federal. 
Essas ações partiam da constatação de que a melhoria das condições de vida passavam pela melhora das condições de alimentação e moradia dos trabalhadores. Com isso, 
Promover o acesso a casa era uma questão relevante para o Estado porque implicava a promoção da tranquilidade coletiva e do amparo a família. Esta era a base econômica e moral do homem, seu meio específico de vida. Se o Estado voltava-se para o homem, era pela família que ele o atingia mais profunda e rapidamente. Assim, era pela família que o Estado chegava ao homem e este chegava ao Estado (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 158).
Na educação também estava presente a mão do Estado, procurando criar esse "novo homem". A escola do Estado Novo tinha como princípio o culto a nacionalidade, a disciplina, a moral e também ao trabalho. Logo, "o trabalho como ideal educativo podia ser sintetizado na fórmula "aprender fazendo", sendo implementado por medidas como a adoção dos trabalhos manuais nas escolas e a difusão e valorização do ensino profissionalizante" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 159).

Por fim, a autora debate o controle de mão-de-obra durante o Estado Novo. Sendo o Estado Nacional o regulador que busca conciliar a propriedade privada ao mesmo tempo que promove a riqueza social, a materialização disso se vê na busca por uma nacionalização da mão-de-obra presente no país. O Estado passa agora a limitar a vinda de imigrantes, tentando orientar sua localização e combater o fenômeno das migrações internas que assolavam no país. O Departamento Nacional de Imigração foi criado e leis como a da nacionalidade, extradição, expulsão e entrada de estrangeiros foram criadas com o intuito de reduzir e controlar a presença estrangeira no Brasil.

Além do controle da vinda de estrangeiros, existia uma crescente preocupação com a migração interna causada pelo êxodo rural. Desprotegido, o trabalhador rural acabava rumando para as grandes cidades em busca de melhores condições de vida. Buscando combater a extrema pobreza no campo, o Estado Novo estabeleceu concessão de créditos através da criação do CREAI em 1939 e iniciou um estudo que visassem a sindicalização rural e extensão dos direitos sociais (salário mínimo, previdência social etc) ao trabalhadores rurais. A marcha para o oeste pensada por Vargas, interiorizando o desenvolvimento que já ocorria no mundo urbano, "começava a ser atacada pelo governo de forma imediata pela concessão de terras nas fronteiras (decretos-leis nº 1.968 e nº 2.610 de 17/1/40 e 20/9/40 respectivamente) e pela organização de colônias agrícolas (decreto-lei nº 3.059 de 14/2/41)" (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 163). Sobre essa última medida:
A colonização do país buscava a fixação do trabalhador nacional pela concessão de terras e pelo amparo e assistência técnica e social do governo. Os núcleos agrícolas ou agroindustriais deviam selecionar lavradores e localizá-los em certas regiões, como o vale do Amazonas, os vales do Tocantins e Araguaia e o sertão do Nordeste. Algumas experiências estavam sendo realizadas, como era o caso da Colônia Agrícola Nacional de Goiás, no alto Tocantins; o programa de ocupação do sertão de Pernambuco, levado a cabo pelo interventor Agamenon Magalhães e o Núcleo Agrícola de São Bento, na Baixada Fluminense (OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. M. C. Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p. 163).
Resumidamente, podemos definir a construção desse "homem novo" que tem seu trabalho valorizado pelo Estado Nacional da seguinte forma: o trabalhador nacional é visto como o grande centro da democracia social existente, sendo sua ascensão social garantida através da valorização, proteção e representação do seu trabalho; a ascensão social do trabalhador estava atrelada as ações do poder público, responsável por superar os problemas sócios-econômicos do país; o trabalho era considerado como um dever e tanto o inimigo externo (estrangeiro) quanto o interno (malandragem) precisavam ser combatidas para a manutenção da estabilidade da democracia social do trabalho.













terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber

  • Sobre o autor: Carlos Eduardo Sell é um filósofo brasileiro catarinense com pesquisas na área da Sociologia Política, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica Alemã com foco em Max Weber. Graduou-se em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque em 1994. Cursou mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o pós-doutorado pela Ruprechts-Karl Universitat Heidelberg. Escreveu vários livros, capítulos de livros e artigos. A obra analisada aqui teve sua primeira edição datada de 2001. Porém, a edição resumida brevemente abaixo é a 7º e foi organizada pela Editora Vozes que também publicou do autor: a) Introdução a Sociologia Política; b) Max Weber e a racionalização da vida. Atualmente Sell é professor adjunto do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC. 


Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber - Carlos Eduardo Sell - Editora Vozes




Introdução - A obra analisada tem cunho introdutório e pode ser utilizada por quem deseja iniciar-se no conhecimento da Sociologia Clássica, composta basicamente pelas ideias de Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Com a leitura, é perceptível que os três autores partem de caminhos diferentes e com isso desenvolvem análises não uniformes da realidade social. E essa diversidade de análises é comum da Sociologia e das Ciências Humanas de modo geral. Toda ciência que busca entender os mecanismos das sociedades humanas está fadada a eterna juventude, renovando constantemente conceitos a partir das mudanças históricas. A Sociologia Clássica não tem as mesmas preocupações da Sociologia Contemporânea, por exemplo. Enquanto a primeira, produzida entre o fim do Século XIX e início do Século XX tiveram as "sociedades nacionais" como base a segunda busca investigar outras problemáticas causadas pela "sociedade mundial".

O livro é dividido em 05 capítulos que serão resumidos abaixo, são eles: 1) Origens da Sociologia; 2) Karl Marx; 3) Émile Durkheim; 4) Max Weber; e 5) Sociologia Clássica: análise crítico-comparativa. Sell, a fim de facilitar o entendimento dos autores, faz um recorte. Eis o recorte feito pelo autor:
  • Teoria Sociológica: "métodos de estudo da realidade social" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 13), ou seja, se busca analisar a metodologia ou lente usada pelo autor que o possibilitou compreender os fenômenos sociais; 
  • Teoria da Modernidade: "interpretações quanto as características das relações sociais em tempos modernos" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 13), ou seja, a partir da metodologia usada mostrar as visões que os autores tiveram sobre os fenômenos sociais; 
  • Teoria Política: "discussão sobre os problemas e desafios da vida em sociedade" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 13), ou seja, a partir das visões obtidas mostrar quais as consequências identificadas pelos autores desses novos fenômenos sociais e suas propostas a fim de superar os problemas que surgiam.  
01) Origens da Sociologia - Carlos Eduardo Sell conceitua a Sociologia como uma ciência responsável pela reflexão da modernidade e que só surge a partir do desenvolvimento desta. Através do conhecimento sociológico que a modernidade tomou consciência de si mesma, enquanto novo período da história da humanidade que trazia consigo uma gama de transformações sociais, culturais, políticas e econômicas. Tendo isso como base, Sell destaca que o surgimento da Sociologia só foi possível graças a dois fatores:
  • Fatores Históricos: relativos a uma variedade de transformações ocorridas na estrutura social
  • Fatores Epistemológicos: relativos a transformações na forma de pensar e encarrar a realidade. 
Primeiro, vamos analisar os fatores históricos que influenciaram no surgimento da Sociologia. Para o autor, três foram os acontecimentos que contribuíram para o nascimento de uma ciência da sociedade. São eles: a) Revolução Industrial, trazendo modificações na economia; b) Revolução Francesa, trazendo modificações na política; c) Revolução Científica, trazendo modificações culturais. Vamos analisar ponto a ponto. A Revolução Industrial (a), modificou o âmbito econômico. O advento da maquinofatura implicou diversas mudanças como: aumento da produtividade, urbanização, surgimento de novas classes sociais (burguesia e proletariado), acelerou a noção de tempo e tudo isso acumulado a vários problemas de ordem social como o aumento da pobreza e dos conflitos políticos que tinham o recém proletariado formado como principal ocasionador. A Revolução Francesa (b), modificou o âmbito político. Esse grande acontecimento histórico teve seu desfecho em 1789 e proporcionou a queda do Absolutismo. Em seu lugar se erguia as democracias liberais que garantia o sufrágio eleitoral, os direitos do homem (conhecidos mais tarde como Direitos Humanos) e a valorização das noções de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Por fim, a Revolução Científica (c) veio modificar o âmbito cultural. Essa revolução começa no Século XV com o surgimento do Renascimento que, ligado ao campo das artes, buscou aguçar a ideia do Antropocentrismo (Homem no centro de tudo) em oposição. ao Teocentrismo (Deus acima de tudo). Porém, o Renascimento enquanto movimento cultural foi combatido e só veio ressurgir a partir do Século XVIII com outra roupagem, então chamada de Iluminismo e que tinha uma atenção maior as questões políticas. O Iluminismo permaneceu defendendo Antropocentrismo e acrescentou a ideia de Razão Humana que desenvolvida teria o papel de levar o homem a maturidade. Teóricos como John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Voltaire e Montesquieu desenvolveram suas ideias nesse período e foram bastante importantes para a formação de uma futura ciência da sociedade. Resumindo esse processo, Sell faz a seguinte conclusão: 
  1. Aspectos Econômicos: 1.1) IDADE MÉDIA, Economia Agrária; 1.2) IDADE MODERNA, Revolução Industrial; 1.3) IDADE CONTEMPORÂNEA, Economia Industrial
  2. Aspectos Políticos: 2.1) IDADE MÉDIA, Regimes Monárquicos; 2.2) IDADE MODERNA, Revolução Francesa; 2.3) IDADE CONTEMPORÂNEA, Regimes Democráticos
  3. Aspectos Culturais: 3.1) IDADE MÉDIA, Teocentrismo; 3.2) IDADE MODERNA, Renascimento/Iluminismo; 3.3) IDADE CONTEMPORÂNEA, Antropocentrismo
Os autores clássicos da Sociologia produzem teorias no Século XIX e início do Século XX para tentarem responder a várias perguntas que surgiram após todas essas transformações. Eles foram os primeiros intérpretes da modernidade que surgiram e buscaram explicar as diferenças da sociedade do passado com a do presente, buscando solucionar problemas que pudessem afetar o futuro. Das perguntas que surgiram, o autor põe algumas em voga como: a) Quais as causas dessas transformações?; b) Para onde elas apontam?; c) De que modo elas alteram as formas de sociabilidade humana?; d) O que fazer diante desses novos fatos?. Tudo o que surgia rompia com o passado e mostrava novas formas de produção, de distribuição/exercício do poder e de encarar a existência/realidade. Por isso, os autores clássicos da Sociologia vão seguir esse caminho no desenvolvimento de suas teorias: a) Apontar as características da sociedade tradicional; b) Apontar os fatores que produziram as mudanças sociais; c) Por fim, apontar as características da sociedade moderna que eclodia. Disso, Sell nos mostra resumidamente um esquema de como os autores clássicos passearem por esses questionamentos: 
  1. Marx: 1.1) SOCIEDADE TRADICIONAL, Modo de Produção Antigo e Agrária; 2.2) MUDANÇA SOCIAL, Revolução Industrial; 3.3) MODERNIDADE, Modo de Produção Capitalista
  2. Durkheim: 1.1) SOCIEDADE TRADICIONAL, Solidariedade Mecânica; 2.2) MUDANÇA SOCIAL, Divisão Social do Trabalho; 3.3) MODERNIDADE, Solidariedade Orgânica
  3. Weber: 1.1) SOCIEDADE TRADICIONAL, Sociedades Teocêntricas; 2.2) MUDANÇA SOCIAL, Racionalização; 3.3) MODERNIDADE, Sociedade Secularizada. 
Encerrando essa primeira parte - que vem tratar dos fatores históricos - Sell trás à tona a oposição entre Robert Nisbet e Anthony Giddens no que diz respeito a natureza da Sociologia. Para Nisbet a Sociologia é uma ciência que nasce buscando uma nova harmonia social e, por isso, mostra-se essencialmente conservadora. Giddens discorda de tal visão e aponta que ela se firma em 04 mitos, são eles: 1) Mito do problema da ordem, tendo a Sociologia a tarefa de responder as questões trazidas por Thomas Hobbes (como os indivíduos podem viver numa sociedade sem entrar em constante conflito?); 2) Mito das origens conservadoras da Sociologia, ideia errônea de que essa ciência surge através de pensadores contrários aos empreendimentos da Revolução Francesa como De Bonald e De Maistre; 3) Mito da grande cisão, visão de que os ditos fundadores da Sociologia estariam mais preocupados em teorias globais sobre a sociedade enquanto seus continuadores buscaram investir em análises de microssociais ou de médio alcance; 4) Mito da divisão entre integração x coerção, imagina que a Sociologia está dividida entre uma corrente que busca propor uma integração voltada a harmonia social e outra que defende a coerção voltada para o incentivo de conflitos sociais. 

