quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Sobrados e Mucambos - Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano



  • Sobre o autor: Gilberto Freyre nasceu (março de 1900) e morreu (julho de 1987) em Recife, capital do estado de Pernambuco. Filho do juiz Alfredo Freyre e de Francisca Freyre, Gilberto é descendente dos primeiros colonizadores do Brasil. Aos 18 anos vai estudar nos EUA com bolsa concedida pela Igreja Batista e se forma em Artes Liberais. Também estudou na Universidade de Columbia, EUA, onde conheceu sua principal referência intelectual: o antropólogo alemão Franz Boas. Pelo conjunto de sua obra, Freyre é considerado como antropólogo, sociólogo e historiador. Também foi poeta (ocupando a Academia Pernambucana de Letras em 1986), jornalista e pintor. Na sua vida política, foi filiado da União Democrática Nacional (UDN), chegando a presidir a sigla em Pernambuco. Foi eleito deputado constituinte em 1946 e, após o apoio ao golpe militar de 1964, tornou-se membro do Conselho Federal de Cultura a convite do então presidente Emílio Médici. Um dos principais nomes das Ciências Sociais no Brasil, Freyre tem como destaque as seguintes obras: a) Casa-Grande e Senzala, 1933; b) Sobrados e Mucambos, 1936; c) Ordem e Progresso, 1959. 


Sobrados e Mucambos - Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano - Gilberto Freyre - Editora Global


O Brasil como morada: apresentação para Sobrados e Mucambos - Roberto DaMatta - Nesta breve, mas profunda apresentação, é apresentada a relevância não só dessa obra como também da trajetória intelectual de Gilberto Freyre. De início, DaMatta enumera cinco motivos que o fizeram simpático da escrita de Freyre: 01) seu forte viés culturalista ao analisar os fatos, enxergando o Brasil menos como um Estado-nação e mais como um estilo de pertencer, tudo envolta por uma configuração de costumes que criou uma identidade distinta; 02) sua audaciosa intuição sociológica; 03) seu conhecimento profundo sobre a história do Brasil; 04) seu distanciamento de teorias que forjem uma receita a ser seguida pelo Brasil; e 05) sua atenção analítica a acontecimentos cotidianos, interligando micro e macro-realidade. 

Apesar dessa devoção a obra de Freyre, o autor dessa apresentação pontua o que acredita ser uma limitação das reflexões freyreanas: a não menção ou análise referente ao Estado e seus tentáculos (governo, leis e a arena política). DaMatta acredita que a oposição entre Casa-Grande e Senzala e, em seguida, Sobrado e Mucambos é limitada. Ela desconsidera a "rua", vista por DaMatta como um espaço exterior a casa e que tem uma dimensão pública. Podemos resumir dessa forma a crítica apresentada por DaMatta: 
No meu entender, portanto, a dialética do sistema brasileiro não seria a da casa-grande com a senzala e do sobrado com o mucambo, mas da casa com a rua, da pessoa (relacionada e particularizada por elos pessoais) e do indivíduo-cidadão, destituído de nome de família, de cor e de gênero, sujeito a leis que devem valer para todos (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 13).
Porém, o objetivo de DaMatta não é focar nas suas críticas a Freyre e sim aproveitar o momento em que a obra do pernambucano vem sendo rediscutida para pontuar sua importância. Isso é muito importante para o autor dessa apresentação, principalmente quando essa volta a Freyre ocorre após um intolerante tratamento dado a sua obra durante anos no Brasil. Diante disso, DaMatta afirma: a obra Sobrados e Mucambos tem relevância capital quando o assunto é discutir o que seria esse lugar que chamamos Brasil. Seu objetivo é tratar: 
De um Brasil lido como uma sociedade que nasce e rotiniza-se baseado na família extensa "patriarcal" e "tutelar", dominada pelo pater familiar (ou, em inversões significativas, pela mulher-mãe), e por uma multidão de personagens subordinados, dotados de graus diferenciados de prestígio e autoridade como os capelães, os filhos, os bastardos, os criados e, claro está, por uma pletora igualmente hierarquizada de escravos cuja posição no grupo era marcada por sua paradoxal presença como estrangeiros-íntimos e mortos sociais mas, sem os quais o sistema não teria vida, já que eles eram os seus braços, pernas, mãos e, posteriormente, conforme se acentua reiteradamente neste livro, máquinas e bestas de carga (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 13).
Diferente da obra Casa-Grande e Senzala, Sobrados e Mucambos passou por diversas transformações até a sua fase final. Publicada originalmente em 1936, a obra teve sua primeira modificação em 1939. Já em 1951 foi vista uma segunda mudança, mais drástica que a primeira, adicionando cinco novos capítulos. DaMatta considera a primeira obra mais fechada, enquanto Sobrados e Mucambos seria mais uma extensa etnografia do cotidiano e suas transformações. Casa-Grande e Senzala, publicada em 1933, teria três grandes objetivos: 
  1. Combater o racismo: ao combater a visão oficial sobre o Brasil da época, considerada por Freyre como racista, e combater o paradigma racista com base no conceito de Cultura. Seu objetivo foi interpretar o Brasil sob um viés culturalista, afastando-se dos determinismo geográficos e biológicos que desaguavam no preconceito racial; 
  2. Trazer o papel da mestiçagem: ao analisar as relações sexuais entre senhores e escravos, quebrando o tabu sobre as intimidades sexuais e colocando a mestiçagem como um método de colonização. Olhando positivamente para o processo de mestiçagem, Freyre colocava o racismo da época as avessas; 
  3. Destacar a contribuição do negro: sendo o primeiro intelectual na história do pensamento social brasileiro a dar ênfase ao papel exercido pelo negro na formação do que conhecemos como Brasil. O negro, considerado como o grande responsável pelo atraso civilizacional do Brasil, seja por sua preguiça, malandragem ou sensualidade; era visto como parte fundamental e positiva na formação do nosso país. 
E, "Ao mostrar que o Brasil é o que é, precisamente por causa do português, do negro e do índio; que ele não é mesmo burguês - francês ou inglês - como gostaríamos que fosse, Gilberto Freyre abre espaço para uma visão positiva de nós mesmos" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 15). Sendo assim, faltou unidade política, mas também houve integração através das relações existentes na casa-grande. De fato, tivemos escravidão, mas isso não impediu uma ascensão social do mulato e não desenvolveu uma guerra fixada em leis entre brancos e negros, como foi visto nos EUA e na África do Sul. O povo brasileiro assistiu de longe grandes processos políticos como a Proclamação da República em 1889, mas isso não impediu que atuasse firme no campo cultural, inventando festas populares como: o carnaval, o samba, o jogo do bicho, o futebol etc. É também fato que não tivemos nenhuma guerra civil ou revolução duradoura e sangrenta que rompesse com antigas estruturas, mas conseguimos grandes transformações ao eleger um presidente operário. Em suma, criamos a nossa própria modernidade, chamada por DaMatta de "modernidade brasileira". 

Falado os objetivos de Casa-Grande e Senzala, DaMatta chega em Sobrados e Mucambos. Essa obra tem um objetivo central: analisar a "aculturação" que a sociedade brasileira, fundada pelo patriarcalismo, sofreu da chamada modernidade. Ou seja, Freyre busca compreender as mudanças sociais existentes dessa transição de uma sociedade rural para uma urbana, baseada em princípios liberais e modernos. Em ambas as obras, Freyre manteve sua essência intelectual. E qual essência ou princípio estamos falando? Segundo DaMatta, 
No trabalho de Gilberto Freyre é extraordinário e, sem dúvida gratificante, essa visão do Brasil recheado de presenças. De fato, em contraste com as interpretações marcadas pela ênfase nas ausências (o Brasil não foi colonizado por "raças arianas" ou "povos adiantados", ele "não teve burguesia", "ele não tem um povo homogêneo", "não tem, sequer, vergonha na cara", "não tem patriotismo", etc., etc., etc...); no Brasil gilbertiano, não há nada inadequado, patológico, tarado ou fora do lugar. Muito pelo contrário e em oposição reitero a muitos dos seus contemporâneos (e, diga-se a bem da verdade, sucedâneos), Gilberto viu o Brasil antropologicamente, com o que ele tinha e com o que era, ou seja: sem preconceitos comparativistas negativos, quando ele não era lido em seus próprios termos, mas em função de um outro estalão civilizatório. Para ele, o diferente não significa inferioridade ou, muito menos, superioridade (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 16).
O principal elo entre as duas grandes obras de Freyre é, segundo DaMatta, a centralidade em torno da "casa" como ponto de partida para sua análise social. Essa casa é onde podemos encontrar as diversas facetas da vida social, como os sentimentos, as mudanças socioculturais e também econômicas. A casa é vista por Freyre como uma partida analítica, onde se concentram as relações sociais em sua vasta variedade e complexidade. Seja na casa-grande, senzala, sobrado ou mucambo a hierarquia básica do sistema social foi mantida. Com isso, "Sua contribuição mais importante é que ela chega não só no sistema de dominação (feito de senhores e escravos e, em seguida, de patrões e empregados ou dependentes), mas no modo específico pelo qual essa dominação se faz no caso brasileiro. Pois é na casa "grande" ou de sobrado que as polaridades irreconciliáveis do sistema se materializam, e são igualmente amaciadas, conciliadas e mediatizadas. No Brasil, portanto, a "casa" é mais que local de moradia" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 18).

As relações de dominação entre senhores e escravos é descrita e analisada a partir das relações sociais engendradas e desenvolvidas nas casas. Eis a grande inovação e contribuição teórica da obra freyreana. Essa casa seria, segundo DaMatta, uma espécie de "fato social total", conceito desenvolvido pelo antropólogo francês Marcel Mauss. Continua DaMatta: 
O que Gilberto tenta demonstrar, correndo o risco de ser chamado reacionário e um ideólogo de um escravismo doce, é que o sistema funcionava hierarquicamente. As diferenças não corriam em paralelo, mas faziam parte de uma geometria social de inclusão, uma figura na qual os senhores englobavam mas eram também englobados por seus escravos, com os quais mantinham laços de interdependência. Nesse sistema, o senhor dependia tanto do escravo (que era seu braço, suas mãos e pernas e posteriormente, suas máquinas e animais de carga) quanto o escravo dependia do senhor (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 20).
A presente obra visa estudar como esse sistema permaneceu de pé sob um novo contexto, agora marcado pela industrialização e urbanização do país. Se já analisada as relações de dentro das casas-grandes e das senzalas, agora Freyre visa entendê-las de dentro dos sobrados e mucambos. Seu objetivo é entender a "modernidade brasileira" que teria, segundo DaMatta, a seguinte natureza: 
Essa modernidade que, no caso do Brasil, teria a imensa tarefa de liquidar a escravidão como um sistema, como percebeu com rara sensibilidade Joaquim Nabuco, além de promover uma série de reações aculturativas destinadas a europeizar-se, liquidando eventuais orientalismos, amaciando as posições rígidas entre os sexos e as idades, promovendo o bacharel livresco e identificado com o chique radical em detrimento do ricaço rural dotado de sólido bom-senso, domesticando festas, comidas, diversões e sensibilidades e, acima de tudo, lidando com doses variáveis de cinismo, hipocrisia e franca honestidade mas jamais sem personalismo, para mudar o quadro das gigantescas diferenças de posição social, de cor da pele, de educação, de classe e de região que são a herança maior do escravismo embasado por um esquema de vida aristocrático (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 20).
Capítulo VII - O brasileiro e o europeu

O capítulo busca analisar a relação entre brasileiros e europeus, focando no processo de europeização que para Freyre começa a ocorrer a partir do Século XIX. O marco inicial desse processo foi a vinda do rei D. João VI para o Brasil em 1808. A expressão "para o inglês ver" surge dessa época, dizem que em referência ao próprio D. João VI que mandou iluminar a Bahia (cidade onde aportou após sua chegada de Portugal) para que os ingleses vissem. Essa expressão vingou e é utilizada para retratar a subordinação do brasileiro (e também do português) para com os ingleses, vistos como superiores. Já no segundo parágrafo, Freyre deixa claro a problemática que o capítulo: 
Sob o olhar desse ente superior, o brasileiro do século XIX foi abandonando muitos de seus hábitos tradicionais - como o de dançar dentro das igrejas no dia de São Gonçalo, por exemplo - para adotar as maneiras, os estilos e o trem de vida da nova camada de europeus que foram se estabelecendo nas nossas cidades. Desde as dentaduras postiças ao uso - até o contato maior com os ingleses quase insignificante - do pão e da cerveja (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 429).
Durante seus três primeiros séculos de existência, o Brasil manteve uma relação pequena com a Europa não-ibérica. Basicamente nosso contato com os europeus se limita a portugueses e espanhóis, ambos parte da península Ibérica. E assim criamos um tipo de senhor, de homem, de mulher e de mulato, visto por Freyre como um "meio-termo" que conseguia certa ascensão social. Essa considerada "meia-raça" fazia o papel de uma débil classe média, dentro desse rígido sistema patriarcal. Sendo assim, "Definira-se igualmente uma paisagem social com muita coisa de asiático, de mourisco, de africano: os elementos nativos deformados num sentido francamente oriental e não puramente português" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 430). 

Coisas como casa com os bicos do telhado vermelho e em forma de asa de pombo; janelas recortadas em losangos miúdos; o uso de palanquins e banguês; o ideal de mulher gorda, bonita, com peitos grandes e nádegas carnudas; o costume das mulheres taparem quase todo o rosto para irem à igreja; uso de azulejos na frente das casas; uso intensivo de temperos; árvores de fruto em volta das casas etc., tudo isso são descritos por Freyre como traços da influência asiática e africana nos três primeiros séculos de colonização. Diante de tal cenário: 
A colônia portuguesa da América adquirira qualidades e condições de vida tão exóticas - do ponto de vista europeu - que o século XIX, renovando o contato do Brasil com a Europa - que agora já era outra: industrial, comercial, mecânica, a burguesia triunfante - teve para o nosso País o caráter de uma reeuropeização. Em certo sentido, o de uma reconquista. Ou de uma renascença - tal como a que se processou na Europa impregnada de medievalismo, com relação à antiga cultura greco-romana. Apenas noutros termos e em ponto menor (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 430-431).
Freyre conclui que em fins do século XVIII e início do XIX, ocorreu no Brasil um processo de reeuropeização baseado em três "ão": assimilação, imitação e coerção. O último, imposto guela abaixo pelos ingleses através do Tratado de Methuen que praticamente resumia Portugal a uma dominação política do Brasil. Segundo ele, esse processo introjetou padrões de vida na sociedade brasileira que, espontaneamente, dificilmente seriam adotadas pelos brasileiros. Esse processo de reconquista do Brasil enfrentou resistências, tanto de ordem cultural quanto de ordem natural. 

