quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Megaeventos Esportivos no Brasil - Um olhar antropológico



  • Sobre o autor: Arlei Sander Damo tem como formação acadêmica uma graduação em Educação Física e pós-graduação (mestrado e doutorado) em Antropologia, ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É especialista em Antropologia do Esporte, mais especificamente do Futebol. Entre suas principais obras sobre a temática, temos: a) Do Dom a Profissão; b) Futebol e Identidade Social. Além desses dois livros, Arlei produziu uma variedade de artigos científicos sobre futebol e suas implicações sócio-antropológicas. Ruben George Oliven é graduado em Ciências Sociais pela UFRGS. Também por essa instituição, conseguiu o título acadêmico de mestre após defender uma dissertação na área da Antropologia Urbana. Por fim, obteve seu doutorado pela Universidade de Londres, também sobre Antropologia Urbana. Entre suas principais obras, podemos citar: a) A Antropologia de Grupos Urbanos; b) Urbanização e Mudança Social no Brasil; c) A fabricação do gaúcho.  



Megaeventos Esportivos no Brasil: Um olhar antropológico - Arlei Damo e Ruben Oliven - Editora Armazém do Ipê


Apresentação - Os autores fazem um exercício de comparação (salvando todas as diferenças espaciais, conjunturais e históricas) entre o potlatch (termo oriundo da língua chinnok e sendo um evento cerimonial realizada por tribos da América do Norte) e os megaeventos esportivos que o Brasil veio a sediar nos últimos anos. Uma das principais características do potlatch eram seus gastos excessivos, liquidando quase toda a riqueza acumulada por essas tribos. O potlatch, analisado pela Antropologia, é vista como uma grande oportunidade do chefe local mostrar sua prosperidade perante outras tribos. Inicialmente mencionado por Franz Boas, o potlatch recebe uma reinterpretação mais detalhada através da obra do francês Marcel Mauss no clássico texto "Ensaio sobre a Dádiva".

Desta interpretação de Mauss, os autores tiram alguns pontos que imaginam dialogar com os megaeventos esportivos. O primeiro ponto é que o potlatch é um evento característico de sociedades de "prestação total de tipo agonístico", nas quais as trocas são generalizadas e vistas como uma obrigação. O ato de dar rende boa reputação, sendo uma espécie de crédito que também pode ser visto como uma relação de poder, pois quem recebe tem o dever de retribuir em dobro. Outrossim, "Em ao menos duas passagens do célebre 'Ensaio sobre a dádiva', Mauss faz referências explícitas ao jogo, como uma modalidade de evento que se assemelha ao potlatch porque partilha uma mesma estrutura: ou as duas metades cooperam, hostilizando-se mutuamente, ou não há jogo" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 2-3).

Outro ponto do potlatch é que ele não pode ser encarado do ponto de vista estritamente econômico, isso porque os bens materiais perdidos na realização do evento, rende um ganho simbólico. Logo, o potlatch não seria um desperdício, mas também não seria um desapego, pois a perda de bens materiais é retribuída com ganhos de bens simbólicos. Damo e Oliven afirmam que a interpretação maussiana descrita superficialmente acima, acarreta um uso variado do conceito. Mas eles lembram: o uso não é literal, pois existem diferenças bruscas em vários âmbitos entre os megaeventos esportivos analisados na obra e o potlatch. O que eles buscam é uma associação parcial, dentro de uma dimensão conceitual.

Das convergências e/ou similaridades entre o futebol e o potlatch é que ambos se servem do aspecto agonístico em suas práticas, pois "O jogo é um ritual agonístico, escreveu Lévi-Strauss (1989), e, diferentemente de outros rituais, mas sobretudo dos rituais conjuntivos - como os ritos de passagem -, o que os jogos fazem é, partindo de uma situação de equidade, produzir uma disjunção" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 3). O gol tem um efeito dialético, pois se torna um efeito positivo para um lado, mas não para o outro. Além desse ponto similar entre os eventos, diz os autores:
Outro aspecto do conceito de potlatch destaca a importância da dimensão simbólica dos fatos sociais, em particular de festas, jogos, cerimoniais. Ao contrário dos que se impressionaram com o desperdício dos bens materiais no potlatch, Mauss chamou a atenção para o significado desse gesto, razão pela qual já não teríamos desperdício, mas reconversão de riqueza. Embora a conquista de uma Copa do Mundo possa envolver pomposas premiações aos atletas, trata-se de um título de claro valor honorífico, sobretudo aos torcedores (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 5)
A grande diferença desses dois eventos é que a Copa do Mundo não é feita sob financiamento de um chefe tribal, mas sim de uma instituição social chamada Estado que deve prezar pelos interesses coletivos de uma sociedade civil organizada. Diferente dos chefes tribais, os representantes desse Estado não pode gastar todos os bens materiais sem obedecer a um conjunto de regras. E apesar da FIFA (instituição privada que mais se beneficia com o evento) tratar a Copa do Mundo como um espaço de união entre os povos, a sociedade brasileira discutiu criticamente a necessidade do país sediar esse evento, tendo em vista os vultuosos recursos públicos empenhados. É por permitir a discussão de variados temas pertinentes a sociedade (política, economia, modelo de cidade etc) que os autores tratam o estudo sobre os megaeventos esportivos como uma forma de compreender o entendimento que o Brasil tem sobre si mesmo.

Com esse intuito, os autores encerram essa apresentação passando pelos 10 capítulos que constroem o livro. Nos 03 primeiros, abordarão aspectos gerais sobre futebol, Copas do Mundo e megaeventos. Nos capítulos 04 e 05, o debate passa a girar em torno do processo que levou o Brasil a país-sede da Copa do Mundo de 2014. Nos capítulos 06 e 07, as consequências sentidas na forma de torcer depois das construções das arenas. Nos capítulos 08 e 09, os autores se debruçam sobre as relações existentes entre megaeventos e Estado. Por fim, no capítulo 10, Arlei Damo e Ruben Oliven fazem um resumo da obra.

01) Megaeventos esportivos no Brasil: nem bênção, nem maldição 

I. Os autores iniciam o capítulo colocando a dificuldade em analisar os megaeventos esportivos sob uma perspectiva antropológica, ligada historicamente à etnografia e ao trabalho de campo em sociedades consideradas exóticas. Surge, então, o primeiro questionamento: o que significa um megaevento? Para as Ciências Sociais no geral e a Antropologia em particular, todo evento é um acontecimento. Segundo Marshall Sahlins, citado pelos autores, todo evento é apropriado por um determinado esquema cultural, sendo detentor de uma significação. É por isso que os estudos antropológicos, ao analisar uma catástrofe climática, por exemplo, não foca nos seus impactos econômicos ou físicos mas visa compreender os impactos humanos que podem se expressar na explicação que deram ao evento, as redes de solidariedade criadas, quais caminhos trilharam nas suas reconstruções etc. 

Levando essa ótica para a análise dos megaeventos esportivos, os autores salientam que a importância da Copa do Mundo não está somente no envolvimento dos atletas ou do gol marcado. Ela se encontra também no seu significado social e cultural, logo, "não são os jogos da Copa apenas que fazem dela um megaevento, mas também a mobilização no seu conjunto"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 14). O prefixo "mega" suscita a existência de algo grandioso e com grande alcance. Os autores também lembram que os megaeventos não são fatos exclusivos do presente, tendo expressão também no passado como as guerras, epidemias, catástrofes etc. Buscando conceituar o que seria um megaevento, eles acreditam que seria "um agregado de eventos articulados entre si no centro do qual se situa o evento principal"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 15). Apesar de considerar a importância do alcance e repercussão dos megaeventos, o interesse antropológico neste tema busca ir além ao buscar compreender seu significado. 

II. Pelo alcance e rede de significados que suscita, existe uma diferença substancialmente entre participar de um megaevento esportivo como a Copa do Mundo e sedia-la. Sobre a diferença entre participar e sediar uma Copa, dizem os autores: 
Em linhas gerais, pode-se dizer que a participação na Copa implica a mobilização da nação enquanto comunidade de sentimento que se projeta no time que a representa, ao passo que a realização do evento compromete o Estado, parceiro da FIFA na organização da competição (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 16).
A participação numa Copa do Mundo, implica mobilização simbólica de crenças e técnicas que consigam unir torcida e Seleção Brasileira, formada por um grupo de jogadores que são vistos como representantes da nação naquele megaevento. Esse investimento simbólico é realizado em um tempo ritual, onde "as técnicas e as crenças se juntam para produzir um espaço-tempo imaginário extramundano, só acessível de fato aos crentes, pois apenas eles são capazes de se deixar permear, influenciar, afetar"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 17).