Agora vamos aos fatores epistemológicos. Basicamente, Sell aponta dois fatores que fizeram da Sociologia uma ciência. E o primeiro deles tem ligação com metodologia científica, a partir da adoção do método experimental. E o que foi esse método? O método experimental foi desenvolvido no Século XVI através das reflexões de filósofos como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico e Isaac Newton que buscavam explicar os fenômenos naturais fora do crivo da religião. O método experimental segue um passo a passo que seria: a) Observação sistemática dos fenômenos; b) Criação de hipóteses; c) Experimentação; d) Generalização que seria a criação de leis ou teorias gerais sobre os fenômenos estudados. Foi adotando o método experimental que a Sociologia vai chegar ao segundo fator que proporcionou sua criação, a superação ou afastamento da Filosofia Social. Pensar sobre a sociedade e a vida nela vem bem antes de Marx, Durkheim e Weber. Entretanto, só a partir deles que o método experimental foi utilizado para a análise da vida social. Antes predominava a Filosofia Social que se limitava a criar hipóteses, mas sem observação empírica da realidade. Duas foram as fases da Filosofia Social, são elas: 1) Fase Antiga, representada pelas reflexões dos gregos Platão e Aristóteles; 2) Fase Moderna, representada pelas reflexões de Locke, Rousseau e Hobbes. Com a Sociologia a análise do social se abrange para além da simples busca de entender as razões que proporcionaram a existência do Estado e sua manutenção enquanto instituição. 

Porém, a Sociologia não é a única ciência social a fim de compreender a sociedade em que vivemos. Ela divide palco com uma gama de outras ciências como: a História, a Antropologia, a Ciência Política, a Psicologia, a Pedagogia, a Economia etc. Mas o que distingue a Sociologia das demais ciências sociais? Em busca da resposta, o autor cita o sociólogo alemão Jurgen Habermas que pontua "o marco distintivo da Sociologia é o fato de ela não ter se fixado em apenas uma das dimensões da vida social moderna" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 24). Logo, o objetivo da Sociologia é compreender a sociedade de uma forma global em suas estruturas, processos e interações. Eis o esquema criado por Habermas: Economia (Ciência Econômica) - Cultura (Ciência Antropológica) - Política (Ciência Política) - Comunidade Societal (Sociologia). Apesar de buscar uma explicação global da sociedade, existe um recorte dado pelo conhecimento sociológico que "concentrou-se primordialmente no estudo da organização social moderna" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 24). Se entende que existe uma descontinuidade entre a sociedade tradicional com a sociedade moderna, sendo papel dos sociólogos analisar essa última que é baseada na ideia de mudança. Entender as mudanças na modernidade é muito importante para compreender o objeto da Sociologia. Nenhuma sociedade mudou tanto e tão rápido quanto a moderna e isso ocorreu por conta de três processos apontados por Sell, são eles: 
  • Ritmo da mudança: estamos tratando do fator tempo. Nunca se mudou tanto e tão rápido quanto na modernidade tendo a inovação prevalência sobre a tradição; 
  • Escopo da mudança: estamos tratando do fator espaço. Além de obter transformações rápidas a modernidade trouxe transformações de âmbito global, ou seja, trás modificações que se expandem no espaço; 
  • Natureza da mudança: estamos tratando do fator essência. A modernidade trouxe consigo uma série de instituições sociais que praticamente não existiam na sociedade tradicional e por isso reforça sua natureza de descontinuidade com o passado. 
Antes de entrar nos clássicos, Sell faz uma análise sobre Auguste Comte, aquele que fundou a Sociologia (o termo Sociologia foi criado por Comte) enquanto saber científico que busca entender a sociedade. Inicialmente chamada por ele de Física Social, a Sociologia para Comte deveria utilizar dos avanços e ferramentas dos métodos científicos para formular leis gerais sobre a sociedade. Duas foram as influências teóricas de Comte, são elas: a) Condorcet, de onde ele tirou a ideia de que os métodos usados pelas ciências da natureza deveriam ser transferidas para a Sociologia em busca de leis sociais; b) Saint-Simon, de onde tirou a ideia de que a nova sociedade capitalista e moderna que surgiu deveria ter como base a união entre a ciência positiva (representada pelos cientistas e que substituiria o papel da religião no que tange a moral) com os empresários (representados pelos industriais que substituiriam o papel exercido pela aristocracia no mundo feudal) visando o desenvolvimento e a harmonia da nova ordem formada. A partir dessas influências, Comte fundará uma corrente filosófica chamada Positivismo que terá aplicações na Sociologia. O positivismo tem pelo menos dois sentidos segundo o autor, são eles: a) em seu sentido filosófico, significa a valorização do conhecimento científico em detrimento do conhecimento religioso; b) em seu sentido sociológico, significa a aplicação dos métodos das ciências naturais na compreensão dos fenômenos sociais. A Filosofia Positivista é representada pela Lei dos 03 estados que definem, historicamente, como o homem tratou de explicar a realidade em sua volta. São eles: 
  1. Estado Teológico: quando o espírito humano explica a realidade através de fenômenos sobrenaturais. Esse estado teria três fases: a primeira seria o Fetichismo (quando o homem confere poderes sobrenaturais a seres inanimados e aos animais), o Politeísmo (quando o homem confere certos traços humanos aos seres sobrenaturais) e o Monoteísmo (quando o homem concentra sua crença num único Deus);
  2. Estado Metafísico: quando o espírito humano substitui a religião pela filosofia, escolhendo explicar a realidade através de forças abstratas;
  3. Estado Positivo: quando o espírito humano substitui a filosofia pela ciência na compreensão da realidade. 
Logo, "a religião e a filosofia são etapas transitórias na evolução do saber humano e serão substituídas pelo avanço do conhecimento científico. Para a visão positivista, formas de conhecimento que não estejam fundamentadas no método experimental da ciência são destituídos de significado" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 31). Já a Sociologia Positivista em Comte estaria sendo representada pela hierarquização das ciências que para ele segue uma lógica linear da seguinte forma: 

