sábado, 14 de janeiro de 2023

O Estado e a Revolução

  • Sobre o autor: Vladimir Lênin foi um político e teórico marxista, responsável por liderar a Revolução Russa em 1917. Suas ideias, produzidas no início do século XX, serviram como atualizadoras da teoria marxista. Essa atualização foi tão expressiva que Lênin acabou desenvolvendo uma corrente política/teórica dentro do marxismo: o leninismo. Responsável pela criação da União Soviética (URSS) e do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Lênin foi Presidente do Conselho do Comissariado do Povo da URSS, liderando o país socialista até sua morte. Dentre as suas principais obras, temos: a) Esquerdismo, doença infantil do comunismo; b) Que Fazer?; c) Imperialismo: fase superior do capitalismo. 


O Estado e a Revolução - Vladimir Lênin - Expressão Popular


Apresentação - Florestan Fernandes - Feita pelo sociólogo Florestan Fernandes, essa apresentação faz uma interessante análise sobre a obra. O primeiro ponto destacado por Florestan foi a capacidade de Lênin aliar reflexão teórica com militância política, tendo em vista que O Estado e a Revolução foi escrito em meio a agitação que antecedeu a Revolução Russa. Para Florestan, "nunca mais apareceu alguém com a envergadura teórica de Lenin e tão capaz de ligar criadoramente a teoria com a prática política" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 11). Outro ponto que marca a obra é seu forte teor polêmico. As polêmicas envolvendo esse escrito tem relação com as disputas e críticas severas que Lênin teceu a Social-Democracia (representada por teóricos como Karl Kautsky, Eduard Bernstein etc) e o Anarquismo. Ao realizar uma análise da interpretação de Karl Marx/Friedrich Engels sobre o Estado, Lênin visa delimitar a visão marxista sobre o Estado, diferenciando-se de sociais-democratas e anarquistas. Segundo Florestan, a obra "se volta para restabelecimento da verdadeira doutrina de Marx e Engels sobre o Estado e o papel da ditadura do proletariado na revolução socialista (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 10)

Outro ponto destacado por Florestan é a capacidade renovadora da obra, trazendo as reflexões de Marx/Engels à luz do século XX. Assim sendo, Lênin destaca três pontos que provam a importância da obra: a) sistematização da teoria marxiana do Estado; b) desmarcar o campo do marxismo, diferenciando-o de outras concepções políticas; c) junção da teoria com a práxis revolucionária. Finalizando essa apresentação, o sociólogo paulista, buscando refutar a ideia de que a obra era avançada demais para o contexto atual, responde:

Muitos poderão pensar que um livro como este só será necessário e útil quando existirem condições maduras para a tomada do poder revolucionário pelas classes trabalhadoras. Até lá, seria melhor manter o livro à distância das massas, dos quadros e das vanguardas do movimento socialista. No entanto, o que cria o quê? São as classes trabalhadoras que criam as condições de uma revolução social ou, vice-versa, estas que criam as classes trabalhadoras? Pensar dentro de tal esquema seria o mesmo que subjugar o movimento operário a uma ótica estreita, estanque e determinista, cega para a história produzida pelos homens. A revolução proletária não é como uma fruta madura e não basta erguer a mão para apanhá-la (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 15)

Dessa forma, Florestan acredita na importância e atualidade da obra que seria responsável por ajudar a educar as massas para o socialismo; levando esses trabalhadores ao conhecimento da tarefa dos revolucionários na tomada do poder, destruição do Estado capitalista e preparação para a transição socialista. O desemburguesamento do proletário só será possível através de uma educação crítica e anticapitalista, campos que a presenta obra de Lênin se encaixa perfeitamente. Por último, Florestan ainda defende a relevância da obra para a conjuntura nacional (a apresentação foi escrita em 1978). No caso, "o livro poderá desempenhar um papel deveras importante no despertar de uma consciência proletária socialista, sem a qual a pressão operária e o protesto sindical estão condenadas ao malogro"  (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 16). A obra poderá servir como uma crítica as ilusões constitucionais, representadas por uma fé no Estado e na democracia burguesa. Vale salientar que em 1978 ainda vivíamos sob a Ditadura Militar, apesar do regime constituído ilegalmente em 1964 já dar mostras de enfraquecimento. Era um período de reorganização da esquerda brasileira e dos partidos/movimentos sociais por ela liderada. Assim, Florestan alertava sobre a "fé supersticiosa no Estado" e a necessidade de romper essa visão dentro de uma conjuntura de redemocratização e reorganização.  

Prefácio à 1° edição - Nesse breve prefácio, Lênin traça o roteiro da obra e seus objetivos. Primeiro ele destaca a importância da 1° Guerra Mundial, chamada de guerra imperialista, responsável pelo desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado. Diante dos horrores causados por esse conflito, o revolucionário russo considera a revolução proletária universal uma questão atual e urgente, diante de sua maturação. Mas antes se fazia necessário discutir o que fazer após o processo revolucionário e isso significava não só um resgate da obra de Marx/Engels, como uma crítica ferrenha a Social-democracia, adjetivada pelo autor de "oportunismo". Sendo assim, Lênin oferece o roteiro da obra:

Primeiro, passemos em revista a doutrina de Marx e Engels sobre o Estado, detendo-nos mais demoradamente nos pontos esquecidos ou desvirtuados pelo oportunismo. Em seguida, estudaremos especialmente o representante mais autorizado dessas doutrinas desvirtuadas, Karl Kautsky, o chefe mais conhecido dessa Segunda Internacional (1889-1914) que tão tristemente faliu durante a guerra atual  (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 20).

Ao seguir esse roteiro, Lênin acredita que as massas poderão compreender melhor "o que devem fazer para se libertarem do jugo capitalista em futuro próximo"  (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 21)

Capítulo 01 - As classes sociais e o Estado

1.1 O Estado é um produto do antagonismo irreconciliável das classes -   Lênin inicia a obra colocando seu principal objetivo: buscar depurar a teoria de Marx/Engels de interpretações oportunistas. Ou seja, ele se coloca como um intérprete da teoria marxiana, colocando outras interpretações como equivocadas e contrarrevolucionárias. Dessa forma, ele começa essa primeira parte do capítulo afirmando que o marxismo vinha passando por um processo de pacificação e deturpação, liderado por intelectuais e políticos pequeno burgueses. Essa pacificação se desenvolveu após a morte de Marx e tem como objetivo retirar sua natureza revolucionária, tornando sua teoria aceitável para a ordem burguesa, na medida em que não busca superá-la. Diante desse cenário, afirma o revolucionário russo: "Em tais circunstâncias, e uma vez que se logrou difundir tão amplamente o marxismo deformado, a nossa missão é, antes de tudo, restabelecer a verdadeira doutrina de Marx sobre o Estado"  (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 26).