Os autores acreditam que o elo unificador em períodos de Copa do Mundo é a ideia de nação. Ela consegue unir Seleção Brasileira e coletividade em torno de uma dimensão imaginária chamada Brasil. Para eles, esse imaginário não é o inverso do concreto, mas a construção de algo que o transcende. Em suma, "as diferenças substanciais entre jogar e sediar a Copa, uma vez, que no primeiro caso, a mobilização se restringe muito mais à esfera das representações laicas da nação e, portanto, a um universo imaginário, já no segundo elas são permeadas pela atuação do Estado e dos governos, cuja consequências são concretamente observáveis  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 18)

III. Ainda discutindo sobre os símbolos mobilizados durante o período de Copa do Mundo, os autores colocam esse período como um tempo ritualizado marcado pela natureza festiva, coletiva e laica. Existe um clima de feriado, mobilização nas ruas, fechamento de escolas, ponto facultativo em repartições públicas etc. Esse evento laico acaba ganhando maiores contornos em uma sociedade como a brasileira por conta de variados aspectos que se comunicam, como: a ausência de um discurso belicoso no país, sendo este de suma importância para a construção de heróis nacionais e consequente dramatização do pertencimento à nação; a popularidade e hegemonismo do futebol no país; o histórico vitorioso da Seleção Brasileira; e o reforço no plano imaginário de que a Seleção Brasileira representa uma nação criativa e multiétnica por reunir jogadores brancos, negros, miscigenados etc. 

A Copa do Mundo acaba se tornando uma guerra mimética, reforçada por sua lógica que é assim descrita pelos autores: "Se procede a constatação de que um jogo de futebol é uma forma de experimentar a guerra por outas vias, as copas tornam a analogia ainda mais convincente na medida em que se trata de uma competição entre equipes que representam Estados-nações"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 20). Entretanto, os autores retomam o debate sobre a diferença entre participar e sediar uma Copa do Mundo. E sobre a responsabilidade de sediar, constatam duas diferenças substanciais: 
A primeira é que na organização da Copa quem representa a nação não é o time da CBF, mas o Estado, seus agentes, sejam elas federais, estaduais ou municipais. A segunda é que a organização da Copa demanda o aporte de recursos econômicos e políticos de grande monta, algo que não ocorre quando se joga a Copa (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 20).
Para encerrar a discussão entre a diferença entre participar e sediar uma Copa do Mundo, os autores trazem o exemplo da Copa do Mundo de 1950 e comparam com as de 2014. No primeiro caso, tirando a cidade do Rio de Janeiro, não ocorreu debates sobre o uso de recursos públicos, até porque tirando o Macaranã nenhum estádio foi erguido para aquela Copa, enquanto em 2014 doze novos estádios foram construídos. O que aconteceu em 1950 foram pequenas reformas de estádios já existentes que eram o suficiente para atender as exigências da FIFA. Hoje essas exigências mudaram, assim como o futebol e a própria sociedade. Temos hoje aspectos novos como a presença da TV, dos turistas, do marketing, patrocinadores, redes sociais etc. 

IV. E por falar na Copa de 1950, os autores chamam a atenção para a ausência de análises sobre como se procedeu sua preparação, ao passo que existem várias produções sobre a tragédia do Maracanazo que, sem dúvidas, marcou aquela edição. Mas diferente de 1950, a realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014 foi motivo de controvérsias e debates na sociedade brasileira. Sendo assim, "a realização da Copa no Brasil foi um acréscimo, pois jamais se discutiu tanto, e tão abertamente, os usos dos recursos públicos"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 22).

V. A Copa do Mundo de 2014 será mais uma em que Estados-Nações, representadas por equipes de futebol, se encontram e disputam o título de campeão do mundo em um megaevento que dura cerca de 40 dias. Porém, para a FIFA e suas parceiras, a Copa vai muito além disso. Apesar dos jogos terem a capacidade de relembrar conflitos entre nações, como o caso da partida Argentina x Inglaterra na Copa de 1986, o objetivo da FIFA não é incentivar animosidades entre países. Ou seja, "a Copa mobiliza sentimentos nacionais, mas o faz com o único propósito de agregar sentido à disputa futebolística"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 23)

Mas esse comportamento amistoso da FIFA, visando evitar conflitos entre os países participantes e em consonância com outras organizações supranacionais como a ONU, não é visto quando se trata dos países-sede. Esses, por sua vez, carregam o ônus de organizarem um megaevento do alcance e arrecadação de uma Copa do Mundo. A pressão da FIFA sobre os países-sede apresenta três estágios, são eles: a) Construção de um dossiê em que a FIFA envia técnicos especializados para o país-sede, visando analisar previamente instalações existentes e, após isso, "decide sobre as chances do pretendente e, caso as considere plausíveis, negocia com os governos locais" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 23); b) Negociação entre a FIFA e o país-sede, visando construir pactos políticos e contratos formais que assegurem a realização do megaevento; c) Fiscalização das obras prometidas durante as negociações o que significa, na prática, averiguar de perto o cumprimento ou não dos contratos assinados. 

O cumprimento dos contratos é de suma importância para a FIFA que, apesar da falta de transparência política e econômica, profissionalizou-se em organizar megaeventos quadrienalmente e com isso conseguiu formar um corpo técnico capaz de atender com rigor suas promessas feitas durante as negociações. Fica a pressão para o lado dos Estados-Nações que, em caso de não cumprimento dos prazos, são ameaçados por um "plano B" que a FIFA aciona e faz repercutir na mídia internacional. Esse plano b foi ventilado tanto na Copa do Mundo na África do Sul, quanto na realizada no Brasil. Por aqui, o plano b surgiu graças a lentidão do Congresso Nacional em aprovar a Lei Geral da Copa, exigida pelos dirigentes da FIFA. 

Visando justificar os vultuosos gastos públicos que serão necessários para a realização do megaevento, a FIFA aciona a ideia de legado que significa "aquilo que permaneceria (de bom, aproveitável) depois da competição"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 26). Eles também acionam a ideia de legado intangível que foi assim conceituado pelos autores: "o aumento da autoestima nacional, a exposição do país em escala planetária, a possibilidade de intercâmbio com estrangeiros, a coesão interna e outros itens que não podem ser avaliados com precisão"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 26-27).

A partir daí surgem vários estudos probabilísticos de diversas consultorias, nacionais e estrangeiras, projetando o sucesso do megaevento em vários âmbitos mas principalmente econômico. Os autores chama a atenção para o tratamento nada crítico dado pela mídia esportiva que trata de reproduzir tais discursos sem ao menos averiguar a credibilidade da consultoria e a metodologia adotada na pesquisa. Do outro lado os autores reconhecem a existência de críticos que consideram a Copa do Mundo como um verdadeiro complô, visando colocar recursos públicos sob o interesse de interesses privados. Mas os autores também criticam essa perspectiva crítica, "pois fica implícita a ideia de que a Copa é resultado de um complô, ao passo que preferimo a hipótese de que ela é resultado de um conjunto mais complexo de variáveis entre as quais estão incluídos, evidentemente, interesses de agentes políticos e econômicos"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 28).

Além desses críticos mais radicais, os autores apontam e elogiam o papel desempenhado por instituições vinculadas a sociedade civil que buscaram contestar os gastos públicos vistos durante a preparação da Copa. O Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público (MP) e a grande mídia são exemplos citados pelos autores. No mais, eles argumentação que o descontentamento com os gastos públicos são um elemento que prova a superficialidade da crítica que coloca a realização da Copa do Mundo como um mero complô entre agentes estatais e privados. Eles visam uma análise não maniqueísta dos fatos, visando entender o contexto em que ele foi inserido. Essa análise, por sua vez, rejeita críticas fáceis como a de que Lula não deveria ter aceitado o desafio de sediar uma Copa do Mundo, pois a oportunidade naquele contexto apresentava-se como sedutora. Em nota, os autores lembram que na época que o Brasil foi oficializado como país-sede, expressivos 79% dos brasileiros apoiaram a realização do megaevento. 