Matemática - Astronomia - Física - Química - Biologia - Sociologia 

A Sociologia seria a última e mais completa ciência no estado positivo, sendo a junção de todas as Ciências Humanas e "sua função seria estabelecer um sistema completo de leis que explicassem o comportamento dos homens na sociedade" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 31). A metodologia da Sociologia Comteana, segue basicamente duas bases. São elas: 
  • Estática Social: estudo da ordem que deve reinar nas sociedades;
  • Dinâmica Social: estudo do progresso das sociedades. 
Tendo tudo isso em mente, Sell mostra que o objetivo da obra é entender as produções de três autores: Marx, Durkheim e Weber. Seu recorte é entender sua Teoria Sociológica (metodologia), da Modernidade (características), Política (desafios e propostas). Essas produções são rapidamente resumidas num esquema: 
  1. Teoria Sociológica: 1.1) Marx: Método Materialista-Dialético /  1.2) Durkheim: Método Funcionalista  /  1.3) Weber: Método Compreensivo-Explicativo
  2. Teoria da Modernidade: 2.1) Marx: Modo de Produção Capitalista  /  2.2) Durkheim: Divisão do Trabalho Social  /  2.3) Weber: Racionalização da Dominação do Mundo
  3. Teoria Política: 3.1) Marx: Revolução Comunista  /  3.2) Durkheim: Culto do Indivíduo  /  3.3) Weber: Liderança Carismática
02) Karl Marx - o filósofo alemão Karl Marx nasceu Trier em 1818 e faleceu em Londres no ano de 1883. Marx começa estudando Direito, desiste e se forma em Filosofia. Foi um seguidor das ideias de Friedrich Hegel e participou de um grupo intitulado esquerda hegeliana. Perseguido por participar da esquerda hegeliana e por ser próximo de Bruno Bauer, Marx tem seus planos de ser professor universitário frustrado e por isso parte para Paris onde começa a se dedicar de vez a militância política. Em solo francês, conhece seu parceiro Friedrich Engels. Também perseguido no país, parte para Bruxelas onde funda a Liga dos Comunistas. Por conta de atividades políticas clandestinas na Alemanha, Marx foge para Londres onde escreve O Capital (sua obra célebre) e funda a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT ou I Internacional). Dentre suas principais obras (além do O Capital já citado), podemos citar: A Ideologia Alemã, Manifesto do Partido Comunista e A Guerra Civil na França. Dentro de uma divisão do pensamento de Marx pensada por Louis Althusser, podemos pensar da seguinte forma sua trajetória intelectual: a) Jovem Marx (Marx filósofo); b) A Ideologia Alemã (escrito em 1846 e sendo um divisor de águas); c) Marx Maduro (Marx economista). Por fim, três foram as correntes teóricas que influenciaram o pensamento de Marx no Século XIX. São elas:
  • Filosofia Alemã: onde influenciado pelas ideias de Hegel, ele vai retirar o método dialético;
  • Socialismo Utópico Francês: onde influenciado pelas ideias de Saint-Simon, Charles Fourier e Roberto Owen ele vai retirar sua crítica ao capitalismo e avançará na formulação do Socialismo Científico
  • Economia Política Inglesa: onde influenciado por Adam Smith e David Ricardo, ele vai colocar o fator trabalho como base para se entender a esfera sócio-econômica que dar sustentação ao modo de produção capitalista. 
Vamos avançar no entendimento da teoria de Marx, começando pela sua Teoria Sociológica ou método de análise da realidade social. Dois conceitos são importantíssimos para entendermos a Teoria Sociológica Marxiana, são eles: a) Materialismo Dialético, baseado na ideia de Tese/Antítese/Síntese; b) Materialismo Histórico, baseado na ideia de Superestrutura e Infraestrutura.  

Antes de entrar no Materialismo Dialético de Marx, precisamos entender a teoria de Hegel. A influência da teoria hegeliana é forte em Marx. Mesmo criticando, Marx não deixa de bebe-lo. Por isso, antes de compreender a dialético marxiana se faz necessário passar pela dialética hegeliana. O que seria a dialética hegeliana? Para melhor entendimento, o autor divide esse conceito sob o aspecto ontológico e metodológico. Sob o ponto de vista do aspecto ontológico, a filosofia hegeliana postula a realidade como devir, ou seja, como palco de constantes transformações. Logo, Hegel se diferencia dos filósofos metafísicos já que na metafísica a realidade possui uma essência que permanece viva apesar das possíveis transformações. Eis então o famoso debate entre "ser" x "vir a ser", iniciado na Grécia Antiga com Heráclito e Parmênides. Mais por que a realidade está em constante transformação? Para Hegel, a realidade se transforma continuamente porque todo ser é contraditório e sua própria existência significa sua negação. Como exemplo, temos a flor que é a negação da semente e, por sua vez, é negada pelo fruto. Temos aqui o chamado princípio da contradição. Enfim, "para Hegel, a ideia de que todos os seres são contraditórios é um princípio que governa toda a realidade. É o fato de que todo ser é contraditório que explica a causa do movimento ou do devir contínuo" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 42). Podemos definir a dialética hegeliana sob duas bases:
  • A realidade é palco de constantes transformações;
  • E a causa dessas transformações é o princípio da contradição.
Dito isso e, ainda debatendo o aspecto ontológico da dialética hegeliana, tudo era pensamento ou ideia. Ou seja, a ideia era o que dava fundamento a realidade. Assim Hegel se distanciava da dicotomia pensamento x matéria, pois achava que a realidade seria a unidade desses opostos. No início, temos o pensamento puro ou a ideia. A ideia sai de si mesma, alienando-se e nesse instante temos a matéria, enquanto negação da ideia. Por fim e unindo esses opostos, temos o espírito. Ideia, matéria e espírito formam o que chamamos por Idealismo Absoluto em Hegel. Esses três polos se movimentam, são a própria realidade que se transforma constantemente. Em Hegel, "a história é o movimento do espírito (ou a ideia) que sai de si mesmo e retorna a si mesmo" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 42). Já sob o aspecto metodológico, a filosofia hegeliana se divide em três partes que dialogam com o que foi dito anteriormente: 
  • Tese: momento de afirmação, ideia em si;
  • Antítese: momento da negação, ideia fora de si;
  • Síntese: momento da superação, ideia em si e para si.
Dando essa base sobre Hegel, vamos ao Marx e sua dialética. Na visão marxiana, a estrutura da filosofia hegeliana não estava totalmente equivocada. O que restava era apenas substituir o fundamento do método dialético hegeliano que estava voltado para a ideia. Em Marx, o fundamento passa a ser a matéria. Partindo da matéria, Marx reformula a dialética hegeliana em prol das suas convicções. Em que estaria baseada a Ontologia Marxiana? Estaria baseada em cinco pressupostos, são eles:
  1. Produção da vida material, ou seja, só existe história humana se os humanos tiverem condições materiais de conduzi-la;
  2. Transformação da vida material, ou seja, o ato de satisfazer nossas necessidades e os instrumentos que utilizamos para tal criam novas necessidades sendo então o fundamento fundador da história;
  3. Reprodução dos homens, ou seja, os homens que buscam condições para sobreviver e que criam novas necessidades são os mesmos que buscam criar novos seres;
  4. Determinação das forças produtivas, ou seja, o modo como se produz determina as relações sociais;
  5. Consciência social, ou seja, a consciência humana existe através de uma teia de relações com outros homens sendo então um produto social.
No Materialismo Dialético de Marx, as partes se configuram da seguinte forma:
  • Tese: matéria/natureza;
  • Antítese: trabalho/homem;
  • Síntese: história/sociedade. 
Marx também se difere de Hegel no aspecto metodológico. Enquanto que em Hegel parte-se do concreto para chegar ao abstrato em Marx ocorre o inverso. O analista, com isso, parte do abstrato e suas generalizações para chegar ao concreto que por sua complexidade tende a ser mais completo e próximo da realidade. Enfim, vimos como Marx e Hegel pensam diferente no que tange ao uso do método dialético que será encontrado na teoria marxiana em conceitos como "contradições de classe", "mercadoria como síntese de valor de uso e de troca" etc. 