Essa depuração do marxismo será realizada utilizando trechos das obras de Marx/Engels, o que passa confiança a empreitada ambiciosa. Dessa forma, Lênin inicia sua missão utilizando reflexões e trecho da obra clássica "A origem da família, da propriedade privada e do Estado" de Engels. A citação exposta faz Lênin chegar a seguinte conclusão, sobre a concepção marxista do Estado: 

O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, a existência do Estado prova que as conciliações de classes são inconciliáveis  (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 27).

Diante dessa conclusão sobre a interpretação marxista do Estado, Lênin afirma que intelectuais burgueses e pequeno burgueses deturpa Marx ao interpretar que suas reflexões levam a ideia de que o Estado é o órgão de conciliação das classes e não da inconciliação. Visando mostrar a interpretação correta, Lênin afirma que: "Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma "ordem" que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes"  (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 27). Assim sendo, a teoria marxista é contrária as visões que colocam o Estado como produto da conciliação das classes e não da submissão de uma classe por outra. 

Encerrando essa primeira parte do capítulo, Lênin acusa Karl Kautsky como o deformador mais sutil do marxismo naquela conjuntura. São as ideias de Kautsky que inspiraram a Social-Democracia, aquela que Lênin busca se contrapor em toda a obra. A sutileza da deformação desenvolvida pelo social-democrata é que ele não nega que o Estado é o produto da inconciliação das classes onde uma se sobrepõe sobre outra. Porém, apesar de aceitar esse pressuposto basilar, Kautsky "esquece" ou "omite" que "a libertação da classe oprimida só é possível por meio de uma revolução violenta e da supressão do aparelho governamental criado pela classe dominante"  (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 28). Tal "esquecimento", criticado por Lênin, faz sentido num contexto onde Kautsky e os sociais-democratas por ele liderados buscavam substituir a revolução violenta por uma transição pacífica ao socialismo. Em suma, são a essas deformações que Lênin se dirige e critica, tendo em vista que a essência revolucionária do marxismo não abdica da transformação violenta e radical da sociedade capitalista. 

1.2 Forças Armadas, prisões etc - Lênin, citando Engels, coloca as forças armadas como a consequência direta do desenvolvimento do Estado. Essas forças armadas corresponderiam a um poder público desenvolvido em sociedade, mas que dela se afasta cada vez mais. Elas estão presentes em todos os Estados e criam seus tentáculos, como as prisões e instituições com funções coercivas. Em suma, as forças armadas se constituem como um conjunto de homens armados que detém a sua disposição prisões e formas repressivas diversas. 

Mas qual a necessidade desse conjunto de homens armados? Representantes das classes dominantes, ao justificar a existência das forças armadas, alegam que suas raízes remontam das complicações da vida social e da diferenciação das funções sociais. Porém, alerta Lênin: "Essas alegações parecem "científicas" e tranquilizam admiravelmente o bom público, obscurecendo o principal, o essencial: a cisão da sociedade em classes irreconciliavelmente inimigas" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 30). Logo, o Estado seria o resultado da divisão entre classes sociais que desenvolvem interesses antagônicos e irreconciliáveis. Esses interesses divergentes fazem as classes dominantes criarem corpos de homens armados que detém em suas mãos as armas. Essas armas, se fossem liberadas para todos os membros da sociedade sem o mínimo de controle, poderiam ser utilizadas para numa eventual luta armada entre classes hostis. Desta forma, a luta entre exploradores (classes dominantes) e explorados (classes dominadas) se configuram em Lênin da seguinte forma: 

Forma-se o Estado; cria-se uma força especial, criam-se corpos armados, e cada revolução, destruindo o aparelho governamental, nos mostra uma luta de classes descoberta, põe em evidência como a classe dominante se empenha em reconstituir, a seu serviço, corpos de homens armados e como a classe oprimida se empenha em criar uma nova organização do mesmo gênero, para pô-la ao serviço, não mais dos exploradores, mas dos explorados (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 30).

É desta forma que, citando Engels, Lênin afirma que o poder público oriundo do Estado se fortalece na medida em que se agrava os conflitos entre as classes sociais; historicamente hostis e irreconciliáveis. Esse mesmo poder público cresce e se fortalece à medida em que esses Estados se tornam mais populosos e expressivos. Os atritos entre esses Estados que desaguam na Primeira Guerra Mundial, são usados por Lênin como exemplo desse fortalecimento e expansão do poder público. Agora esses Estados competem entre si por espaço, formando uma competição entre potências espoliadoras. Assim o autor dá atualidade aos princípios marxianos, mostrando como o Estado se apresentava naquela conjuntura em que ele estava inserido. No caso, a conjuntura da expansão imperialista. 

1.3 O Estado, instrumento de exploração da classe oprimida -  Segundo as reflexões leninistas, o Estado e seu poder público se mantém ativo através do financiamento realizado por intermédio dos impostos. A cobrança dos impostos é necessária e contribui, diretamente, para o desenvolvimento e manutenção do poder público e dos funcionários que esse poder abarca. Sendo assim, esses funcionários que representam o Estado, surgem através da sociedade civil e acima dela busca se situar. E quem coloca esses funcionários nessa posição privilegiada? 

São as classes dominantes, aquelas que detém o controle sobre o Estado e se configura como a classe social mais poderosa e economicamente dominante. Entretanto, citando Engels, Lênin coloca que em situações excepcionais é possível verificar uma certa independência desses funcionários em relação as classes dominantes. Mas essa certa independência, além da excepcionalidade, só pode ser observada em períodos de intensa luta de classes. 

Por fim, Lênin acredita que nem mesmo avanços como o sufrágio universal retira do Estado sua essência exploradora e ligada as classes dominantes. Ele considera o sufrágio como resultado de uma maturidade da luta dos trabalhadores, mas adverte que ela por si só não significa o fim do Estado como instrumento de dominação da burguesia. Inclusive, citando Engels mais uma vez, ele chega a afirmar que o sufrágio é resultado dessa instrumentalidade burguesa. E cutucando a Social-Democracia dentro e fora da Rússia, ele encerra: 

Os democratas pequeno-burgueses, do gênero dos nossos socialistas-revolucionários e mencheviques, e os seus irmãos, os social-chauvinistas e oportunistas da Europa ocidental, esperam, precisamente, "mais alguma coisa" do sufrágio universal. Partilham e fazem o povo partilhar da falsa concepção de que o sufrágio universal, "no Estado atual", é capaz de manifestar verdadeiramente e impor a vontade da maioria dos trabalhadores (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 34).

