quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

A Formação das Nações Latino-Americanas

 

  • Sobre a autora: Maria Ligia Prado é uma historiadora paulista, especializada em História da América Latina, com enfoque no século XIX. Prado graduou-se em História pela Universidade de São Paulo (USP), em 1971. Pela mesma instituição, conquistou os títulos de mestre e doutora. Atualmente é professora titular da USP, onde leciona a disciplina de História da América Independente. Entre suas obras, estão: a) O Populismo na América Latina; b) A América Latina no Século XIX: telas, tramas e textos; c) Reflexões sobre a Democracia na América Latina. 



A Formação das Nações Latino-Americanas - Maria Ligia Prado - Editora Atual



Introdução - A autora coloca nesta introdução sua perspectiva ao abordar a formação das nações latino-americanas. Segundo a mesma, existiriam duas perspectivas equivocadas. A primeira trata os países da região de forma homogênea, ou seja, considera-os parte integrante de um mesmo tronco histórico-social. Esta abordagem levaria a um desconhecimento das particularidades de cada país. Por outro lado, existiria uma perspectiva contrária que se limita a enumerar a diversidade da região, sem apontar uma linha de comunicação entre esses países. Buscando se diferenciar desses dois caminhos, Ligia Prado insiste na existência de uma particularidade histórica dentro da região, porém, visa elaborar reflexões generalizadas que busquem interligar as trajetórias dessa diversidade de países. Afinal, apesar de conterem sua especificidade, esses países estão situados na mesma região e por isso contém similaridades. Para a realização deste exercício, a autora se utiliza de uma análise comparativa entre os países analisados. Não podendo abarcar todos os países latino-americanos, a obra foca em alguns como: Colômbia e México (analisados no capítulo 2); Argentina, Chile e Paraguai (analisados no capítulo 3); Cuba e Nicarágua (analisados no capítulo 4); e o Brasil (analisado no capítulo 5). No primeiro capítulo, a autora faz um debate sobre o processo de colonização, visto na América Espanhola e Portuguesa. 

01) O sistema colonial que a independência veio destruir 

A pergunta a ser respondida pela autora é a seguinte: o que veio a independência política destruir? Seu objetivo no capítulo é analisar, brevemente, as características gerais da colonização na América Espanhola e Portuguesa. Começando pela América Espanhola, sua base era representada pela autoridade máxima do rei da Espanha, então visto nas colônias através das figuras dos vice-reis (quatro no total), dos governadores e dos corregedores. Todos esses eram os braços e as pernas do monarca em solo americano e estavam na região sob suas ordens e nomeação. Também existia a presença do Conselho das Índias e da Casa de Contratação de Sevilla, entidades que atuavam institucionalmente como desmembramentos da Coroa Espanhola. O Conselho ajudava o rei em suas funções legislativas, executivas e judiciárias sendo um órgão administrativo da coroa; já a Casa de Contratação, com sede em Sevilla e depois transferida para Cádiz, foi uma empresa monopolista estatal espanhola que tinha como função administrar os negócios da coroa no chamado "Novo Mundo". A partir de 1764, a administração colonial passou por mudanças que visaram uma maior eficiência. Com isso, foi adotado o sistema de intendências, extinguindo as figuras dos governadores e corregedores. Os novos intendentes tinham funções semelhantes aos cargos extintos, mas agora concentrados num único cargo. A ação fez a coroa espanhola centralizar mais poder em suas mãos, enfraquecendo as liberdades municipais. 

O sistema de intendências foi acompanhado de um aumento dos impostos nas colônias, mas também foram vistas flexibilizações por parte da coroa espanhola. Entre essas flexibilidades, estavam: a quebra do monopólio de Cádiz, então concentradora dos negócios envolvendo as colônias, sendo permitido que nove portos espanhóis mantivessem relações comerciais com a América; na América, o sistema de porto único foi derrubado, sendo permitido a comercialização em outros vinte; por fim, estabeleceu-se oficialmente o comércio entre colônias. Porém, 
Entretanto, o comércio com outras nações continuava interditado. Esta era uma das principais aspirações dos produtores e comerciantes criollos (filhos de espanhóis nascidos na América), que acreditavam ser o comércio livre a alavanca fundamental para o crescimento da economia, ou melhor dizendo, para o crescimento de seus lucros. Havia ainda outras proibições, como as relativas às atividades manufatureiras, sempre que estas colidissem com os interesses metropolitanos (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 8). 

Diante deste cenário, os criollos foram aqueles que se levantaram contra o sistema colonial espanhol. Eles se indignavam com o fato dos espanhóis terem privilégios nas colônias, principalmente por estes estarem nos principais postos administrativos, seja no Estado, Exército ou Igreja. Sendo assim, "Vendo a eles fechadas as portas das carreiras administrativa e política, esses setores se radicalizaram e passaram à crítica ao sistema colonial, transformando-se assim em importantes figuras do processo de emancipação" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 9). Ligia Prado ainda aponta o privilégio vivido por duas instituições: o Exército e a Igreja. Sobre os militares, ela pontua: 

Os militares possuíam um foro particular que os livrava da submissão à Justiça comum, ainda que fossem réus de crime. A esse foro militar só estavam afeitos os oficiais e suboficiais, e não a soldadesca (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 9-10).

Esses oficiais e suboficiais eram, em sua maioria, espanhóis e a soldadesca era composta majoritariamente por indivíduos nascidos na colônia; fato que evidencia bem para quem se direcionava os privilégios do sistema colonial. A Igreja Católica foi outra instituição que gozou de alto privilégio, destacando-se sobretudo por sua riqueza. Suas altas rendas eram obtidas de três formas: a) através do arrecadado de suas propriedades rurais ou urbanas, então inumeráveis; b) através de dízimos, cobrado pela Coroa sob ordem papal; c) através das chamadas capelanias e censos, sendo a primeira uma renda perpétua deixada para uma igreja (ou convento) em troca de missas e a segunda eram rendas obtidas através de propriedades da Igreja concedidas a terceiros em troca de renda anual. Explorando bem essas três vias de arrecadação, a Igreja Católica se tornou a instituição mais rica da América Espanhola, sendo consequentemente um dos elos de apoio do sistema colonial. Inclusive, a relação entre coroa e clero era vista claramente por intermédio do padroado, direito outorgado pelo papa que permitia o rei espanhol nomear bispos, arrecadar impostos (como os dízimos, citados acima) e até criar dioceses e paróquias. Assim como o Exército, a Igreja também tinha um foro especial que a diferenciava do restante da sociedade. Entretanto, a autora deixa claro a existência de cisões dentro do clero, sendo os setores mais baixos mais sensíveis a posições contestadoras e críticas. 