Sobre a resistência de ordem natural, Freyre se refere as doenças típicas de países tropicais que afetaram fortemente os europeus não-ibéricos que começaram a rumar para o Brasil. Malária, febre amarela, sífilis, peste bubônica, bexiga e o bicho-de-pé foram alguns problemas de ordem natural que os europeus tiveram que enfrentar. Porém, 
Uma vez iniciada a reconquista do Brasil pela Europa, não cessou; e ainda hoje nos abafa, embora substituído o europeu da Europa pelo quase-europeu dos Estados Unidos da América do Norte. Os mártires louros que venceram - em parte, pelo menos - a batalha entre os nórdicos e o trópico, travada no Brasil. A febre amarela é que terminou vencida. E essa reconquista alterou a paisagem brasileira em todos os seus valores. Reeuropeizou-a - ou a europeizou - o quanto pôde (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 432).
O processo de reeuropeização trocou o colorido africano e asiático pelo tom empalidecedor do europeu não-ibérico. Essa substituição das cores foi tratada por Freyre da seguinte forma: "A nova Europa impôs a um Brasil ainda liricamente rural, que cozinhava e trabalhava com lenha, o preto, o pardo, o cinzento, o azul-escuro de sua civilização carbonífera. As cores do ferro e do carvão; o preto e o cinzento das civilizações "paleotécnicas" de que fala o Prof. Mumford; o preto e o cinzento dos fogões de ferro, das cartolas, das botinas, das carruagens do século XIX europeu. Talvez "coloração protetora", insinua o sociólogo norte-americano para explicar esse excesso de preto das coisas e do vestuário, da Europa burguesa e principalmente da Vitoriana. Ou o efeito de uma "depressão dos sentidos" sob o industrialismo capitalista? O certo é que esse cinzento nos atingiu com uma rapidez espantosa de efeitos" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 433).

E sobre as origens desse triunfo cinzento, temos D. João VI e seu neto: D. Pedro II. A ligação dos dois é feita por Freyre da seguinte forma: "A sobrecasaca preta, as botinas pretas, as cartolas pretas, as carruagens pretas enegrecem nossa vida quase de repente; fizeram do vestuário, nas cidades do Império, quase um luto fechado. Esse período de europeização da nossa paisagem pelo preto e pelo cinzento - cores civilizadas, urbanas, burguesas, em oposição às rústicas, às orientais, às africanas, às plebéias - começou com D. João VI; mas acentuou-se com D. Pedro II. O segundo imperador do Brasil, ainda meninote de quinze anos, já vestia e pensava como velho; aos vinte e poucos era o monarca "mais triste do mundo", na opinião de um viajante europeu" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 433). D. Pedro II, considerado como mórbido, não gostava sequer de montar a cavalo, fazendo Freyre o chamar de típico "europeu de cidade".

Esse imperador mórbido e ridiculariza pelos republicanos por conta de sua voz fina, tornou-se o modelo para as novas gerações de brasileiros. Ele representava o advento da moda européia sobre as coisas de origem oriental e africana que tanto marcou os três primeiros séculos de colonização. Esse povo autêntico que desenvolvia estilos de vida apropriados ao clima, como a roupa leve dentro de casa e o chinelo sem meia, passa a ter o cinzento como tendência a ser seguida. Enfim, o Brasil do século XIX era o país com ar de luto fechado. Freyre critica essa imitação de tudo oriundo da Europa e essa inquietação fica nítida no seguinte trecho:
Hábitos - repita-se - que haviam se alterado no sentido de uma imitação mais passiva de trajos de climas frios e de civilização parda e cinzentamente carbonífera. No sentido da substituição das cores vivas pelo preto sonele e pelo cinzento chic - problema não apenas de estética mas de higiene, pelo menos mental, criado pela repressão de um gosto de base possivelmente fisiológica, e certamente, tradicional. No sentido de novas espessuras de panos: o uso, sob um sol como o nosso de vestuários de panos grossos, felpudos, quentíssimos, fabricados para países de temperatura baixa, mas que estava no interesse do novo industrialismo europeu sobre base capitalista, e portanto estandardizador e uniformizador dos costumes e trajos, estender às populações tropicais. Ânsia de mercado. Fome de mercado. "Imperialismo colonialista", diria um marxista ortodoxo (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 435).
Essa imitação do europeu, trouxe consequências sérias para a saúde dos brasileiros. Pelo menos era o que dizia o Dr. Joaquim de Aquino Fonseca que culpava o vestiário europeu pelo surto de casos de tuberculose no Império. Nessa nova moda, as crianças eram verdadeiras martirezinhos, segundo Freyre. Sequer as indicações médicas tiraram dos pais a ânsia em seguir a moda do Velho Mundo. E não só as vestimentas, como a alimentação havia sido modificada a partir dessa imitação. Especulação ou não, o fato é que a tuberculose teve aumento quantitativo no Império e coincidiu com o processo de reeuropeização do país. Em contraste com essa imitação do século XIX, tínhamos o XVIII. "No século XVIII - que foi, talvez, quanto aos costumes, o mais autônomo, o mais agreste, o mais brasileiro na história social do País - Vilhena rebatera as críticas de alguns viajantes europeus, com relação ao traje solto, à vontade, chamado "à fresca", dos brasileiros, quando na intimidade de suas casas. Mostrara que esse relaxamento, tão repugnante para quem vinha de climas mais frios, correspondia às condições de clima tropical da colônia" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 436).

Depois de analisar as mudanças na arquitetura, nas vestimentas e na alimentação; Freyre chega na educação. E na análise desse ponto, Freyre enxerga pontos positivos nesse processo de reeuropeização. O contato com as ideias vindas, principalmente, da França e da Inglaterra, desenvolviam no brasileiro uma abstração e espontaneidade até então impossíveis de florescer em meio a educação portuguesa de cunho clerical e doutrinário. Sobre os avanços no campo educacional a partir da reeuropeização do país, destaca Freyre:
A monocultura, devastando a paisagem física, em torno das casas, o ensino do colégio de padre jesuíta devastando a paisagem intelectual em torno dos homens, para só deixar crescer no indivíduo ideias ortodoxamente católicas, que para os jesuítas eram só as jesuíticas, quebrara no brasileiro, principalmente no de classe educada, não só as relações líricas entre o homem e a natureza - rotura cujos efeitos ainda hoje se notam em nossa ignorância dos nomes de plantas e animais que nos cercam e na indiferença pelos seus hábitos ou pelas suas particularidades - como a curiosidade de saber, a ânsia e o gosto de conhecer, a alegria das aventuras de inteligência, de sensibilidade e de exploração científica da natureza. Essa curiosidade, esse gosto, essa alegria nos foram comunicados nos fins do século XVIII, e através do XIX, pelos enciclopedistas e pelos revolucionários franceses e anglo-americanos. Através do século XIX, também por mestres franceses e ingleses que aqui estabeleceram colégios, para grande indignação dos padres (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 437).
Esse ensino uniformizador do português católico, importante na integração social do Brasil, foi encontrando um tipo de ensino que incentivava a abstração, a sensibilidade e a espontaneidade intelectual que inexistiam nos colégios jesuítas. O que se ensinava nesses colégios jesuítas? Basicamente o foco era no aprendizado do latim, já língua morta na época. Lia-se latim e obras como as de Virgílio, Tito Lívio, Horácio e Ovídio. O prazer intelectual de quem se formava nesses colégios era aprender a ler e decorar textos antigos de poetas latinos. O latim, "Era uma disciplina severa; e teria sido ótimo, se não fosse exclusivo. O aluno atravessava a fase mais dura das declinações e dos verbos sob a vara de marmelo e a palmatória do padre-mestre. Mas acabava não sabendo escrever um bilhete, senão com palavras solenes e mortas; e evitando as palavras vivas até na conversa" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 438). A retórica existia atrelada a pensadores latinos como Cícero, por exemplo. Em suma, tivemos muito latim e muita retórica desenvolvida por padres, vindo daí a tendência brasileira a valorizar a oratória que o inibe de analisar e pensar os fatos analiticamente.

A partir do século XIX, com a chegada do francês e do inglês, a elite brasileira então acostumada a uma monocultura intelectual baseada no latim; começara a ter contato com doutrinas e filosofias que fervilhavam na Europa. E daí, eclodiram vários movimentos políticos sob influência dessa nova literatura. Entre esses movimentos, Freyre cita a Revolução Pernambucana de 1817, liderada por padres que liam francês e inglês. Por seu caráter reflexivo e contestatório que acaba desenvolvendo, as línguas francesa e inglesa passaram a ser consideradas perigosas.

Feita essa primeira exposição, Freyre começa a descrever experiências anteriores ao século XIX que colocaram brasileiros e europeus em contato. E a primeira descrita é a experiência holandesa no Nordeste que, segundo ele, marcou uma europeização do Brasil, mas em um sentido diferente do visto pelos portugueses. Os holandeses trouxeram pioneiramente essa abstração e espontaneidade que se viu através de franceses e ingleses no século XIX. Foi na Bahia sob domínio holandês que surgiu o primeiro centro de cultura médica no Brasil. E "O Recife judaico-holandês tornou-se o maior centro de diferenciação intelectual na colônia, que o esforço católico no sentido da integração procurava conservar estranha às novas ciências e às novas línguas" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 441).

O Nordeste acabou tendo um desenvolvimento diferente das outras regiões do país, pois aqui se viu a não exclusividade portuguesa. Isso seja na arquitetura, religião, estilos de vida etc. Em Recife, por exemplo, se falava uma variedade de línguas européias e africanas. A intolerância religiosa imperante na colônia sob hegemonia portuguesa, sofria de um enfraquecimento em regiões onde os holandeses administravam. E como diz Freyre, "Foi abusando dessa liberdade, que as parteiras da terra deram para batizar os meninos dos protestantes segundo o rito católico; os judeus, para se reunirem publicamente no mercado e até para seduzirem cristãos para o judaísmo, os mais afoitos chegando a circuncidar filhos de cristãos" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 442). E quais as consequências posteriores desses acontecimentos? Freyre bem responde:
O domínio holandês foi, assim, uma época de interpenetração de influências diversas: conquistadores transigiam enormemente com os povos conquistados. Mas estes ficaram com a experiência do tempo dos flamengos a agir sobre a sua vida no sentido ecumênico; nunca mais seria perfeita sua reintegração ao império português na América. Não seria absoluta sua reintegração social no complexo lusitano (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 443).
Além do Nordeste, a então capitania de Minas Gerais também desenvolveu fortes relações com os europeus por conta do comércio do ouro e dos diamantes. É "Daí as relações comerciais de Minas com a Europa não-ibérica - relações a que se juntaram as intelectuais e políticas no sentido liberal; e também as técnicas, as de estilo de vida, que se deixariam surpreender no maior uso do vidro nas suas casas-grandes e sobrados - neste ponto superiores aos do litoral, durante o século XVIII" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 444). A opulenta riqueza da elite mineira não condiz com a realidade da elite em outras capitanias ou regiões do país e aqui Freyre lembra dos ricos de Campos de Goitacases que viviam em casas semelhantes a mucambos Eles viviam, segundo um viajante europeu, em um modo de vida antieuropeu. O mesmo pode ser visto por ricos no Rio Grande do Sul, moradores de simples ranchos. Sobre esse caso, Freyre deixa escapar sua perspectiva teórica culturalista na análise dos fatos:
As regiões que mais se europeizaram nem sempre foram as mais ricas. O determinismo econômico falha, sozinho, na interpretação de longa série de processos sociais, do mesmo modo que o determinismo geográfico, quando pretende, isolado e puro, explicar fatos tão complexos e dinâmicos como os humanos (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 444).
Descritas as relações entre brasileiros e europeus antes do século XIX, com destaque para o caso de Pernambuco e de Minas Gerais, Freyre conclui esse amaranhado de contatos da seguinte forma:
O diamante, atraindo para Minas os interesses do comércio europeu e, sobretudo, a mediação plástica da técnica judaica e da finança israelita, tão cheia de tentáculo por toda parte, venceu a distância que separava aquela região, da Europa; e criou uma série de relações especialíssimas entre a burguesia rica dos sobrados de Ouro Preto, Sabará, Santa Luzia e a civilização industrial e urbana do norte da Europa. Acentuaram-se, sob o estímulo da maior variedade de contatos com o estrangeiro, forças de diferenciação social, que não custaram a romper, vulcanicamente, as de integração. Daí a revolução Mineira: expressão nítida da diferenciação cultural, e não apenas econômica, que se operara na área mediterrânea. Do mesmo modo, as revoluções pernambucanas: a de 1710, a de 17, a de 24, a chamada Revolta Praieira. Sobre todas elas atuaram motivos econômicos. Forças econômicas . Apenas não atuaram sozinhas. Condicionaram, junto com outras influências, as demais especializações de cultura - inclusive o pendor para as formas liberais de governo - que se verificaram nas duas regiões, a mediterrânea e a levantina, tão diversas na sua topografia. Não se nega a influência de tais forças; o que se diz é que não determinaram, de modo rígido ou absoluto, especializações regionais de cultura - resultados de causas ou influências complexas (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 447).
O que também essas regiões tem em comum são os benefícios conquistados através do comércio internacional dos judeus, sendo de vital importância a presença desse povo para uma valorização do intelectual, do científico e do técnico. Esse judeu, não muito estranho aos povos ibéricos, desenvolveu entre nós uma valorização do bacharelismo e do intelectualismo. Sobre a função desempenhada por esse povo na colonização, Freyre afirma: "O que o judeu trouxe para o Brasil como elemento de diferenciação foi principalmente a capacidade para o comércio internacional, que nos enriqueceria de uma variedade de contatos, impossíveis dentro da exclusividade portuguesa. Também a especialização científica e literária que neles se aguçara por efeito daquela riqueza de contatos, distanciando-se dos portugueses rurais e cristãos-velhos" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 449).

Os judeus tiveram um papel crucial nas relações entre europeus e brasileiros, antes do século XIX. A sua presença foi significativa, tanto em Pernambuco (em uma maior expressão), quanto em Minas Gerais. E quais as possíveis projeções dessa atuação estrangeira, durante o período colonial? Além dos movimentos políticos já citados acima, "Há também quem ligue à influência do liberalismo de Nassau sobre a mentalidade dos colonos do Norte no século XVIII, certo pendor, porventura mais acentuado no pernambucano que nos brasileiros de outras regiões, para a insubordinação política e para as formas liberais de governo" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 451). Em Minas Gerais, o ouro e os diamantes proporcionaram uma relação entre europeus e brasileiros tão intensa que a capitania se tornou a área do país que mais sofreu os padrões da europeização. A moda e as casas mineiras são mostras disso. Tamanha a influência que "Saint-Hilaire, tendo ido a um baile oferecido à sociedade mineira pelo governador D. Manuel de Castro Portugal, não encontrou entre os estilos de vestir das senhoras montanhesas e as modas européias, a distância enorme que esperava" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 452).