1.4 "Definhamento" do Estado e a revolução violenta - Concluindo esse primeiro capítulo, Lênin detalha as diferenças entre Estado burguês e Estado proletário. O Estado burguês é o representante oficial da atual classe dominante: a burguesia. Porém, citando Engels, o autor mostra que essa instituição sempre esteve à serviço da classe exploradora em questão. Pegando os diversos períodos e épocas históricas é possível perceber que existiu um Estado escravagista, servindo aos proprietários de escravos; um Estado nobre, servindo a nobreza feudal e, por fim, o Estado burguês já mencionado. Por outro lado, o Estado proletário surge após a queda do Estado burguês e tem como característica inicial a transformação dos meios de produção em sua propriedade. Ao transformar os meios de produção em propriedade do Estado, os proletários abolem as distinções de classe e, consequentemente, seus antagonismos. Desta forma, o proletário se destrói como proletário já que passa a inexistir as distinções de classe. O desenvolvimento dessa nova sociedade, em que as distinções de classe são extirpadas, geram a falta de necessidade do Estado. Afinal, qual o intuito de manter uma instituição gerada historicamente a partir das distinções e antagonismos entre as classes? Sem essas distinções e antagonismos, o Estado proletário perde sua utilidade. Assim resume Lênin este complexo raciocínio: 

O primeiro ato pelo qual o Estado se manifesta realmente como representante de toda a sociedade - a posse dos meios de produção em nome da sociedade - é, ao mesmo tempo, o último ato próprio do Estado. A intervenção do Estado nas relações sociais se vai tornando supérflua daí por diante e desaparece automaticamente. O governo das pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direção do processo de produção. O Estado não é "abolido": morre (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 36).

Após a exposição dessas reflexões, em que é possível perceber a diferença entre Estado burguês e proletário, Lênin segue destacando alguns princípios da concepção de Estado para o marxismo. Esses princípios são enumerados e baseados nas obras de Marx/Engels. Vamos aos pontos: 1) O Estado burguês é abolido, já o proletário, morre. Qual a diferença? O burguês precisa ser aniquilado, pois é um instrumento da burguesia contra as classes exploradas. Seu fundamento de existência é a manutenção de variadas formas de exploração, logo, precisa ser abolido imediatamente. No seu lugar, o Estado proletário, instituição à serviço dos explorados (maioria da sociedade), não precisa ser abolido imediatamente. Esse novo Estado pode morrer definhando e sua utilidade torna-se desnecessária a partir do desenvolvimento histórico que leva a ausência de distinção de classe. Segundo Lênin: "o Estado burguês não "morre"; é "aniquilado" pelo proletariado na revolução. O que morre "depois" dessa revolução é o Estado proletário ou semiestado" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 37).

2) O Estado é uma força especial de repressão, seja ele burguês ou proletário. Sendo ambos instrumentos repressivos, qual seriam suas diferenças? Suas diferenças residem em seus objetivos. Enquanto o Estado burguês objetiva reprimir as classes exploradas, o proletário tem como finalidade combater as classes exploradoras. Dessa forma, afirma Lênin: "Dela resulta que essa "força especial de repressão" do proletariado pela burguesia, de milhões de trabalhadores por um punhado de ricos, deve ser substituída por uma "força especial de repressão" da burguesia pelo proletariado (a ditadura do proletariado)" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 37). 3) O socialismo se define como um sistema transitório em que o Estado definha, até finalmente morrer. Ou seja, "Só a Revolução pode "abolir" o Estado burguês. O Estado em geral, isto é, a plena democracia, só pode "definhar" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 38).

4) Ao afirmar que o Estado morre, Marx/Engels se dirige não só aos anarquistas como também aos oportunistas da Social-Democracia. Segundo Lênin, tal ideia foi concentrada sobre os ombros dos anarquistas, mas na verdade abarca também sociais-democratas que buscam prolongar a existência do Estado. 5) A derrubada do Estado burguês e conseguinte construção do Estado proletário só pode ser realizada através de uma revolução violenta. Dessa forma, Lênin reivindica o papel histórico da violência, debatido por Marx/Engels. Entretanto, esse princípio básico é escondido pelos oportunistas da Social-Democracia. Esses setores escondem a necessidade histórica de abolir o Estado burguês bruscamente e de forma violenta, tendo em vista a consequente reação das classes exploradoras. Assim, "Este só pode, em geral, ceder lugar ao Estado proletário (ditadura do proletariado) por meio da revolução violenta e não por meio do "definhamento" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 40). Quem deve definhar até sua morte é apenas o Estado proletário, pois seu fundamento não reside na exploração dos explorados. Encerrando o capítulo, afirma Lênin: 

A essência de toda a doutrina de Marx e de Engels é a necessidade de inocular sistematicamente nas massas essa ideia da revolução violenta. É a omissão dessa propaganda, dessa agitação, que marca com mais relevo a traição doutrinária das tendências social-chauvinistas e kautskistas. A substituição do Estado burguês pelo Estado proletário não é possível sem uma revolução violenta. A abolição do Estado proletário, isto é, a abolição de todo e qualquer Estado, só é possível pelo "definhamento" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 41).

Capítulo 02 - A Experiência de 1848-1851

2.1 Às vésperas da revolução -  Lênin, tomando como base citações de Marx e Engels, traz um importante conceito para a teoria marxista do Estado: a ideia de ditadura do proletariado. Ele trata a ditadura do proletariado como uma das ideias mais relevantes do marxismo e critica o esquecimento desse conceito por parte dos social-democratas. O que seria a ditadura do proletariado em Lênin? Para o bolchevique, seria a transformação do proletariado em classe dominante. A ditadura do proletariado seria capaz de destruir a ditadura da burguesia, subjugando essa minoria exploradora aos interesses da maioria explorada. Diz Lênin: 

A doutrina da luta de classes, aplicada por Marx ao Estado e à revolução socialista, conduz fatalmente a reconhecer a supremacia política, a ditadura do proletariado, isto é, um poder proletário exercido sem partilha e apoiado diretamente na força das massas em armas. O derrubamento da burguesia só é realizável pela transformação do proletariado em classe dominante, capaz de dominar a resistência inevitável e desesperada da burguesia e de organizar todas as massas trabalhadoras exploradas para um novo regime econômico (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 46).