Por sua vez, os índios e mestiços sofriam na pele uma situação oposta. Segundo mostra Ligia Prado, os índios "Estavam isentos de pagar os dízimos à Igreja na maior parte da América espanhola, mas eram obrigados a pagar um tributo individual ao rei" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 11). Já os mestiços, chamados em várias regiões de "castas", sofreram com um enorme estigma social por sua origem "ilegítima" e foram proibidos de usarem armas, ouro, seda e até de receberem as ordens religiosas. Tanto índios quanto os mestiços, passavam por um problema semelhante: a escravidão por dívida. Essas dívidas eram contraídas facilmente, através de um pequeno empréstimo do patrão. Caso não conseguisse pagar sua dívida, não só seria escravizado, como poderia fazer os seus filhos doarem essa dívida como herança. Além de índios e mestiços, em geral trabalhadores rurais, os chamados obrajes (manufaturas) reuniam trabalhadores que eram tratados como verdadeiros prisioneiros. A América Espanhola também foi palco da escravidão negra, apesar desses estarem mais concentrados no trabalho doméstico, situação bem diferente da vista no Brasil. A mão-de-obra negra foi mais presente no Caribe, sendo um dos elos principais do comércio açucareiro na região. 

Os homens preocupados com a destruição do sistema colonial, receberam forte influências das ideias produzidas na Europa, principalmente dos franceses que tinham seus escritos presentes clandestinamente na região. Segundo Prado, os ideais desses homens eram o seguinte: 

As ideias de liberdade, de igualdade jurídica, da legitimidade da propriedade privada, da educação como remédio para os grandes males, da necessidade do império da lei, do progresso e da felicidade geral do povo estavam todas presentes nos projetos desses líderes liberais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 13-14).

Dentre esses homens, guiados pelo ideal de liberdade, a autora cita: Bolívar, San Martín, Mariano Moreno, Bernardo de Monteagudo, José Cecílio del Valle etc. Entre os anos de 1810 e 1820, esses homens lutaram contra um inimigo em comum: a Espanha e seu sistema colonial. Adiante, a autora descreve rapidamente alguns objetivos e ideias desses libertadores. Para Simón Bolívar, liberdade significava a destruição do sistema colonial espanhol e a consequente formação de nações livres que pudessem, entre outras ações, comercializar com quem tivesse interesse. Como um criollo, Bolívar buscava a liberdade econômica e independência política. Já para Jean Jacques Dessalines, líder da revolução haitiana, liberdade representava o rompimento com a França e a extinção da escravidão num país marcado pela exploração da mão-de-obra negra. Já para os líderes mexicanos Miguel Hidalgo e José María Morelos, liberdade significa a desvinculação da Espanha, mais a partilha de terra para os oprimidos. Ambos defendiam, inclusive, que as terras da Igreja fosse dividida entre os mais pobres. Apesar de tantos anseios, o que marcou o processo de independência na América Espanhola foi a lógica do "independência primeiro, reformas depois". 

Com a vitória desses processos libertadores, a América se tornava livre do jugo espanhol e os criollos tornavam-se os novos setores dominantes na região. Finamente caía o monopólio real e se abria o comércio e a economia, agora sem a intervenção metropolitana. O Estado foi reorganizado, visando os interesses dos criollos, e dentro desta nova conjuntura ações como o fim do foro especial do Exército e da Igreja e quebra do monopólio colonial foram realizadas. Em suma, a autora assim resume a vitória desses processos libertadores e o Estado que se fundava a partir de então: 

Esse Estado esteve sempre preocupado com a manutenção da ordem social; os setores mesmo divergentes das classes dirigentes sempre se aliaram, sustentando o Estado, em momentos em que a ordem instituída foi ameaçada pelos de abajo. As constantes revoltas de índios, de camponeses e de escravos contribuíram para o fechamento autoritário do Estado. Entretanto, algumas concessões foram feitas. Aboliu-se o tributo indígena e acabaram-se, ou melhor, aplainaram-se as distinções de castas. A escravidão negra foi abolida, mais cedo ou mais tarde, nos países independentes, tendo permanecido apenas (além do Brasil) nas ilhas de Cuba e Porto Rico, ainda sob o domínio espanhol (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 17-18).

Sobre a América Portuguesa, resumida ao caso brasileiro, Ligia Prado busca diferencia-la da experiência hispânica e tece uma importante comparação entre essas duas experiências que pode ser vista no seguinte trecho: 

A colonização da América portuguesa guarda características bastante particulares no contexto latino-americano. A importância da produção do açúcar nos dois primeiros séculos da colônia não se comparava à riqueza dos metais preciosos explorados em algumas regiões da América espanhola, como México e Peru. Essa diferença substancial marcou muito fortemente, desde cedo, as formas assumidas pelas duas colonizações. Ao lado disso, na América espanhola a presença vigorosa das culturas pré-colombianas exigira um empenho e um rigor na conquista e na evangelização inteiramente desconhecidos no Brasil. A Coroa espanhola, deve-se acrescentar, era ainda mais poderosa e mais rica que a de Portugal. A organização institucional de Portugal se exerceu em moldes menos rígidos que os conhecidos na América espanhola. Do ponto de vista administrativo, havia uma centralização excessiva em Lisboa de todas as decisões sobre a colônia, com uma estrutura burocrática rígida, mas um tanto ineficiente (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 18).

O sistema colonial português, assim como o espanhol, desenvolveu uma forte política movida a monopólios e privilégios durante todo o período colonial. A diferença entre as duas experiências seria, segundo a autora, uma maleabilidade no caso português. O poder local, visto através dos latifundiários, era exercido através do Senado da Câmara que tinha sede nas vilas e cidades da colônia. Diferente dos hispânicos, a propriedade da terra garantia acesso a privilégios e riquezas, sendo um pré-requisito para a participação da política local. Os chamados "homens bons", eram os dominadores na política local. Sobre a relação com a Igreja, ela teve uma expressão menor em comparação a América Espanhola. Era uma instituição menos rica, apesar do padroado também existir. Também diferente do caso hispânico, o clero manteve uma relação íntima com os latifundiários locais, sendo comum o filho mais novo desse proprietário ser posto para a carreira eclesiástica. E seguindo o caso espanhol, o Exército na América Espanhola beneficiava os "bens nascidos".