Porém, não foi apenas em Hegel que Marx foi influenciado. O filósofo alemão Ludwig Feurbach também exerceu poder sobre Marx e veremos suas contribuições a teoria marxiana agora. Feurbach, assim como Marx, foi um crítico de Hegel e buscou superar seu idealismo sob um ponto de vista materialista. Para ele, a religião representa uma forma de alienação do homem. Isso porque não foi Deus que criou o homem, mas o homem que criou Deus. Um Deus perfeito, onipresente e onisciente é apenas um retrato do que o homem pensa ser. Logo, a ideia de Deus afasta o homem de sua verdadeira essência e por isso não passa de uma alienação. Assim como faz com Hegel, Marx rompe com Feuerbach que não consegue identificar as causas da alienação e nem apontar soluções para o problema. Além disso, o materialismo de Feuerbach aponta para o indivíduo como ser isolado e não como sujeito protagonista de suas relações sociais. Ou seja, os homens são vistos como objetos dados e não como sujeitos ativos. Apesar das críticas, Marx leva para sua carreira intelectual o conceito alienação proposto por Feuerbach e é nos Manuscritos econômico-filosóficos que esse termo surge pela primeira vez em sua obra. Na teoria marxiana, alienação é significa estranhamento e ocorre quando os processos que envolvem o trabalho tornam-se independentes dos homens, alienando sua essência. O trabalho, que deveria satisfazer o homem, passa a impedir o desenvolvimento de sua própria natureza. A causa estaria no sistema capitalista que, regida pela propriedade privada, torna o homem e seu trabalho produtos da alienação. Em Marx, os efeitos da alienação no capitalismo seriam:
  • Alienação do produto do seu trabalho: ou seja, o produto que o trabalhador produz com seu trabalho não é dele, mais sim do proprietário dos meios de produção. Aqui o homem perde o controle sobre o que produz, do objeto do seu trabalho;
  • Alienação do processo de produção: ou seja, o trabalhador não controla os processos que resultam no seu trabalho que é gerenciada pelo proprietário. Aqui o homem perde o como se produz, meio pelo qual trabalha;
  • Alienação de sua própria natureza humana: ou seja, o trabalho que é o fundamento ontológico que faz o homem produzir história, não está mais a seu serviço. Aqui o homem perde o prazer pelo trabalho que está a serviço do capital e não dele;
  • Alienação das próprias relações sociais: ou seja, as relações entre os homens é mediada pelo capital. Aqui as relações sociais se baseiam na dicotomia empregado x empregador ou na simples mercantilização das relações sociais.
Temos, então: uma alienação do produto, da produção, do trabalho e das relações sociais. Marx leva a reflexão que Feurbach fez sobre a religião para o campo do trabalho, então central em sua ontologia. Da junção da dialética hegeliana com o materialismo feuerbachiano, temos o Materialismo Dialético de Marx. Sua teoria obtém duas correntes, a primeira foi a encabeçada por Friedrich Engels e Plekhanov e a segunda por Georg Lukács. Na primeira, o Materialismo Dialético é concebido como um conjunto de leis que explicam a sociedade e também a evolução da natureza. São elas: a) Lei da passagem da quantidade à qualidade; b) Lei da interpretação dos contrários; c) Lei da negação da negação. Já a segunda corrente, capitaneada por Lukács, enxerga a primeira como evolucionista e só enxerga capacidade da dialética ser aplicada a sociedade e não na explicação dos fenômenos naturais. Encerrando o ponto sobre o Materialismo Dialético, o autor enxerga que a obra de Marx desemboca no: a) Individualismo Metodológico, aqui é citado o Manifesto Comunista como obra que postula a valorização da práxis social e consequentemente dar centralidade ao indivíduo na história; b) Holismo Metodológico, aqui é visto Marx dando um enfoque maior as estruturas sociais sobre os atores sociais; c) Dialética entre indivíduo e sociedade, aqui a ambiguidade indivíduo x estrutura é superada através de uma concepção dialética da história humana. Apesar disso, a teoria de Marx é vista como "estruturalista" por se basear bastante nos fatores econômicos como condicionantes dos processos sociais.

O segundo conceito de grande importância na teoria sociológica marxiana é o de Materialismo Histórico. Dentro dessa perspectiva, a história é movida por homens produzindo em busca de sua sobrevivência. Ou seja, a história não é resultado de um Espírito Absoluto (Hegel) mais fruto do trabalho humano. É o modo de produzir que condiciona a vida social, política e cultural dos homens. Em Marx, "o estudo da sociedade tem seu fundamento na economia (vida material do homem), que é o elemento que condiciona todo o desenvolvimento da vida social" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 50). O Materialismo Histórico de Marx divide a análise social em dois aspectos, são eles:
  • Infraestrutura: sendo a soma das Forças Produtivas + Relações de Produção;
  • Superestrutura: sendo a soma da Superestrutura Política + Superestrutura Jurídica + Superestrutura Cultural ou Ideológica
A infraestrutura marxiana trata o trabalho como fator central na economia. Para sobreviver, os homens precisam satisfazer suas necessidades e é através do trabalho que eles conseguem tal objetivo. Trabalhando o homem transforma a natureza, se relaciona uns com os outros e se reproduz. Através do trabalho o homem deixa de ser um mero ser biológico e se torna um ser social, logo "a sociedade é justamente a síntese do eterno processo dialético pelo qual o homem atua sobre a natureza e a transforma" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 51). Temos então a seguinte fórmula:
  • Homem + Trabalho + Sociedade = o homem, através do trabalho, passa de um ser biológico para um ser social e é dessa busca por satisfação de suas necessidades que produz história. 
O conceito de trabalho e suas implicações recebe bastante atenção em Marx, por isso Sell trás o conceito de Processo de Trabalho. Basicamente, processo de trabalho seria a dimensão que o trabalho humano toma na história. Marx divide essa dimensão em duas partes, são elas: a) a relação do homem com a natureza; b) a relação do homem com outros homens. Na relação do homem com a natureza, a relação entre homem/natureza é mediada pela matéria-prima e instrumentos de trabalho que são auxílios que o homem utiliza para interferir na natureza. Essa relação é resumida da seguinte forma: 
  • Matéria-prima + Meios de Produção + Homens = Forças Produtivas
Em Marx, "as forças produtivas da sociedade correspondem a tudo aquilo que é utilizado pelo homem no processo de produção" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 51). Porém, a infraestrutura não se resume a produção em si. Dessa produção, emanam relações sociais e é onde entra a relação do homem com outros homens. No processo de produção o homem se relaciona com outros homens, pois o trabalho é coletivo e não individual. Dessas relações é que são baseadas as sociedades humanas em Marx. Surge então o conceito de relações de produção que "são as interações que os homens estabelecem entre si nas atividades produtivas" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 52). Para se compreender uma sociedade, faz-se necessário analisar dialeticamente a evolução das suas forças produtivas.

Já a superestrutura cumpre a tarefa de sustentar ou dar justificativa a infraestrutura. Em suma, a superestrutura se desenvolve a partir das relações de produção. Dentro dessa superestrutura, Sell destaca as Classes Sociais, o Estado e a Ideologia. As classes sociais "surgem quando um grupo social se apropria das forças ou meios de produção e se torna proprietário dos instrumentos de trabalho" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 52 e 53). A propriedade privada funda a divisão social em classes sociais. Em Marx, a sociedade capitalista e industrial reuniria basicamente a divisão entre proprietários x não proprietários personificada no embate entre burguesia x proletariado. Desse embate, surge então a chamada luta de classes, então motor da história humana. Para se manter vitoriosa dessa luta de classes, a burguesia (classe dominante por deter os meios de produção) precisa obter não só o domínio das ferramentas econômicas (infraestrutura) como também da política e ideológica (superestrutura). Buscando manter seu domínio no plano político, a burguesia cria e organiza o Estado que "é um instrumento criado pelas classes dominantes para garantir seu domínio econômico sobre as outras classes" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 53). Já no plano ideológico ou cultural, a burguesia utilizada da ideologia para manter sua hegemonia. Em suma, "a ideologia é definida então como um conjunto de representações da realidade que servem para legitimar e consolidar o poder das classes dominantes" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 53). É aqui que Marx afirma que as ideias dominantes são uma expressão da classe dominante.

Após conceituar infraestrutura e superestrutura, Sell avança no que tange ao Materialismo Histórico e mostra os tipos de modo de produção que Marx enumerou em suas obras. Para Marx, o estudo sobre as sociedades humanas só é válido com foco no modo de produção da sociedade estudada. Mas, dentro da história, existiram vários modos de produção que chocavam classes sociais diferentes e consequentemente se tinha um quadro diferenciado da luta de classes. Cada modo de produção, desenvolverá classes sociais específicas e dinâmicas diferentes da luta de classes. São 05 os modos de produção já existentes na história, são eles:
  1. Modo de Produção Primitivo: Marx chama de "propriedade tribal" na obra "A Ideologia Alemã". Temos nesse tipo de modo de produção: Ideologia: religião primitiva; Estado: organização tribal; Relações de Produção: propriedade coletiva (sem classes sociais); Forças Produtivas: cultivo comum da terra
  2. Modo de Produção Escravista: Marx chama de "propriedade comunal e estatal" em "A Ideologia Alemã" e "modo de produção antigo" em "Contribuição à Crítica da Economia Política". Temos nesse tipo de modo de produção: Ideologia: religião do Estado; Estado: impérios centralizados; Relações de Produção: senhores x escravos; Forças Produtivas: cultivo da terra com base na escravidão
  3. Modo de Produção Asiático: Marx chama de "modo de produção asiático" em "Contribuição à Crítica da Economia Política". Temos nesse tipo de modo de produção: Ideologia: religião de Estado; Estado: impérios centralizados; Relações de Produção: Estado x escravos; Forças Produtivas: propriedade estatal e escravidão.
  4. Modo de Produção Feudal: Marx chama de "propriedade feudal" em "A Ideologia Alemã". Temos nesse tipo de modo de produção: Ideologia: catolicismo; Estado: poder descentralizado em feudos; Relações de Produção: senhores x servos; Forças Produtivas: cultivo da terra/arrendamento
  5. Modo de Produção Capitalista: Marx chama de "propriedade capitalista" em "A Ideologia Alemã". Temos nesse tipo de modo de produção: Ideologia: cultura burguesa individualista; Estado: Estado parlamentar; Relações de Produção: burguesia x proletariado; Forças Produtivas: indústria
A análise do modo de produção capitalista é o foco de suas obras, sendo a produção burguesa a última forma antagônica do processo de produção social. Após analisar toda a teoria sociológica (aqui vista como sua lente teórica, seu método ou base para a análise social) em Marx, vamos a sua interpretação da Teoria da Modernidade. Ou seja, vamos aprofundar a visão marxiana da modernidade burguesa que aflorou na Europa após as revoluções burguesas e industrial. 