Como podemos perceber, a ditadura do proletariado é responsável pela derrubada da ditadura da burguesia e consequente construção de um novo regime econômico, pautado nos interesses da maioria outrora exploradas. Existe uma necessidade dessa ditadura do proletariado ser apoiada pela "força das massas em armas", tendo em vista a resistência que a burguesia organizará com o intuito de preservar seus privilégios. No caso, o recurso as armas se faz necessário para garantir a hegemonia política da maioria explorada. Afirma Lênin: "O Estado é a organização especial de uma força, da força destinada a subjugar determinada classe. Qual é, pois, a classe que o proletariado deve subjugar? Evidentemente, só a classe dos exploradores, a burguesia" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 45)

Dito isso, a ditadura é do proletariado pois essa seria a única classe social organizada ao ponto de conseguir desenvolver uma resistência contra a burguesia. O proletariado, apesar de não ser a única explorada pelos burgueses, torna-se uma classe protagonista no desenvolvimento de uma nova sociedade. Sobre tal protagonismo proletário, Lênin diz: 

A derrocada da dominação da burguesia só é possível pelo proletariado, única classe cujas condições econômicas de existência a tornam capaz de preparar e realizar essa derrocada. O regime burguês, ao mesmo tempo em que fraciona, dissemina os camponeses e todas as camadas da pequena burguesia, concentra, une e organiza o proletariado. Em virtude do seu papel econômico na grande produção, só o proletariado é capaz de ser o guia de todos os trabalhadores e de todas as massas que, embora tão exploradas, escravizadas e esmagadas quanto ele, e mesmo mais do que ele, não são aptas para lutar independentemente por sua emancipação (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 46).

Após discutir o conceito de ditadura do proletariado, sua importância e necessidade, Lênin toca em outra questão a ser mencionada: o papel da vanguarda revolucionária. Tal vanguarda seria responsável pela construção da ditadura do proletariado, sendo líderes políticos desse processo. A vanguarda teria no partido revolucionário seu palco de ação e estaria com a missão histórica de conduzir as massas proletárias ao socialismo. Sobre essa vanguarda revolucionária, podemos citar: 

Educando o partido operário, o marxismo forma a vanguarda do proletariado, capaz de tomar o poder e de conduzir todo o povo ao socialismo, capaz de dirigir e de organizar um novo regime, de ser o instrutor, o chefe e o guia de todos os trabalhadores, de todos os exploradores, para a criação de uma sociedade sem burguesia, e isso contra a burguesia (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 46-7).

Em suma, nesta primeira parte do capítulo Lênin discute importantes conceitos de sua teoria: a ideia de ditadura do proletariado, o protagonismo proletário e por último o papel educativo e dirigente que a vanguarda é responsável. 

2.2 A experiência de uma revolução - Novamente citando Marx, o autor chega a seguinte conclusão: todas as revoluções burguesas na Europa, incluindo a realizada na França, aperfeiçoaram o Estado quando se faz necessário destruir e quebrar tal máquina governamental. Essa quebra só será possível transformando o proletariado em classe dominante, ou seja, via a construção da ditadura do proletariado que no dia seguinte a sua edificação já comece a definhar em busca de um objetivo final: uma sociedade sem Estado, ou seja, sem antagonismo de classe. 

Lênin critica Kautsky, social-democrata, por reproduzir que a ideia de destruição e aniquilamento do Estado é característica específica do anarquismo. Essa ideia mentirosa acaba tendo relevância naquele contexto histórico em que os social-democratas procuravam justificar e legitimar a participação de seus países na Primeira Guerra Mundial, considerada por Lênin como uma guerra imperialista. A tarefa dos verdadeiros marxistas é atuar politicamente pela destruição do Estado, não pelo seu aperfeiçoamento. Essa tarefa teria ainda mais importância diante do novo contexto de desenvolvimento do imperialismo que seria responsável pelo seguinte processo: 

O imperialismo - época do capital bancário, época dos gigantescos monopólios capitalistas, época em que o capitalismo dos monopólios se transforma, por via de crescimento, em capitalismo de monopólios de Estado - mostra, em particular, a extraordinária consolidação da "máquina governamental", o inaudito crescimento do seu aparelho administrativo e militar, ao mesmo tempo em que se multiplicam as repressões contra o proletariado, tanto nos países monárquicos quanto nos mais livres países republicanos (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 53).

3. Como Marx expunha a questão em 1852 - Em 1852, Marx deixa claro que não foi ele que criou a ideia de luta de classes. Pelo contrário, segundo o mesmo, foram teóricos burgueses que reconheceram a existência da luta de classes. Sua distinção em comparação a esses autores é que, além de reconhecer luta de classes como um motor do processo histórico, acredita que seu desenvolvimento levará a ditadura do proletariado e que tal ditadura nada mais significa que um processo transitório para uma sociedade onde o Estado e as classes sociais sejam extintas. 

Sendo assim, Lênin afirma: só é marxista aquele que reconhecer a luta de classes e, junto a isso, defender a necessidade da ditadura do proletariado. Segundo Lênin:

Quem só reconhece a luta de classes não é ainda marxista e pode muito bem não sair dos quadros do pensamento burguês e da política burguesa. Limitar o marxismo à luta de classes é truncá-lo, reduzi-lo ao que é aceitável para a burguesia. Só é marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado. A diferença mais profunda entre o marxista e o pequeno (ou grande) burguês ordinário está aí. É sobre essa pedra de toque que é preciso experimentar a compreensão efetiva do marxismo e a adesão ao marxismo (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 54).

Ao não reconhecer a necessidade da ditadura do proletariado, Kautsky é tratado por Lênin como um ex-marxista  que falsifica de forma oportunista a teoria marxista. Na verdade, a luta de classes levará a uma ditadura (do proletariado) responsável pela transição do capitalismo ao comunismo. Durante essa ditadura do proletariado, a burguesia e suas resistência são duramente aniquiladas e a luta de classes pode chegar a formas encarniçadas. Isso porque "O Estado dessa época deve ser, pois, um Estado democrático (para os proletários e os não-possuidores em geral) inovador e um Estado ditatorial (contra a burguesia) igualmente inovador" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 55). Por último, Lênin coloca claramente a bipolaridade entre ditadura da burguesia x ditadura do proletariado: 

As formas dos Estados burgueses são as mais variadas; mas a sua natureza fundamental é invariável: todos esses Estados se reduzem, de um modo ou de outro, mas obrigatoriamente, afinal de contas, à ditadura da burguesia. A passagem do capitalismo para o comunismo não pode deixar, naturalmente, de suscitar um grande número de formas políticas variadas, cuja natureza fundamental, porém, será igualmente inevitável: a ditadura do proletariado (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 55).