Também seguindo os espanhóis, a Coroa Portuguesa foi protagonista de algumas reformas que visaram uma maior eficiência da máquina colonial. Entretanto, as manufaturas permaneciam sob rígido monopólio metropolitano. A manutenção desse e outros privilégios, fizeram os colonos se rebelarem contra o sistema colonial português, acusado de corrupto e ineficiente. Esses colonos reivindicavam pautas como: comércio livre, fim dos privilégios para os nascidos em Portugal, diminuição de impostos etc. A vinda da família real portuguesa foi um marco no processo de independência do Brasil, pois representou a abertura da então colônia (depois transformada em Reino Unido de Portugal e Algarves) para o comércio exterior, em particular, a Inglaterra. A abertura do comércio para os ingleses representava o fim do pacto colonial. Inicialmente, os colonos locais não desejavam uma ruptura abrupta de Portugal, desejando uma monarquia dual que concedesse direitos como a liberdade de comércio. Mas com a intenção portuguesa de recolonização, os setores locais se unificaram em torno da independência que conquistaram em 1822. A independência brasileira colocou no poder D. Pedro I, o sucessor do trono português, mostrando que o processo rompeu timidamente com o sistema colonial. Apesar da conquistada liberdade comercial alcançada, três pilares construídos durante o período colonial foram mantidos, foram eles: a escravidão, o poder dos proprietários de terras e o regime monárquico. 

02) A Igreja e o Estado Nacional 

Neste segundo capítulo, a autora debate a formação dos Estados mexicano e colombiano, onde a divisão ficou marcada entre conservadores (apoiados pela Igreja) e liberais (defensores da independência). Mas quem eram esses dois atores políticos? Eles tiveram extrema importância no século XIX e foram protagonistas nas disputas que acarretaram nos processos de independência da América Espanhola. Os conservadores se caracterizavam como aqueles que, em aliança com o clero e o Exército, defendiam o sistema colonial e suas estruturas como o foro especial e a política orientada pela fé. Defendiam a monarquia como regime política ideal, unindo desta forma Estado e Igreja. Eram a favor de uma educação religiosa e, consequentemente, contrários a ideia de um Estado laico. Enquanto que os liberais foram aqueles que defenderam arduamente o Estado laico e a consequente separação entre Estado e Igreja, assim como defendiam o fim do foro especial. O clero basicamente era o responsável pela divisão dessas duas forças políticas. 

Começando pelo México, a autora analisa a situação do país após seu processo de independência. Os mexicanos viviam uma forte crise econômica, com a agricultura passando por um processo de estagnação. Existia também a ausência de infraestrutura, como estradas e ferrovias, que possibilitassem o escoamento das mercadorias com facilidade. Enfim, o país vivia um período conturbado, causado pela transição de colônia para nação independente. O projeto conservador, capitaneado pela força da rica e poderosa Igreja, defendia a construção de uma monarquia forte e coesa. Lucas Alamán foi o principal ideólogo do conservadorismo mexicano da época. Já José Luis Mora foi o principal ideólogo do liberalismo mexicano. As disputas entre esses dois atores políticos duraram cerca de 50 anos no México, tendo os conservadores a hegemonia política inicial, apenas afetada em 1854 coma Revolução de Ayutla; responsável por colocar os liberais no poder. Sobre esta revolução, diz a autora: 

Ayutla abriu um período de reformas para o México. Em 1855, a Lei Juárez aboliu os foros militares e eclesiásticos; em 1856, pela Lei Lerdo, os bens da Igreja eram desamortizados (desamortizar é sujeitar ao direito comum os bens de mão-morta, que são bens inalienáveis, isto é, intransferíveis), acontecendo o mesmo com as terras das comunidades indígenas. Em 1857, jurava-se uma nova Constituição vigente até 1917 (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 26).

A Constituição de 1857 tornava o México um Estado federativo e guiado por três poderes (executivo, legislativo e o judiciário). Foi um texto constitucional que garantiu as ideias liberais, como o direito a propriedade privada. Após seu estabelecimento, as disputas entre liberais e conservadores desembocaram numa guerra civil, onde os últimos tomaram o poder através de Maximiliano, imperador austríaco. Com o acirramento da oposição liberal, Maximiliano foi deposto e fuzilado, sob ordens de Benito Juárez. Nesta época de guerra civil, as relações entre a Igreja e os liberais se atenuaram, pois os últimos nacionalizaram os bens eclesiásticos sem indenização, como uma resposta ao envolvimento do clero na reação conservadora. Com a derrota dos conservadores, os liberais intensificaram seu projeto que foi visto através do desenvolvimento da propriedade individual onde, na prática, incentivou o desenvolvimento do latifúndio já que "essas reformas foram alvissareiras para os grandes proprietários, que puderam comprar as terras camponesas a preço vil e ainda passaram a dispor de mão-de-obra, agora "livre" dos meios de subsistência e apta a lhes vender sua força de trabalho"  (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 28). 

Em meio a guerra civil entre conservadores e liberais, o México ainda foi palco de rebeliões populares (como a Revolução Mexicana de 1910) e conflitos contra outros países (como os EUA e a França, durante a passagem de Maximiliano no país). A estabilidade política e o crescimento econômico só chegaria no país através do governo de Porfirio Díaz, importante liberal responsável pela derrota de Maximiliano e da reação conservadora. Díaz estabeleceu no país um regime ditatorial que encerrou os conflitos internos e proporcionou a consolidação do Estado mexicano. Seu governo durou até a já citada Revolução de 1910, responsável pela Constituição de 1917. No mais, o projeto vencedor no México foi o liberal que acabou consolidando a subjugação da Igreja ao Estado. As reformas feitas pelos liberais foram essenciais para o desenvolvimento do capitalismo no México, organizando o mercado de trabalho. Tudo isso foi feito com vários custos, entre eles a desapropriação do camponês índio de suas terras comunais, transformando a terra em propriedade individual e consequentemente, em mercadoria.

Durante o predomínio da ditadura de Porfirio Díaz, o positivismo ganhou bastante relevância no México, sendo suas ideias introduzidas na construção do Estado nacional. Em suma, "A vitória dos liberais pedia uma ideologia que garantisse a ordem social sempre ameaçada pelos de abajo e ao mesmo tempo justificasse e sustentasse a ditadura porfiriana. Essas ideias também deveriam dar espaço à existência do anticlericalismo e indicar o lugar subalterno da Igreja, vista diante do Estado como uma instituição do passado"  (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 31). O governo de Díaz, desta forma, consolidou à vitória do projeto dos liberais. 