Passada as relações entre europeus e brasileiros no século XVIII, focando em Pernambuco e Minas Gerais, Freyre chega na análise da reeuropeização no século XIX, seu apogeu. Segundo sua análise, esse processo afetou mais homens que mulheres. Os homens se mostraram mais adeptos a moda européia, enquanto as mulheres guardavam consigo certos traços orientais, rurais e asiáticos. É a partir do século XIX que mudanças profundas começam e se intensificam. Por exemplo, a substituição do chapéu de palha pelas cartolas pesadas; o piano em vez do violão ou harpa; o advento da cerveja, já importada dos EUA desde pelo menos 1848. E:
"Os anúncios de jornais documentam abundantemente essas transformações de gostos que, durante a revolucionária primeira metade do século XIX, foram afastando o brasileiro de costumes já castiçamente luso-brasileiros para aproximá-los de modas francesas, inglesas, italianas, alemãs, eslavas; e também norte-americanas que, desde então, começaram a competir com as européias" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 454).
A decadência do comércio escravo e da economia apoiada por ela, o processo de reeuropeização foi intensificado, pois agora o europeu não era apenas o médico, o dentista ou o governante, mas também o operário, pequeno agricultor e carpinteiro que vinha para substituir a mão-de-obra escrava. Os jornais, citados acima, anunciava a mais recente moda na Europa. Seja na música, na dança, na arquitetura ou na ciência. Na ciência, os laboratórios químicos (então chamados de "chimico") surgiam para enfraquecer os tradicionais remédios caseiros aprendidos com a índia ou com a preta. A alimentação também passou a ser imitada. Enfim,
A pintura para a barba, a fazenda, o calçado, o vestido, o chapéu, o remédio, o alimento, o adorno de pessoa e de casa, o meio de transporte, tudo passou a ser importado da Europa, um ou outro artigo dos Estados Unidos. Eram artigos nem sempre da melhor qualidade, embora os preços fossem os mais altos. Os vestidos, os calçados, os chapéus nem sempre eram os de última moda, embora vendidos aqui por duas, três vezes, o preço de Paris (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 458).
Completa Freyre:
O brasileiro, mal saído das sombras do sistema patriarcal e da indústria caseira, deixou-se estontear da maneira mais completa pelos brilhos, às vezes falso, de tudo que era artigo de fábrica vindo da Europa. Um menino diante das máquinas e das novidades de Londres e de Paris (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 459).
Aproveitando esse fascínio do brasileiro a tudo vindo da Europa, muitos acumularam fortunas enganando com charlatanismos diversos. Isso ficou tão forte que se chegou a criar a expressão "negócio afrancesado" para se tratar de produtos de qualidade duvidosa. Sobre esse assunto, vale a pena a citação dessa história descrita por Freyre:
Num navio, informa ainda D'Assier ter ouvido conversa bem característica da atitude de negociantes franceses com relação ao Brasil. Era o grupo que conversava na intimidade. Um contava como fazia contrabando de relógios. Outro que chegara ao Brasil apenas com "40 sous" no bolso: sua fortuna já subia a 200 contos. Ganhara tão gorda soma vendendo chapéus-de sol. Chapéus-de-sol de pano e de armação ordinária; mas tão bonitos, que brasileiro nenhum resistia ao encanto deles. E quando algum ingênuo lhe aparecia para se queixar da má qualidade do artigo, ele alegava todo espantado que a mercadoria era de Paris: Paris, o nome mágico! (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 460).
Freyre continua...
E quando alguém objetou que vender por cem mil-réis o que custava cinco francos talvez fosse furto, todos perguntaram a um tempo, e indignados, que espécie de furto. Furto o deles, que se aventuravam ao perigo da febre amarela, às picadas dos mosquitos, à vida no meio de negros fétidos? Além do que, tudo era tão caro no Brasil - caríssimos, na verdade, os alimentos, com a monocultura dificultando a sua produção - que se os negociantes europeus não vendessem por tão alto preço seus artigos aos súditos de D. Pedro II, eles, europeus, é que acabariam arruinando-se no Brasil. "E os brasileiros" - perguntara um francês do grupo - "não roubam os negros?" (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 461).
O processo de reeuropeização trouxe consigo uma variedade de produtos adulterados para o Brasil. Esses produtos invadiram lojas do Rio de Janeiro, do Recife, de Salvador, de São Paulo, de Porto Alegre e de São Luís. Segundo Freyre, as comidas produzidas preparados no Brasil eram mais sãs que os alimentos conservados vindos da Europa. Porém, era "chic" (termo do próprio autor) comer à francesa, à inglesa ou à italiana. Os doceiros europeus substituíram os tradicionais doces das iaiás dos sobrados e dos negros de tabuleiro. Nos sobrados, os móveis se afrancesaram. Esses móveis não eram mais fabricados nos engenhos, mas em oficinas por artífices brancos e louros.

Diante desse cenário, era "Natural que fosse se acentuando a rivalidade entre o artífice ou o operário da terra - em geral, o preto ou o mulato livre, porque o escravo negro não podia dar-se o luxo de rivalidade com ninguém - e o operário ou o artífice estrangeiro, que surgiu com grande réclame pelos jornais ou protegido pelo governo"  (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 462).

Essa rivalidade entre o brasileiro e o estrangeiro europeu, culminou em conflitos violentos como a Revolta Praieira no Recife e a Cabanada no Pará. "Mas a europeização do trabalho, e até certo ponto do comércio, se impusera com o declínio da economia rigidamente patriarcal e com a industrialização da vida brasileira. Com o novo ritmo de vida: ritmo que veio exigir relógios, tão raros na época em que o tempo quase não se contava por horas, muito menos por minutos, só pelo nascer do sol, pelo sol a pino, pelo pôr-do-sol. Com os novos estilos de vida, de conforto, de arquitetura criados pela abertura dos portos ao comércio europeu e para satisfazer os quais não estava apto o artífice de engenho, o mulato livre, o operário da terra"  (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 463). Encerrando o capítulo, Freyre assevera a vitória da organização social industrial e burguesa trazida pelos europeus, sobre o modo de vida rural, agreste e patriarcal que vigorou no país durante três séculos de colonização. Sobre as consequências desse triunfo do branco europeu, Freyre encerra o capítulo:
Mas o técnico europeu repita-se que acabou triunfando. Até que o mulato aprendeu com ele a dirigir os trens, os tornos, as máquinas, a fabricar o vidro, a fazer macarrão e aletria. O sábio norte-americano John Casper Branner, viajando, já no fim do século XIX, pelo interior do Brasil, espantou-se da rapidez com que, diante dele, dos seus olhos claros de anglo-saxão, simples mulatinho de Minas endireitou certa vez as rodas de enorme balduína, que se desconsertara no meio da viagem. Era a assimilação da técnica do europeu e do anglo-saxão pelo "mulato da terra". Uma nova fase nas relações entre o europeu e o brasileiro. Também uma nova fase na economia e na convivência brasileiras, com a valorização, pela perícia técnica, do descendente de escravo, da gente de cor, moradora de mucambo; e a desvalorização, pelo imperícia, do descendente de senhor de casa-grande, de figaldo de sobrado, de morgado de canavial  (FREYRE, Gilberto. São Paulo: Global, 2006, p. 464).







  
  
  

























sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Futebol, Cultura e Sociedade



  • Sobre o autor: Jocimar Daolio é graduado e pós-graduado (mestrado e doutorado) em Educação Física. A graduação e o mestrado foram concluídos na Universidade de São Paulo (USP), enquanto o doutorado foi realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Daolio ainda é graduado em Psicologia, pela USP. Foi professor titular da UNICAMP, ligado ao Departamento de Educação Física e se aposentou em abril de 2019. 


Futebol, Cultura e Sociedade - Jocimar Daolio (org.) - Editora Autores Associados


Estudo Um - A Superstição no Futebol Brasileiro - Jocimar Daolio - A perspectiva desse estudo feito por Jocimar Daolio, visa enxergar o futebol como expressão da sociedade e não meramente como uma modalidade esportiva para fins recreativos. Ou seja, "Em outras palavras, só é possível discutir a superstição no futebol brasileiro se o olharmos como fenômeno sociocultural que expressa e reflete a própria condição do ser humano nacional" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 4). Somente as Ciências Humanas, e a Antropologia Social em particular, terá ferramentas para explicar ou refletir a superstição em torno do futebol brasileiro. 

Não é novidade estudar o futebol como um fenômeno sociocultural e para isso, Daolio traz três autores que seguem essa linhagem. São eles: a) Roberto DaMatta, antropólogo, "afirmou que o futebol constitui-se em veículo para uma série de dramatizações e representações da sociedade brasileira, permitindo a expressão e vivência de problemas nacionais" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 4-5); b) Arno Vogel, pensou o futebol como uma expressão ritualística (vista como uma representação de si para si mesma) utilizada pela sociedade brasileira para expressar questões mais profundas como o luto e a euforia; c) José Sebastião Witter, acredita que estudar o futebol é se debruçar sobre a própria história e formação do povo brasileiro que se mantém conectado a esse esporte durante todo o século XX. Assim, para esses autores: 
O futebol brasileiro tem se constituído, ao mesmo tempo, em expressão da sociedade brasileira e em um modelo para ela, espelhando toda a sua dinâmica, com todas as contradições e todas as riquezas nela presentes (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 6).
Tomando como base Eunice Durham, o autor afirma que a cultura é formada por um conjunto de símbolos que orientam e dão significado as nossas ações. Tomando esse conceito de cultura, pode-se afirmar que o futebol é dotado de um conjunto de símbolos que expressam a sociedade brasileira em que ele está inserido. Segundo Geertz, "o futebol é parte da teia de significados que os humanos, em sua dinâmica social, vão construindo, constantemente atualizando e revivendo, teia essa que constitui a própria cultura de um povo" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 6). 

Sendo assim, se a sociedade brasileira tem como base a reprodução de um conjunto de crenças e superstições em sua dinâmica cultural, nada mais que natural que essas características também estejam presentes no futebol. É nessa ligação que o estudo se baseia. E como Daolio deixa bem claro no texto: sua visão de superstição não é negativa ou como uma característica tradicional da nossa sociedade a ser modernizada. O estudo se baseia na vinculação inerente entre superstição e futebol, entrelaçados e inseridos numa sociedade que leva ambos em consideração. 

A superstição no futebol é vista diariamente entre os diversos atores que compõem esse esporte: jogadores, técnicos, imprensa esportiva, cartolas etc. Para justificar sua ideia, Daolio traz algumas manchetes de jornais entre as quais podemos citar duas referentes a Copa do Mundo de 1994: "Parreira adere a superstição" e "Zagalo, o homem do 13: ele acredita no título, baseado no seu número de sorte". Não se deve, contudo, pensar que o futebol cria o pensamento supersticioso. Ele apenas expressa e reproduz uma visão de mundo que é própria da sociedade brasileira. Essa sociedade busca, a todo momento, dar explicações sobre fenômenos inexplicáveis e para isso utilizam de um conjunto de crenças e superstições sem comprovação científica.  

Porém, o objetivo do trabalho não é menosprezar esse conhecimento do senso comum baseado em crendices. Daolio não o considera nem pior e nem melhor que o conhecimento científico, ele apenas afirma que o senso comum "nada mais é do que a forma como cada pessoa, disposta em uma dada dinâmica sociocultural, lida com as manifestações do mundo e procura sentido para nele se orientar" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 13). Se baseando em Clifford Geertz, o autor mostra que o conhecimento do senso comum parte de cinco características. São elas:  
  1. Naturalidade: essa característica "diz respeito ao fato de que o senso comum considera determinados acontecimentos como partes de uma natureza dada e tradicional" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 14);
  2. Praticabilidade: essa característica significa "a busca que os indivíduos empreendem no sentido de que as suas ações tenham um fim prático, que resultem naquilo que eles esperavam alcançar" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 15);
  3. Leveza: é a capacidade do senso comum mostrar ou apresentar um fato como se fosse exatamente aquilo que parece ser, naturalizando sua visão sobre o acontecimento; 
  4. Não-Metodicidade: em vez do uso de teorias e fórmulas, o senso comum utiliza de piadas, provérbios populares, lendas etc para expressar sua visão de mundo e "Esses provérbios, histórias e frases compõem aquilo que se chama de sabedoria popular, um conjunto de crenças que perpetua determinadas formas de viver e de explicar o mundo" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 16-17);
  5. Acessibilidade: por fim e sendo uma consequência das outras quatro características, aqui o conhecimento produzido pelo senso comum é visto como de fácil entendimento e sua obtenção não requer nenhum tipo de saber especializado. 
Essa visão de senso comum do Geertz, permite uma interpretação desse conhecimento como culturalmente construído, afastando-se de concepções preconceituosas. Mas qual sua utilidade para os estudos sobre o futebol brasileiro, enquanto reprodutor de superstições? Para Daolio:
Para o estudo do futebol brasileiro, que se constitui em uma das principais manifestações culturais de nossa sociedade, essa análise do pensamento de senso comum é importante pois permite a compreensão do funcionamento dessa tradição sem preconceitos e sem cientificismos que neguem as formas de expressão da cultura popular. Isso talvez explique o fato de os comportamentos supersticiosos persistirem no futebol brasileiro ao longo dos anos, mesmo com todo o avanço científico das ciências do esporte (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 18).
Estudo Três - Futebol-Arte ou Futebol-Força? O estilo brasileiro em jogo - Sérgio Settani Giglio - O início da oposição Futebol-Arte e Futebol-Força - Assim como no estudo um, feito pelo Jocimar Daolio, esse estudo três segue o mesmo preceito: olhar o futebol como um fenômeno sociocultural e não meramente um esporte com fins recreativos. A ideia da existência de um futebol-arte e um futebol-força, esbarra na noção de estilos de jogo bastante debatida dentro dos estudos sobre futebol. Para muitos, cada país acabaria desenvolvendo um tipo específico de jogar futebol, com base em sua dinâmica cultural.

Foi tendo essa ideia como base que se criou a bipolaridade futebol-arte e futebol-força, sendo a primeira representante do estilo de jogar dos brasileiros e a segunda dos europeus. Essa criada ideia de futebol-arte, serviu para consolidar nossa identidade interna e externa. Mas qual a natureza dessas duas formas de jogar futebol? Segundo Sérgio,
Uma das características que o futebol-arte apresenta é o fato de o jogo ser encarado como espetáculo. A estrutura da partida está centrada na plasticidade das jogadas encenadas pelos artistas da bola em um gramado, ou melhor, em um teatro de arena. No futebol-força, prevalece a competição e, consequentemente, a eficiência passa a ser a norteadora do objetivo a ser alcançado. Aqui também podem acontecer jogadas bonitas, mas essa não é uma característica frequente deste tipo de futebol (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 56).
A habilidade e ginga, inerente ao futebol-arte, é tratado como inato. É a expressão de um dom, uma espécie de dádiva ou presente natural que apenas os brasileiros conseguem desenvolver. Mas essa ideia de dom inato e natural é criticado pelo autor. Ele afirma o seguinte sobre essa afirmação:
Não podemos analisar o dom sem considerar o aspecto cultural. Se aceitamos a ideia de que uma pessoa possa ter um dom ou "talento natural", precisaríamos fazer essa análise pela ótica da cultura, ou seja, nesse caso o dom pode ser entendido como algo aprendido culturalmente, como um componente adquirido que aperfeiçoa e melhora a natureza inata de cada um (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 57).
Do ponto de vista biológico, seria impossível afirmar que o brasileiro é um povo geneticamente mais propenso a prática do futebol. Sem essa cientificidade concreta, como esse discurso de futebol-arte se baseia? Qual sua argumentação e justificativa? O improviso e a brincadeira são elementos usados para comprovar esse inatismo do brasileiro. Individualista e intuitivo, o jogador brasileiro "não pensa para jogar", ele improvisa suas jogadas a depender das dificuldades encontradas durante o jogo. Já a espontaneidade é fruto do processo de socialização do brasileiro que, desde cedo, é incentivado a jogar futebol na rua. Futebol no Brasil é sinônimo de infância e brincadeira. E isso desenvolve uma forma de jogar que não teme o erro, tratando uma partida de futebol como diversão. Essas representações do futebol-arte teve seu auge entre os anos de 1930 a 1974 e os craques eram produzidos nas ruas, nos campos de várzea. As escolinhas de futebol como conhecemos hoje só vai surgir após esse período e fruto de uma mudança no cenário urbano que reduziu o número de campos.

O Futebol-Arte e o Futebol-Forças nas Copas do Mundo - As edições de Copas do Mundo é o recorte usado por Sérgio para desenvolver suas reflexões. O início do que conhecemos como futebol-força foi a Copa de 1966, realizada na Inglaterra e que teve os anfitriões como campeões. O futebol-força foi um meio utilizado pelos europeus de bater de frente com o futebol sul-americano, hegemônico em Copas do Mundo até então. Por conta da campanha vexatória da Seleção Brasileira naquela edição, o futebol-arte praticado pelo Brasil foi questionado. A principal pergunta era: como manter os antigos resultados, frente a objetividade e eficiência do futebol-força? 