VI. Em suma, o objetivo da análise da obra é analisar esse megaevento esportivo para além do evento em si mas sim levar em consideração os antecedentes que levaram a sua realização. Sobre sua perspectiva, afirmam os autores: 
Isso não implica pensar em uma perspectiva histórica, pelo menos não no sentido mais convencional, que remeteria a uma cronologia e hierarquia dos eventos e personagens. Ao sugerir a dilatação do tempo, pretendemos colocar em evidência um conjunto heteróclito de eventos e personagens que foram destaques numa fase que antecedeu a realização dos jogos propriamente ditos (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 30).
O interesse central é analisar os embates discursos que esse megaevento esportivo suscitou, trazendo à tona questões historicamente caras para a sociedade brasileira. Segundo eles, a preparação para a Copa do Mundo de 2014 desenvolveu o debate sobre três temas importantes para o Brasil. São eles: 1) Discussão sobre as incertezas dos brasileiros com relação ao cumprimento dos prazos estabelecidos, gerando uma ideia de que nossa organização é deficitária; 2) Discussão sobre a relação entre interesses públicos versus privados, causada por uma suspeita de que os recursos públicos destinados para a construção das arenas estavam servindo de benefício de agentes privados; 3) Discussão em torno dos espaços futebolísticos propriamente ditos, tendo em vista que as arenas construídas foram planejadas para receber menos torcedores e que isso poderia ocasionar o incentivo de um novo público (mais endinheirado) nos jogos. Essas questões levantadas serviram de base para o desenvolvimento de manifestações públicas contra a realização do megaevento, causando uma série de inquietações nos políticos, na FIFA e em seus parceiros comerciais. 

02) Futebol: um espetáculo de identidades e alteridades

I. O futebol não é uma mera modalidade esportiva. Para muitos países ele se configura como o esporte nacional e o escolhido para a realização das dramatizações da coletividade. Sobre a natureza do futebol e o motivo da sua popularização, Damo e Oliven chamam a atenção para três teorias: a) Na primeira, criticada pelos autores, existe uma ligação histórica pouco confiável entre práticas esportivas antigas, como as praticadas na China, Japão e Roma Antiga, com o futebol. b) Na segunda, representada por Nobert Elias e aquela defendida pelos autores, os esportes no geral são um produto do desenvolvimento da modernidade pois visa incutir em suas práticas princípios como "respeito às regras, o culto ao mérito, a valorização da razão, da produtividade, da técnica e da eficácia" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 34). Em outros termos, a esportivização estaria atrelada ao desenvolvimento da civilização. É por isso que os esportes em geral e o futebol em particular, são vistos como uma forma de fazer guerra por outras vias, "pois as regras circunscrevem o uso desordenado da força, mas não impedem a subjugação de uma das partes pela outra, uma modalidade de dominação que lembra a conquista pela guerra, mas que é antes de tudo simulada"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 35); c) Na terceira e última, a popularização do futebol seria resultado mera e simplesmente de sua simplicidade em que é possível adaptar as regras do jogo com o tempo, espaço e equipamentos disponíveis. Os autores acreditam no raciocínio oposto: o futebol é improvisado não por ser simples, mas por ser popular e é esta popularidade que proporciona improvisações. Além do mais essas adaptações não são exclusivas do futebol. 

II. Os autores também acreditam que existem futebóis, ou seja, variadas formas de praticar essa modalidade esportiva e que o futebol espetacularizado que temos hoje é resultado de um processo ocorrido no decorrer do século XX. Mas o que une essas diferentes práticas que vai do futebol espetáculo das TV's aos campeonatos de bairros? Segundo os autores, "A estrutura agonística do jogo, que pressupõe uma disputa bem demarcada entre um eu (ou nós) e um outro (ou outro), favorece, sobremaneira, a instauração da identificação e da diferenciação"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 38). Porém, existem diferenças entre o futebol espetacularizado e as demais formas de praticar esse esporte. Isso porque, megaeventos como a Copa do Mundo, expressão máxima do futebol espetáculo, existe uma separação entre quem joga e quem joga por projeção ou procuração. Em suma, 
Nesse caso, a questão da identificação se duplica. Além da tensão estrutural instaurada entre um "eu" e um "outro", dramatiza-se a questão da representação, pois a disputa, no espectro do esporte de espetáculo, é sempre entre "alguém que me representa" (portanto, um outro) contra "aquele que representa o outro" (com o perdão do silogismo, o outro do outro) (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 38).
Tentando entender essa questão da identificação, que não tem relevância quando vista sob uma "análise estética convencional", pois quem vai a campo não procura necessariamente ver um belo espetáculo, mas antes de tudo visa torcer pela vitória de uma equipe que representa uma instituição; os autores questionam sobre as origens deste engajamento e qual a lógica por trás dele. 

III. A relação entre identificação e futebol responde a dois circuitos futebolísticos diferentes, são eles: o circuito clubístico, envolvendo clubes e o circuito nacionalista, envolvendo seleções nacionais. Cada um deles desenvolve um conjunto de competições específicas que visam manter viva essa identificação. O circuito clubista é visto pelos autores como anterior ao nacionalista e é limitado a uma cidade ou região. Já o circuito nacionalista capta à esfera nacional e seu recrutamento de jogadores é mais rígido, permitindo apenas jogadores nascidos naquele determinado país ou nacionalizados; diferente do circuito clubista onde existe uma flexibilização e circulação maior de jogadores. 

A Copa do Mundo faz parte do circuito nacionalista, sendo seu maior apogeu. Ela conta com aspectos tradicionalistas como sua ocorrência pontual a cada quatro anos e outros como seu longo alcance, sendo quase impossível não saber o que é uma Copa do Mundo mesmo não sendo um fã de futebol. Sobre o circuito nacionalista, destaca Damo e Oliven: 
O mais importante de ser notado no caso do circuito nacionalista é que a base simbólica das disputas excede, consideravelmente, o espectro futebolístico. Tanto é verdade que as copas do mundo - ou outras competições nas quais a seleção nacional está envolvida - tendem a suscitar o interesse de um publico mais amplo que aquele habitualmente interessado em jogos de futebol (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 42).
A Copa do Mundo é vista como mais um produto do processo civilizatório, visando fazer guerra por outras vias. Elas carregam um conjunto de símbolos nacionalistas que afetam política e sentimental as nações. No decorrer do século XX o que a FIFA fez foi conciliar esses símbolos com os interesses do mercado, tornando a identificação e o pertencimento à nação em um grande negócio. Foi assim que "esses megaeventos receberam um forte incremento mercadológico, de modo que a publicidade comercial tem produzido peças visando vincular seus produtos aos sentimentos nacionalistas com a expectativa de alavancar as vendas e, ao proceder dessa forma, de acabar por suscitar e fortalecer tais sentimentos"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 42). Mas, diferente do circuito nacionalista que se beneficia de símbolos nacionais já estabelecidos, o circuito clubista desenvolve um processo de identificação mais complexo que será analisada em seguida.

IV. Ainda em busca da lógica que leva o público se identificar com o futebol, tornando-o um esporte de alcance mundial, os autores contestam uma abordagem representada pelas ideias de Gumbrecht; a quem afirmam ter fortes influências kantianas e por isso acredita que o alcance do futebol pode ser explicado por fatores estéticos. Ou seja, a explicação para tamanha popularidade se encontra dentro dos gramados. Sem desconsiderar por completo a importância do jogo, os autores buscam construir outra abordagem que visa dar mais atenção ao que acontecesse fora dos gramados. 

Essa nova abordagem, "implica pensar que a perfomance dos jogadores não faz sentido se separada do contexto do jogo, o que leva a pensar no encontro não apenas de duas equipes, mas de comunidades de sentimento pontualmente representadas" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 46). Existe uma "economia das emoções esportivas" e os jogos envolvem movimentações de uma comunidade de sentimentos que se ligam a clubes ou seleções. Logo, não existe jogo sem um engajamento prévio, sendo importante considerar os dois fatores quando se busca explicar a popularidade do futebol. 

V. No futebol espetacularizado, existe uma relação entre dois atores: os jogadores profissionais que recebem para representar em campo uma instituição ou país e torcedores amadores que pagam, direta ou indiretamente, aos clubes e seleções que torcem. Esse pagamento visa não só contemplar o espetáculo, mas garantir financeiramente a manutenção de uma equipe que irá representá-los contra outros clubes, ou seja, contra outras comunidades de sentimento. Os atletas recebem uma espécie de procuração, segundo Elias, para representar uma comunidade de sentimentos que conhecemos popularmente como torcida. 