A Colômbia seguiu um caminho inverso. Os colombianos tiveram sua independência consolidada em 1819, sendo formada a chamada República Gran Colômbia. Após isso, houve o desmembramento desta república e a constituição de três países diferentes: a Colômbia, a Venezuela e o Equador. Tendo os comerciantes criollos como protagonistas do processo de independência, a Colômbia manteve a escravidão em suas primeiras Constituições e, além do mais, buscou de imediato desestruturar as terras indígenas com o intuito em atender as demandas dos grandes proprietários de terras. Esses novos dominadores, passaram a ocupar os mais altos cargos administrativos do Estado colombiano e desenvolveram uma forte centralização no Poder Executivo. Desta maneira, "A Constituição restringia a cidadania, a nacionalidade e o sufrágio, exigindo que certas funções, como a de presidente da República ou a de senador, fossem preenchidas por homens que tivessem certo nível de renda"  (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 33). Neste cenário, os conservadores (ligados ao grandes proprietários de terras escravagistas, pela Igreja, pelo Exército e por altos burocratas) defendiam os interesses do clero e a permanência da escravidão. Já os liberais tinham em suas propostas a separação entre Estado e Igreja, a abolição da escravidão, liberdade de pensamento, redução do poder do Executivo, fim do foro especial etc. Assim como no caso mexicano, eram propostas políticas que não se comunicavam e que tinham na Igreja seu elo divisor. 

Em 1849, através de José Hilario López, os liberais colombianos chegam ao poder e colocam em prática uma série de medidas. Entre essas medidas: diversificação das exportações, proporcionando desenvolvimento econômico; descentralização das rendas públicas, afetando diretamente na força exercida pelo Poder Executivo; expulsão dos jesuítas, afetando os interesses da Igreja; e, por fim, a abolição da escravidão que contrariava os proprietários de terras. López também foi responsável pela separação entre Estado e Igreja, tornando laico o Estado colombiano em 1853. Todas essas medidas foram respondidas pelos conservadores que, liderados pela Igreja, buscava lutar contra o fim de seus privilégios. O exemplo citado pelos conservadores, como Miguel Antonio Caro, era o Equador que em 1869 promulgou uma Constituição que colocava como cidadão apenas os declarados católicos. As medidas liberais iniciadas por López, foram mantidas pelo governo de Tomás Cipriano Mosquera que desamortizou os bens da Igreja. Em suma, 

O liberalismo desse período representava os interesses básicos da burguesia comercial, e assim as medidas implantadas propunham uma liberalização do comércio, sobretudo o internacional, e a organização de um Estado laico que pusesse em prática a inserção da economia colombiana no âmbito internacional (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 36).

O Estado liberal começou a entrar em crise a partir da década de 1870, por conta de uma grave crise econômica causada a decadência da produção do tabaco; um dos principais produtos de exportação. A estagnação econômica levou o país a uma guerra civil, onde os conservadores saíram vitoriosos, através do projeto chamado de Regeneração. Liderado pelos fazendeiros de café, em aliança com o clero, este novo projeto visava uma centralização política que garantisse uma infraestrutura de exportação. O governo Rafael Nuñéz, foi responsável pelo retorno do catolicismo como religião oficial, assim como devolvia a Igreja os bens nacionalizados que estavam sob propriedade estatal; perdoando os bens adquiridos por indivíduos. A religião voltava a invadir a educação, retornando inclusive as universidades. Diante deste cenário, Ligia Prado assim resume a formação do Estado colombiano, que contou com a vitória política dos setores conservadores: 

De forma muito diferente da ocorrida no México, na Colômbia as ideias positivistas pouco penetraram. Ideologicamente, a Igreja foi a vencedora e em nome dela propunham-se o progresso material e o advento da "civilização e das luzes". As classes proprietárias viram na Igreja conservadora a única força ideológica capaz de manter a ordem social. É importante frisar que até hoje a influência da Igreja na Colômbia é extraordinária e que ela se destaca, no quadro das Igrejas da América Latina, como uma das mais conservadoras e tradicionais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 37).

03) O caudilhismo e o Estado Nacional 

O vice-reinado do Rio da Prata continha uma heterogeneidade e complexidade que resultou em processos políticos específicos. A região abarcava o que conhecemos hoje como Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e norte do Chile. A Argentina se dividia, basicamente, em três polos: Buenos Aires; região a margem do Rio Paraná como Santa Fé e Corrientes; e o interior,  como Córdoba, Tucumán etc. O Uruguai, sofreu com as ambições territoriais de Brasil e Argentina. Neste capítulo, Ligia Prado foca na formação dos Estados nacionais na Argentina, Chile e Paraguai. 

A Argentina foi marcada pelo fenômeno do caudilhismo. Após conquistar sua independência sob forte atuação de Buenos Aires, o país viveu uma fragmentação representada pelo conflito entre as três regiões que descrevi acima. Buenos Aires se interessava pela construção de um Estado liberal, com três poderes e com um sistema representativo. Porém, defendia uma centralização focada na cidade, o que contrariava os interesses das outras regiões e desenvolvia uma disputa regionalista no país que perdurou décadas. Após a independência conquistada em 1816, sob liderança de San Martín, a Argentina organizou uma Constituição em 1819 que alicerçava o poder de Buenos Aires. Mas já em 1820, a cidade foi deposta do poder por caudilhos do litoral, vigorando no país uma forte autonomia das províncias. Apesar da rápida tentativa de unificação pelo governo Bernardino Rivadavia, a Argentina retrocedeu e teve como característica o poder autônomo de suas províncias, desconhecendo um Estado organizado e alicerçado com bases nacionais. Esse poder provinciano, permitiu o poderio dos caudilhos que são assim conceituados pela autora: 

Ainda que muitas vezes fosse um grande fazendeiro, o caudilho confundia-se, pela sua vida rude e pelas qualidades pessoais de coragem e destreza, com seus seguidores, aos quais, no entanto, tratava com indiscutível autoridade. Os caudilhos representavam sempre interesses regionais; portanto, eram, em sua grande maioria, ardorosos defensores do federalismo como forma de organização política. As ideias liberais, ao lado de uma postura mais urbanizada e ilustrada, passaram a ser sinônimos de estrangeirismo e exótica imposição. Os caudilhos tinham apoio popular, como mostra a composição das tropas irregulares conhecidas como montoneras (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 41).