A partir da Copa de 1966, o fator físico começou a ganhar maior destaque na preparação dos clubes e da seleção. A figura do preparador físico começava a ganhar protagonismo e uma ruptura com o romântico futebol-arte foi realizada a partir daquele momento. A Copa do Mundo seguinte, realizada em 1970, no México, marcou o tricampeonato do Brasil e também a utilização dos recursos técnicos do futebol-força no planejamento da Seleção Brasileira. Aquela edição marcou uma mesclagem entre o futebol-arte, representado por uma geração de talentosos jogadores; e o futebol-força, representado por novas técnicas de treinamento. O preparador físico Carlos Alberto Parreira, futuro técnico da Seleção Brasileira, foi uma importante figura dessa conquista. O futebol ali apresentado é considerado por Sérgio como o melhor modelo, aquele que mais recebeu aprovação do povo brasileiro. Em 1970 a qualidade técnica dos jogadores ganhou tanta importância na mídia que até se esqueceu do fato de ter sido a primeira edição em que métodos científicos e inovadores foram utilizados na preparação. 

A partir dos anos de 1990, o futebol-força ganhou maior notoriedade no futebol brasileiro, sendo representado pela chamada "Geração Dunga". A Copa de 1990, realizada em solo italiano e sob o comando técnico de Sebastião Lazaroni, marcou o triunfo do futebol de resultados que marcaria a Seleção Brasileira nas edições posteriores. Essa nova forma de jogar sofreu duras críticas em 1990, por conta da campanha fraca feita pelo Brasil naquela edição. Porém, em 1994, sob a mesma lógica de obediência tática acima da criatividade técnica, o Brasil conquistou o tetracampeonato mundial. 

Apesar disso, pequenos traços do antigo futebol-arte ainda podem ser vistos na Seleção Brasileira, graças a seus destaques individuais. Isso ficou claro na Copa de 2002, edição do pentacampeonato, onde se viu a organização tática ser acrescida dos destaques individuais como Ronaldo e Rivaldo. 

Futebol-Força ou Futebol-Arte? - Para Sérgio, a dualidade futebol-força e futebol-arte se esgotou. O que se ver no Brasil é uma mistura das duas lógicas, assim como podemos enxergar traços do futebol-arte entre os europeus. E se fomos pensar numa essência do estilo de jogo brasileiro, podemos constatar o seguinte: 
O futebol brasileiro caracteriza-se, principalmente, pela apurada habilidade e criatividade de seus jogadores. A qualidade do jogador brasileiro pode ser explicada pela influência que o futebol possui em nossa sociedade. Dentro da cultura brasileira, a rua sempre ocupou um lugar de destaque no aprendizado do futebol. Assim, o futebol deve ser analisado como parte integrante de nossa cultura e muitas habilidades desenvolvidas na infância são capazes de explicar "o dom do jogador brasileiro para o futebol" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 69).
Existe uma tendência para o futebol-arte, individualizado e focado nos atributos técnicos. Entretanto, é impossível desconsiderar a existência de fortes características do futebol-força, como a valorização do condicionamento físico. Encerra Sérgio, "Sendo assim, podemos associar elementos que num primeiro momento são opostos, como o jogo e o esporte, habilidade e força, artístico e competitivo, individual e coletivo" (DAOLIO, Jocimar. Campinas-SP: Autores Associados, 2005, p. 70).
















sábado, 12 de outubro de 2019

Introdução ao Fascismo



  • Sobre o autor: Leandro Konder foi um advogado e filósofo carioca que nasceu em 1936 e faleceu em 2014 aos 78 anos. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuou como advogado criminalista e trabalhista até ser demitido de sindicatos por conta do golpe militar de 1964. Foi obrigado a sair do país em 1972, retornando apenas em 1978. Em 1984 obteve o título de doutor em Filosofia pela mesma UFRJ que tinha estudado anos atrás no curso de Direito. A partir daí Konder seguirá uma prestigiada carreira acadêmica, atuando como professor no Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e também no Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). De orientação marxista e com vasta produção teórica, Konder é autor de clássicos das Ciências Sociais brasileira como: a) Marx: vida e obra; b) Marxismo e Alienação; c) História das ideias socialistas no Brasil etc. 


Introdução ao Fascismo - Leandro Konder - Editora Expressão Popular


O CONCEITO DE FASCISMO

I - Leandro Konder admite a multiplicidade de pesquisas sobre o fascismo, fenômeno político considerado como significativo para o século XX. Porém adverte que essa multiplicidade, muitas oriundas de fontes ditas "liberais" ou "socialistas", "implicava impedir que o fascismo fosse efetivamente compreendido, implicava confundir e enfraquecer as forças capazes de se opor com firmeza às tendências fascistas" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 23). E é dentro dessa "batalha teórica" (termo utilizado pelo próprio autor) que essa obra se insere, visando facilitar o entendimento do público brasileiro a respeito do fascismo.

II - Konder adverte o uso irresponsável dado a palavra "fascismo" dentro da esquerda. Usado como mero efeito de agitação na luta política cotidiana, a palavra ganhou significado de xingamento contra a direita. Esse uso incorreto e irresponsável da palavra, até pode ter seus efeitos políticos imediatos, mas acaba obscurecendo o rigor científico que ajuda numa análise realista da realidade social. Logo,
Nem todo movimento reacionário é fascista. Nem toda repressão - por mais feroz que seja - exercida em nome da conservação de privilégios de classe ou casta é fascista. O conceito de fascismo não se deixa reduzir, por outro lado, aos conceitos de ditadura ou autoritarismo (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 25).
Episódios de tirania e autoritarismo é visto durante toda à história humana, desde seus primórdios. Esparta e Nero em Roma, são exemplos citados pelo autor. Apesar do autoritarismo presente nessas situações e contextos, é incabível afirmar que existiu fascismo na Grécia Antiga ou em Roma. Para encerrar essa parte, Konder compara François Duvalier (presidente do Haiti entre 1957 e 1971) com Adolf Hitler e Benito Mussolini. As atrocidades cometidas por Duvalier, pode até superar as praticadas por italianos e alemães. Entretanto, o significado histórico que fez surgir Hitler e Mussolini nos anos de 1920 é totalmente diferente do que produziu Duvalier. Assim,
"A tirania Duvalier não passa de uma variante extemporânea (nem por isso menos trágica) de despotismo reacionário de velho estilo, cujas formas de existência foram sendo banidas dos centros da história contemporânea e só subsistem relegadas à periferia do nosso mundo. Mussolini e Hitler, ao contrário, conquistaram um lugar no próprio centro da história do nosso século, como pioneiros de uma nova concepção política da direita (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 26).
III - A direita é o gênero e o fascismo é a espécie, afirma Konder. O objetivo da obra é justamente entender o que essa espécie apresenta de novo no quadro geral do gênero a que ela pertence. Do ponto de vista geral, a ideologia da direita é aquela ligada pela conservação de um tipo específico de sistema socioeconômico que se baseia na propriedade privada dos meios de produção. Sua necessidade de conservar certos privilégios, faz essa ideologia ser essencialmente conservadora.

Mas dentro da ideologia da direita existem diferenças e disputas por espaço, só se unindo para lutar contra inimigos em comum. O principal desafio da ideologia da direita era o seguinte:
Os ideólogos especulativamente melhor aparelhados da direita (como Schopenhauer, Nietzche, Bergson) não assumiam funções significativas na direção de organizações conservadoras especificamente políticas. E os dirigentes políticos efetivos da direita não mostravam nenhum talento especulativo, em suas tentativas de teorização. (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 29).
Visando superar essa contradição entre teóricos não engajados e políticos não intelectualizados, o fascismo "adotou a solução do pragmatismo radical, servindo-se de uma teoria que legitimava a emasculação da teoria em geral" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 29). O lema do fascismo seria basicamente representado nessa frase: "A ação enterrou a filosofia".

IV - O fascismo acaba importando conceitos do marxismo, visando neutralizar importantes ferramentas teóricas produzidas por Karl Marx. O grande responsável por essa importação falseada foi o fascismo italiano, representado pela figura de Mussolini. Ex-membro do Partido Socialista, Mussolini adaptou três importantes conceitos marxistas ao cardápio fascista. São eles: 01) o conceito de luta de classes; 02) o conceito de imperialismo; 03) o conceito de ideologia. Vamos explicar como ele realizou essa tarefa abaixo.

Para Marx, a luta de classes é o principal motor da história humana. Através dela ocorrem as transformações sociais, políticas e econômicas. A principal objeção dos fascistas a esse conceito marxista, estava relacionado a temporalidade da luta de classes. Marx e Engels acreditavam que através da luta revolucionária, sob liderança do proletariado, seria possível construir o comunismo e consequentemente alcançaríamos o fim da luta de classes. Já "Mussolini encarava a luta de classes como um aspecto permanente da existência humana, uma realidade trágica insuperável: o que se precisava fazer era discipliná-la, e o único agente possível dessa ação disciplinadora teria de ser uma elite de novo tipo, enérgica e disposta a tudo"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 32).

Outro conceito marxista importado pelos fascistas em suas reflexões, foi o de imperialismo. Para Mussolini, a teoria marxista daria muito foco ao antagonismo entre burguesia e proletariado, deixando de lado o principal um aspecto central: a luta entre "nações capitalistas" e "nações proletárias". Essa ênfase dada ao antagonismo entre "nações capitalistas" e "nações proletárias" tinha total ligação com a burguesia italiana que se viu em desvantagem na partilha do mundo, em comparação com as burguesias inglesas e francesas.

Por fim, o último conceito marxista assaltado pelos fascistas foi o de ideologia. Para Marx a ideologia é a expressão mental das condições materiais de existência dos homens. Nessa relação, as condições materiais determina a produção mental, estando as ideias dominantes de uma sociedade à serviço da classe dominante. Os fascistas instrumentalizaram o conceito e "Em lugar de reconhecerem socialmente condicionadas (como em Marx), as verdades passaram a morrer, sistematicamente, pregadas na cruz da utilidade circunstancial que o cinismo dos fascistas encontrava para elas'  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 33).

V - Do ponto de vista teórico, o movimento fascista se denominava "super-relativista", obtendo uma grande flexibilidade ideológica. Mas essa relativismo era insuficiente do ponto de vista político e prático, pois impedia uma mobilização apaixonada das massas em torno de uma base unificadora. Essa unidade, ou mito, seria logo identificada por Mussolini: a nação. A ideia de nação foi central para os fascistas unificarem sua luta política.

Essa valorização dada a nação, vista como entidade mítica a ser defendida, casa perfeitamente com a ideia de imperialismo que os fascistas trazem e reinterpretam da teoria marxista. A nação unificada, mítica, idealizada e fictícia camuflava os conflitos sociais presentes na sociedade italiana e oriunda da luta de classes entre capital/trabalho. Mussolini foi influenciado pelo nacionalista de direita Enrico Corradini. A defesa do fascismo italiano era da "nação proletária", explorada pelas "nações capitalistas". Traçado esse objetivo central, Mussolini desenhava os inimigos a serem mortalmente combatidos: os socialistas, aqueles responsáveis por incitarem no proletariado uma luta interna que enfraquecia a Itália frente a seus inimigos externos. A luta se resumia entre nação e antinação, estando a luta social absolvida pela luta nacional.

Hitler adotou a mesma linha na Alemanha, começando pela ideia de "Nacional-Socialismo", que buscava fazer a luta social como parte da luta nacional. A influência de Hitler foi o nacionalista de direita Arthur Moeller van den Bruck, escrito da obra "Terceiro Reich" (que daria nome ao regime hitleriano), publicada no ano de 1923. Esse livro do Bruck advertia aos alemães que o país estava sendo proletarizado pelas nações europeias vencedoras da Primeira Guerra Mundial. Aproveitando essa ideia, Hitler segue a mesma linha de pensamento de Mussolini: a principal luta deve ser contra as nações estrangeiras e para que essa luta seja desenvolvida, faz-se necessário eliminar forças internas antinacionais como os sociais-democratas e os comunistas. Resume Konder,
O sentido social conservador dessa ideia era claro: tanto na Alemanha quanto na Itália, os trabalhadores eram convidados a ver em seus compatriotas capitalistas não os beneficiários de um sistema social baseado na exploração interna, mas sim colegas proletarizados (ou em vias de proletarização), vítimas de um sistema de exploração internacional  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 37).
VI - Konder afirma que a retórica fascista em torno da nação só obteve êxito graças a fase imperialista que se encontrava o capitalismo. Nos países de capitalismo avançado o capital industrial fundiu-se com o capital bancário, formando o capital financeiro. Esse novo tipo de capital necessitava de expansão, gerando a exploração imperialista. A corrida imperialista foi a principal responsável pela Primeira Guerra Mundial. Sua consequência foi o desenvolvimento de um ressentimento nacionalista entre as nações imperialistas. Esse ressentimento foi habilmente utilizado por Mussolini e Hitler em prol de seus interesses.

Porém, Konder busca diferenciar o nacionalismo das nações imperialistas do nacionalismo das nações anti-imperialistas. Ele diz que "O nacionalismo dos povos efetivamente oprimidos e explorados é tendencialmente democrático e se fortalece através da mobilização popular feita 'de baixo para cima'"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 39). Nesse nacionalismo defensivo, o mito da nação não é central na mobilização popular. O que move os nacionalistas nesse caso são as próprias condições reais de existência, então sob exploração dos colonizadores. Já o nacionalismo das nações imperialistas, defendido pelos fascistas, depende da manipulação das massas em torno de um mito criado: a nação, idealizada e sem contradições. Além disso, sua prática pressupõe uma lógica "de cima para baixo". Ainda sobre a natureza do nacionalismo fascista, diz o autor:
Na prática, a demagogia fascista assume frequentemente formas "populistas", lisonjeando o "povo", prestando-lhes todas as homenagens e contrapondo-o à "massa" (que representa apenas o peso morto da "quantidade"). Mas esse "populismo" pressupõe um "povo" tão mítico como a "nação", nos quadros da ideologia fascista. E todas as vezes em que alguma tendência no interior do fascismo se mostrou mais sensível a pressões "plebeias" e procurou aprofundar certos aspectos "populistas", foi sumariamente cortada pelas forças que mantinham a hegemonia no movimento fascista  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 40).
Dentre essas forças cortadas pela hegemonia no movimento fascista Konder cita Gregor Strasser na Alemanha, Roberto Farinacci na Itália e Kita Ikki no Japão. Strasser era braço direito de Goebbels até 1926, mas seria assassinado em 1934 por manter suas posições anti-capitalistas. Farinacci foi afastado do Partido Nacional Fascista (onde assumia o cargo de secretário-geral) depois da aliança feita entre Mussolini e a Igreja Católica. Já Ikki lançou as bases de um movimento que preconizava a libertação da raça amarela da raça branca, dando ao fascismo nipônico fortes traços anti-imperialistas. Foi fuzilado em 1937 após uma tentativa de golpe de estado. Todos esses casos mostram que, tendências que buscaram discordar da hegemonia do movimento fascista, foram duramente reprimidas e abafadas.