Dito isso, os autores acreditam que a explicação de que a popularidade do futebol se deve exclusivamente a fatores estéticos (ou seja, vinculados ao campo de jogo, como uma espécie de arte) não se fundamente porque, fundamentalmente, os torcedores se relacionam com seus clubes envolta de uma noção de risco. Eles pagam para assistir uma partida e perdem dinheiro com o time ganhando ou perdendo o jogo. Caso o time perca, ainda terão retirados a possibilidade de obter algum prazer com o time. Por enquanto que os jogadores, profissionais que são, permanecerão ganhando seus salários independente do resultado da partida. Neste contexto incerto e de risco, aonde o torcedor gasta dinheiro e tempo, a explicação da popularidade e da identificação que o futebol desenvolve deve ser obtida por fatores extra-campo. Sendo assim, 
Como o futebol é coletivo, a tarefa de representação recai sobre um time e não sobre um indivíduo. Em todo o caso, os times mudam muito rapidamente, e o apreço que os torcedores têm por eles também. Os clubes, ao contrário dos times, geralmente possuem uma longa trajetória, alguns com mais de um século. Eles desafiam a duração e, por isso mesmo, permitem uma identificação duradoura (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 49).
03) A Copa como mercadoria

I. A Copa do Mundo é um produto vendido pela FIFA que a comercializa para uma variedade de empresas multinacionais. Existe uma imensa expectativa em torno da Copa e a FIFA faz todos os esforços para torná-la em um megaevento rentável, a começar pela suspensão das atividades dos clubes que devem ficar à disposição para liberarem seus melhores jogadores em caso de convocação. Além disso, a FIFA exige do país-sede um alto nível de competência e eficiência que ficou popularmente conhecido no Brasil como "padrão FIFA". Sobre esse padrão, dizem os autores: 
Para atingi-lo, os países-sede são convencidos a realizar altos investimentos - ou gastos, como queiram. Só os estados nacionais podem, efetivamente, oferecer tudo o que a FIFA demanda, pois, além de estádios atualizados em todos os quesitos, incluindo-se conforto e segurança, a FIFA também exige três outros itens que empresas privadas teriam dificuldade de oferecer: a) segurança às delegações, às autoridades e aos turistas (torcedores); b) meios de mobilidade - aéreo e terrestre, entre as cidades e dentro delas; c) proteção local aos seus parceiros e patrocinadores (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 52).
Sendo assim, os autores consideram a Copa do Mundo como uma mercadoria, mas não no sentido pejorativo da palavra. Segundo eles, "mercadoria é todo bem, material ou simbólico, animado ou inanimado, sujeito à transação num dado mercado" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 52). A Copa do Mundo estaria inserido dentro da "indústria do entretenimento", assim como shows de cantores nacionais/internacionais ou a produção cinematográfica. Para o consumidor, existe uma busca pela excitação que é vista pela expectativa do fracasso ou do êxito do seu time. Além de considerarem os consumidores esportivos com interessados por excitação, ideia retirada das reflexões de Elias, os autores também consideram a Copa do Mundo como um tipo de "bem simbólico"; conceito desenvolvido pelo sociólogo Pierre Bourdieu. 

Da teoria bourdieusiana, os autores retiram os seguintes aspectos para entender a Copa do Mundo: 1) O primeiro diz respeito, "a convicção de que, numa sociedade na qual o mercado é uma instituição tão desenvolvida quanto a nossa, quase todas as atividades são permeadas por ele" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 53); 2) O segundo acredita que "O mercado é classificamente definido como o local de encontro da oferta e da procura. Bourdieu vai além dessa noção capitalista do mercado capitalismo como mero espaço de transações propriamente financeiras como as envolvidas na compra e na venda de bens e serviços e aplica o mercado à religião, à arte, ao esporte etc" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 54).

Logo, qualquer evento esportivo pode se encaixar no conceito de bens simbólicos, principalmente aqueles que são produzidos ao e pelo mercado. E é a forte influência do mercado que faz com que esses eventos esportivos seja bem organizados, ao contrário, não seriam abarcados pela indústria do entretenimento. No mais, os autores chamam a atenção para a necessidade da atuação de agências esportivas supranacionais como a FIFA e o COI na transformação de eventos esportivos em bens simbólicos. 

II. Feita esta análise geral, os autores buscam desenvolver uma análise histórica das Copas do Mundo, diferenciando-se das mais comuns por dois motivos: 1) Não buscam uma síntese histórica do evento, começando cronologicamente da primeira até a última edição, pelo contrário, o objetivo é desenvolver "um argumento diacrônico, ou seja, mostrar como a Copa foi se tornando uma mercadoria, justamente para ressaltar o esforço empreendido pela FIFA nesse processo" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 55-56); 2) Não foco em acontecimentos que marcaram a Copa do Mundo dentro dos gramados, mas sim voltar-se para "questões mais ligadas às estratégias econômicas e políticas da FIFA, agência responsável pelos sucessivos reposicionamentos do futebol enquanto espetáculo" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 56)

A FIFA, por muitos anos, se viu diminuída frente a forte influência do COI no mundo esportivo; agências esportivas que se aproximaram e se afastaram em diferentes momentos. Até 1974 a gestão da FIFA carregava um conservadorismo e discrição que se transformaria após a subida de João Havelange à presidência. Como uma das expressões conservadoras da FIFA era o seu eurocentrismo, Havelange conseguiu chegar ao controle da agência após se aliar com federações de outros continentes, prometendo mais espaços seus aliados. Sua atuação na FIFA foi exitosa e ele não só modificou completamente sua estrutura e poderio como construiu a figura do seu sucessor, o suíço Joseph Blatter. 

Até os anos de 1970 o futebol ainda era limitado comercialmente, sendo a indústria esportiva frágil e as receitas dos clubes oriundas das rendas dos jogos, mensalidades de associados etc. Entretanto, foi a partir dos anos 1970 que duas importantes mudanças deram impulso comercial ao futebol, foram elas: 1) a esportivização da moda; 2) a força das transmissões televisivas. A esportivização da moda proporcionou o desenvolvimento de marcas esportivas multinacionais como a Nike, a Adidas, a Pumas etc. Ainda rústicas, as camisas esportivas passaram a ganhar uma atenção maior a partir dos anos 1970, através da atuação dessas empresas que passaram a disseminar uma variedade de indumentárias esportivas. Somado a esse fator, a TV passou a ter um papel central no mundo esportivo, transmitindo jogos em tempo real e invadindo as grades de programação. Aproveitando a popularização mundial dos aparelhos televisivos e do desenvolvimento das grandes emissoras, Havelange conseguiu tirar excelentes proveitos econômicos dessa nova conjuntura. 

Cumprindo as promessas feitas aos aliados, Havelange expandiu o número de participantes da Copa do Mundo, dando a oportunidade para que países de outros continentes pudessem ter a chance de disputar o torneio. Seu objetivo com isso era nítido, "dar às copas um sentido coerente ao termo "mundial" ou "do mundo", algo que nenhum outro esporte consegue fazer de forma tão convincente, e gerar um passivo político dos dirigentes dessas confederações para com Havelange, razão pela qual suas sucessivas reeleições jamais foram ameaçadas" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 62).

As Copas de 2002 e 2010, realizadas na Coreia do Sul/Japão e África do Sul, respectivamente, representaram a coroação da estratégia de globalização do futebol pensado pela FIFA. Ao sair da FIFA, Havelange deixou uma histórica e permanente marca na entidade. Além de visitar diversos países, com pompa de um chefe de Estado, desenvolveu uma ambiguidade na entidade que foi assim expressa:
Assim, a FIFA manteve e até ampliou a ambiguidade do seu estatuto para a opinião pública, fazendo-se passar por uma entidade com fins esportivos e, portanto, de interesse público, enquanto suas estratégias comerciais se mostraram cada vez mais agressivas, revelando a face empresarial do empreendimento (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 64).
Havelange formou essa face empresarial da FIFA que não existia nas gestões anteriores, presas a ideias aristocratas e resistentes a entrada do dinheiro no futebol. Apesar de manter essa aparência aristocrática da entidade, ele impulsionou os negócios. Seu ponto de partida foi o firmamento da parceria com duas grandes multinacionais, a Coca-Cola e a Adidas, ainda hoje parceiras da entidade. E, visando reproduzir esse modelo empresarial, a FIFA criou, em 1995, o Centre International d'Étude du Sport (CIES). O CIES, formada em parceria com a Universidade de Neuchâtel, localizada na Suíça, busca formar academicamente gestores esportivos comprometidos com a junção futebol/negócios. Ainda sobre os objetivos do CIES, dizem os autores: 
O objetivo desse centro é tanto a qualificação dos gestores esportivos, razão pela qual são realizadas parcerias com universidades privadas de várias partes do mundo para oferecer cursos itinerantes, quanto a produção e a sistematização de dados que possam subsidiar os negócios envolvendo o futebol (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 66).
A criação e desenvolvimento do CIES é um forte exemplo de como a FIFA vem dando importância a gestão esportiva. A Copa do Mundo representa cerca de 80% das receitas anuais da entidade, logo, se faz necessário formar profissionais especializados em gerenciar esses negócios. No mais, essas receitas só aumentaram após o aumento do número de participantes, pensado e posto em prática a partir da gestão de João Havelange. 