Marx se postava crítico a modernidade e ao sistema político, econômico e social que dela nasceu: o capitalismo. Em 04 livros Marx buscou analisar a origem, as características e as crises desse sistema. Esses livros compõe a obra "O Capital", principal projeto intelectual do autor alemão. Basicamente, a crítica marxiana do capitalismo gira em torno de duas teses: 
  • Tese da Exploração, ou seja, o capitalismo funciona com base na exploração de uma classe social e aqui Marx trás o conceito de Mais-Valia
  • Tese da Alienação, ou seja, o capitalismo faz a vida humana girar em torno do dinheiro e aqui Marx trás o conceito de Fetichismo da Mercadoria.
Sell adentrar nessas duas teses, mas antes faz um panorama da origem do capitalismo em Marx. É no livro I d'O Capital que Marx escreve sobre a origem do capitalismo. Para mostrar de onde veio esse sistema era preciso analisar a origem das duas classes sociais que o criaram: a burguesia e o proletariado. De onde surgiu uma massa de trabalhadores livres forçados a vender sua força de trabalho para sobreviver? E de onde surgiu um capital-dinheiro na mão de capitalistas? Sobre a origem do proletariado, Marx põe o avanço dos cercamentos como principal fator do seu surgimento. Usando à força, alguns proprietários expulsavam camponeses de suas terras. Com a intensificação desse prática, reproduzida pelo Estado e até pela Igreja, formou-se um "exército industrial de reserva, apto e disposto a trabalhar nas indústrias que passaram a se expandir nos séculos XVIII e XIX" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 59). Sem terra, os camponeses pobres eram obrigados a irem buscar empregos nas cidades que eram sede das indústrias nascentes. Surge então o proletariado. E os capitalistas? Esses, chamados de arrendatários capitalistas por empregarem em suas terras trabalhadores oferecendo a esses um salário, tiveram vários fatores a seu favor como: aumento do preço da lã, trigo e carne; inovações tecnológicas que aumentaram a produtividade e o aumento do mercado consumidor (composto por camponeses que compravam o que produziam). O dinheiro advindo da exploração colonial, ajudava esses capitalistas a investirem. Esse processo é chamado por Marx de acumulação de capital e deu origem a classe dos capitalistas. Cada país teve uma formação diferente, sendo a Inglaterra o modelo que Marx se baseia quando descreve a origem dessas classes sociais. 

 Traçando rapidamente a origem do capitalismo, Sell explica a tese da exploração em Marx que tem o conceito de Mais-Valia como central. O básico para se entender a economia capitalista é compreender a mercadoria. O capitalismo é um sistema produtor de mercadorias e toda mercadoria tem um valor de uso (tese) e valor de troca (antítese). O valor de uso se refere a capacidade da mercadoria em satisfazer as necessidades humanas, sendo então o conteúdo da mercadoria ou ela em si. Já o valor de troca é o valor dado a mercadoria, servindo para medir a capacidade que cada mercadoria possui para ser trocada por outra. A síntese daí surge quando a mercadoria reúne, dialeticamente, seu valor de uso e seu valor de troca. Daí surge um problema: como medir a grandeza ou importância do valor de uma mercadoria? Influenciado pela Teoria do Valor-Trabalho de David Ricardo, "Marx vai afirmar que o que determina a grandeza do valor é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor de uso" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 60). Em suma, o tempo de trabalho usado na formação de uma mercadoria é o determinante para medir a importância do seu valor. No capitalismo, as mercadorias para serem trocadas entre si precisam de outra mercadoria: o dinheiro. O dinheiro no capitalismo serve como "equivalente geral", sendo então meio de troca para qualquer mercadoria. Ela é a mercadoria onde as outras representam seus valores. Então, "o dinheiro, assim, serve a dois propósitos: servir de meio de troca e de forma de valor (ou equivalente geral das mercadorias)" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 61)

Conceituados os dois elementos centrais na economia capitalista, mercadoria e dinheiro, Marx passa a estudar o processo de troca. No Processo de Circulação Simples ocorre a seguinte fórmula: M   D  M aqui o objetivo é a satisfação da necessidade, começando com um valor de uso e adquirindo outro. Aqui "o dinheiro é um meio de troca que serve para a aquisição de uma mercadoria que vai para a esfera do consumo" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 61). Já na Circulação Capitalista ocorre a seguinte fórmula: D  M  +D aqui o objetivo é o lucro. O dinheiro torna-se mais dinheiro na medida em que a mercadoria serve de valorização do capital. Em vez da necessidade, temos a acumulação como objetivo. E é a acumulação a lei absoluta da economia capitalista.

Mais de onde vem o lucro na circulação capitalista? A origem do lucro em Marx é no processo de produção e não no aumento do preço do produto, pois o que se ganha numa troca se perde em outra. Logo, o lucro se obtém no processo de produção que é onde encontramos um conceito central em sua obra: a Mais-Valia. A Mais-Valia seria quando o trabalhador trabalha mais que o necessário, sendo o trabalho excedente encaminhado para o bolso do patrão. Se sua jornada de trabalha são 6h e com 3h ele já paga seu salário, as 3h restantes vira lucro. Marx tipifica dois tipos de Mais-Valia, são elas:
  • Mais-Valia Absoluta: quando o lucro é obtido pelo aumento da jornada de trabalho
  • Mais-Valia Relativa: quando o lucro é obtido pelo aumento da produtividade
Já a Tese da Alienação se dá quando o homem torna-se objeto e a mercadoria um sujeito. Dessa confusão, Marx cria o conceito de alienação (no jovem Marx) e fetichismo da mercadoria (no Marx maduro). Na alienação, o homem passa a enxergar a mercadoria como um ente vivo distante do seu processo de produção. Ao mesmo tempo o homem tende a mercantilizar à vida e as relações sociais, ou seja, "no capitalismo em vez da produção estar a serviço do homem, é o homem que se encontra dominado pela produção" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 64).

Além de escrever sobre a origem e as características do capitalismo, Marx fala da sua crise. A crise do capitalismo em Marx é resumida por Sell pela teoria da Tendência Decrescente da Taxa de Lucro. O que isso significa? O capitalismo tem como essência a busca por acumulação e essa constante procura por acumulação reduz ela própria. A busca por lucro faz com que o burguês invista mais em produtividade e menos com o salário dos operários. A produtividade é medida pelo conceito de Capital Constante e o salário dos trabalhadores é medido pelo conceito de Capital Variável. Quando o capital constante (produtividade) supera o capital variável (salário pago aos trabalhadores), ocorre a queda da taxa de lucro, pois o lucro advém do tempo não pago aos trabalhadores. Afinal, o trabalho é a fonte de valor para Marx. Essa contradição é intrínseca ao capitalismo e levará a sua destruição como sistema político, econômico e social. Porém, Marx enxerga cinco caminhos que esse sistema pode percorrer para abafar essa crise. São eles:
  1. Aumento do grau de exploração da força de trabalho; 
  2. Redução do salário abaixo do valor; 
  3. Barateamento do capital constante; 
  4. Superpopulação relativa;
  5. Comércio exterior. 
Mas a simples crise econômica do capitalismo não gerará seu fim, segundo Marx. É preciso outros fatores como "consciência de classe, da organização política dos trabalhadores e de sua capacidade de realizar uma revolução que exproprie o poder político das classes burguesas" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 66)