Por fim, e ainda visando diferenciar o nacionalismo imperialista do nacionalismo anti-imperialista, afirma Konder:
O nacionalismo que exprime os sentimentos de um povo explorado pelo capital estrangeiro ou que exprime a revolta de um povo contra imposições de outra nação é um nacionalismo essencialmente defensivo: seus valores podem levá-lo a hostilizar circunstancialmente os estrangeiros exploradores, mas ele não se afirma em contraposição à humanidade em geral e não nega os valores das outras nações. A valorização fascista da nação, ao contrário,  exatamente porque é inevitavelmente retórica, precisa ser agressiva, precisa recorrer a uma ênfase feroz para disfarçar o seu vazio e tende a menoscabar os valores das outras nações e da humanidade em geral  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 41).
VII - E quais as condições sociais, políticas, econômicas e culturais que propiciaram o sucesso do fascismo? No plano cultural, os pensadores da direita ajudaram nas condições que propiciaram o êxito do fascismo ao destruírem os princípios do liberalismo, principalmente seu aspecto político que oferecia convicções democráticas as massas populares. Filósofos como Nietzche exaltava preconceitos aristocráticos, menosprezando a democracia e a chamada "plebe". Essas ideias acabaram tendo repercussão até mesmo em setores potencialmente progressistas que passaram a enxergar a organização política das massas com pessimismo.

No plano social, político e econômico temos o desenvolvimento de um sistema que concentrou indivíduos em pequenas cidades sob o estímulo desenfreado da competição. E, "Vítimas da tendência desagregadora que se fortalecia no interior da vida social, reduzidos a uma solidão angustiante, os indivíduos - reconhecendo sua fragilidade - ansiavam por se integrar em comunidades capazes de prolongá-los, de completá-los"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 44). Esse papel de unificador dos indivíduos poderia ter sido feito pelo movimento socialista, porém, o ambiente hostil encontrado e suas disputas internas acabou enfraquecendo os socialistas. Aproveitando a crise do movimento socialista, cindido por conta da interpretação dada a Primeira Guerra Mundial, o fascismo encontrou um caminho livre para colocar o mito da nação como "algo capaz de satisfazer às exigências da vida comunitária, que os indivíduos, no quadro da sociedade capitalista, são levados a experimentar de maneira intensa porém frequentemente confusa"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 45).

É bem verdade, como pontua Konder, que os principais entusiastas do discurso fascista foram os membros da pequena burguesia, porém vários trabalhadores se sentiram seduzidos por fazerem parte da "comunidade popular" proferida por Hitler ou por se sentirem herdeiros do Império Romano, como defendia Mussolini.

VIII - O fascismo foi o primeiro movimento conservador, para não dizer político no geral, que aproveitou de técnicas de propaganda criadas pela sociedade de massas e/ou de consumo. O capitalismo que já controlava à produção, passou a controlar o consumo, promovendo propaganda dos produtos com o intuito de formar uma conduta do consumidor. O movimento fascista logo percebeu que poderia utilizar essas técnicas de propaganda na sua atividade política. Qual o resultado dessa inovação? Diz Konder:
No lugar da imagem dos políticos conservadores tradicionais, com seus fraques e cartolas, muitas vezes apoiando em bengalas seus vultos pálidos e senis, difundiu-se pela Itália inteira a imagem de um Duce cheio de vitalidade, viajando frequentemente de avião e ditando por telefone os artigos diários destinados aos leitores do seu jornal. No lugar da polida oratória parlamentar, impôs-se o discurso enérgico, de agitação, pronunciado ao vivo em múltiplos comícios ou então ressoando por todo o país, graças ao uso sistemático (pioneiro) do rádio  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 47-48).
IX - Nesse capítulo, Konder questiona de onde provinham os investimentos aos fascistas. Na Itália, ele cita o patrocínio de Max Bondi, do grupo Ilva, o principal grupo siderúrgico do país. Na Alemanha as relações entre o fascismo e o empresariado foi ainda maior. Entre as patrocinadoras do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, Konder cita as seguintes: Hoesch, empresa da indústria química; Empresas Unidas do Aço; Siemens & Halske; Dresdner Bank; Commerz und Privatbank e Bankhaus Stein. A ligação entre o movimento fascista e o capital financeiro é assim analisada pelo autor,
A guerra de 1914-1918 manifestou com clareza as profundas contradições existentes no mundo criado pelo capitalismo em sua fase imperialista. Pela concentração de poder econômico realizada em suas mãos, o capital financeiro foi levado a assumir a liderança na luta pela conservação (e correspondente atualização) do sistema. Para o capital financeiro, entretanto, o sistema só poderia ser salvo por meio de reformas que suprimissem certos estorvos, remanescentes da fase de "livre competição", acentuassem a concentração do capital (uma forma de "racionalização" da economia) e aprofundassem a interdependência entre os monopólios e um "Estado forte"  (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 51).
Sobre a questão da presença do Estado na economia, Mussolini até a crise de 1929 era apto de um Estado forte politicamente, mas não interferindo nas atividades econômicas. Porém, após as consequências da crise, ele acabou mudando de posição, passando a defender a intervenção estatal na economia. Já Hitler subiu ao poder defendendo a interferência do Estado na economia, sendo sua atividade primordial no desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado.

X - Encerrando a primeira parte do livro, Konder pontua características gerais do fascismo com base no que foi exposto nos capítulos anteriores. O que é fascismo? Responde Konder...

  1. O fascismo surge na fase imperialista do sistema capitalista, procurando desenvolver as condições necessárias para a implantação do capitalismo monopolista de Estado, expressando sua posição favorável a concentração do capital; 
  2. O fascismo é um movimento socialmente conservador que, sob uma máscara "modernizadora", põe em prática uma ideologia pragmática e radical que se serve de mitos irracionalistas e técnicas manipulatórias racionais;
  3. O fascismo é um movimento chauvinista, antidemocrático, antiliberal, anticomunista e antisocialista; 
  4. O fascismo surge e se desenvolve em condições históricas específicas que pressupõe o enfraquecimento de bases antifascistas; 
  5. O fascismo se desenvolve e utiliza aspectos da chamada sociedade de massas e/ou de consumo, bem como incentiva e propicia a fusão do capital bancário com o industrial, gerando o capital financeiro. 
COMO O FASCISMO "CLÁSSICO" FOI INTERPRETADO NA SUA ÉPOCA

I - Aqui Konder busca responder duas perguntas: como surgiu o fascismo e como foi interpretado? Buscando se afastar de análises vagas, que vão em Maquiavel ou até Platão (caso de Karl Popper) para interpretar o fenômeno do fascismo, Konder afirma que sua influência sobre o assunto é o filósofo húngaro Gyorgy Lukács. Segundo Lukács, "o fascismo aproveitou elementos das mais variadas linhas de pensamento reacionárias, reunindo-os de maneira eclética e em função de um uso muito claramente pragmático" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 59). Abaixo iremos enumerar alguns nomes que influenciaram o movimento fascista, segundo Konder:

Itália: Georges Sorel (sua concepção de violência) e Friedrich Nietzche (a ideia de Super-Homem);
Alemanha: Friedrich Nietzche, Eugen Duhring, Paul Botticher e Houston Steuart Chamberlain;
França: Arthur de Gobineau, Vacher de Lapouge, Gustave Le Bon, Joseph de Maistre, René de la Tour du Pin e Maurice Barrès.
De maneira geral, todo o pensamento de direita que, ao longo do século 19, se empenhou na "demonização" da esquerda, desempenhou um papel significativo na preparação das condições que o fascismo pôde, mais tarde, irromper (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 60).
II - A palavra fascismo, criada por Mussolini, vem de fascio que significa feixe. Sobre o símbolo do fascismo italiano, escreve Konder: "Os machados simbolizavam o poder do Estado de decapitar os inimigos da ordem pública. E as varas amarradas em redor do cabo constituíam um feixe que representava a unidade do povo em torno da sua liderança" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 63). O termo fascio foi apropriado por Mussolini, mas existia antes dele. No século XIX, organizações populares em defesa de seus interesses se denominavam de fascio. Um exemplo citado por Konder são fascio na Sicília, entre 1891 e 1894, que liderados por socialistas, lutavam por melhores condições de vida no campo. No século XX o termo fascio retornaria na cena política italiana. Eram os fascio patrióticos que surgiram em apoio a entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial.

Na época do surgimento desses fascio, Mussolini era membro do Partido Socialista Italiano (PSI) e diretor do jornal do partido (o Avanti!). Após a decisão do PSI em se contrapor a entrada do país na Primeira Guerra Mundial, Mussolini rompe com o partido e funda seu próprio jornal, o Popolo d'Itália, então financiado por grandes empresas como a Fiat, a Ansaldo, a Édison e a Unione Zuccheri. Graças a esse financiamento, o jornal Popolo d'Itália logo se tornaria o principal na defesa da entrada italiana no conflito mundial.

Após certa hesitação, os italianos entram na guerra e Mussolini participa da mesma como combatente. Terminado o conflito, os combatentes retornavam à Itália com grande prestígio frente a população, pois o país tinha ficado ao lado das nações vencedoras, mesmo sendo tímida contribuição para essa vitória. Porém, a entrada no conflito não resolveu os problemas internos do país que passava por problemas como: concentração na indústria, crise no setor agrário, quebra de pequenas e médias empresas, forte inflação e proletarização da pequena burguesia.

Após o fim da Primeira Guerra Mundial Mussolini intensifica sua guinada à direita, começando pela mudança do subtítulo de seu jornal: antes era "Jornal Socialista" e passou a ser "Órgão dos combatentes e produtores". A partir daí, Mussolini passa a se voltar contra as forças anti-nacionais: a democracia liberal e o socialismo. Os liberais que comandavam o Estado no pós-guerra eram acusados de submissão aos nações imperialistas; já os socialistas eram vistos como representantes dos russos na Itália. Ambas eram forças políticas a serem combatidas pelo nascente movimento fascista. Nessa conjuntura, em 1919, Mussolini funda o primeiro fasci di combattimento que logo tomariam conta de todo o país.

III - Os fasci di combattimento, ou grupos italianos de combate, não tinham programa e se limitavam a combater seus inimigos políticos a base de discursos exclamativos, além do corriqueiro uso da violência. Era a chamada "dialética dos punhos e dos revólveres". Inicialmente Mussolini achava positivo essa violência impulsiva desses grupos, mas depois do crescimento do movimento fascista, ele passou a tratar a necessidade de uma racionalidade no uso dessa violência. O fascismo cresceu assustadoramente e com vista grossa de governos italianos como os de Ivanoe Bonomi e Luigi Facta.

IV - De uma forma geral, à esquerda repudiou o fascismo desde seu nascimento. Porém, não soube interpretá-lo de maneira correta (do ponto de vista teórico) no calor do momento. Uma das primeiras tentativas de interpretação do movimento fascista foi realizada por Giovanni Zibordi, então ex-companheiro de Mussolini quando esse eram membro do PSI. Ele foi responsável por notar a flexibilidade retórica dos fascistas que em alguns lugares da Itália se diziam republicanos, em outros se afirmavam como monarquistas e noutros assumia um discurso demagogo e obreirista. Zibordi também observou a variedade de classes sociais que estavam inseridos no movimento: banqueiros, industriais, comerciantes, ex-soldados, pequenos burgueses, desempregados e até operários. Sua visão inicial sobre o fascismo levou a preocupação em entender as bases sociais desse movimento, assim como seu conteúdo de classe.

O principal erro teórico de muitos que buscaram interpretar o fascismo no calor do momento foi resumi-lo a Itália. O movimento fascista era considerado um produto da conjuntura italiana, sem chance de expandir-se para outros países. Foi assim que o liberal Francesco Nitti enxergava o fascismo, como obra exclusiva da maldade de um homem: Benito Mussolini.

Em contraponto a essas interpretações errôneas, existiram outros observadores que enxergavam o fascismo como o resultado de um movimento mais amplo e com proporções histórico-mundiais. Um deles foi o comunista italiano Antonio Gramsci que em 1920, escrevia no Avanti! que o fascismo não era um fenômeno exclusivo da Itália, assim como não era a formação do partido comunista. Na Alemanha, A. Jacobsen diz em tom profético na revista Die Internationale que as causas do fascismo é de teor internacional e alerta para a necessidade de combatê-los também na Alemanha. Clara Zetkin, já em 1923, alertava para a necessidade do proletariado combater o movimento fascista que, por sua vez, deveria ser distinguido de outras formas de repressão da direita, pela sua amplitude de mobilização e radicalidade.

V - Na época, o fascismo foi interpretado como um movimento capitaneado pela pequena burguesia. Era essa classe que proporcionava amplitude ao movimento. Criticando essa visão estreita, afirma Konder:
Alguns autores passaram da constatação do papel central da pequena burguesia nas massas que o fascismo lograva mobilizar à tese do caráter pequeno-burguês do fascismo. Na ocasião, presos a critérios sociológicos de tipo mais ou menos positivista, não lhes ocorreu que a massa pequeno-burguesa poderia estar servindo de suporte "popular" a um movimento cujo efetivo conteúdo corresponderia muito mais aos interesses de uma outra classe social do que aos dela (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 73).
Um dos primeiros representantes na defesa desse caráter pequeno-burguês do fascismo foi Luigi Salvatorelli, em seu livro "Nazionalfascismo", publicado em 1923. Para ele a luta de classes entre burguesia e proletariado fez a pequena burguesia receber pancadas dos dois lados, acabando que o fascismo encarnado por Mussolini seria a expressão de revolta desses setores. Já para Giulio Aquila, pseudônimo do comunista húngaro Chasch, o movimento fascista era hegemonizado pela burguesia industrial que desde a campanha pela entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial, estava patrocinando Mussolini. Ele considerava o partido fascista como "braço armado do capital industrial italiano". A pergunta seria: mas o que teria levado a burguesia industrial na Itália a optar pelo fascismo, caminho não escolhido por outras burguesias na Europa? Para Aquila, "a opção fascista da burguesia industrial italiana teria sido determinada pelas condições extremamente difíceis que ela encontrou para a 'reconstrução' no pós-guerra e pelas facilidades oferecidas pela divisão interna do proletariado" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 74-75).

Já para liberais como Pierro Gobetti, o fascismo era a expressão de aspectos culturais negativos da Itália. Segundo ele, o fascismo surgiu acentuando mazelas da cultura italiana como a retórica, a corrupção e a demagogia. Os fascistas eram incapazes de amar a nação real, pois eram incapazes de aceitá-la do ponto de vista concreto: ou seja, uma comunidade imperfeita e galgada a divisões internas.

VI - Feita essa breve exposição sobre a visão sobre o movimento fascista para aqueles contemporâneos ao seu surgimento e desenvolvimento, Konder pontua a inserção deles no mundo cultural e/ou intelectual. Os intelectuais, segundo Konder, tendem a ter posturas contrárias a lógica capitalista. Sua tarefa de enriquecer a autoconsciência da humanidade em cada época e país acaba não recebendo o devido valor no sistema capitalista, jogando esses setores em condições de vida e de trabalho não benéficas. Não sentido as vantagens econômicas da propriedade capitalista, intelectuais e artistas tendem a um posicionamento contrário ao capitalismo, mesmo que sem uma consciência de união como tem a classe trabalhadora. Buscando limitar a ação política desses setores, a classe dominante busca a todo momento dividi-los, aprofundando suas contradições internas.