Neste período de predomínio dos caudilhos, um deles se destacou: tratou-se de Juan Manoel de Rosas que conseguiu dividir o cenário político argentino entre rosistas e anti-rosistas. Após várias disputas entre caudilhos, entre eles José Maria Paz (representante das províncias do interior e que seria derrotado em 1831), Estanislao López (representante de Santa Fé, aliado de Rosas e morto em 1838) e Juan Facundo Quiroga (representante de La Rioja e assassinado em 1835), Rosas conseguiu o controle do país. O poder sob Rosas era exercido de forma autoritária, sem Constituição, leis estabelecidas e em nome dos interesses de Buenos Aires. A política externa da Argentina foi delegada por todas as províncias a Rosas, tornando-se este um caudilho com poderes excepcionais. Sua política era baseada em pactos políticos, sem construção de uma Constituição. O período Rosas foi marcado por uma brutal repressão aos adversários políticos, muitos enviados para o exílio. E foi no exílio que se construíram as figuras que iriam derrubá-lo, entre elas, Domingo Faustino Sarmiento. 

Crítico do caudilhismo rural, Sarmiento colocava em Rosas a responsabilidade sob o atraso em que vivia a Argentina, colocando como necessária sua derrubada. Sarmiento era um liberal que desejava colocar a Argentina sob os trilhos da civilização, se impondo ao caudilhismo rural e antiliberal. Região pouco valorizada pela Coroa Espanhola, a Argentina foi marcada pela pouca força da Igreja na região, tornando-a um ator político secundário. Porém, por conta de suas ideias liberais, Sarmiento recebeu oposição do clero que passou a defender os interesses dos caudilhos. Rosas e Sarmiento acabaram desenvolvendo uma luta política que divide até hoje os políticos argentinos, sendo o primeiro reivindicado por setores nacionalistas e o segundo por setores liberais. O fato é que Rosas foi derrubado após uma árdua luta armada que envolveu o governador de Entre Ríos, o caudilho do Partido Blanco do Uruguai e até o Brasil. Desta forma, "os vitoriosos propuseram a formação de um Estado nacional com elementos de unidade e elementos de federação" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 45). 

Apesar da derrota de Rosas, a unidade foi afetada, pois Buenos Aires decidiu se separar das demais províncias. A Constituição aprovada à revelia de Buenos Aires, tornava a Argentina um Estado liberal, republicano e federal com um projeto nacional anti-rosista. Buenos Aires só se vincula ao restante do país em 1860, após longos e complexos conflitos. A unificação total do país só seria de fato consolidada após Bartolomé Mitre, político de Buenos Aires, vencer as eleições presidenciais, fato que ocorreu em 1862. Mitre foi responsável pela transformação de Buenos Aires em capital federal do país. Após uma grave crise econômica, decorrente dos anos de conflitos internos, a Argentina só viria viver sua prosperidade econômica nos anos de 1880 "quando a produção do trigo e posteriormente a criação de gado para exportação da carne transformaram a Argentina - que então recebia enormes contingentes de imigrantes - num país rico e próspero (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 47). Enfim, assim a autora encerra a análise sobre o caso argentino: 

Concluindo, pode-se dizer que os anos que vão das lutas pela independência à consolidação do Estado, na década de 1860, foram tempos de submissão total ao caudilhismo localista e eleição de certos interesses econômicos - os da agropecuária - como sendo os interesses nacionais. Foram esses segmentos das classes proprietárias que se apossaram do aparelho do Estado para pôr em prática o projeto econômico-social a eles mais conveniente. A Argentina da prosperidade econômica era a Argentina dos pampas úmidos de Buenos Aires e do litoral cerealista (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 47).

Diferente da Argentina, o Chile construiu seu Estado Nacional com mais tranquilidade e estabilidade. Os motivos desta estabilidade são, basicamente, dois. O primeiro é creditado a situação geográfica do Chile, um país pequeno e espremido pelo oceano pacífico e as cordilheiras dos Andes. Mas além da geografia favorável, os chilenos também tiveram a seu favor uma "uniformidade dos interesses econômicos e a eficácia na subordinação dos dominados" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 48). A subordinação dos dominados foi conquistada graças a aliança estável, desde o século XVIII, entre grandes proprietários de terras e comerciantes. Na economia, o predomínio no período colonial foi a produção do trigo, sendo mantida essa hegemonia até depois da independência do país. Porém, lentamente, o eixo econômico do Chile foi se transferindo do trigo para a mineração que acabaria se tornando a principal atividade do país. 

O processo de independência chileno foi conquistado sob liderança de Bernardo O'Higgins, com ajuda do exército de San Martín, e teve menos transtornos que o visto na Argentina. Apesar disso, também existiu no país disputa entre liberais e conservadores, com vitória inicial dos últimos. A hegemonia conservadora, sob liderança de Manuel Prieto e Diego Portales, durou até os anos de 1860 e foi responsável pela construção do Estado Nacional chileno. Sobre o projeto conservador vencedor, pontua a autora: 

Sua proposição de um Estado unitário, centralizado, com poderes excepcionais do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário, consagrou-se na Constituição aprovada em 1833. Além disso, pela Constituição, o Executivo tinha direito de decretar o estado de sítio, constituir conselhos permanentes de guerra ou tomar medidas energéticas contra os opositores políticos, no caso, os liberais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 49).

O Estado centralizado do Chile, recebeu os exilados políticos argentinos, como Sarmiento, sendo considero referência para os políticos anti-rosistas que desejam o fim do domínio caudilho. Entre as ações realizadas pelos conservadores na área econômica, tivemos: "Ao lado da prosperidade da agricultura (centralizada no trigo, principalmente), houve estímulo à produção mineira e às manufaturas têxteis, além da construção de estradas de ferro, abertura de caminhos e uma efetiva proteção à frota mercante" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 49). A forte centralização e autoritarismo do Estado conservador, foi motivo de uma ferrenha oposição liberal, representada pelos setores médios da sociedade chilena, os novos proprietários mineiros que buscavam protagonismo frente à agricultura e os manufatureiros que também faziam frente os proprietários de terras. A vitória liberal foi alcançada sem movimentos golpistas ou violentos, sendo uma passagem pacífica e legal. Sobre a vitória dos liberais e suas ações, pontua Maria Ligia: 

Nesse período deu-se uma virada no eixo mais dinâmico da economia chilena, que passou da agricultura para a mineração. A Guerra do Pacífico, entre o Chile e a aliança Peru-Bolívia (1879-1883), consolidou o domínio da produção mineira, já que com a guerra o Peru perdeu para o Chile suas ricas terras salitreiras (e a Bolívia ficou sem saída para o mar). A economia do país passou a girar em torno da exploração do carvão, do salitre e, posteriormente, do cobre; os capitais nacionais, que haviam sido pioneiros nesses investimentos, começaram então a ser suplantados por capitais estrangeiros, ingleses num primeiro momento e norte-americanos em seguida (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 50). 