Por fim, vamos a sua Teoria Política. Quando se fala de uma teoria política marxiana, divide-se em dois pontos: 
  1. Jovem Marx, ainda ligado ao hegelianismo, Marx critica as ideias de Hegel que enxergava o Estado como síntese dialética da sociedade (síntese da contradição entre família e sociedade civil). Para o jovem Marx, o Estado estava ligado as contradições da sociedade civil e que era preciso superar essas contradições. Além disso, Marx via o conceito de emancipação política como superficial e ligada aos ideais burgueses da Revolução Francesa. Para ele, era preciso ir além da igualdade, fraternidade e liberdade documental (ou seja, perante a lei) e realizá-lo no plano material (econômico) sendo então necessária uma emancipação social. As obras Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e A Questão Judaica são bases dessa primeira fase; 
  2. Marx Maduro, já rompido com o hegelianismo, Marx desenvolve melhor os conceitos de classe social, luta de classes, Estado burguês etc. Aqui é quando ele se encontra com a economia política e passa a teorizar mais sobre o Socialismo que seria o sistema político, econômico e social que surgiria como superação ao capitalismo. As principais obras desse período são Manifesto do Partido Comunista, A Luta de Classes na França e A Guerra Civil na França
O conceito de classe social é central na obra de Marx. Sua teoria sobre o tema ficou inacabada, mas o pouco que escreveu no Livro III de O Capital Marx afirmou que três classes sociais eram fundamentais no capitalismo: a) Burguesia, proprietários de capital; b) Fundiários, proprietários de terras; c) Proletariado, vendedor da força de trabalho. Em Marx, "os conflitos sociais são expressões das contradições econômicas da sociedade, ou seja, da divisão da sociedade em proprietários e não proprietários dos meios de produção. Esta divisão econômica constitui o fundamento de toda divisão e luta política entre os grupos sociais" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 67). O conflito econômico entre as classes sociais é chamado por Marx de luta de classes que estaria presente em toda história humana, porém, em diferentes formatos pois "na medida em que transitamos de um modo de produção para outro, as forças produtivas são apropriadas por novas classes sociais, enquanto outras ficam excluídas dos meios de produção" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 68). Seu foco está na luta de classes que a sociedade capitalista, moderna e industrial desenvolveu. E essa luta está transfigurada entre burguesia e proletariado. No Manifesto Comunista, Marx destaca a relevância e o papel revolucionário que a burguesia desempenhou na derrubada da aristocracia feudal. Derrubado o Feudalismo, a burguesia desenvolveu o capitalismo e tornou-se a classe dominante. Porém, ela forjou o nascimento da classe social que a derrubará: o proletariado. O proletariado, antigos camponeses pobres que foram expulsos da vida rural através dos cercamentos, cumpre a tarefa histórica de derrubar a burguesia e também o capitalismo que a sustenta. Primeiro essa classe passa a atacar as máquinas, depois passa a defender seus direitos através dos sindicatos, se organiza enquanto classe social num partido político e no final desencadeia uma luta revolucionária contra a burguesia visando derruba-la. Porém, para realizar tal façanha é preciso desenvolver o que Marx chamou de consciência de classe. Ou seja, o indivíduo toma consciência que é um vendedor da sua força de trabalho e que essa força de trabalho é roubada por um burguês. Daí sente a necessidade de se organizar politicamente com o intuito de mudar essa realidade. Passa de classe em si para classe para si

Outro conceito bastante utilizado por Marx é o de Estado. O que seria essa instituição na visão marxiana? Nele, Estado representa um instrumento de dominação que uma classe exerce sobre outra. Em todas as suas configurações históricas, o aparelho estatal serviu de controle de um classe a fim de manter outra subjugada. Marx não idealizava o Estado como Hegel, enxergando nele uma instituição que representava os interesses gerais e o bem comum. Se para Hegel o Estado explica a sociedade civil em Marx é a sociedade civil - e suas contradições de classe presentes - que explica o aparelho estatal. E como se encontra essa sociedade civil? Dividida em classes sociais. Temos então uma teoria classista do Estado. Por fim, outros conceitos essenciais de Marx é o de Socialismo e Comunismo. Era grande a preocupação de Marx em não só compreender a sociedade capitalista como supera-la. Ele foi mais que um simples intelectual, foi também um árduo militante político. Para ele, era preciso superar o capitalismo através de uma revolução socialista que socializasse os meios de produção, acabando então com a propriedade privada. Essa revolução seria liderada pelo proletariado, após sua tomada de consciência de classe. O Socialismo em Marx é um sistema político, econômico e social de transição para uma etapa superior da humanidade: o Comunismo. Por enquanto que no Socialismo existe aspectos ou instituições que podemos ter no Capitalismo como o dinheiro, o Estado, a Polícia etc., no Comunismo temos a completa extinção dessas instituições. O Comunismo se pauta numa sociedade sem Estado e sem classes sociais. Proibindo a propriedade privada, aos poucos, as diferenças entre as classes sociais desapareceria. Sem classes sociais, a existência do aparelho estatal torna-se então inútil. 

03) Émile Durkheim - o sociólogo francês Émile Durkheim nasceu Epinal, cidade situada na região da Alsácia. Estudou no Liceu Louis Le Grand e na École Normale Superiéure em Paris, onde recebeu influência de professores como Fouster de Coulanges, Charles Renovier e Émile Boutrox. A tarefa intelectual de Durkheim foi, em fins do século XIX, constituir a Sociologia enquanto uma ciência. Contemporâneo a autores como Frédéric Le Play, René Worms e Gabriel Tarde conseguiu transformar a Sociologia em disciplina acadêmico em Bourdeux, onde trabalhou na primeira fase de sua trajetória intelectual. Na segunda, Durkheim trabalhou na cidade de Paris. Seu trabalho rendeu frutos e no futuro ele conseguiria fundar a chamada Escola Sociológica Francesa que exerceu bastante influência sobre a construção do conhecimento das Ciências Sociais, principalmente, a Sociologia e a Antropologia. Entre suas principais obras, podemos citar: a) A Divisão Social do Trabalho; b) As Regras do Método Sociológico; c) O Suicídio; d) As Formas Elementares da Vida Religiosa.

Entre os autores que estudaram suas obras, alguns como Talcott Parsons e Steven Lukes acreditam que a teoria sociológica durkheiminiana se divide em duas partes. A primeira quando trabalhava em Bourdeux, onde tinha uma forte influência materialista e positivista, e uma segunda após sua ida para Paris. Lá é onde Durkheim escreve "As Formas Elementares da Vida Religiosa", obra considerada culturalista para os analistas citados. Já Anthony Giddens e Robert Nisbet não acreditam nessa divisão da obra de Durkheim, achando que existe uma linearidade em seus escritos. Dentre as principais influências intelectuais em Durkheim, podemos citar:
  • O Positivismo, professado por Auguste Comte que trazia a razão humana e o conhecimento científico como único meio viável de explicar a realidade; 
  • O Evolucionismo, iniciado por Charles Darwim nas Ciências da Natureza e por Herbert Spencer nas Ciências Humanas, e sua ideia de evolução
  • O Idealismo, graças a sua influência em professores neokantianos durante seus anos como estudante. 
Partindo para sua Teoria Sociológica, podemos constatar que segundo o autor a obra de Durkheim tem como base dois princípios: 
  • Resgate a visão positivista de ciência, ou seja, para Durkheim a Sociologia deveria aplicar princípios metodológicos das Ciências da Natureza na explicação das sociedades. Se as sociedades fazem parte da natureza, então regidas por leis naturais, as sociedades humanas também estaria em volta de leis sociais que deveriam ser investigadas e desvendadas pelo sociólogo; 
  • Holismo Metodológico, ou seja, a ideia de que a sociedade e as instituições sociais que ela forja exerce a priori uma influência sobre o comportamento individual. Sobre esse o Holismo Metodológica, afirma Sell que "o que ele desejava ressaltar é que uma vez criada pelo homem, as estruturas sociais passam a funcionar de modo independente dos atores sociais, condicionando suas ações" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 81)
E como Durkheim desenvolve sua ideia de Holismo Metodológico? Na prática, ele afirmava ser necessário em qualquer pesquisa sociológica tomar os seguintes passos metodológicos: a) define o objeto a ser analisado; b) observa o objeto; c) classifica o objeto; d) explica o objeto. 

Sobre o ponto A, Durkheim afirmava que o objeto de estudo da Sociologia eram os Fatos Sociais. O que seria isso? Seriam formas de agir onde a consciência coletiva paira sobre a individual, fazendo exercer a influência do primeiro sobre o segundo. E quais as características dos Fatos Sociais? Eles apresentam duas:

FATOS SOCIAIS: a) apresentam uma exterioridade, ou seja, estão presentes na sociedade e influenciam diretamente o comportamento individual; b) apresentam uma coercitividade, ou seja, exercem sobre os indivíduos uma influência coercitiva/repressiva em caso de desobediência das regras postas pela sociedade. 

Definido o objeto da Sociologia, Durkheim passa mostra como devemos observá-los. Em sua teoria, "o sociólogo deve olhar seu objeto de estudo com o mesmo espírito de exterioridade com o qual os pesquisadores das ciências exatas compreendem a natureza" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 83/84). Em suma, Durkheim desejava dar a Sociologia o rótulo de conhecimento científico e por isso acreditava que o único caminho viável era tornar advogar a objetividade na análise social mantendo o sociólogo distante do objeto por ele investigado. Para realizar bem essa tarefa, caminhos são apontados como: a) se distanciar do conhecimento prévio, aquele produzido e compartilhado pelo senso comum; b) investigar um grupo previamente escolhido e que tenham similaridades; c) se esforçar para apresentar uma análise que se distancie da pura manifestação individual

Sobre a classificação dos Fatos Sociais, Durkheim enxerga dois formas principais. A primeira é a faceta normal dos Fatos Sociais, quando esse se apresenta com certa regularidade na vida social representando um estado de harmonia ou normalidade, e a segunda é a faceta patológica onde temos comportamentos desviantes do considerado comum. Por fim, após definido o objeto, sua observação e classificação é necessário explicá-lo. Em Durkheim a explicação dos Fatos Sociais não se faz a partir da projeção individual e identificar um fenômeno não significa sua explicação. Para explicar, a teoria durkheiminiana desenvolve o conceito de Função Social. Basicamente, a explicação dos Fatos Sociais devem ser acompanhados de dois passos. São eles: Passo 01) explicação causal, onde o sociólogo irá analisar a origem dos Fatos Sociais; Passo 02) explicação funcional, onde o sociólogo irá explicar a utilidade daquele Fato Social para a sociedade em que está inserido. Em suma, "o fundamental é identificar a que tipo de necessidade corresponde qualquer fenômeno ou fato social e de que forma ele contribui para produzir a harmonia social" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 86)

Em sua Teoria da Modernidade, Durkheim busca analisar as consequências da divisão social do trabalho (e da sua consequente autonomia individual) na integração entre os indivíduos. Sua preocupação, acima de tudo, era enxergar como os indivíduos se integravam nessa nova forma de sociedade que se desenvolvia na Europa. Para entender o antes e o depois, Durkheim divide a sua preocupação com a integração social em dois tipos de solidariedade social: a) Solidariedade Mecânica; b) Solidariedade Orgânica. Aqui enxergamos facilmente sua influência evolucionista, tendo em vista que um tipo de solidariedade corresponde a uma evolução da outra sendo a Orgânica a representante da sociedade moderna, industrial e capitalista em que ele estava inserido. Esses dois tipos de solidariedade representam formas de como os indivíduos se portam na sociedade, frente as instituições e grupos sociais que dela emana.