O marxismo oferece a esses artistas e intelectuais um importante papel na construção de uma nova sociedade, revestindo-os de uma análise libertadora e cobrando deles a humildade necessária para renunciar as suas fantasias idealistas de supervalorização de si mesmos. Devem entender que os desafios que enfrentam tem raízes num plano socioeconômico, isto é, nas relações de produção. Mas o fascismo é a completa aversão ao materialismo histórico e dialético do marxismo. Ele inverte a noção de "idealismo" e "materialismo", tomando o primeiro como positivo e o segundo como negativo e vinculado a egoísmo e falta de ideais.

Foi assim, invertendo as noções desses importantes conceitos filosóficos, que o fascismo ganhou forte inserção no campo artístico e intelectual. Dentre os nomes citados por Konder, temos: Giovanni Gentile, Drieu la Rochelle, Luigi Pirandello, D'Annunzio, Guido Piovene etc.

VII - Passado os italianos, Konder chega na ascensão fascista na Alemanha. Lá o principal nome desse movimento foi Adolf Hitler. Na conjuntura alemão que se fez surgir o nazifascismo, temos um crescente movimento socialista que entre 1913 e 1919 subiram ao poder na Baviera, mas logo seriam reprimidos. Em Berlim, o proletariado se amontoava em conflitos contra a burguesia sob liderança de figuras como Rosa Luxemburgo e Karl Liebbknecht.

Além desse organizado movimento socialista, tínhamos as forças armadas alemãs, então completamente humilhadas pelo Tratado de Versalhes. Esse tratado, assinado após a Primeira Guerra Mundial, oficializou a perda da Alsácia e a Lorena, distribuiu colônias africanas para outras potências imperialistas e reduziu o exército alemão de 400 mil para 100 mil soldados. Nessa conjuntura de pós-guerra e crescimento dos socialistas, surgiram grupos de extrema-direita que buscaram se contrapor tanto ao avanço dos socialistas quanto as humilhações impostas a Alemanha pelo Tratado de Versalhes.

Em 1919 é fundado o Partido Operário Alemão por Anton Drexler que em 1920, já sob liderança de Hitler, então responsável pela propaganda do partido, mudaria seu nome para Partido Operário Alemão Nacional-Socialista. O programa inicial dos nazistas contava com a supressão da cidadania dos judeus (vistos como responsáveis pela crise do país), uma reforma agrária "adequada às exigências nacionais", participação dos trabalhadores nos lucros das grandes empresas e o confisco daqueles que enriqueceram às custas da guerra. Segundo Konder, aos poucos, os pontos mais "avançados" do programa foram sendo retirados a medida que o movimento crescia e se desenvolvia.

Em 1923, influenciado por Mussolini, Hitler tenta tomar o poder e é preso. Julgado a seis meses de prisão, escreve seu livro "Minha Luta" e vê o partido nazista sofrer baixa. Mas apesar disso, não desanimou. A extrema-direita tomava o poder na Itália, Hungria, Espanha, Portugal e na Polônia. Olhando ao seu redor, Hitler encontrou forças para continuar lutando. O primeiro passo para a reabilitação foi se aproximar cada vez mais do mundo empresarial, dividindo os empresários entre "bons" e "maus", além da busca pela "cura" do capitalismo e não pela sua superação. Logo o movimento liderado por Hitler ganharia simpatia de empresários como Alfred Krupp, Werner Siemens entre outros.

A crise de 1929 será responsável pelo agravamento da crise da Alemanha, derrubando um governo sob liderança do Partido Social Democrático. A partir de 1930, os chanceleres são nomeados diretamente pelo presidente Hindemburg. Era a guinada alemã à direita bem antes da ascensão do nazismo. Nomeados pelo presidente, as leis não dependeriam mais do congresso, mais sim de decretos de emergência.  Apesar da derrota eleitoral nas eleições legislativas de 1932, os nazistas viram Hitler chegar ao posto de chanceler em 1933, após a nomeação de Hindemburg, acatando um pedido feito por grandes industriais e banqueiros do país. Como chanceler, Hitler só sai do poder após o fim da Segunda Guerra Mundial.

VIII - Com a ascensão de Hitler na Alemanha, o fascismo ultrapassava as fronteiras da Itália e passava a ser um problema de cunho internacional para seus adversários. Fazia-se necessário a formulação de novas interpretações sobre esse movimento, que guiassem rumo a uma mudança na ação política, visando o combate a esses setores. Para Franz Borkenau, o fascismo italiano foi o remédio encontrado pelo capitalismo para promover seu desenvolvimento, neutralizando as reivindicações do movimento operário e de estruturas pré-capitalistas. Porém, a burguesia alemã, diferente da italiana, é forte e autônoma o suficiente para não se deixar ser representada por um partido fascista. Assim, Borkenau limitava o fascismo a um movimento tipicamente italiano. Outra visão errada do movimento foi feita pelo socialista francês Léon Blum que, frente a derrota eleitoral dos nazistas nas eleições legislativas de 1932, atestou o fracasso das pretensões de Hitler de chegar ao poder.

Mas não foram só esses dois que erraram na interpretação do movimento fascista. Na URSS, Josep Stálin considerava a Social-Democracia como "ala moderada do fascismo", e até mais perigosa por sua dissimulação. Essa visão radical de Stálin condizia com as acirradas rivalidades entre comunistas e sociais-democratas que encontraram na Alemanha seu apogeu. Foi no governo do social-democrata Friedrich Ebert que líderes comunistas como Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Leo Jogiches, foram brutalmente assassinados. O crime ficaria impune, causando uma revolta entre os comunistas. Se por um lado os comunistas enxergavam os sociais-democratas como uma ala moderada e dissimulada do fascismo; por outro, os sociais-democratas acreditavam que a unidade do movimento operário só poderia ser garantida sob uma forte oposição aos comunistas.

Com a constatação de que o fascismo era um problema mundial, e não mais restrito a Itália, se fazia necessário uma reinterpretação sobre esse movimento e também a construção de uma nova relação entre comunistas e sociais-democratas. Pensadores como Rajani Palme Dott, Maurice Thorez e Palmiro Togliatti buscaram traçar o caminho dessa reinterpretação. Porém, a figura destacada por Konder é a do búlgaro Georgi Dimitrov. Buscando convencer Stálin, Dimitrov fez um discurso no 7º Congresso da Terceira Internacional que seguia a seguinte linha: "o fascismo é 'a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro'" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 91). Graças a influência das ideias de Dimitrov, foi decidido nesse congresso:
O mesmo Congresso que consagrou a nova interpretação comunista do fascismo aprovou também a nova atitude ante o inimigo fascista: a linha de frente popular antifascista, a luta num quadro de aliança com a social-democracia. Uma aliança, aliás, que abrangia não só a social-democracia como, mais amplamente, todas as forças burguesas capazes de se opor aos elementos do capital financeiro responsáveis pelo avanço do fascismo (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 91)
Sobre essa frente ampla, León Trotsky se levantava contra. Já dissidente da URSS, Trotsky achava uma bobagem a ideia stalinista de equiparar social-democracia com fascismo. Pelo contrário, enxergava que para sair do isolamento, os comunistas deveriam fazer alianças com os trabalhadores sociais-democratas. Sobre o fascismo, misturou análises "proféticas" com outras errôneas. Profeticamente, alertou para a grande possibilidade de Hitler invadir a URSS. Porém, analisou erroneamente ao afirmar que Hitler logo seria sucumbido pelas nações imperialistas, tornando-se um defensor do Tratado de Versalhes. Mas sua crítica a frente ampla proposta por Dimitrov era consequência de sua visão estreita que tendia a fazer sobre a relação da classe operária com as demais classes sociais. Trotsky não enxergava a prática política como uma mediação. Essa sua visão "podia comportar uma aliança dos comunistas com os social-democratas, mas repelia a ampla frente popular antifascista, que abrangia setores da própria burguesia" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 93).

A consequência da visão trotskista foi o completo isolamento das organizações de esquerda influenciadas por seu pensamento. Por outro lado, aquelas organizações que seguiram a recomendação de Dimitrov, como o Partido Comunista Francês, tornaram-se grandes partidos de massa. Outras visões do movimento fascista citadas pelo autor foram as de Otto Bauer e Richard Lowenthal, ambos líderes sociais-democratas. Bauer ainda carregava aquela velha interpretação que via no fascismo um forte teor pequeno-burguês, já Lowenthal "interpretava o fascismo como um amálgama de setores de diversas classes que tinham em comum o fato de se encontrarem todos falidos" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 95). Entretanto, conclui afirmando que foi a visão de Dimitrov que ganhou maiores seguidores e acabou sendo base oficial para a ação do movimento comunista internacional na conjuntura de avanço fascista.

IX - A política da frente ampla não ganhou simpatia entre os países de língua inglesa. Na França, vimos sua maior expressão com o front populaire onde o PCF passou de 25 mil militantes, 1932, para incríveis 350 mil, em 1936. Mas o pacto de não-agressão assinado por Stálin em 1939 foi um grande baque para o PCF que obteve uma derrota política dentro da França. A política das frentes amplas foram derrotadas na Espanha por Francisco Franco e em seguida na França, após a queda do governo de León Blum. Compensando essas derrotas, a URSS entrou definitivamente no conflito mundial e ao lado da França, Inglaterra e EUA.

Unidos com os comunistas, contra o Eixo nazi-fascista, a burguesia inglesa, francesa e norte-americana logo começaram a produzir interpretações do movimento fascista que se diferenciassem da proposta pelos soviéticos. Eram as nações capitalistas buscando evitar uma infiltração ideológica dos comunistas em seus países, produzindo eles mesmos suas interpretações sobre os fatos.

Hermann Rauschning, ex-nazista e conservador, logo tratou de vincular o nazismo a ideais revolucionários. O Nacional-Socialismo de Hitler vinha dando certo, porém, caiu no erro ou deterioração moral de enveredar por caminhos revolucionários. Essa era uma ideia fantástica para conservadores ingleses, franceses ou norte-americanos que desejavam se afastar da áurea nazista.

Pensadores como Peter Drucker e Frank Munk enxergavam que na Alemanha de Hitler o que se via não era capitalismo. Chegou-se a chamar o nazi-fascismo de "coletivismo burocrático". Emil Lederer, por sua vez, afirmava que o nazifascismo era resultado da sociedade de massas, superando ou buscando superar as divisões internas em classes sociais. As massas se encontravam obedientes graças a capacidade de certos líderes de unificar suas reivindicações e anseios em torno de emoções.

Outra interpretação do fascismo citado por Konder foi a do alemão Franz Neumann, ligado a "Escola de Frankfurt", e que por isso produziu uma reflexão do fascismo que se diferenciava daquelas defendidas por conservadores vistos acima. Para ele, o fascismo era um capitalismo monopolista totalitário. Sua grande diferença para os autores conservadores é que ele vincula o fascismo com o capitalismo. Porém, segundo Konder, "Os limites da concepção de Neumann estavam numa certa idealização da sociedade capitalista anterior ao irrompimento do fascismo" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 99).

X - Nesse último capítulo dessa segunda parte do livro, Konder descreve o fim da guerra. A Alemanha avançou suas tropas, como bem avisara Trotsky, sobre a URSS. A forte militarização da vida, tanto na Alemanha quanto na Itália, não impediam que pequenos grupos antifascistas se articulassem. Professores como Mario Alicata, ligado a Universidade de Roma, reunia jovens universitários para estudar o marxismo com base na própria campanha antimarxista feita pelos fascistas. Na Alemanha, Wolfgang Harich, liderava um conhecimento do marxismo semelhante ao visto na Itália.

A derrota do Eixo tem início com a invasão inglesa e norte-americana a Sicília, encurralando Mussolini que via antigos aliados (como a burguesia italiana) enveredarem para o lado dos Aliados. O rei italiano Vittorio Emanuele III também foi outra figura a dar as costas para o Duce que, humilhado e frágil, foi preso em 1943 sob articulação do monarca. Libertado por tropas alemãs a mando de Hitler, Mussolini ocupa o Norte da Itália e junto com os militares alemãs fundam a República Social Italiana, sua última tentativa de caminhar. Abandonado pela burguesia e cercado pelos Aliados, Mussolini enfrentou uma greve na área que controlava junto com os alemães. Cada vez mais desgastado, foi capturado e fuzilado em 1945. Dois dias depois a morte de seu aliado, Hitler se suicida e a Segunda Guerra Mundial tem seu fim.

A DISCUSSÃO SOBRE O FASCISMO DEPOIS DA MORTE DE HITLER E MUSSOLINI.

I - Após o fim da Segunda Guerra Mundial ficou nítido que a estrutura econômica italiana e alemã nada tinham mudado, mesmo após o fim dos regimes de Mussolini e Hitler. O então chamado "corporativismo", visto como uma espécie de "terceiro sistema", síntese do capitalismo e do socialismo, era cada vez menos definido. As promíscuas ligações entre Hitler e o capital financeiro alemão foi escancarado mundialmente com as investigações do Tribunal Internacional de Nuremberg.

Também foi nesse tribunal que as diferenças entre os Aliados, outrora unidos contra o Nazifascismo, começaram a surgir. O perdão dado a Hjalmar Schacht e Franz von Papen, dois dos principais articuladores de unir Hitler com o grande capital alemão, foi duramente contestado pelos soviéticos. Os EUA e seus aliados ocidentais (principalmente Grã-Bretanha e França) davam mostras de que a "desnazificação" proposta por eles não era tão radical quanto a dos soviéticos. Já era o início da Guerra Fria.

No pós-guerra o socialismo havia se estruturado no mundo com a liderança da URSS. Mais além dos soviéticos, países como a Polônia, Albânia, Romênia, Iugoslávia, Tchecoeslováquia, Hungria, Bulgária etc., trilharam o caminho da construção do socialismo. Restaram as potências capitalistas a utilização das contradições internas desse bloco socialista (como a oposição entre Stálin e Tito) com o intuito de desestabilizá-lo. Além disso surgiram um conjunto de intelectuais preocupados em reinterpretar o fascismo sob uma ótica não socialista. O conceito de totalitarismo surge nesse contexto, tendo fortes implicações na interpretação do movimento fascista.

II - Dentre as interpretações não marxistas sobre o fascismo, temos a do liberal italiano Benedetto Croce que havia apoiado Mussolini em 1924, ano da crise do fascismo italiano por conta da morte do parlamentar socialista Matteotti, e fazia parte de uma "oposição moderada" ao regime. Sem um estudo aprofundado sobre o movimento, Croce se limitava a comparar o fascismo a uma doença que tinha invadido a Itália. Essa doença, entretanto, não teria vinculações com conflitos de classes, como pensavam os socialistas.

Outra interpretação não marxista sobre o fascismo foi feita pelo alemão Friedrich Meinecke. Para ele, a ascensão de Hitler ao poder foi ocasionada por um processo de "desnaturação", "no qual a tecnificação da vida reprimiu as necessidades metafísicas mais profundas do espírito" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 115). Esse processo gerou um conflito entre o racional e o irracional, levando a um afastamento dos padrões espirituais, típicos dos tempos de Goethe. Essa tecnificação também gerou uma expansão do "espírito revolucionário" dos socialistas, antes restrito ao proletariado urbano, para outras classes sociais.

Meinecke coloca o pontapé inicial na comparação feita entre socialismo e fascismo, ambas com "espírito revolucionário" que as unem num certo grau de parentesco. Mas existiram outros que fizeram essa mesma comparação. Konder começa com o líder católico Luigi Sturzo que, em 1926, trata a URSS como um "fascismo de esquerda" e o fascismo seria, por outro lado, um "comunismo de direita". Outro a seguir o mesmo caminho foi o filósofo francês Jacques Maritain, acreditando que "a crise religiosa do nosso tempo levara as massas que apoiavam os comunistas ou os fascistas a dirigirem para seres humanos e coisas exclusivamente humanas sentimentos que deveriam estar dirigidos para Deus" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 116).