Capítulo 03 - O Estado e a Revolução: a experiência da Comuna de Paris (1871) análise de Marx

3.1 Onde reside o heroísmo da tentativa dos comunardos - Apesar de apontar suas limitações, Marx (e o próprio Lênin) admitem a importância histórica da Comuna de Paris e afirmam que sua experiência foi mais valiosa do que centenas de programas e argumentos. Porém, apesar de reconhecer os comunardos, o marxismo aponta seu principal equívoco: a não destruição do Estado burguês. Logo, não é suficiente apenas passar para outras mãos a máquina burocrática e militar do Estado burguês. Pelo contrário, se faz necessário destruí-lo e construir um novo Estado que em seguida definhe rumo a uma sociedade sem classes. Essa é a principal condição para o sucesso de uma revolução popular. 

A referência ao termo "popular" é importante, pois se faz necessário pontuar o que significa "povo" em Lênin. Segundo o teórico marxista, povo seria a união de duas classes sociais oprimidas pela burguesia: o proletariado, classe protagonista, e o campesinato que se torna aqui um importante e necessário aliado na luta por uma sociedade socialista. Com as palavras de Lênin, temos o seguinte: 

A revolução capaz de arrastar a maioria do movimento só poderia ser "popular" com a condição de englobar o proletariado e os camponeses. Essas duas classes constituíam, então, "o povo". Essas duas classes são solidárias, visto que a "máquina burocrática e militar do Estado" as oprime, as esmaga e as explora. Quebrar essa máquina, demoli-la, tal é o objetivo prático do "povo", da sua maioria, dos operários e dos camponeses; tal é a "condição prévia" da aliança livre dos camponeses pobres e do proletariado. Sem essa aliança, não há democracia sólida nem transformação social possível (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 61).

3.2 Pelo que deve ser substituída a máquina do Estado, depois de destruída? - A pergunta que dar início ao tópico não foi respondida por Marx e Engels no Manifesto Comunista. Visando não cair no utopismo, Marx e Engels esperaram experiências concretas para só então pensar numa resposta. A Comuna de Paris foi a experiência que os dois esperavam. De forma correta, os comunardos substituíram antigas instituições por outras novas. Ocorreu uma mudança qualitativa como, por exemplo: redução de todos os salários administrativos ao nível do salário operário, elegibilidade e amovibilidade absoluta de todos os empregos, supressão da polícia e exército permanente etc. 

Entretanto, faltou aos comunardos o principal: a expropriação da burguesia. Sem essa expropriação, a burguesia continua a deter recursos que podem ser organizados numa resistência contrarrevolucionária, como foi o caso em questão. Sobre essa ausência, pontuou Lênin: 

Elegibilidade absoluta, amovibilidade, em qualquer tempo, de todos os empregos sem exceção, redução dos vencimentos ao nível do salário operário habitual - essas medidas democráticas, simples e evidentes por si mesmas, solidarizando os interesses dos operários e da maioria dos camponeses, servem, ao mesmo tempo, de ponte entre o capitalismo e o socialismo. Essas medidas reformistas são de ordem puramente governamental e política e, naturalmente, não atingem todo o seu significado e todo o seu alcance senão com a "expropriação dos expropriadores" preparada ou realizada, isto é, com a socialização da propriedade privada capitalista dos meios de produção (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 65).

3.3 Supressão do parlamentarismo - Lênin discute neste tópico sua crítica ao parlamentarismo, crítica falseada pela social-democracia preocupada em obter postos no Estado burguês. Essa mesma social-democracia, falsificando o marxismo, limitou a crítica ao parlamentarismo aquela realizada pelos anarquistas. Entretanto, Lênin pontua a existência de uma crítica marxista ao parlamentarismo, que se diferencia da reproduzida pelo anarquismo. Ao marxismo coube a ideia de que, diante de conjunturas não revolucionárias, é possível utilizar o parlamentarismo burguês de modo tático e jamais limitador. Mas, ao mesmo tempo, destroça a farsa que representa esse parlamentarismo que em resume assim se manifesta na prática: 

Decidir periodicamente, para um certo número de anos, qual o membro da classe dominante que há de oprimir e esmagar o povo no Parlamento, eis a própria essência do parlamentarismo burguês, não somente nas monarquias parlamentares constitucionais, como também nas repúblicas mais democráticas (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 66).

O parlamentarismo burguês não pode ser combatido com a supressão arbitrária das instituições representativas e de elegibilidade. Pelo contrário, a crítica marxista foca na manutenção dessas instituições, mas que transformem concretamente as assembleias representativas em órgãos políticos que trabalham verdadeiramente, executando funções legislativas e executivas ao mesmo tempo. Em suma, significa manter instituições representativas mas sob ocupação e protagonismo dos proletários. Dessa forma, "O socialismo simplifica as funções da administração do "Estado", permite que se suprima a "hierarquia", reduzindo tudo a uma organização dos proletários em classe dominante" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 69). Ainda segundo Lênin, nada do que foi pontuado acima significa utopismo. Pelo contrário, se defendendo dessa acusação ele pontua: 

Não somos utopistas. Nunca "sonhamos" poder dispensar bruscamente, de um dia para outro, toda e qualquer administração, toda e qualquer subordinação; isso são sonhos anarquistas resultantes da incompreensão do papel da ditadura proletária, sonhos que nada têm em comum com o marxismo e que na realidade não servem senão para adiar a revolução socialista até que os homens venham a ser de outra espécie. Não, nós queremos a revolução socialista com os homens tais como são hoje, não podendo dispensar nem a subordinação, nem o controle, nem os "contramestres" nem os "guarda-livros" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 70).