III. Desafiando as ferramentas teóricas da Antropologia, a FIFA não se enquadra em definições convencionais, pois exerce uma atuação que abarca tanto o mundo dos negócios quanto o mundo da política; apesar de, oficialmente, se colocarem como uma entidade de promoção do futebol visando a integração dos povos, através do esporte. Entretanto, 
De um ponto de vista político, a FIFA opera em dupla perspectiva. Por um lado, ela exerce seu poder internamente, tende ingerência sobre todas as matérias relevantes que digam respeito ao futebol profissional. Ela delega poderes, obviamente, às confederações - que são entidades de abrangência continental - , às federações - de amplitude nacional - e, se as federações nacionais estiverem de acordo, como no caso do Brasil, às entidades regionais (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 66).
Por outro lado, 
Noutra perspectiva, a FIFA atua externamente, representando os interesses do futebol profissional como um todo. Nesse caso, ela apresenta-se como uma agência supranacional e seguidamente compara-se às agências supranacionais, como a ONU. Diferente desta, no entanto, a FIFA reveste-se de uma finalidade laica, cuja missão seria a difusão do futebol e do fair-play (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 69).
Essa laicidade é vista pela proibição de qualquer manifestação política e religiosa dos jogadores envolvidos na competição. Encerrando o capítulo, os autores chamam a atenção para o fato de que a FIFA não se limita a firmar parcerias com multinacionais. Ela também busca, e com igual êxito, parcerias com Estados-nações, "Sob o pretexto de que a Copa projeta o país internacionalmente, atraindo turistas e investidores, barganha compromissos que vão desde a isenção de impostos, passando por segurança, infraestrutura - em transportes de pessoas e de informação - e, sobretudo, até a disponibilização de estádios compatíveis com padrões que ela idealiza" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 69). Apesar da contradição à lógica do mercado, ao capitalizar ganhos e dividir despesas, a FIFA não encontra problemas em encontrar parcerias. 

04) A trama que trouxe a Copa ao Brasil 

I. A Copa do Mundo de 2014 representou o retorno da competição a América do Sul, já que desde 1978 não sediava o evento. Ela também se mostrou uma ótima oportunidade para Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, galgar suas ambições de chegar à FIFA. Ele construiu a candidatura  do Brasil em 2003 e, em março de 2006, a Conmebol oficializou o país como representante do continente na disputa. 

Teixeira soube aproveitar uma configuração favorável, já que era interesse da FIFA trazer a Copa para a América do Sul. E só teve como dificuldade o convencimento da opinião pública brasileira de que a CBF teria competência para liderar a organização do megaevento e de que os custos não recairiam sobre os cofres públicos. Mas o principal empecilho encontrado por Teixeira foi se mostrar uma figura confiável e transparente, após os acontecimentos da CPI da Nike que buscou investigar a influência dessa empresa na gestão da CBF. Sobre essa CPI, concluem os autores: 
O relatório final escancarava problemas gravíssimos na gestão do futebol profissional, incluindo o desdém da entidade com relação à exploração de menores em centros de formação, o trânsito fácil de agentes de jogadores especializados em falsificar documentos, a falta de transparência na gestão financeira da CBF e sérios indícios de desvio de recursos, com o favorecimento do próprio Ricardo Teixeira (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 73).
Após a finalização da CPI, Teixeira fez o que os políticos tradicionais fazem quando são acusados de alguma irregularidade: buscou manter seu cargo, o que não foi difícil por obter apoio das federações estaduais, e esperar que as más notícias caíssem no esquecimento. O pentacampeonato mundial de 2002 e o apoio da Rede Globo, após Teixeira implantar o Campeonato Brasileiro de pontos corridos requerido pela elite clubística brasileiro e a grande mídia, deu ânimo aos interesses de Teixeira que em 2003 lançou o Brasil como candidato a Copa de 2014. 

Outro grande ponto favorável a Teixeira foi a vitória eleitoral de Lula em 2002. Apaixonado por futebol, Lula seria uma figura chave para a consolidação do Brasil como país-sede. Foi justamente Lula que "sugeriu que se fizesse um jogo festivo contra a seleção do Haiti, para consolidar e publicizar a missão de paz chefiada pelo Brasil, em 2004" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 75). Teixeira comprou a ideia e ainda mandou para o Haiti os titulares da Seleção Brasileira, como as estrelas Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. Do ponto de vista diplomático, a partida amistosa foi importante para a consolidação da candidatura brasileira. Sobre a relação entre Teixeira e Lula, afirmam os autores: 
O fato do Brasil ter se tornado, três anos mais tarde, sede da Copa, não se deve ao Haiti, é claro, nem se explica apenas pela aproximação entre Teixeira e Lula. Todavia, essa aproximação foi essencial, pois, sem trânsito no governo, a CBF não teria qualquer possibilidade de levar adiante a postulação encaminhada à Conmebol. A FIFA, como se sabe, não quer saber de desavenças com governos, do mais democrático ao mais despótico, do transparente ao corrupto (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 75).
Um exemplo de como a FIFA não deseja criar indisposições com governos, é visto no seguinte acontecimento: 
Tanto é verdade que Teixeira e o Comitê Local da Copa, que ele havia criado e presidia com a finalidade de gerenciar o evento de 2014, foram deixados de lado quando o trânsito do agora ex-presidente da CBF tornou-se inviável em Brasília, mais ou menos depois que a presidenta Dilma assumiu o poder, em 2010 (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 75).
Mantendo uma relação amistosa com os governos, a FIFA busca vender a Copa do Mundo como um evento comercial vantajoso para o país-sede. Sendo assim, segundo os autores, "a Copa é uma oportunidade" e "O que lhe importa, sobremaneira, é que o país-sede ofereça as condições para a realização do evento, e isso implica o dispêndio de recursos públicos" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 76). E se a relação CBF/governo brasileiro foi selado com o amistoso no Haiti, a relação FIFA/governo brasileiro teria seu marco em uma conversa entre Lula e Blatter em setembro de 2006, uma semana antes da eleição presidencial, da qual o petista ansiava ser reeleito. A conversa praticamente selou o país como sede do mundial, inclusive, os compromissos firmados poderia ser cumprido até por outro governo, caso Lula não fosse reeleito. Para a FIFA a realização da Copa no Brasil acumulava dois pontos positivos: o país tinha uma forte tradição ao futebol e, além do mais, existia um imaginário de que o Brasil era belo, receptivo e festivo. 

Logo, a festividade em outubro de 2007 confirmou o já esperado. Considerado como um rito de instituição para os autores, cuja finalidade é oficializar a separação de alguém de uma classe para outra (de solteiro a casado, de estudante a profissional etc), a solenidade aconteceu em Zurique, capital suíça. Sobre a consideração da solenidade como um rito, dizem os autores: "Os ritos são o que são pela crença partilhada, por aqueles que dele participam, de que a encenação, incluindo-se o que é dito, tem um poder diferenciado, quase mágico, de fazer valer cada gesto e cada palavra" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 79). Já sobre a repercussão da oficialização: 
Os grandes jornais impressos deram destaque de capa ao evento, e diversas emissoras de televisão abriram espaço na programação ordinária para transmitir o cerimonial em tempo real, mas não havia multidão aguardando o anúncio, nem houve sobressaltos com a decisão  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 80).
As palavras de Blatter antes da oficialização do Brasil mostra claramente como a FIFA encara o papel do país-sede na realização da Copa do Mundo, disse o suíço: "O Comitê Executivo da FIFA decidiu dar a responsabilidade, não só o direito, mas a responsabilidade, de organizar a Copa Mundial da FIFA de futebol 2014 ao país - e depois de breve suspense, retirando a papeleta do envelope -: Brasil" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 80). Em outras palavras, o Brasil não se tornou sede, mas sim a FIFA concedeu a responsabilidade do Brasil ser país-sede. Além do mais não se tratava apenas de sediar, mas organizar a "Copa Mundial da FIFA". A FIFA dava o direito do Brasil ser país-sede e em troca exigia uma contrapartida. O discurso do então presidente Lula reforça o que foi dito acima, colocando a Copa do Mundo sob responsabilidade do governo brasileiro. Visando tranquilizar os dirigentes da FIFA, pronunciou Lula: 
No fundo, no fundo, nós estamos aqui assumindo uma responsabilidade enquanto nação, enquanto Estado brasileiro, para provar ao mundo que nós temos uma economia crescente e estável, [...] com uma estabilidade [política] [...] conquistada. Somos um país que tem muitos problemas, sim, mas somos um país com homens determinados a resolvermos esses problemas (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 81).
Em suma, a responsabilidade do sucesso ou insucesso do Brasil estava sob os ombros do governo brasileiro. Foi o Brasil, ou melhor, alguns dirigentes e políticos, que decidiram colocar o país como sede de uma Copa do Mundo; não sendo uma imposição externa da FIFA que, em várias oportunidades, utilizou esse argumento ao cobrar suas exigências. O curioso, aponta os autores, é que as figuras que deram início ao processo não estavam mais presentes nos eventos oficiais de preparação para a Copa do Mundo. Lula, após encerrar seu mandato, foi substituído por Dilma Rousseff que logo demitiria ministros ligados a corrupção, como o Ministro dos Esportes Orlando Silva; substituído por Aldo Rebelo. E Ricardo Teixeira, novamente bombardeado de acusações de corrupção, se viu sem espaço no governo Dilma. Seu Comitê Local da Copa foi engolido pelos interesses da FIFA, representada por Blatter e seu secretário-geral Jérôme Valcke. 