No mais, a autora assim encerra sua análise sobre a formação do Estado Nacional chileno: 

Concluindo, o que caracterizou a formação do Estado Nacional chileno foi a ausência do caudilhismo e a precoce organização de um Estado forte e centralizado, que traduzia exatamente a uniformidade dos interesses econômico-sociais dominantes. Sua articulação com os centros econômicos mundiais levou os anos 80 a um embate entre interesses nacionais anteriormente consolidados e interesses internacionais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 51).

Por fim, Maria Ligia analisa a formação do Estado paraguaio. Durante o período colonial, o Paraguai foi uma área secundária na visão dos espanhóis colonizadores e, com isso, teve sua organização social dominada basicamente pelos jesuítas. Os jesuítas comandavam as chamadas reduções, áreas onde os trabalhadores paraguaios (de origem indígena em sua maioria) colhiam erva-mate, principal produto da região. Esses religiosos dominavam a economia local e, consequentemente, também exerciam forte influência ideológica exercida com base numa férrea disciplina que proporcionou uma considerável prosperidade econômica na região. Porém, os jesuítas foram expulsos de toda a América Espanhola em 1767, após atritos com a Coroa e as suas terras passaram para as mãos do Estado espanhol. Mas em 1811, o Paraguai acompanhava os acontecimentos vistos no Vice-Reinado do Rio da Prata e declarava sua independência do jugo espanhol. 

O líder do país passava a ser Gaspar Rodríguez de Francia, contrário a aproximação com Buenos Aires. A primeira ação de Francia no poder foi isolar o Paraguai, demarcando bem suas diferenças com os argentinos. Ele exerceu o poder de forma autoritária e centralizada, com base no Consulado francês. Em 1814 Francia foi declarado ditador e, dois anos depois, Perpétuo. Desta forma, ele exerceu o poder de forma centralizada, sem uma Constituição, sem divisão dos poderes e com base exclusivamente na sua figura pessoal. Desta forma, "Em 1815, Francia nacionalizou os bens da Igreja; em 1824, suprimiu as comunidades religiosas, confiscando-lhes os bens, que passaram para o domínio do Estado. Em 1830, decretou o fim dos dízimos eclesiásticos" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 53). Além da política, Francia também centralizada a economia do país. Criou as estâncias da pátria, terras estatais arrendadas aos camponeses, e estabeleceu uma sólida aliança com o Exército; principal instituição do seu governo. 

Após o falecimento de Francia, Carlos Antonio López assumiu o Paraguai e procurou introduzir medidas modernizadoras, buscando resolver antigos problemas com os países vizinhos. Com a morte de Antonio López, assumiu seu filho, Francisco Solano López, que buscou dar continuidade à política do seu pai. Por conta de seu alto poderio militar, o Paraguai representou uma ameaça para seus vizinhos, fazendo a Argentina de Mitre declarar guerra ao país com o intuito de garantir a segurança do território argentino. O Brasil, que também acumulava atritos com os paraguaios por conta da navegação dos rios Paraná e Paraguai, resolveu entrar no conflito ao lado dos argentinos. O Uruguai também entrou no conflito contra os paraguaios, formando a Tríplice Aliança. Além desses três países, a Inglaterra participou do embate como financiadora. Desta forma, o Paraguai teve que enfrentar as forças militares de três países, mais o financiamento de uma potência européia. Estava assim formada os fatores que levariam a Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870, e que foi o conflito bélico mais destrutivo visto na América Latina. O Paraguai foi destroçado, tendo no final sua população resumida por mulheres, idosos e crianças. Como resumo do caso paraguaio, mostra a autora: 

O Estado paraguaio, organizado de forma autoritária e centralizado na figura do ditador, traduzia, de um lado, a ausência de uma classe proprietária poderosa, que poderia ter imposto uma direção diversa ao processo político do país; e, de outro, reagia de forma defensiva a seus vizinhos, especialmente Buenos Aires [...] O fato de a Coroa e depois o Estado paraguaio possuírem terras em grande quantidade resultou na configuração de um poder extraordinário, que, entretanto, se desmoronou diante da força militar superior dos inimigos externos (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 56).

04) O imperialismo e o Estado Nacional

Neste quarto capítulo, a autora trabalha com a formação dos Estados Nacionais em Cuba e na Nicarágua; países afetados diretamente pela ingerência imperialista. Por conta desta ingerência, Ligia Prado afirma que é um equívoco tratar o imperialismo como uma força poderosa externa que tudo domina. Caso tudo conseguisse dominar, não teríamos nesses dois países analisados a experiência de revoluções (não analisadas no capítulo) de natureza anti-imperialista. Essas duas revoluções mostram, com clareza, que a ingerência imperialista na região não é aceita de modo passivo pelos agentes políticos locais. 

Mas analisando o caso cubano, a autora mostra que o país foi um dos últimos a se libertar da dominação espanhola, juntamente com Porto Rico. Os cubanos chegaram a organizar um processo de independência em 1868, mas este foi fracassado, graças a não adesão dos grandes proprietários de terras ao movimento. Motivo: a independência ameaçava a existência da escravidão, de quem esses proprietários se beneficiavam, numa região dominada economicamente pela produção do açúcar. Porém, a abolição da escravidão em Cuba foi conquistada na década de 1880, apesar da contrariedade desses setores. Desta forma, nada mais impedia o processo de independência no país que finalmente estourou em 1895, sob liderança de José Martí. Crítico da dominação espanhola e também norte-americana em Cuba, Martí morreu antes do início da luta armada que levou Cuba à independência política da Espanha. Os EUA participaram ativamente desta luta, contrários aos espanhóis. Mas os norte-americanos não participaram do processo de independência cubano à toa, como bem demonstra Maria Ligia no seguinte trecho: 

Os Estados Unidos tinham em Cuba, desde o começo do século XIX, grandes interesses em termos do comércio do açúcar. Esses interesses aumentaram com o correr do século XIX, surgindo investimentos diretos também na esfera da produção, com a compra de terras e a montagem de usinas. Até a revolução socialista, os Estados Unidos foram o principal mercado consumidor desse produto (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 59).