3.4 Organização da unidade nacional - Criticando Bernstein, outro teórico importante para a social-democracia que aproxima Marx de Proudhon, Lênin pontua as diferenças entre esses dois autores. Por enquanto que Proudhon é defensor do federalismo, Marx é assíduo defensor do centralismo. Não o centralismo burguês que depende exclusivamente da burocracia e do militarismo para funcionar, mas o centralismo proletário consciente, democrático e que unifique a nação em torno dos interesses populares. Sobre o centralismo proletário de Marx, questiona Lênin: 

Ora, se o proletariado e os camponeses mais pobres se apossam do poder político, organizando-se livremente em comum e coordenando a ação de todas as comunas para ferir o capital, destruir a resistência dos capitalistas, restituir a toda a nação, à sociedade inteira, a propriedade privada das estradas de ferro, das fábricas, da terra etc., não será isso centralismo? Não será isso o centralismo democrático mais lógico e, ainda melhor, um centralismo proletário? (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 74).

3.5 Destruição do Estado parasita - Em tempos de crescente falsificação e oportunismo social-democrata, Lênin afirma o elementar da teoria de Marx: sua defesa pela destruição do Estado burguês (de caráter parasitório) e consequente construção da ditadura do proletariado como transição para uma sociedade sem classes. Sendo assim, refutando o oportunismo dos falsificadores, Lênin diz: 

De toda a história do socialismo e da luta política, Marx concluiu que o Estado está condenado a desaparecer, e que a forma transitória do Estado em vias de desaparecimento, a forma de transição do Estado para a ausência do Estado, será o "proletariado organizado como classe dominante". Quanto às formas políticas do futuro, Marx não se aventurou a descobri-las. Limitou-se à observação exata, à análise da histórica francesa e à conclusão que sobressaía do ano de 1851, isto é, que caminhamos para a destruição da máquina de Estado burguesa (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 76).

Ao reafirmar o compromisso político e teórico de Marx em fazer o Estado burguês desaparecer, Lênin dialoga criticamente com uma leitura social-democrata que omitia tais posicionamentos do autor e forjava um marxismo alinhado aos seus interesses mesquinhos de mera ocupação desse Estado parasita. 

Capítulo 04 - Esclarecimentos Complementares de Engels

4.1 O "problema da habitação" -  A questão da habitação, levantada por Engels e trazida por Lênin, toca no debate da necessidade das expropriações no Estado proletário. Essas expropriações são necessárias, mas só podem ser feitas corretamente por um Estado de novo tipo. Essas expropriações incluem casas, fábricas e propriedades fundiárias da burguesia que deverão ser repartidos entre os trabalhadores despossuídos. 

4.2 Polêmica com os anarquistas - Trazendo citações detalhadas de Marx e Engels, Lênin mostra o teor da crítica marxista ao anarquismo. Os marxistas se igualam aos anarquistas no desejo de extinguir as classes sociais e o Estado. Entretanto, os marxistas entendem que se faz necessário desenvolver um Estado proletário pós-revolução com o objetivo de destruir a resistência da burguesia. Sem o emprego desse novo Estado, diferente do Estado burguês, torna-se impossível resistir a consequente resistência contrarrevolucionária orquestrada pelos burgueses. Concluída a tarefa de destruir a resistência burguesa, o Estado proletário começa a caminhar para seu desaparecimento, ou seja, estamos diante de um Estado em vias de extinção. Segundo Lênin: 

O proletariado precisa do Estado só por um certo tempo. Sobre a questão da supressão do Estado, como objetivo, não nos separamos absolutamente dos anarquistas. Nós sustentamos que, para atingir esse objetivo, é indispensável utilizar provisoriamente, contra os exploradores, os instrumentos, os meios e os processos de poder político, da mesma forma que, para suprimir as classes, é indispensável a ditadura provisória da classe oprimida (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 81).

Após debater as semelhanças e diferenças entre marxismo e anarquismo no tocante o Estado, Lênin direciona sua crítica aos anarquistas "antiautoritários" (influenciados por Proudhon) e também aos oportunistas da social-democracia. Com relação aos proudhnianos, críticos do exercício da autoridade, Lênin exclama: 

Reclamam que o primeiro ato da revolução social seja a supressão da autoridade. Esses senhores já terão visto alguma revolução? Uma revolução é, certamente, a coisa mais autoritária que há, um ato pelo qual uma parte da população impõe a sua vontade à outra, com auxílio dos fuzis, das baionetas e dos canhões, meios por excelência autoritários; e o partido que triunfou tem de manter a sua autoridade pelo temor que as suas armas inspiram aos reacionários (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 82).

Já com relação aos sociais-democratas, Lênin aponta a crítica equivocada que esses desenvolvem contra o anarquismo. Por conta de seu oportunismo, esses setores não invocam uma parte essencial na concepção marxista do Estado: a sua necessidade de desaparecer, sendo o Estado proletário apenas uma transição para uma sociedade sem Estado e classes sociais. 

4.3 Carta a Bebel - Tomando como base a carta a Bebel, escrita por Engels em 1875, Lênin reforça a crítica engelsiana a ideia de "Estado popular" ou "Estado popular livre". Tais termos entram em contradição com o marxismo, já que só poderá existir plena liberdade com a completa extinção do Estado. Se existe Estado é porque ainda existem as classes sociais e antagonismos a serem solucionados. 

4.4 Crítica do projeto do programa de Erfurt - Aqui Lênin discute o programa de Erfurt, criticado por Engels em 1891. O autor acredita que muitas ideias desenvolvidas por Engels, podem ser perfeitamente associadas a social-democracia protagonista da Segunda Internacional. 

4.5 O prefácio de 1891 à Guerra Civil de Marx - Neste prefácio de Engels, escrito em 1891, Lênin afirma existir toda a visão negativa do Estado para o marxismo. Segundo o bolchevique, "Engels acentua, mais uma vez, que, não só numa monarquia como também numa república democrática, o Estado continua a ser Estado, isto é, conserva o seu caráter distintivo fundamental, que é o de transformar os empregados, órgãos e "servidores da sociedade" em senhores da sociedade" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 96). Sendo assim, seja numa monarquia ou república, o marxismo continua considerando o Estado como uma máquina de opressão de uma classe sobre outra, porém, Lênin adverte que "Uma forma de opressão e de luta de classes mais ampla, mais livre, mais franca, facilitará enormemente ao proletariado a sua luta pela abolição das classes em geral" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 98).

4.6 A eliminação da democracia, segundo Engels - Finalizando o capítulo, Lênin afirma que o objetivo do marxismo é suprimir o Estado, as classes sociais e, consequentemente, a democracia. Sobre a supressão da democracia, Lênin esclarece: 

À primeira vista, essa afirmação parece estranha e ininteligível; alguns poderiam mesmo recear que nós desejássemos o advento de uma ordem social em que caísse em desuso o princípio da submissão da minoria à maioria, que, ao que se diz, é o princípio essencial da democracia. Mas, não! A democracia não se identifica com a submissão da minoria à maioria, isto é, a organização da violência sistematicamente exercida por uma classe contra a outra, por uma parte da população, contra a outra (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 100).