05) A celebração de uma conquista

I. A escolha do Brasil como país-sede da Copa do Mundo de 2014 representou uma junção de interesses da FIFA e do governo brasileiro. A FIFA via a oportunidade de permanecer com seu projeto de globalização do mercado futebolístico ao proporcionar o retorno do evento a América do Sul, após longos 36 anos sem ser sede. E o Brasil era um país chave para esse retorno, pois além da forte tradição no futebol, contém um imenso potencial turístico e uma fama de país hospitaleiro. 

Segundo os autores, o assédio da FIFA teria se dado independentemente de quem estivesse no governo. "Mais que isso: a recusa ao desafio da FIFA seria improvável, dado que ela disseminou a ideia de que a Copa é uma oportunidade (e não um fardo), razão pela qual só quem não acreditasse em sua própria capacidade seria capaz de recusá-la"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 83). No mais, as relação FIFA-Estado brasileiro foram facilitadas pelo grupo político que chefiava o governo brasileiro à época. Pois, 
Com o PT no poder, neutralizava-se boa parte das críticas à participação do Estado na organização de megaeventos esportivos, pois elas tinham origem, quase sempre, em círculos políticos e intelectuais identificados com os partidos à esquerda (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 84).
Diante deste cenário favorável, acumulado a uma ausência de concorrência, o Brasil conseguiu facilmente galgar o posto de país-sede. Tanto que antes do anúncio oficial, em outubro de 2007, já se sabia com clareza quem sediaria a Copa de 2014. Sendo assim, "Dadas as circunstâncias que levaram a FIFA a optar pelo Brasil e ao anti-clímax do cerimonial, pode-se dizer que o país não foi escolhido, mas desafiado publicamente a organizar a Copa"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 84). Desafio a todo instante cobrado pelos dirigentes da FIFA, como Valcke, que chegou a causar indisposição diplomática com o país após afirmar que o Brasil precisava de "um chute no traseiro" por conta dos atrasos nas obras. 

Mas o objetivo do capítulo é analisar o processo que deu a cidade do Rio de Janeiro a oportunidade de ser cidade-sede de uma Olimpíada, a de 2016. Os Jogos Pan-Americanos de 2007 foi encarado como um importante prelúdio de que a cidade precisava para mostrar sua capacidade. E "Em que pesem as críticas aos excessivos gastos públicos com tal evento - que teriam consumido um valor de 800% superior ao que foram inicialmente projetado - e os escassos legados à população local, aqueles jogos foram considerados um sucesso em termos esportivos"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 85). Esse sucesso esportivo no Pan foi fundamental na construção da candidatura da cidade para as Olimpíadas. Os gastos públicos começaram já durante o processo da candidatura, como apontam os autores: 
A preparação da candidatura demandou trabalho árduo, em várias frentes, e os gastos foram igualmente vultosos - pouco mais de US$64 milhões, um valor 36% acima do previsto originalmente, e aproximadamente 63% vieram dos cofres públicos, a maior parte do governo federal (Rangel, 2009) (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 86).
Assim como no processo da Copa de 2014, Lula foi peça-chave para a candidatura na construção do Rio de Janeiro como cidade-sede. Sem o seu apoio, dificilmente a candidatura carioca teria condições de se consolidar. Para isso, ele se aliou ao PMDB-RJ, partido que dominava a prefeitura e o governo do estado, contando com o apoio desses nas eleições presidenciais de 2010 em que lançou sua sucessora, a ex-ministra Dilma Rousseff. 

A forte concorrência que a cidade sofreu foi motivo de atração do público que, no dia do anúncio oficial pelo COI, foi agraciado com programação musical. No último pronunciamento da delegação brasileira, feito por Lula, foi destacado a diversidade étnica do país e o desejo em recepcionar o evento da grandeza das Olimpíadas. O fato do Brasil ser o único país entre os concorrentes que nunca foi sede de uma Olimpíadas, foi inteligentemente levado por Lula em seu discurso. Também foi destacado pelo então presidente, a estabilidade social e econômica brasileira como um ponto positivo para que o Rio de Janeiro vencesse à disputa. 

Após a fala do presidente, foi reproduzido o filme promocional dirigido pelo cineasta Fernando Meirelles. Neste filme, "Enquanto as demais cidades destacaram as vantagens utilitárias que as Olimpíadas trariam para os habitantes locais, em especial o caso da candidatura de Chicago, Fernando Meirelles mostrou o Rio como uma cidade disposta a acolher e interagir com os jogos"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 91). Para os autores, o filme de Fernando foi uma reprodução do brasileiro como homem cordial, estereótipo descrito e analisado por Sérgio Buarque de Holanda. Assim sendo, 
O "desejo de estabelecer intimidade", traço essencial do "homem cordial", perpassa o argumento de ponta a ponta, sugerindo o Brasil como uma nação aberta por natureza, de onde seria possível declinar a razão para uma miscigenação bem resolvida (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 91).
Após a oficialização da escolha, Lula discursou novamente e buscou engrandecer o país, pintando-o como capaz de sediar o evento. Segundo o mesmo, "Eu acho que é dia de comemorar, porque o Brasil saiu do patamar de país de segunda classe"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 93). E mais, "Eu confesso a vocês que se eu morresse agora já teria valido a pena viver, porque o Rio de Janeiro, o Brasil provaram ao mundo que nós conquistamos cidadania absoluta. Absoluta mesmo, ou seja, ninguém agora tem mais dúvida da grandeza econômica do Brasil, da grandeza social, da capacidade nossa de apresentar um programa"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 93).

Os fatores miscigenação, estabilidade social/política e a promoção do Brasil são questões que os autores destacam da fala do Lula. Com esses argumentos, o país não só conquistou o direito de sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, como também busca um assento no Conselho de Segurança da ONU. 

08) Usos e abusos do dinheiro público

I. O capítulo começa citando o filme O Banheiro do Papa que narra a história de um homem pobre, morador da cidade uruguaia de Melo, que entusiasmado com a visita do papa João Paulo II à cidade decide construir um banheiro no quintal de casa para receber os turistas. A ida do papa à cidade não supre às expectativas e o personagem principal do filme se frustra. 

Para os autores, trata-se de uma excelente crítica aos megaeventos e projetam que é difícil cravar se o Brasil será vítima da mesma frustração. O que se sabe, até aquele momento, é que existe uma variedade de críticas oriundas da mídia. Críticas que não impedem a continuação dos gastos. E concluem, "Dizer que foram obra de governantes inconsequentes é óbvio demais, pois isso seria desconsiderar um cenário muito mais complexo, que não se restringe ao mero cálculo de custos e benefícios"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 138).

II. Seguindo antropólogos e sociólogos contemporâneos, Damo e Oliven acreditam que o dinheiro mesmo em sociedades modernas não tem um aspecto meramente econômico; contendo um componente moral. Ou seja, "Certos usos do dinheiro parecem orientados por parâmetros morais que estão diretamente vinculado às origens"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 138). O dinheiro se encontra presente nas variadas relações sociais, culturais e afetivas que estabelecemos. 