Na Solidariedade Mecânica, típica de sociedades homogêneas onde os indivíduos partilham de uma teia de ações e práticas semelhantes com a diversidade de funções sendo mínima, o que forja juridicamente é o Direito Repressivo que ao predominar a punição busca mostrar aos demais do grupo as consequências de quem viola as regras. O direito aqui não tem um objetivo de restabelecer a ordem, mas de punir. Já na Solidariedade Orgânica, típica de sociedades heterogêneas onde a diversidade de funções é presente, não é a consciência coletiva que impera mais a individual tendo em vista a autonomia dada ao indivíduo em meio a diversidade de funções. Porém, em Durkheim, é essa individualidade que cria uma nova moral. Logo, "a solidariedade orgânica não é um efeito indireto e mecânico da busca da satisfação dos interesses pessoais" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 91). Se assim fosse, não teríamos a formação de uma moral. Pelo contrário, o indivíduo se sente parte de um grupo e o grupo (leia-se sociedade) se sente responsável pelo indivíduo. Resumindo os aspectos desses dois tipos de solidariedade, conceito tão caro a teoria durkheminiana, podemos definir em palavras-chaves da seguinte forma:
  • Solidariedade Mecânica: Sociedades Tribais/Segmentadas/Homogêneas + Consciência Coletiva + Direito Repressivo; 
  • Solidariedade Orgânica: Sociedades Modernas/Industriais/Heterogêneas + Autonomia Individual + Direito Restitutivo + Divisão Social do Trabalho. 
E como Durkheim enxergou a mudança social de um tipo de solidariedade social para outro? Sobre a ideia e prática de mudança social, Durkheim acreditava que três aspectos contribuíam para as transformações sociais. São elas: 
  • Volume: aumento do número de indivíduos;
  • Densidade Material: indivíduos sobre um determinado território;
  • Densidade Moral: comunicação entre esses indivíduos. 
Se Marx tinha uma preocupação com o aspecto econômico no que tange a sociedade moderna, Durkheim concentrava suas reflexões no aspecto moral. Sua ideia de que os laços de integração entre os indivíduos estavam em crise, permeou suas reflexões sociológicas. Com isso, desenvolveu o conceito de Anomia Social que basicamente seriam desajustes encontrados na sociedade moderna que tiravam a harmonia social e por isso precisavam ser solução. Essas patologias sociais, termo cunhado pelo próprio Durkheim o que demonstra sua influência nas Ciências Naturais, se expressam de diferentes maneiras e são classificadas pelo sociólogo francês da seguinte forma: 
  • Divisão de Trabalho Anômica: aqui Durkheim critica as grandes crises econômicas e o antagonismo entre capital e trabalho como fonte de desestabilização e anomia; 
  • Divisão do Trabalho Forçada: aqui Durkheim critica as grandes desigualdades, tendo em vista que a guerra de classes fazia com que certos indivíduos fossem obrigados a aceitar determinada posição na divisão social do trabalho; 
  • Divisão do Trabalho Burocrática: aqui Durkheim critica a burocracia que não consegue atrelar especialização das funções a produtividade acarretando com isso mais um tipo de patologia social. 
O suicídio foi um fenômeno social bastante estudando por Durkheim, sendo um exemplo dessa sua preocupação com a integração dos indivíduos na sociedade. Buscando facilitar o entendimento sobre a temática, até então explicada exclusivamente sob aspectos psicológicos e individuais, ele divide os suicídios em 04 que estão subdivididos em 02 grupos. São os tipos de suicídio em Durkheim: 

Grupo Integração Social
  • Suicídio Egoísta, praticado por um excesso de individualismo e gerado por uma desconexão entre o indivíduo e os grupos e instituições sociais. Estado de melancolia e depressão gerado por grandes crises econômicas ou sociais pode ser considerado um exemplo;
  • Suicídio Altruísta, praticado por um excesso de coletivismo ao ponto do indivíduo aceitar sacrificar sua vida por um determinado grupo social. O sacrifício de soldados kamikazes pode ser considerado um exemplo; 
Grupo Regulação Social
  • Suicídio Anômico, praticado por uma ausência de regulamento social. Grandes guerras são exemplos desse tipo de suicídio; 
  • Suicídio Fatalista, praticando por um excesso de regulação social. Sociedades altamente disciplinadoras como a japonesa, pode ser um exemplo desse tipo de suicídio. 
Sendo assim, "no primeiro par (egoísmo x altruísmo), o que temos são problemas na ordem de integração social, de tal maneira que suas aspirações e desejos ficam anulados por uma disciplina excessivamente opressiva" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 94). Enquanto que "a segunda polaridade (anomia x fatalismo) diz respeito à dimensão da regulação social e envolve a capacidade da sociedade em controlar, mediante as normas morais, os desejos e as aspirações sempre infinitos dos indivíduos" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 94).

Por fim, sua Teoria Política tem aspectos que reforçam toda sua forma de analisar a sociedade moderna. No que tange ao campo moral em que está preocupado, o egoísmo deve ser combatido moralmente sem interferir no culto ao indivíduo que deve incentivar "a valorização da figura do homem e o respeito pela pessoa humana" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 101). Como solução ao excesso de individualismo, grande mal da modernidade, Durkheim tinha propostas que envolvia a formação de uma moral profissional. Seguindo a premissa de que a família e a religião estavam enfraquecendo, enquanto o Estado era uma instituição distante dos indivíduos, ele propõe que cada atividade social especializada formule um conjunto de normas a serem obedecidas. Essa moral profissional nova seria expressada através de corporações que teria o papel de apaziguar os conflitos entre capital/trabalho. Por fim, Durkheim fala dos papéis do Estado e da educação na formação de uma moral social mais adequada. O Estado, primeiramente, deveria permitir a representação profissional no parlamento como forma de fortalecer a moral profissional. Já a educação pública em Durkheim deve conter entre suas características a laicidade do ensino, racionalidade, disciplina e forte teor coletivista.

04) Max Weber - Maximiliam Carl Emil Weber nasceu na cidade de Erfurt, atual Alemanha. Sua vida acadêmica foi marcada por passagens em diversas universidades, como: a Universidade de Berlim, Heidelberg, Viena, Freiburg e Munique. Dentre sua vasta produção intelectual, podemos destacar obras como: a) A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo; b) Ciência e Política: duas vocações; c) Economia e Sociedade. No que tange as suas influências intelectuais, destaca Sell:
  • Na Filosofia, o pensamento de Immanuel Kant, os Neokantianos (Dilthey, Windelband e Rickert) e também do compatriota Friedrich Nietzsche. Dos primeiros herda a valorização do papel do sujeito, já do último pega sua visão pessimista da sociedade moderna; 
  • Na Economia, recebeu influência da chamada Escola Histórica de Economia principalmente das ideias de Carl Menger
  • Na Sociologia, fez parte e dialogou com a chamada Associação Alemã de Sociologia onde junto com autores como Georg Simmel e Ferdinand Tonnies fez-se pioneiro na pesquisa sociológica no país. 
Em sua Teoria Sociológica observamos com Weber uma diferença gritante em comparação com os outros autores clássicos da Sociologia. Nele, o foco é no sujeito sendo esse o elemento explicativo na explicação da sociedade. Essa ideia que parte do sujeito para o social é chamada por Sociologia Compreensiva, escola sociológica fundada pelo autor. 

As ideias de Weber partiam de uma crítica ao pensamento positivista que considerava ser possível explicar a sociedade com base na formulação de leis sociais. Sua epistemologia reúne outro modo de enxergar a realidade e concentra sua influência em dois filósofos Neokantianos: Wilhelm Dilthey e Wilhelm Windelband. Dilthey, acreditava que a grande diferença entre as ciências da natureza e as ciências humanas (divisão teórica evitada por teóricos positivistas que buscavam transpor ferramentas da primeira para a segunda) estava no plano ontológico. Ou seja, a diferença reside no objeto e na essência deste. A essência do objeto estudado pelas ciências da natureza tinha um caráter exterior ao homem, logo, partia-se para sua explicação. Enquanto que o objeto das ciências humanas se encontrava exterior e interior ao sujeito, partindo então para a compreensão. Aqui não se explica com base em leis, mas na busca do sentido das coisas. Por outro lado, Windelband afirma que a diferença entre essas ciências se encontra na sua epistemologia. Ou seja, se encontra no método utilizado para se estudar o objeto e não na essência do objeto. As ciências da natureza adotavam um método generalizante, enquanto as ciências humanas buscava um método idealizante. Por fim, ainda temos as ideias de Heinrick Rickert que afirmava que as ciências humanas eram movidas pelos valores do pesquisador, diferente das ciências da natureza que tinham uma feição mais impessoal. 