E continua:  

Nosso objetivo final é a supressão do Estado, isto é, de toda violência, organizada e sistemática, de toda coação sobre os homens em geral. Não desejamos o advento de uma ordem social em que caducasse o princípio da submissão da minoria à maioria. Mas, em nossa aspiração ao socialismo, temos a convicção de que ele tomará a forma do comunismo e que, em consequência, desaparecerá toda necessidade de recorrer à violência contra os homens, à submissão de um homem a outro de uma parte da população à outra. Os homens, com efeito, habituar-se-ão a observar as condições elementares da vida social, sem constrangimento nem subordinação (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 101).

Sendo o comunismo um novo estágio do desenvolvimento humano, onde outro homem seria forjado, não se teria mais necessidade de qualquer aparato governamental ou de qualquer Estado, inclusive, uma república de tipo democrática. Afinal, estamos diante de uma nova etapa da vida humana com novas ideias, comportamentos, práticas e conceitos. 

Capítulo 05 - As condições econômicas do definhamento do Estado

5.1 Como Marx expõe a questão - Recorrendo ao que Lênin chamou de "teoria da evolução", Marx teria colocado a necessidade histórica de um período de transição do capitalismo para o comunismo. Para isso ele aplica essa "teoria da evolução" sobre o capitalismo contemporâneo, chegando a conclusão de que esse sistema tende a falência e uma nova sociedade deverá ser levantada: no caso, a sociedade comunista. Defendendo Marx, Lênin diz: "Marx não se deixa seduzir pela utopia, não procura inutilmente adivinhar o que não se pode saber. Põe a questão da evolução do comunismo como um naturalista poria a da evolução de uma nova espécie biológica, uma vez conhecida a sua origem e a linha de seu desenvolvimento" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 104-5). Essa aplicação científica do evolucionismo, levaria a percepção da necessidade de um período transitório. 

5.2 A transição do capitalismo para o comunismo - Esse período de transição política se mostra através da construção da ditadura do proletariado, ou seja, o Estado proletário desenvolvido pós-revolução. Tal ditadura, seria um contraponto ao Estado e a democracia burguesa que na prática tem a seguinte natureza: 

A sociedade capitalista, considerada nas suas mais favoráveis condições de desenvolvimento, oferece-nos uma democracia mais ou menos completa na República democrática. Mas, essa democracia é sempre comprimida no quadro estreito da exploração capitalista; no fundo, ela não passa nunca da democracia de uma minoria, das classes possuidoras, dos ricos. A liberdade na sociedade capitalista continua sempre a ser, mais ou menos, o que foi nas repúblicas da Grécia antiga: uma liberdade de senhores fundada na escravidão. O escravos assalariados de hoje, em consequência da exploração capitalista, vivem por tal forma acabrunhados pelas necessidades e pela miséria, que nem tempo têm para se ocupar de "democracia" ou de "política"; no curso normal e pacífico das coisas, a maioria da população se encontra afastada da vida política e social (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 106-7).

Porém, a transição da hipócrita democracia burguesa para o comunismo não é uma tarefa fácil. Pelo contrário, Lênin coloca como uma tarefa árdua e que só poderá ser realizada através de uma ditadura do proletariado responsável por criar condições de resistência aos capitalistas exploradores. Sobre essa ditadura e seu papel de resistir a burguesia, o bolchevique pontua: 

Ao mesmo tempo em que produz uma considerável ampliação da democracia, que se torna pela primeira vez a democracia dos pobres, a do povo e não mais apenas a da gente rica, a ditadura do proletariado traz uma série de restrições à liberdade dos opressores, dos exploradores, dos capitalistas. Devemos reprimir-lhes a atividade para libertar a humanidade da escravidão assalariada, devemos quebrar sua resistência pela força; ora, é claro que onde há esmagamento, onde há violência, não há liberdade, não há democracia (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 108).

Mas essa ditadura do proletariado não significa a superação do Estado. Tal superação só será possível no comunismo, estágio ulterior onde tanto o Estado quanto as classes sociais serão extintas e uma nova sociedade se construirá. Sobre a extinção do Estado na sociedade comunista, temos: 

Só na sociedade comunista, quando a resistência dos capitalistas estiver perfeitamente quebrada, quando os capitalistas tiverem desaparecido e já não houver classes, isto é, quando não houver mais distinções entre os membros da sociedade em relação à produção, só então é que "o Estado deixará de existir e se poderá falar de liberdade". Só então se tornará possível e será realizada uma democracia verdadeiramente completa e cuja regra não sofrerá exceção alguma (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 109).

Logo, apenas no comunismo será possível alcançar o fim do Estado e uma democracia perfeita, tão perfeita que se tornará supérflua e tenderá a extinção numa sociedade não fundada em conflitos e divisões. Até chegar neste estágio superior, existirá violência contra os exploradores: "Compreende-se que a realização de uma tarefa semelhante - a repressão sistemática da atividade de uma maioria de exploradores por uma minoria de exploradores - exija uma crueldade, uma ferocidade extrema: são necessárias ondas de sangue através das quais a humanidade se debate na escravidão, na servidão e no salariato" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 110).

Essa violência é exercida de uma maioria de explorados sobre uma minoria de exploradores, sendo necessário ainda a presença do Estado. Mas não o Estado burguês anterior, sim outro modificado, transitório e em vias de definhamento. Já sobre o comunismo e sua concepção em Lênin, temos: 

 Finalmente, só o comunismo torna o Estado inteiramente supérfluo, porque não há mais ninguém a coagir (ninguém no sentido social, não de classe), não há mais luta sistemática a levar por diante contra uma certa parte da população. Não somos utopistas e não negamos, de forma alguma, a possibilidade e a fatalidade de certos excessos individuais, como não negamos a necessidade de reprimir esses excessos. Mas, em primeiro lugar, não há para isso necessidade de um aparelho especial de pressão; o povo armado, por si mesmo, se encarregará dessa tarefa, tão simplesmente, tão facilmente, como uma multidão civilizada, na sociedade atual, aparta uma briga ou se opõe a um estupro (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 111).