Dito isto, o dinheiro arrecadado pelo Estado não pode ser considerado um dinheiro qualquer. Por ser um dinheiro considerado como público, seu uso gera consequentemente controvérsias seja no Brasil ou não. E essas controvérsias estão baseadas em duas premissas: 1) a premissa de que os recursos públicos devem visar à coletividade, logo, megaeventos esportivos são contestados por contemplarem interesses privados (FIFA, clubes de futebol, empreiteiras, ramos específicos da economia como o turismo etc); 2) a premissa de que os recursos arrecadados pelo Estado devem ser destinados a demandas mais urgentes,  sendo os megaeventos esportivos tratado com não urgência. O objetivo dos autores não é sair em defesa ou criticar a ideia de que o dinheiro público é sagrado. Segundo eles, "reconhecendo que nesse caso há disputas, pois as noções de "interesse público" e de "prioridade" são constituídas socialmente por meio de lutas políticas"  (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 139). Sem sair em defesa de uma perspectiva, visam analisar as disputas políticas que levam as construções do que é considerado gasto ou investimento. E mais concluem:
O debate em torno da relação público e privado desencadeado pelos megaeventos esportivos poderia ser creditado a mais um capítulo da longa trajetória de formação do Estado brasileiro em que os bens públicos são colocados a serviço dos interesses privados, como há muito enunciado e denunciado por pensadores clássicos da sociedade brasileira como Victor Nunes Leal, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, entre outros. Segundo o viés do patrimonialismo, há pouco ou nada de novo no fato de o Estado brasileiro estar dispensando mais de 26 bilhões de reais para atender às demandas da Copa, afinal é o que sempre se fez desde os tempos do Império. Sem contrariar essa linha interpretativa, gostaríamos de mostrar que existe, no presente, um debate público, franco e aberto, em torno dos empenhos governamentais, o que poderia ser pensado como um indício de que existe algo novo em curso (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 140).
III. Nesta terceira parte do capítulo, os autores discutem a campanha inicial da Copa do Mundo como uma "Copa da iniciativa privada", não vista na prática. Mas, em especial, debatem o caso Kfouri em que o jornalista fez denúncias que mostraram como as decisões envolvendo a Copa do Mundo não eram decididas com transparência. Foi ele que cravou a construção do novo estádio do Corinthians, mesmo o Morumbi tendo condições de receber a competição após algumas reformas. Segundo o que o jornalista divulgou, a decisão foi uma imposição do então presidente da CBF, Ricardo Teixeira. 

IV. Considerando o dinheiro público como objeto de luta política, os autores notam a existência de uma variedade de pontos de vistas sobre sua utilização. Mais que pontos de vistas, são verdadeiras orientações político-ideológicas que visam alimentar uma dualidade: justificação ou contestação do dinheiro público na promoção dos megaeventos esportivos. Segundo os autores: 
Seria possível constituir uma cartografia desses discursos tomando-se como referência o uso das categorias "investimento" e "gasto" para definir o aporte de recursos públicos para a realização dos megaeventos. No âmbito das disputas em questão, tais termos são usados como categoria diacríticas. Investimento sugere o empenho de algo com a expectativa de retorno, ao passo que gasto sugere o esvanecimento. Investimento sugere produção, gasto suscita a ideia de consumo (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 151).
Com isso: 
É óbvio que a FIFA trata o dinheiro empenhado pelo governo brasileiro como investimento, ao passo que os movimentos sociais que contestam as obras da Copa preferem, de longe, o termo "gasto", porque soa como desperdício (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 151).
Desta dualidade entre enxergar a Copa como um gasto ou como um investimento, os autores mostram os polos discursos que se chocam nesse debate. No primeiro polo se encontram os parceiros da FIFA, empenhados em justificar a Copa do Mundo como um investimento. Entre esses parceiros, os autores destacam os seguintes: 
Uma delas são as agências estatais, nesse caso integradas pelo governo federal - cujo Ministério dos Esportes ocupa uma posição de destaque, mas não menos importante é o posicionamento de agências de fomento, como o BNDES e a Caixa Econômica Federal -, pelos governos estaduais que sediarão os jogos - doze no total - e as cidades-sede e subsedes (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 151).
Um segundo polo discursivo é representado pela mídia esportiva em sua heterogeneidade (TV's, rádios, jornais, blogs etc). Entre essa mídia a televisão, por deter os direitos de imagem do evento, é aquela onde podemos encontrar um posicionamento mais alinhado aos interesses da FIFA; salvo algumas exceções, como é o caso de concorrentes que não conseguem obter este direito. Os outros espaços midiáticos existe uma aparição maior de posicionamentos críticos a realização do evento, mas de um modo geral: 
Todavia, quase sempre elas se limitam a questões pontuais, que mais ajudam na depuração dos discursos hegemônicos do que na contestação ou, quando é o caso, na correção de empreendimentos, agilização das obras e controle dos investimentos (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 153).
Já sobre os posicionamentos mais críticos com relação ao evento, dizem os autores: 
Seria possível arrolar um grande número de cronistas que se manifestaram contrários à realização da Copa no Brasil, mas essas críticas, por vezes performaticamente virulentas, são seguidamente o resultado de disputas dentro do próprio espaço do jornalismo esportivo ou de meras tomadas de posições excêntricas e, tanto num caso quanto noutro, raramente têm algum tipo de repercussão (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 153).
O terceiro polo discursivo são as agências privadas que apoiam a FIFA, entre elas, as empresas multinacionais ou nacionais como as empreiteiras, as empresas de transporte aéreo, os setores de turismo/hotelaria etc. Os autores destacam o papel desempenhado pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) que investiu na ideia de que a realização da Copa do Mundo no Brasil, traria uma série de benefícios as micro e pequenas empresas. Por último, o quarto polo discursivo destacado pelos autores é representado pelos veículos de comunicação alternativos, figuras do meio acadêmico e movimentos sociais que contestam a realização do evento e se mostram avessos aos valores do liberalismo; então fortemente presentes na promoção de megaeventos esportivos. Sobre esse quarto polo, discutem os autores: 
Essas produções discursivas operam em duas frentes, atacando as justificativas apresentadas pelo discurso oficial ao mesmo tempo em que municiam um leque amplo e heteróclito de movimentos sociais mobilizados contra a Copa, entre os quais se destaca o Comitê Popular da Copa, articulado nacionalmente. Parte desses movimentos dá suporte a grupos implicados pelas obras da Copa - construção de estádios, ampliação de aeroportos, abertura de avenidas, reurbanização de áreas degradadas e assim por diante (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 154).
O principal argumento desses críticos giram em torno da seguinte contestação: 
Os críticos dos megaeventos alegam, de forma persuasiva e com exemplos concretos, que os gastos públicos em equipamentos esportivos são mal planejados, mal executados e acabam favorecendo grupos restritos, entre os quais se encontram as grandes empreiteiras e os próprios políticos, que recebem essa troca polpudas remessas para o financiamento de suas campanhas (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 154-155).
Os excessivos gastos realizados durante o Pan-Americano de 2007, onde o Engenhão entre o projeto e a entrega da obra custou aproximadamente 1000% a mais do previsto, são exemplos concretos mobilizados por esses críticos para mostrar que com a Copa do Mundo não será diferente. O dinheiro público investido na Copa do Mundo, caso fosse revertido para outras áreas, não mudaria radicalmente a situação do país. As cifras também se mostram reduzidas frente ao poderio econômico do Brasil, então sétima economia mundial. Tudo isso alimenta a visão dos autores de que a contestação se baseava mais em uma ótica moral do que econômica. Mas outros aspectos também despertam esses críticos, como a promessa de que a Copa do Mundo seria bancada pela iniciativa privada. Porém, a realidade de que apenas três arenas das doze construídas são de propriedade privada. Outras cinco fazem parte da parceria público-privada (PPPs) e quatro bancadas exclusivamente pelo setor público. Diante desse cenário, temos: 
Dos 7,1 bilhões previstos para serem gastos, apenas 1,1 bilhão é dinheiro privado (e ainda assim a maior parte foi contratada via financeiramente subsidiada pelo BNDES), 2,7 bilhões foram financiados pelas PPPs e 3 bilhões bancados por governos estaduais e do Distrito Federal, com ou sem o suporte do BNDES (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 158).
Além da pequena presença da iniciativa privada no que tange as construções das arenas, os críticos também levantam o debate sobre a subestimação proposital dos projetos iniciais que, remodelados no decorrer do processo, passaram a custar aos cofres públicos mais do que inicialmente foi previsto. Além do mais, "A desconfiança só aumenta quando se observa que as empresas que realizaram as obras são tradicionais prestadoras de serviços aos governos e, como dissemos, possuem longo histórico de financiamento de campanhas políticas" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 158). Por fim, outro ponto pontuado pelos críticos é a elitização do público que as construções das novas arenas proporcionou. Derrubadas as antigas gerais, o público-alvo das arenas passou a ser mais endinheirado e "comportado". Sobre essa crítica, destacam os autores: "A reconfiguração do público nos estádios privilegia estratos mais abastados, de classe média-alta e da elite, em detrimento das classes populares" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 161). 