Essas ideias que buscavam ligar fascismo e comunismo tiveram uma baixa com o estouro da guerra e a consequente aliança entre a URSS e demais potências capitalistas. Porém, após a guerra e na conjuntura da Guerra Fria, essa ideia retornou e sob uma forma mais modernizada. A principal representante dessa nova fase foi a filósofa Hannah Arendt com sua célebre obra "As origens do Totalitarismo", de 1951.

Arendt tem uma visão sobre o imperialismo totalmente diferente da vista em Vladimir Lênin, político russo e principal líder da Revolução Russa. Para ela, o imperialismo não era uma fase superior do capitalismo, era sim o princípio do aburguesamento da sociedade contemporânea. Egoístas e sedentos por mais lucros e mercados, a burguesia a partir do século XIX passa a manobrar as massas populares, servindo-se delas como ponta de lança de suas manobras. Para Arendt, 
As contradições internas do estado de coisas criado por essa política explodiram na guerra europeia de 1914-1918. E as massas, às quais uma politização intensa e caótica tinha sido imposta, passaram a ser "trabalhadas" pelos fascistas e pelos comunistas. Segundo H. Arendt os comunistas e os fascistas recrutaram seus adeptos nessa massa, que os demais partidos haviam se acostumado a desprezar, considerando-a "apática" e "estúpida" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 117).
Os movimentos totalitários, como o fascismo e o comunismo, são frutíferos em lugares onde se encontra uma massa sedenta por organização política. Essas duas ideologias irmãs, segundo Arendt, seriam uma espécie de adestradores de massa. Sobre a ligação entre o fascismo e o comunismo, pensava Arendt:
Em sua análise, a escritora tende a equiparar o fascismo e o comunismo. Para ela, a guerra entre a União Soviética e a Alemanha Nazista foi "uma guerra entre dois sistemas essencialmente idênticos". Na comparação entre os dois "totalitarismos", H. Arendt chega mesmo a enxergar certos aspectos mais humanos no nazismo, já que o terror na União Soviética era um fenômeno que podia atingir qualquer pessoa e não estava sequer limitado pelas discriminações raciais, como na Alemanha de Hitler (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 117).
III - Outras visões sobre o movimento fascista foram feitas por William Shirer e Karl Popper. Ambos buscaram analisar as origens filosóficas do nazismo e encontraram um culpado: Georg Hegel, justamente o pai da dialética moderna, e principal influência sobre Karl Marx. Para Shirer, Hegel foi responsável por uma valorização do Estado, instituição então primordial para os nazistas. Já Popper afirma que Hegel, um mero charlatão e irresponsável, havia incentivado a formação do "totalitarismo moderno" ao valorizar a construção de uma sociedade de tipo "fechada", aquela que dilui o indivíduo a uma espécie de "tribalismo" ou "coletivismo". Essas ideias foram sustentadas pelos autores, mesmo com textos de intelectuais nazistas que criticavam a filosofia hegeliana. Para Alfred Rosenberg, principal ideólogo do Nacional-Socialismo Alemão, a idealização de Hegel do Estado era incompatível com as ideias nazistas. Outro intelectual nazista a criticar Hegel foi Otto Koellreuter.

IV - O conceito de totalitarismo, segundo Konder, teve um importante aliado na empreitada de empobrecer as análises sobre o fascismo: as variadas biografias sobre Hitler e Mussolini. Sem querer considerar inútil a produção de biografias sobre grandes personalidades históricas, Konder alerta que a grande maioria desses biógrafos escorreram numa chamada concepção idealista da história, "que atribui ao arbítrio, a caprichos ou intuições inexplicáveis de alguns 'chefes' determinadas decisões ou manobras políticas que só poderiam ser efetivamente entendidas como respostas às questões apresentadas num dado momento, de forma bem concreta, pelas condições de luta, à organização específica em que o chefe se apoia" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 123).

Konder adverte que toda a ideia que supervalorizava líderes fascistas como Mussolini e Hitler, era produto não de sua mera individualidade diferenciada, mas de um forte empenho propagandístico daqueles que se serviam (e que também serviam deles). Como adverte Max Horkheimer, esses grandes líderes são criações publicitárias que não detém nenhuma individualidade genuína. Resumindo essa crítica a essa "psicologia dos grandes líderes", Konder conclui:
Fixando a atenção dos leitores nas pessoas dos líderes fascistas, na psicologia deles, os autores de quem estamos falando não contribuem para esclarecer melhor a complexa questão do papel real das grandes personalidades na história: limitam-se (independentemente das intenções subjetivas que os animam) a obscurecer as responsabilidades objetivas de determinadas organizações políticas e de seus financiadores (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 125).
Essas limitações dessas biografias, para o autor, também expressa a fraqueza do conceito de totalitarismo como meio de explicação do fenômeno político e social do fascismo.

V - Essa visão de enxergar o fascismo como fruto de personalidades autoritárias, segue o seguinte caminho: primeiro, normalmente, comparar as figuras de Hitler ou Mussolini com as de Stalin; e, em seguida, chegam no real objetivo dessa comparação: a equiparação entre fascismo e comunismo. Ambos são movimentos vistos como "radicais" e "revolucionários", sendo um o protagonista de uma "revolução vermelha" e outro de uma "marrom".

Críticos como Wolfgang Fritz Haug, examinando textos de professores universitários alemães sobre o fascismo entre 1964 e 1966, percebeu que o centro da crítica a esse movimento é a sua "radicalidade", deixando a entender que um fascismo mais "moderado" poderia até ser aceito. As críticas se resumiam a aspectos adjetivos e não substanciais.

VI - A morte de Josep Stálin em 1953 e o 20º Congresso do PC da URSS, marcado pela defesa da "desestalinização" do partido e do movimento comunista de um modo geral, a teoria do totalitarismo se fortaleceu na sua tentativa de ligar comunismo e fascismo como lados opostos de um mesmo problema: o autoritarismo. A emancipação a esses dois caminhos de cunho autoritário era o capitalismo liberal. Porém, esse capitalismo liberal defendido pelos teóricos do totalitarismo se encontrava em crise na Europa e nos EUA.

Nos EUA, a perseguição marcartatista (desencadeada pelo senador Joseph McCarthy) resultou numa "caça às bruxas" no plano interno e no incentivo a guerras neocolonialistas no âmbito externo, como a Guerra do Vietnã e a intervenção na Guatemala. Na França, o capitalismo liberal foi fortemente criticado por conta do envolvimento do país na cruel guerra contra os argelinos. Além disso, os liberais se viram obrigados a lidar com antigos aliados de Hitler e Mussolini, como foi o caso da Espanha de Francisco Franco e Portugal de Antonio de Oliveira Salazar.

Inspirado no "corporativismo" de Mussolini e no "austro-fascismo" de Engelbert Dollfuss, Salazar foi ministro das Finanças em 1928 e primeiro-ministro em 1932, instituindo em Portugal uma ditadura que durou de 1932 até 1968. Junto com Hitler e Mussolini, ajudou materialmente o general Franco que veio a derrubar a República Espanhola. Franco, muito mais próximo de Mussolini e Hitler que Salazar, conseguiu tomar o poder na Espanha graças a eles, mas após o estouro da Segunda Guerra, prestou apoio tímido aos antigos aliados.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os países representantes do chamado "capitalismo liberal" perdoaram as antigas relações obscuras de Salazar e Franco com Mussolini e Hitler. Salazar, que modificou o nome do seu regime de "Estado Novo" para "Democracia Orgânica, passando a aceitar uma contestada eleições no país, conseguiu inserir Portugal na OTAN já em 1949. O pequeno país da Península Ibérica recebeu ajuda financeira do Plano Marshall numa quantia que soma mais de 50 milhões de dólares. Já Franco recebeu certa resistência, tendo enfrentado bloqueio econômico da maioria dos países que compunham a ONU. Porém, sob proteção norte-americana, a Espanha de Franco conseguiu a suspensão desse bloqueio em 1950. Essa ajuda ianque não viria de graça: em 1953, os EUA instalavam bases militares em solo espanhol, selando a aceitação do ex-aliado de Mussolini e Hitler pelo mundo capitalista do pós-guerra. O caso Franco geraria: "Nos Meios conservadores-liberais, ela causava certo constrangimento. E contribuía para desacreditar as abordagens do fascismo baseadas no conceito de 'totalitarismo'" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 132).

VII - Konder descreve e critica interpretações não marxistas sobre o fascismo, que se desenvolveram paralelamente a chamada teoria do totalitarismo. Autores como Paul Sering (pseudônimo do social-democrata Richard Lowenthal), Rudolf Heberle e Seymour Martin Lipset enxergavam o movimento fascista como "uma expressão dos descontentes e dos psicologicamente desenraizados, das frustrações pessoais, dos seres socialmente isolados, dos economicamente inseguros, dos indivíduos incultos, estúpidos e autoritários das diversas classes e camadas da sociedade" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 133).

A grande diferença entre esses autores é que Sering (marxista), não inocenta o grande capital no desenvolvimento do movimento fascista, sua interpretação põe, em última instância, a centralidade das classes sociais por trás desse fenômeno. Já Lipset, defende a tese do caráter pequeno-burguês do fascismo e a partir daí atesta a existência de três movimentos políticos extremistas, são eles: "o comunismo (apoiado no operariado), o autoritarismo tradicional (apoiado nas classes 'altas') e o fascismo (apoiado nas classes 'médias')" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 134).

Segundo Lipset, o autoritarismo tradicional (representado pelos movimentos monarquistas e nos regimes de Salazar, Horthy e Dolfuss) são insignificantes e por isso não representariam maiores riscos a democracia representativa. Porém, o comunismo e o fascismo representavam. Por isso que Lipset, em sua teoria, visa instigar nos "democratas" a luta contra o extremismo das classes médias (fascismo) e do proletariado (comunismo). Porém, Konder problematiza a visão de democracia para Lipset, utilizando o seguinte argumento:
O mínimo que se pode dizer desses valores "democráticos" é que eles são bem estranhos: representam uma "democracia" que se define numa atitude de acentuada desconfiança ante a esmagadora maioria da população (constituída pelo proletariado e pelas "classes médias") e ignora a existência do grande capital, reduzindo a ação dos poderosos interesses conservadores atuantes em nossa sociedade à presença de uns tantos grupos passadistas insignificantes (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 134).
Tomando esse argumento, Konder afirma que Lipset parece almejar uma democracia sem povo. Influenciado pela teoria do totalitarismo e por Lipset, William Kornhauer enxergava o fascismo como um movimento político das camadas inferiores da sociedade que só chegou ao poder por falta de controle das elites. Essa mesma ideia foi vista em Christian Werner que põe a culpa da ascensão de Hitler na República de Weimar que se mostrou "tolerante demais".

Outras interpretações combatidas por Konder são as teses do "fascismo-militarismo" e "fascismo-bonapartismo". A tese do fascismo-militarismo tem como principal defensor o liberal Moritz Bonn. Para ele, o militarismo é um sistema político que se opõe ao parlamentarismo, pois "nesse último o bom funcionamento do sistema depende do debate e do confronto de posições diversas, ao passo que a disciplina essencial ao primeiro exige um rigoroso controle das controvérsias" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 135). A supressão do parlamentarismo e a militarização da vida política enquadra o fascismo como defensor e dependente do militarismo. Apesar de acreditar na ideia de que não existe fascismo sem militarização, Konder critica essa tese por dar foco as Forças Armadas, esquecendo de toda uma estrutura social que faz as Forças Armadas ser totalmente dependentes das classes sociais. Segundo suas próprias palavras:
Os limites da concepção de M. J. Bonn (e seus simpatizantes modernos) se acham no fato de que ela ignora sistematicamente a dependência em que se encontram os militares ante as classes sociais, quando se trata de encaminhar uma solução para os problemas da produção e da economia, em geral (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 136).
Já a tese do fascismo-bonapartismo foi elaborada por August Thalheimer. O bonapartismo, segundo Marx, seria um governo militar que, emergindo frente ao desgaste da luta de classes, era marcado pela conciliação de interesses diversos das diferentes frações da classe dominante. Para Thalheimer, o movimento fascista se encaixaria perfeitamente nessa conceituação. Outro defensor dessa tese foi Gert Schafer que, crítico de Dimitrov, enxergava o fascismo como defensor de uma "estrutura de compromisso" que levaria o Estado a acolher concepções que pouco ou nada tinham relação com o desenvolvimento racionalizado do capitalismo. Entretanto, pontua Konder que:
O equívoco básico de Schafer, como observou Reinhard Opitz, está no fato de ele ter se fixado num modelo "puro" de capitalismo, calcado sobre a imagem do capitalismo liberal, passando então a considerar "estranha" ao capitalismo a política posta em prática por Hitler e Mussolini, sem perceber que essa política correspondia, no essencial, aos interesses específicos do capitalismo monopolista de Estado, nas condições específicas da Alemanha e da Itália, ao longo dos anos de 1920 e 1930 (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 137).
Todas essas interpretações descritas e criticadas apresentam, segundo Konder, um erro crucial: analisar o fascismo pondo a esfera política acima da econômica. Para Konder, o marxismo anula a importância da esfera política, mas:
Mas, quando uma interpretação se fixa em alguns aspectos "criativos" da política fascista para pretender descaracterizar o conteúdo de classe do fascismo, ou para descrever o fascismo como o "domínio de um grupo que corporifica o primado do político sobre o econômico", semelhante interpretação assume um caráter nitidamente antimarxista, contribui objetivamente para inocentar o capital financeiro na gênese de fenômenos tipo Mussolini e Hitler, e - ainda por cima - acolhe uma ideia muito cara aos dois falecidos ditadores, que sempre se empenharam em disfarçar o conteúdo de classe da política que punham em prática, enfatizando exatamente o primado do político sobre o econômico (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 137-138).
VIII - Outra interpretação errônea do fascismo é aquela que busca responder ao seguinte questionamento: o fascismo contribui ou não para o avanço da industrialização? Para autores como Henry Turner Jr e David Schoenbaum, não. Mas para Peter Drucker, sim. A tarefa desses autores é confusa para Konder, pois "É impossível avaliar corretamente as relações de um movimento político com qualquer processo social" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 139). Konder afirma que o processo de industrialização pode ser levado em curso tanto por uma opção socialista, quanto por uma capitalista, sendo essa última uma reprodutora de contradições que afetam negativamente a sociedade. Dito isso, ele afirma que esses autores são limitados ao não problematizar as consequências da industrialização, sob a opção capitalista.

Mas autores como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Erich Fromm, Herbert Marcuse e Wilhelm Reich trataram de reflexões semelhantes, porém, sob um viés anticapitalista. São as reflexões desses autores que Konder focará nessa parte final da parte dois do livro.

IX - O primeiro a ser discutido por Konder foi o psicanalista ucraniano, Wilhelm Reich. Como militante, Reich participou ativamente das lutas que precederam a ascensão de Hitler ao poder. A derrota imposta pelos nazistas aos comunistas, fez Reich criticar os marxistas. Para ele, os marxistas tinham uma visão simplista da realidade e por isso não davam importância a fatores irracionais que podem exercer influência sobre as ações dos homens.