E o que conclui Weber diante dessas ideias? Simples, ele acreditava ser necessário unir o ponto de vista de todos os envolvidos. Isso porque "pelo método individualizante (também hermenêutico ou interpretativo), o cientista social seleciona os dados da realidade que deseja pesquisar, destacando a singularidade e os traços que definem seu objeto" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 113). Enquanto que "do método generalizante o princípio da causalidade (método explicativo ou naturalista) que busca estabelecer relações entre os fenômenos, evidenciando que determinados eventos podem ser explicados a partir de determinadas causas que geram este mesmo fenômeno" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 113). Na epistemologia weberiana, uni-se as duas perspectivas e enquanto uma busca selecionar os dados a outra explora as relações que esse tem com o objeto. Logo, 

Método Generalizante + Método Individualizante = Epistemologia Weberiana

Então, como podemos observar na prática essa epistemologia weberiana que reúne as reflexões neokantianas resumidas acima? Simples, a prática gira em torno do conceito de Tipos Ideais. A captação da realidade em Weber, diferente das formas pensadas por Aristóteles (de onde o positivismo vai beber) e Hegel (de onde Marx vai retirar). Para Aristóteles a explicação da realidade se encontra na própria realidade, já em Hegel a explicação da realidade se encontra numa relação dialética entre ela e o sujeito. Para Weber, influenciado aqui por Kant, a explicação da realidade está presente no sujeito. Estando no sujeito, é impossível alcançar na explicação total da realidade. É inacessível explicar a realidade em sua mais completa realidade. Por isso, o sujeito cria os tipos ideias como conceitos que procuram se aproximar da explicação da realidade. Sendo assim, "os conceitos típico-ideais são apenas um meio que o pesquisador possui para organizar a realidade de forma lógica, no plano do pensamento, sem a pretensão de traduzir exatamente a estrutura do mundo" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 114). Sendo um meio, encontrado pelo sujeito, de organizar logicamente à realidade os tipos ideias se dividem em duas esferas: 1) Esfera Subjetiva, onde através de uma construção mental o sujeito indaga; 2) Esfera Objetiva, onde de forma ideal ele busca criar conceitos que se aproximem da realidade. 

Além do conceito de tipos ideias, outro ponto a ser destacado é a própria metodologia de Weber na análise social. Sua visão passa pelo individualismo metodológico já pincelado aqui, seu ponto de partida é o sujeito. O ponto de partida em Weber é a análise dos comportamentos individuais que são englobados por ele no conceito de Ação Social. Sendo assim, a Sociologia se debruçaria pelo desenvolvimento e consequências das ações sociais. Ela deve compreender o curso e explicar os efeitos, sendo uma Sociologia Compreensiva-Explicativa. Mas o que seria ação social? Para Weber, seria uma ação que visa orientar-se para outrem sendo uma relação entre o agente com outros agentes. A Sociologia deve explicar e compreender o contexto das ações sociais, ou seja, "seu objetivo é compreender o significado da ação social e, desta forma, mostrar o que move estas mesmas ações" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 118). Usando os tipos ideias já explicados acima, Weber engloba as ações sociais em 04 tipos: 
  • Ação Social com relação a fins - ação motivada por objetivos racionais, utilitários e calculados pelo sujeito;
  • Ação Social com relação a valores - ação motivada por valores, sejam eles negativos ou positivos, com base em convicções alicerçadas; 
  • Ação Social afetiva - ação motivada por emoções do sujeito, denotando impulsividade; 
  • Ação Social tradicional - ação motivada por hábitos tradicionais executados quase sem nenhuma reflexão. 
O conceito de ação social é de extrema importância para Weber ao ponto de dar sentido a outros conceitos caros a Sociologia. Por exemplo, o conceito de relações sociais em Weber diz respeito as trocas de ações sociais. A estruturas sociais são as orientações dadas as ações sociais, por fim, as instituições sociais são as sistematizações das estruturas. 

Em sua Teoria da Modernidade, Weber busca explicar a origem, o desenvolvimento e as consequências da modernidade. Para isso, concentra suas críticas nas consequências que para ele se resumem a falta de liberdade e perca de sentido da vida. As ferramentas que ele utiliza são vários, desde o conceito de racionalização até o espírito do capitalismo sob forte influência protestante. 

A modernidade para Weber é resultado de um longo e complexo processo social por ele chamado de Racionalização. O processo de racionalização é dividido entre um lado positivo e outro negativo. Seu lado positivo foi o domínio do mundo pela ciência, já seu negativo se encontra na perca de liberdade e perca de sentido da vida a serem melhor explicados mais adiante. E qual a origem desse processo? Para Weber, o processo de racionalização tem origem na formação do capitalismo moderno que por sua vez receberá forte influência de um grande acontecimento histórico: a Reforma Protestante. Antes de mais nada é preciso deixar claro a perspectiva de capitalismo pensada por Weber. Sua visão desse sistema não era meramente econômica, pois seu objetivo é captar a moral que guiou o desenvolvimento desse sistema. A moral que desenvolveu foi a moral protestante, especificamente a calvinista e dessa relação entre ética protestante e conduta capitalista podemos tirar comportamentos como: sentido do dever, disciplina e dedicação ao trabalho. Em suma, "Weber está interessado em verificar qual a relação entre determinada religião e a conduta de vida adequada ao moderno sistema econômico capitalista-industrial" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 125)

Então, em que se baseia e qual a origem desse espírito capitalista que contém influência protestante? O espírito capitalista se define na organização empresarial do trabalho e na visão do trabalho como dever. Da Reforma Protestante, importantes acréscimos são feitos. De Martinho Lutero, principal líder do movimento religioso, a ideia de "vocação" é bastante ovacionada pois presumia que o indivíduo deve se dedicar com afinco as suas aptidões. Porém, o Calvinismo acrescenta a essa ideia um fator psicológico importante: a ideia da predestinação. No Calvinismo os homens são predestinados a salvação e a condenação, ou seja, já nascem marcados por uma ou por outra. Porém, somente Deus tinha conhecimento do caminho que iria ser trilhado pelo indivíduo. Não sabendo se iria ou não ser salvo, nasce então uma angústia. Daí, "a pregação advinda da práxis moral do calvinismo recomendava que o indivíduo tivesse como dever considerar-se salvo e, além disso, considerar o trabalho profissional sem descanso como meio mais eficiente para conseguir esta autoconfiança" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 128). O resultado dessa junção foi o desenvolvimento de um trabalho metódico, profissionalizado, racional e em busca da riqueza que não era mais condenada caso não fosse utilizada como meio de perversão. Temos então a formação de um homo economicus que será a base moral da ética capitalista. 

E quais as consequências desse processo de racionalização que formou a ética capitalista resumida acima? Temos o desencantamento do mundo moderno, representado pelo enfraquecimento das explicações mágicas do mundo. Em suma, 
"Se o puritano fez do trabalho um meio em busca da salvação, a racionalidade inerente ao mundo industrial moderno fez do trabalho uma atividade cujo fim é ele mesmo. Trata-se de uma racionalidade que aumentou a produtividade, mas escravizou o homem" (SELL, Carlos Eduardo. 2015, p. 139)
Por último, a Teoria Política weberiana gira em torno do que Sell chama de "Realpolitik". Ou seja, sua análise não é da política ideal mais sim da conquista realista e real pelo poder. Sua preocupação na política do seu tempo era com a utilização que aristocracia feudal alemã, chefiada por Bismark, tinha do Estado alemão. Suas ações, segundo Weber, aumentava a burocratização do Estado o que tornou sua grande preocupação. Sua ira era com a burguesia alemã, então incapaz de chefiar o Estado aos moldes do que fazia as burguesias francesas e inglesas. Para ele, a formação de lideranças era de extrema importância para a superação desse impasse. Inicialmente em 1917, num artigo chamado "Parlamento e Governo na Alemanha Reordenada", Weber propõe o fortalecimento do parlamento como caminho viável na construção dessas lideranças. Mas já em 1919, em outro artigo agora intitulado de "O Presidente do Reich", ele muda de posicionamento e passa a defender o presidencialismo como alternativa para a construção dessas lideranças chamados por ele no texto como "líder cesarista".

Entre os tipos de democracia pensados por Weber, temos: a) Democracia Grega; b) Democracia Parlamentar; c) Democracia Conselhista; d) Democracia Plebiscitária. Em sua teoria política faz-se necessário compreender alguns conceitos-chaves como:
  • Política: visto como a busca pela participação do poder; 
  • Poder: imposição de uma vontade numa relação;
  • Dominação: nível de aceitação do poder; 
  • Estado: instituição ou comunidade que detém o monopólio da violência. 
Dentro da dominação política, Weber (utilizando a ferramente dos tipos ideias) enxerga a existência de 03 tipos: 
  1. Dominação Legal: aquela legitimada por aparatos institucionais;
  2. Dominação Tradicional: aquela legitimada pela crença em hábitos tradicionais;
  3. Dominação Carismática: aquela legitimada pela virtude do governante