Finalizado o processo de independência cubano, desenvolveu-se no país uma corrente que passou a defender a anexação do novo país aos EUA. Essa corrente foi duramente criticada por liberais cubanos, como José Antonio Saco. E mais, existia nos EUA uma corrente que defendia o mesmo em nome do chamado "Destino Manifesto". Cuba não foi anexada oficialmente aos EUA, porém, na Constituição cubana foi colocada a Emenda Platt que "votada e aprovada pelo Congresso cubano em 1901, que no parágrafo terceiro consagrava o princípio da intervenção legal do governo dos Estados Unidos nos assuntos internos de Cuba" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 61). Além da Emenda Platt, os EUA solidificaram seu domínio na ilha caribenha através do Tratado de Arrendamento de Bases Navais e Militares, assinado em 1903. No mesmo ano, também foi assinado o Tratado de Reciprocidade, "pelo qual os Estados Unidos impuseram tarifas preferenciais a seus produtos no mercado cubano, vencendo assim a concorrência alemã, em contrapartida à preferência dada a alguns poucos produtos cubanos no mercado norte-americano" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 61). Nesse mesmo período, o inglês tornou-se língua obrigatória nas escolas cubanas, assim como o estudo da história dos EUA. O dólar se tornou moeda corrente no país caribenho que só criaria sua moeda nacional em 1915. 

No século XX, os investimentos norte-americanos em Cuba aumentaram, ganhando seu ápice nos anos de 1920. Segundo Maria Ligia: 

Em 1930, quando os investimentos norte-americanos estavam de modo geral suplantando os ingleses, Cuba concentrava os valores mais altos desses capitais. Nesse ano os Estados Unidos investiram 644 milhões de dólares no Brasil, 709 milhões no México, 807 milhões na Argentina e 1 bilhão e 66 milhões em Cuba (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 62-3).

Apesar de todo esse aparato norte-americano na ilha, Cuba conseguiu desenvolver uma atuante oposição, engajada em movimentos sociais e que se colocaram contrários aos governos instituídos. A futura Revolução Cubana, em 1959, é a prova de que os países que sofrem ingerências imperialistas não assimilam passivamente este processo de dominação e criam suas redes de resistência.  

Sobre o caso nicaraguense, a autora deixa claro que a América Central é bastante diversa e os processos de independência na região não aconteceram de forma unificada. Região pobre, acabou recebendo pouca atenção da Coroa Espanhola que não conseguiu tornar a América Central um todo unificado e integrado. A Nicarágua acabou se diferenciando de vários países da região por conta de sua localidade geográfica que permitia a construção de um canal, ligando os oceanos Atlântico ao Pacífico. Diante da independência, conquistada em 1821, este era a situação do Estado Nacional nicaraguense: 

Um Estado débil, mal-estruturado, sem um exército organizado e que traduzia a ausência de projetos político-ideológicos sustentados por uma classe ou uma fração de classe nacional. Essa fraqueza do Estado espelhava, na realidade, a fragilidade da economia nicaraguense, alicerçada em uma tradicional produção de anil e na criação de gado para o mercado regional bastante restrito (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 65).

Após um longo período de domínio conservador, os liberais chegaram ao poder na Nicarágua, através de José Santos Zelaya; responsável pela introdução do país na então modernizadora cultura do café. Zelaya "pôs em prática uma série de medidas liberais, como a desamortização das terras eclesiásticas e a desarticulação da propriedade comunal indígena" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 65). Ele também foi responsável pela abertura de estradas de ferro, abertura de portos sendo responsável pela formação da infra-estrutura da economia nicaraguense. Por ser crítico as intervenções inglesas no país, Zelaya foi minado e deposto por intermédio de um golpe conservador em 1909, com apoio de ingleses (principais consumidores do café nicaraguense) e norte-americanos. Com a queda de Zelaya, os EUA introduziu seus interesses sobre a Nicarágua. Segundo a autora: 

Ao lado do setor cafeeiro, que Santos Zelaya representava, encontrava-se um setor mais tradicional, o dos criadores de gado. Os interesses dos cafeicultores não foram suficientemente fortes para imporem-se nacionalmente como os dominantes. Essa falta de unidade num conjunto já muito débil possibilitou a penetração aberta e direta do domínio norte-americano (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 66).

A intervenção norte-americana na Nicarágua foi direta com direito a presença militar no país centro-americano. As tropas norte-americanas permaneceram no país entre 1912 a 1933, acumulado a um controle direto dos EUA das alfândegas, do Banco Nacional, das estradas de ferro e das linhas de vapores do governo nicaraguense. O desembarque das forças militares dos EUA, também fez a Nicarágua assinar um tratado que permitia os norte-americanos construírem no país um canal. Mas a dominação ianque gerou revolta no país e essa revolta foi unificada em torno Augusto César Sandino. O Sandinismo foi responsável pela construção de um guerrilha, contrária as intervenções estrangeiras no país. Assim, 

Da mesma forma que Cuba, a Nicarágua sofreu ingerência direta dos Estados Unidos. A rebeldia contra essa ingerência indevida esteve sempre presente na história nicaraguense, com Zeledón em 1912, Sandino em 1928, a Frente Sandinista a partir de 1961 [...] A oposição aos interesses norte-americanos passava fundamentalmente por uma oposição interna a certos setores dominantes. A derrubada de Somoza, liderada pelas classes populares, representou a derrubada de interesses externos e internos convergentes (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 67).

05) O regime monárquico e o Estado Nacional 

Por último, Maria Ligia debate o caso brasileiro em particular neste capítulo final. Como já foi pontuado no primeiro capítulo, o Brasil alcançou sua independência mantendo pilares construídos durante o período colonial. Institucionalmente falando, a Constituição de 1824, garantiu oficialmente a permanência de privilégios, vistos através da permanência da escravidão e a garantia da grande propriedade. Além do mais, a Constituição de 1824 foi extremamente autoritária e centralizadora, criando um quarto poder (o Moderador) que, basicamente, garantia poderes amplos ao monarca. O Senado era vitalício e o voto censitário, completando a lista de privilégios intocados. Sobre este quarto poder: "O Poder Moderador conferia ao imperador poderes excepcionais, como o de dissolver a Câmara, nomear e demitir ministros, suspender magistrados, e constituía para seus adeptos "a chave de toda organização política"" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 68-9). 