5.3 Primeira fase da sociedade comunista - A primeira fase da sociedade comunista, também chamada de socialismo, ainda traz consigo resquícios da velha sociedade capitalista e por isso é considerada por Marx como uma fase inferior. Nesta primeira fase, a propriedade privada dos meios de produção passam das mãos da burguesia para o proletariado. Ou seja, saem das mãos de uma minoria exploradora para serem administradas pela sociedade inteira. Além disso: 

Cada membro da sociedade, executando uma certa parte do trabalho socialmente necessário, recebe um certificado constatando que efetuou determinada quantidade de trabalho. Com esse certificado, ele recebe, nos armazéns públicos, uma quantidade correspondente de produtos. Feito o desconto da quantidade de trabalho destinada ao fundo social, cada operário recebe da sociedade tanto quanto lhe deu (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 112).

Nesta primeira fase ainda existirá injustiças e desigualdades, "mas o que não poderia subsistir é a exploração do homem pelo homem, pois que ninguém poderá mais dispor, a título de propriedade privada, dos meios de produção, das fábricas, das máquinas, da terra" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 113). Além das injustiças e desigualdades, o Direito burguês permanece parcialmente vigente. Isso porque: 

O Estado morre na medida em que não há mais capitalistas, em que não há mais classes e em que, por conseguinte, não há mais necessidade de esmagar nenhuma classe. Mas o Estado ainda não sucumbiu de todo, pois que ainda resta salvaguardar o "direito burguês" que consagra a desigualdade de fato. Para que o Estado definhe completamente, é necessário o advento do comunismo completo (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 114).

5.4 Fase superior da sociedade comunista - Lênin inicia essa parte conceituando superficialmente o que seria essa fase superior. Para ele, a fase superior do comunismo significaria a extinção do Estado, das classes sociais, da divisão do trabalho e iria superar os problemas que a simples expropriação dos capitalistas não é capaz de solucionar. Porém, em nenhum momento, o autor afirma quando se chegará a tal fase superior. Sobre essa indefinição, diz o autor: 

Assim, não temos o direito de falar senão do definhamento inevitável do Estado, acentuando que a duração desse processo depende do ritmo em que se desenrolar a fase superior do comunismo. A questão do momento e das formas concretas desse definhamento continua aberta, pois que não temos dados que nos permitam resolvê-la (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 116).

Essa fase superior será alcançada, segundo Lênin, quando o princípio "De cada um conforme a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades" for finalmente posto em prática. Ou seja, quando "o trabalho se tiver tornado tão produtivo, que toda a gente trabalhará voluntariamente, conforme a sua capacidade" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 116). Aos intelectuais burgueses que acusam o marxismo de utopia, Lênin adverte que em nenhum momento tal concepção teórica buscou profetizar ou adivinhar como seria ou quando seria construído definitivamente a fase superior do comunismo. O pouco que se prevê, se faz de acordo com "uma produtividade do trabalho muito diferente da de hoje, assim como um homem muito diferente do de hoje" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 116)

Debatido isso, Lênin avança e reforça a diferença entre socialismo e comunismo. O socialismo, estágio inicial do comunismo, ainda carrega consigo resquícios da velha sociedade capitalista como o Estado, o Direito burguês etc. Se trata de um período inicial, transitório em que: 

Todos os cidadãos se transformam em empregados assalariados do Estado, personificado, por sua vez, pelos operários armados. Todos os cidadãos se tornam empregados e operários de um só truste universal de Estado. Trata-se apenas de obter que eles trabalhem uniformemente, que observem a mesma medida de trabalho e recebam um salário uniforme (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 121).

Já o comunismo seria a fase desenvolvida, quando todo o antagonismo e resquícios do capitalismo fossem finalmente superados historicamente. Quando finalmente a democracia, marcada pela igualdade formal, se transformaria numa igualdade real baseada em: ""De cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades." Por que etapas, por que medidas práticas e humanidade atingirá esse objetivo ideal, não o sabemos nem podemos sabê-lo" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 119).

Capítulo 06 - Vulgarização do marxismo pelos oportunistas

6.1 Polêmicas de Plekhanov com os anarquistas - Neste último capítulo, Lênin foca em adversários políticos que consideram como oportunistas. São os representantes da social-democracia, responsáveis pela condução da Segunda Internacional. O primeiro a ser criticado é Plekhanov. No seu escrito intitulado "Anarquismo e socialismo" de 1894, segundo Lênin, Plekhanov teria graves limitações que escondem o essencial do marxismo no tocante ao Estado. Além disso, não leva em consideração o desenvolvimento do marxismo pré e pós-Comuna, levando consequentemente a um oportunismo e uma crítica frágil ao anarquismo. 

6.2 Polêmica de Kautsky com os oportunistas - Lênin mostra a frágil crítica que Kautsky desenvolveu contra Bernstein. Ao criticar Bernstein, Kautsky a todo instante coloca em segundo plano uma tarefa que é essencial no marxismo: a destruição do Estado burguês via um processo revolucionário e o consequente desenvolvimento da ditadura do proletariado como período transitório para o comunismo. Se observa então as raízes do que viria a ser tornar a traição de Kautsky.  Mesmo criticando oportunistas como Bernstein, o filósofo tcheco-austríaco mostraria toda sua fraqueza teórica. 

6.3 Polêmica de Kautsky com Pannekoek - Descrevendo a crítica de Pannekoek a Kautsky, a quem considerava representante de um "radicalismo passivo" que oscilava entre o marxismo e o oportunismo, Lênin mostra as fraquezas de Kautsky e as razões de seus desvios. Kautsky, falsificando a obra de Marx, não reconhece o elementar, ou seja, que "A revolução consiste em que o proletariado destrói o "aparelho administrativo" e o aparelho do Estado inteiro, para substituí-lo por um novo, isto é, pelos operários armados" (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 135). Kautsky defende a conservação de um Estado que deve ser destruído. Estaria aberto o caminho que levaria esse autor ao oportunismo. Sobre esse oportunismo, representado pela Segunda Internacional, Lênin afirma no penúltimo parágrafo do livro:

Essa circunstância nos autoriza a concluir que a Segunda Internacional, na imensa maioria de seus representantes oficiais, caiu completamente no oportunismo. A experiência da Comuna não só foi por ela esquecida, como deturpada. Longe de sugerir às massas operárias que se aproxima o momento em que elas deverão destruir a velha máquina do Estado, substituí-la por uma nova e fazer da sua dominação política a base da transformação socialista da sociedade, sugeriram-lhe precisamente o contrário, e a "conquista do poder" foi apresentada de tal forma que mil brechas ficaram abertas ao oportunismo (LÊNIN, Vladimir. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 140).