Encarando Marx como um sociólogo, faltava ao marxismo um viés psicológico, que veio a ser feio por Reich, então baseado nas teorias de Sigmund Freud. A teoria freudiana sobre o inconsciente, a libido, o complexo de Édipo e as teses sobre as inibições serviu como um complemento a base sociológica da teoria marxista. Dessa junção, Reich teve o mérito de analisar a ascensão nazifascista com base em aspectos socioculturais:
Reich fez observações interessantes, por exemplo, sobre as tradições educacionais fortemente repressivas da sociedade burguesa e sobre o papel que essa educação desempenhava na formação de indivíduos dóceis, recalcados, sem espírito crítico, fáceis de recrutar para as fileiras das organizações fascistas, onde lhes era proporcionada a chance compensadora de se "identificarem" com a personalidade enérgica do "chefe" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 142).
Essa teoria antirrepressiva de Reich, fez dele um teórico influenciador do movimento ocorrido em maio de 1968, na França. Porém, sua teoria carrega limitações para Konder que podem ser resumidas da seguinte forma:
Fixando sua atenção na "patologia" das massas pequeno-burguesas alemãs e exagerando os efeitos que sobre elas produzia o símbolo da cruz gamada, Reich foi levado a desconhecer a extensão do papel desempenhado pelo capital financeiro (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 142-143).
Encontrando-se isolado no movimento socialista por conta de suas reflexões teóricas, Reich ruma para os EUA onde cessa suas atividades políticas.

X - Depois de Reich, outros dois teóricos se destacam quando o assunto é análise sobre o fascismo, são eles: Theodor Adorno e Max Horkheimer. Ambos, conjuntamente, no que conhecemos hoje como "Escola de Frankfurt", analisam criticamente a formação da estrutura familiar burguesa e patriarcal, que para os dois autores contribuiu para a popularidade do fascismo. Além disso, "promoveram, também, uma ampla discussão sobre os mecanismos de deformação ideológica acionados pela sociedade capitalista" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 145). A Escola de Frankfurt estava mais preocupada com a circulação das mercadorias e não com o processo produtivo. Por isso que o conceito marxista mais utilizado pelos autores é o de Fetichismo da Mercadoria, analisado por Marx no Volume I da obra O Capital.

A principal oposição encontrada pela Escola de Frankfurt no marxismo, teve o húngaro Gyorgy Lukács como expoente. Lukács se contrapunha a Adorno e Horkheimer acerca das origens filosóficas do fascismo. Na obra "A destruição da Razão", de 1954, Lukács coloca na filosofia irracionalista a grande responsável pelas bases ideológicas do fascismo. Já Adorno e Horkheimer, na obra "A dialética do iluminismo", acreditavam que "as matrizes ideológicas do fascismo na consciência burguesa se encontravam não no irracionalismo e sim no neopositivismo, com sua capitulação diante do real, com seu pseudorracionalismo manipulatório" e continua Konder, "Na vida cultural de nossa época, Adorno e Horkheimer enxergavam quase que apenas os efeitos devastadores da manipulação dos indivíduos por parte da indústria da cultura" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 147).

Essa visão de Adorno e Horkheimer, fizeram Lukács acusar suas reflexões de "conformismo disfarçado de não conformismo". Konder parece concordar com essa crítica do filósofo húngaro, pois encerra afirmando o seguinte:
De fato, independentemene de muitas observações notavelmente argutas sobre as mazelas da "sociedade contemporânea" e sobre as tendências fascistas que ela necessariamente encerra, Adorno e Horkheimer - estorvados por um ceticismo elitista, de consequências políticas negativas - chegavam em suas análises a um determinado ponto a partir do qual não conseguiam mais ir adiante: o ponto onde a compreensão dos problemas passava a depender do reconhecimento da direção de sua possível solução (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p.148).
CONCLUSÃO: A SITUAÇÃO ATUAL DAS CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO FASCISMO

I - Konder busca nessa última parte do livro, resumir suas ideias abordadas anteriormente. A primeira retomada pelo autor diz respeito a análises personalistas e subjetivas do fascismo que centram suas reflexões numa hipotética "personalidade fascista". Se por um lado, essas reflexões ajudam a problematizar o sistema educacional no capitalismo, por outro obscurece o entendimento de um movimento de cunho social e não meramente individual.

Afinal, questiona Konder: o que seria personalidade fascista? O ódio, a fascinação pela violência ou o espírito aventureiro? É impossível traçar uma personalidade fascista exata pois, segundo ele, o fascismo abarcou diferentes tipos de personalidades individuais. Adolf Hitler é citado como exemplo, apesar de ser protagonista de discursos efusivos e explosivos; sua intimidade mostra um homem capaz de desenvolver pensamentos surpreendentes como a implantação de uma verdadeira tolerância, através do triunfo do nazismo.

Sendo assim, Konder acredita que o foco nas personalidades acaba sendo ineficaz quando o fascismo se serviu de diferentes tipos humanos, desde o pervertidos sexuais como Julius Streicher, como homens pacatos cumpridores de ordens. Finalizando essa crítica, citemos o próprio Konder:
As contradições e a complexidade psicológica dos indivíduos apresentam interesse secundário, quando se trata de avaliar a exata significação da política que punham em prática. Precisamente por ter chegado a se tornar um movimento de massas, o fascismo não pode deixar de ter mobilizado (e não pode deixar de continuar a mobilizar) gente de toda espécie. Fixar unilateralmente a atenção nos indivíduos é um modo de perder de vista o social. Um daqueles casos em que, como dizia Hegel, as árvores impedem enxergar a floresta (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 155).
II - Derrotado em 1945, como o fascismo se rearticulou? Após a derrota do que Konder chama de "fascismo clássico", os fascistas se reorganizaram, seja criando organizações próprias ou migrando para partidos conservadores "respeitáveis". 

Na Itália, os fascistas se reorganizaram já em 1946 com a criação do Movimento Social Italiano-Direita Nacional (MSI-DN). O MSI-DN veio do Uomo Qualunque, uma organização fascista fundada por Guglielmo Giannini, que chegou a obter impressionantes 1,2 milhões de votos nas eleições para a Assembleia Constituinte, 1946. Porém, o Uomo se desarticulou e suas principais lideranças fundaram o MSI-DN, que até a escrita do livro do Konder ainda permanecia em atividade, mas foi dissolvido em 1995, dando sucessão a vários outros partidos. Entre as lideranças citadas por Konder, temos: Valerio Borghese, Augusto De Marsanich, Arturo Michelini e Giorgio Almirante. Se aliando aos monarquistas, o MSI-DN chegou a obter 3,0 milhões de votos nas eleições legislativas de 1972.

Na Alemanha os nazistas se reatircularam na parte ocupada pelas potências capitalistas. Com um programa baseado num forte discurso cristão, foi fundado em 1946 o Partido da Direita Alemã que nas eleições de 1948, chegou a ganhar a prefeitura da cidade de Wolfsburg, obrigando as autoridades inglesas que ocupavam a região a anular o pleito. O PDA foi dirigido por Adolf von Thadden, mas em 1964, ele conseguiu a unificação de várias organizações de extrema-direita, sendo então fundado o Partido Nacional Democrático da Alemanha.

Tanto Almirante na Itália, quanto Thadden na Alemanha, não se vinculavam diretamente a Mussolini e Hitler, respectivamente. Enunciavam que o fascismo estava derrotado e que eles queria a democracia. Mas ninguém se enganava quanto a aproximação deles com o "fascismo clássico". Só não era mais estratégico para essa extrema-direita se vincular a Mussolini/Hitler, sendo seu discurso carregado pela ideia da construção do "novo", mais "lúcido" e "democrático". Com esse discurso "inovador", Almirante até conseguiu êxito com o MSI-DN, mas Thadden via a direita alemã preferir outros partidos como o União Democrata-Cristã ou o União Social-Cristã.  E quais as relações desses partidos conservadores "respeitáveis" com as organizações nazifascistas? Segundo Konder,
No interior dos partidos conservadores "respeitáveis", por sua vez, os líderes da direita procuram demonstrar aos que não romperam com os velhos ideais fascistas que, modificados os métodos, eles podem contar com uma posição implacavelmente firme ante o comunismo na defesa dos pontos essenciais do programa básico da reação (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 159).
III - Konder afirma que na conjuntura da Guerra Fria esses partidos conservadores "respeitáveis" deram uma forte guinada à direita. Esse movimento dos partidos conservadores à direita, foi o principal motivo para o não sucesso de von Thadden. Na luta contra o comunismo soviético, ocorreu "uma assimilação de certos aspectos essenciais do fascismo por parte do conservadorismo tradicional. Para ser efetivamente 'assimilado', o fascismo precisava deixar-se 'transformar', renunciando ao que nele se mostrava 'superado'; e, para conseguir 'assimilar' verdadeiramente as energias do fascismo, o conservadorismo tradicional era levado a se 'fascistizar', dentro de certos limites" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 161-162). 

Essa flexibilidade, tornou possível o surgimento de formas "impuras" de fascismo como os regimes de Dolfuss na Áustria, Horthy na Hungria, Franco na Espanha e Salazar em Portugal. Porém, até mesmo essas experiências "impuras" foram derrotadas. Diante disso, conclui Konder: "Ao que parece, os possíveis modelos de um regime fascista, neofascista ou facistoide, nas condições atuais, não poderão ser desencavadas do passado: precisarão ser inventadas" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 163). E mais:
Os centros mais influentes da direita vêm optando pelo gradualismo, pelas pressões no sentido de que o aparelho do Estado seja melhor utilizado - tal como existe, ou então submetido a pequenas reformas - na repressão e neutralização (ou aniquilamento) da esquerda (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 163).
Por fim, Konder destaca interpretações que enxergam expressão do fascismo nos chamados países subdesenvolvidos. Dois países para Konder estariam muito próximos do modelo "clássico" de fascismo: a Coreia do Sul e o Chile. Outras visões enxergam expressão fascista em países como Irã, Argentina (principalmente após a morte de Perón), Grécia (entre 1967 e 1974) e até no Brasil. Sobre essa tentativa de analisar possíveis expressões fascistas no Terceiro Mundo, Konder adverte: "pode-se admitir que em alguns casos haja exagero no emprego do adjetivo fascista, mas não se pode deixar de reconhecer que é sintómático a preocupação expressada por tais cientistas: caso não houvesse nenhum fundamento, seria difícil que semelhante preocupação se manifestasse tão amplamente e alcançasse tão vasta repercussão" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 163-164).

IV - Passada essa análise sobre a reorganização do movimento fascista, Konder passa rapidamente pelas ideias de John Keynes. Economista conservador, Keynes tinha como preocupação salvar o capital financeiro que, agressivo na busca por seus interesses, ocasionou duas grandes guerras mundiais. Enxergando o comunismo como moralmente mais elevado que o capitalismo, ao desenvolver uma maior preocupação com os problemas da comunidade, Keynes observa que diante disso o capitalismo só poderia sobreviver se fosse eficiente economicamente. Mas o sistema precisava passar por uma autorrenovação que em suas reflexões, deveria seguir a seguinte direção: "sua solução dependeria de uma direção política forte e razoável, cujo discernicamento e cabeça fria precisavam ser protegidos contra as pressões democráticas dos eleitores 'ignorantes'" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 167). Em suma, ele "enxergou claramente a ligação profunda entre a necessária intervenção crescente do Estado capitalista na economia e a política necessariamente antidemocrática que deveria preservar a ação estatal contra 'interferências' populares" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 167).

V - A principal pergunta feita por Konder é a seguinte: o adjetivo fascista não tende a mais obscurecer do que iluminar os fenômenos atuais? Para autores como Renzo De Felice e Ernst Nolte, o fenômeno do fascismo deveria ser visto circunscrito nas realidades alemãs e italianos do Entre Guerras. Eles não consideram, por exemplo, que regimes como o de Salazar em Portugal seja fascista. Essas visões, para Konder, são errôneas, pois coloca a história como presa ou exilada ao passado, sem possibilidade de atualização.

Buscando criticar essa ideia, Konder cita Togliatti que em 1935 afirmou: "É preciso não considerar o fascismo como qualquer coisa de definitivamente caracterizado, é preciso considerá-lo no seu desenvolvimento, nunca como algo fixo, nunca como um esquema ou como um modelo" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 170).

Konder afirma que nas limitações da obra, é impossível traçar as diferentes expressões do fascismo em cada realidade. Porém, "algumas rápidas observações sobre o quadro mundial em que elas se operam, isto é, algumas observações sobre o complexo de problemas aflorado por Keynes e Hobson e mencionado no capítulo anterior: a necessidade de uma crescente intervenção do Estado na economia, a necessidade do caráter antidemocrático do Estado dessa intervenção. O quadro que o capitalismo apresenta, hoje, aos nossos olhos, como sistema" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 171).

VI - Na fase do capitalismo atual (na época que o livro foi escrito), a tendência era a forte e intensa participação do Estado na economia. Os capitalistas perceberam a importância dessa instituição e passaram a tratá-la com maior atenção. Mas, para Konder, a centralidade do Estado no plano econômico ajudaria numa possível passagem do capitalismo para o socialismo. E é por isso que, mesmo entendendo sua importância, os capitalistas ficam receiosos dessa centralidade do Estado. Isso porque, "se as forças populares chegarem a se apoderar revolucionariamente do aparelho do Estado, será mais fácil para elas servirem-se dele, agora, na transformação eficiente da estrutura da sociedade" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 175). E assim ele conclui sobre esse assunto:
Mesmo que a tomada do poder por partes das forças populares não lhes pareça estar na ordem do dia, os grandes capitalistas percebem, apreensivos, que o aparelho do Estado não é imune às pressões e infiltrações. O número de capitalistas diminui, ao passo que o número de assalariados aumenta. E o conteúdo de classe do Estado não basta para vaciná-lo contra a contaminação de impulsos políticos provenientes da massa cada vez mais ampla e mais densa das camadas populares. Quanto mais importante se torna o controle do Estado, mais os grandes capitalistas são levados a lutar para "limpá-lo" de "inscrustações democráticas", empelhando-o cada vez mais radicalmente em funções repressivas e antipopulares. Daí a tentação do fascismo (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 175).
 VII - A tentação do capital financeiro em enveredar para o fascismo sempre existiu, porém, eles acabam se encontrando tímidos por conta da presença do então (na época da escrita do livro) bloco socialista. Assim, melhor que investir numa alternativa fascista, é mais viável explorar as contradições internas desse bloco a fim de enfraquecer o inimigo. Os grandes avanços bélicos também são, para Konder, motivos para um recuo de uma alternativa fascista. Porém, essa alternativa é ainda vista a cada "guerra localizada" ou "intestinais". Se virou impossível expressar o fascismo em atacado, tenta-se a prestações.

Os antigos mitos racistas e antisemita, foram enfraquecidos e deram lugar ao forte teor anticomunista, encarado mais do que nunca como uma ameaça nacional. Diante dessas condições:
As condições atuais da luta não animam o capital financeiro a correr o risco de apoiar partidos de massa, capazes de empunhar bandeiras com cruzes suásticas nas ruas: é preferível tentar manipular a "maioria silenciosa", que fica discretamente em casa, entregue ao consumo da Coca-Cola e da televisão. Novos padrões de conduta política passam a ser inculcados sob a capa de atitudes "não políticas" (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 178).
Assim, finaliza Konder:
As circunstâncias exigem dos fascistas que eles sejam mais prudentes e mais discretos do que desejariam. Pragmaticamente, adaptam-se às exigências dos novos tempos. Mas continuam a trabalhar, infatigalvemente, preparando-se para tempos "melhores", que lhes permitam maior desenvoltura (KONDER, Leandro. São Paulo, Expressão Popular, 2009, p. 178).