O Período Regencial, vivenciado a partir de 1831, deu esperanças de aberturas liberais no país. O Conselho de Estado, criado por D. Pedro I, foi extinguido e as Assembleias Provinciais ganharam mais autonomia e relevância política. Porém, foi um período marcado por conflitos sociais. Entre eles: a Cabanagem, no Pará; a Sabinada, na Bahia; e a Balaiada, no Maranhão. Além dessas, ocorreu uma revolta mais grave para os interesses dominantes: a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, que durou longos 10 anos. Essas revoltas mostravam o descontentamento com o Império e a resposta para isso foi o chamado Golpe da Maioridade, que adiantou a posse de D. Pedro II, então com apenas 15 anos de idade. Sobre o Segundo Reinado, pontua a autora: 

O Estado que se consolidava com o novo imperador fazia uso, através de reformas político-administrativas (1841-1842), dos velhos meios para impor autoridade. Voltava o Conselho de Estado, fortalecia-se o Poder Moderador, reforçava-se o Exército. A representação política permanecia elitista e censitária e a conciliação dos dominantes tornava segura a exploração dos dominados. Salvava-se a unidade territorial, sustentava-se a escravidão como instituição e garantia-se a propriedade da terra nas mãos dos grandes fazendeiros, com a Lei de Terras de 1850 (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 71).

Na prática, o Segundo Reinado tornou-se uma continuação do Primeiro, mantendo sua natureza centralizadora e autoritária que se reproduzia através do enfraquecimento da autonomia das províncias e fortalecimento do Poder Moderador.  Assim como nos países hispânicos, a oposição entre conservadores e liberais, também foi vista no Brasil. Porém, esses dois atores políticos tiveram suas peculiaridades no país, começando pela Igreja que, diferente do caso hispânico, não representou um marco divisor consolidado entre esses dois blocos. Pelo contrário, o clero em diversas ocasiões estiveram aliados aos liberais, situação incomum nos nossos vizinhos. E isso ocorreu porque, "a Igreja do Brasil, tanto na colônia como, depois, no Império, esteve firmemente subordinada ao Estado. Assim, não se podem alinhar tão marcadamente e definir posições liberais ou conservadoras tomando a Igreja como parâmetro" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 72). 

Durante o Primeiro Reinado, os liberais lutavam principalmente pela redução do poder absoluto do imperador. Desejavam uma maior participação do Poder Legislativo e das províncias. O exército, por exemplo, deveria estar subordinado ao Legislativo e não ao imperador. Outras críticas reproduzidas eram: os privilégios concedidos aos portugueses, a falta de liberdade de pensamento e a consequente perseguição aos opositores. Também se posicionaram contra o Senado vitalício, o Conselho de Estado e ao fortalecimento do Poder Moderador. Porém, com o tempo, os liberais passaram a adotar medidas cada vez mais conservadoras sendo, em sua maioria, defensores da monarquia constitucional como regime político. Por que essa defesa dos liberais a monarquia? Explica Ligia Prado: 

A unidade territorial aparecia como uma extraordinária conquista, que precisava ser preservada a qualquer preço. Em nome dela, muitas concessões ao conservadorismo foram feitas. O exemplo republicano da América espanhola, com o caudilhismo e a fragmentação, atemorizava não apenas os proprietários rurais, mas também os setores urbanos liberais, mais intelectualizados. Unidade e monarquia vinham juntas; para salvar uma, era preciso sustentar a outra (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 73).

As revoltas durante o período regencial, ampliaram ainda mais o movimento dos liberais brasileiros em torno dos conservadores. As diferenças entre conservadores e liberais no Brasil não ficaram muito nítidas, como a vista na América Espanhola. Se os conservadores defendiam a monarquia, os liberais a consideravam um "acidente útil", visando evitar a fragmentação do país. Mas quem compunha os partidos liberais e conservadores? Baseada nas reflexões de José Murilo de Carvalho, a autora defende a seguinte ideia sobre a composição desses partidos: 

Para ele, o Partido Conservador representava uma coalizão de burocratas e proprietários rurais, e o Partido Liberal uma coalização de profissionais liberais e proprietários rurais. As medidas centralizadoras defendidas pelos conservadores respondiam às aspirações dos fazendeiros de áreas agrário-exportadoras de colonização mais antiga, como Pernambuco, Bahia e, principalmente, Rio de Janeiro. As áreas "mais novas", como Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, tinham seus fazendeiros preferencialmente no Partido Liberal, que eram favoráveis a medidas descentralizadoras (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 76).

Resumindo a formação do Estado Nacional brasileiro, afirma Ligia: 

O regime monárquico, a manutenção da unidade territorial, a subordinação da Igreja e das Forças Armadas ao Estado, a fluidez ideológica dos partidos políticos traduziam a força e a coesão dos interesses escravistas dominantes. Estes foram capazes de estabelecer uma "transição pacífica" da Colônia ao Império, feita sem grandes perturbações sociais e de modo a manter intactos seu poder e vigor e a sufocar todas as manifestações contestadoras da ordem vigente. As tentativas de reforma acabaram sendo sempre mais brandas e tênues do que a sua proposição inicial, já em si tímida (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 77).

Por fim, a autora pontua que o mito do império detentor da ordem e unidade foi responsável por um certo preconceito dos brasileiros aos países da América Espanhola, sofredores dos males da fragmentação e do caudilhismo.  

Considerações Finais

Nas considerações finais, Maria Ligia coloca a importância da ideologia liberal nos processos de independência política na América Latina. Mas também mostra o fracasso do ideal liberal que, buscando evitar a inserção dos dominados na política, optaram pela via do autoritarismo como meio de manter seus privilégios. Diante deste autoritarismo, as massas dominadas demonstraram fraqueza e imaturidade política, sucumbindo as rédeas dos dominadores. Essa imaturidade, lembra a autora, não significou passividade. O que ocorreu foi a falta de uma canalização das exigências dos de baixo. Os liberais não enfrentaram apenas as revoltas populares, também se viram contra os conservadores, como nos casos mexicano e colombiano. Cuba e Nicarágua, mostram a ingerência externa e o poder do imperialismo na região, colocando em dúvida a ideia de um Estado Nacional soberano e autônomo. Na Argentina, o projeto liberal só conseguiu êxito após a queda de Rosas; e no Brasil, os grupos liberais entraram em aliança com os conservadores em nome da permanência da escravidão, da monarquia e da unidade nacional. 

Nesta disputa entre liberais e conservadores, o Positivismo exerceu importante papel no caso mexicano e brasileiro. Porém, não teve a mesma força no caso colombiano, onde a Igreja conseguiu manter sua hegemonia ideológica sobre a sociedade. Em suma, a autora coloca que seu objetivo foi analisar as especificidades na formação dos Estados Nacionais latino-americanos, focalizando nas lutas sociais e conflitos políticos que os envolveram. Ela acredita que esta abordagem é mais frutífera que outras, como a da dependência ou da herança colonial, que tratam a América Latina de forma genérica e sob esquemas pré-construídos.