09) A rebeldia festiva

I. O capítulo visa analisar os processos que deram impulso as Jornadas de Junho em 2013. Sobre essas manifestações, os autores chamam a atenção para o viés nacionalista, que teve o papel de mediador entre o evento esportivo e o político. O fato das manifestações terem sido realizadas durante a Copa das Confederações é um importante ponto que mostra a ligação desses protestos com o megaevento esportivo. Os objetivos do capítulo, são assim descritos pelos autores: 
As conexões investigadas neste capítulo não são as mais óbvias, tais como: a coincidência de datas, o fato de que os gastos do governo com a Copa tenham sido alvo das manifestações ou que muitas delas tenham caminhado em direção às arenas onde se realizavam os jogos. São conexões mais profundas, que procuram articular: 1) o tempo ritual de celebração da brasilidade, instaurado por ocasião das competições das quais participava o time da CBF, que representa o Brasil; 2) as implicações decorrentes de o governo brasileiro ter empenhado vultuosos recursos públicos para viabilizar a infraestrutura do megaevento esportivo; 3) e o fato de que havia, desde o princípio do ano, uma mobilização juvenil reivindicações incluíam mais transparência nos gastos e mais qualidade nos serviços públicos (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 165). 
II. Procurando entender as Jornadas de Junho, os autores apontam a existência de duas fases. Na primeira fase os protestos ficaram restritos à luta pela redução das passagens nos transportes públicos, seguindo um calendário anual de manifestações  Já a segunda fase teve como principal característica a variedade de pautas. Segundo os autores, a transição da primeira para a segunda fase ocorreu de forma abrupta, não se encaixando mecanicamente. 

Na primeira fase os protagonistas nas ruas foram jovens vinculados ao movimento estudantil e alinhados em partidos à esquerda do PT. PSOL e PSTU são citados, assim como coletivos como o Movimento Passe Livre, Levante Popular da Juventude, Comitê Popular da Copa etc. Na segunda fase, "esses coletivos foram engolfados por uma marcha multiforme que ostentava as mais variadas pautas e comportamentos, mas isso não impediu que eles continuassem atuando e até se sobressaíssem com sua identidade própria, como ocorreu com o black bloc(DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 166). As manifestações dessa primeira fase ocorreram entre as últimas semanas de março e as primeiras de abril e, por isso, não foram diretamente influenciadas pela Copa das Confederações. 

Porém, "Esses mesmos grupos retornariam às ruas em junho, mas acompanhados de muitos outros atores, com ideias e atitudes bem heterodoxas, o que gerou inúmeras dificuldades de interpretação até mesmo para os especialistas no tema" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 167)Apesar desses grupos terem perdido o controle das ruas, eles permaneceram nelas e foram protagonistas dos enfrentamentos mais violentos com as forças policiais. Após essas reflexões, os autores fazem uma descrição das manifestações ocorridas em Porto Alegre. 

III. Sem se atentar as descrições e a cronologia das manifestações em Porto Alegre, avançamos para a terceira parte deste capítulo em que Damo e Oliven, traçam análises gerais sobre os acontecimentos. O primeiro ponto é que, diferente de sociólogos como Manuel Castells, os autores não concordam com a ideia de que as manifestações eclodiram de forma espontânea. Pelo contrário, foram manifestações pensadas e incentivadas por partidos e movimentos sociais ligados à esquerda, apesar de reconhecerem que essas manifestações não tinham uma liderança centralizada. Segundo eles: 
Embora a redução das tarifas do transporte público tenha sido um disparador, e até mesmo um denominador importante em nível local e nacional, é incontestável a multiplicidade de pautas que se proliferaram já nas primeiras manifestações. Até o conceito de "anarquia organizada", usado por Evans-Pritchard (1978) para definir o sistema político Nuer, segundo ele um protótipo de sociedade sem núcleo centralizador do poder (sem Estado, portanto), parece demasiado cartesiano para dar conta da polifonia que ecoou pelas ruas e da dispersão radical da autoridade (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 173).

Outro ponto destacado pelos autores foi a mobilidade e dinamismo, apresentada pelas manifestações, que se viu com uma efetiva ocupação de ruas, praças e parques. E "De fato, as ruas tornaram-se um espaço acolhedor, em que os indivíduos se sentiam protegidos pela multidão, mas, ao mesmo tempo, um espaço desafiador, dadas as performances dos black blocs e os enfrentamentos com a polícia" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 174). Tudo isso fizeram as Jornadas de Junho desenvolverem características diferentes das vistas nas Diretas Já e no Fora Collor. No primeiro caso, por exemplo, existia uma ocupação das ruas por parte de sindicatos, movimentos sociais, partidos políticos, cidadãos variados etc., mas a aglomeração estava em volta de lideranças que monopolizavam o acesso à palavra. Em contraste, as Jornadas de Junho aglutinavam vários indivíduos sem uma liderança estabelecida. Na busca pelo entendimento dessas diferenças, várias hipóteses são criadas, entre elas: 

Pode-se pensar que se trata de uma característica trazida das redes sociais para as ruas (pois no Facebook, por exemplo, todos seguem e têm seguidores; um tipo de reciprocidade simétrica, portanto); de um modo de manifestação aberto e irrestrito (no sentido de que nas redes sociais não há limites precisos para a expressão, tanto na forma quanto no conteúdo); de que o modelo de representação atual esteja efetivamente agonizante (o que tem gerado pânico nos políticos profissionais e certa preocupação até entre intelectuais de esquerda); que o movimento não teve um tempo de maturação suficiente para atingir as formas convencionais de organização política; uma pronunciada influência anarquista (que já é marca de alguns grupos de ativistas como o Anonymous e o Massa Crítica, por exemplo); ou uma combinação em graus variados dessas hipóteses (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 175).

A partir dessas reflexões, os autores concluem que nas Jornadas de Junho possuíam lideranças, mas não existiu lideranças que monopolizassem o poder e servisse de intermediário das pautas levantadas pelos manifestantes. Outro ponto levantado foi a questão do enfrentamento com as forças policiais, chamado pelos autores de "jogo". E eles consideram os conflitos como um jogo pois o embate entre manifestantes e policiais ganharam uma conotação teatral. A violência policial é considerada por eles como apenas um lado da moeda, pois do outro estaria a provocação (ou atos de bravura) dos manifestantes que se dividiam entre setores de esquiva, provocativos e outros explicitamente de enfrentamento. Logo, a violência e o enfrentamento não são encarados pelos autores como uma ação exclusiva das forças policiais. 

IV. Nesta quarta parte do capítulo, os autores mostram a impossibilidade de separar as Jornadas de Junho e a Copa das Confederações. O auge das manifestações ocorreram dois dias antes da competição, chamando atenção da mídia internacional que estava no Brasil para cobrir o evento. Se a Copa das Confederações não pode ser encarada como fator determinante para o estouro das manifestações, muito menos podemos descartar sua relevância. As vaias a então presidenta Dilma na partida de estréia, realizada em Brasília, mostra que a indignação com o uso do dinheiro público tinha na Copa das Confederações um palco importante de expressão. 

Os símbolos da Seleção Brasileira, considerados pelos autores como laicos e representantes simbólicos de uma nação imaginada, foram adotados por manifestantes que foram às ruas no auge das Jornadas de Junho. Os símbolos do que os autores cunham de "time da CBF", representavam um pertencimento à nação ao mesmo tempo em que mostrava uma celebração festiva em forma de protesto. Os motivos que fizeram essas manifestações virarem protestos e não festa são variados, entre eles: a decepção de que teríamos no país uma Copa liderada pela iniciativa privada; assim como ficou evidente que o megaevento esportivo fazia parte de uma estratégia eleitoral do Lula. Junto a isso, as cobranças e duras críticas realizadas por movimentos sociais (como o Comitê Popular da Copa) e, principalmente, pela grande mídia, foram capazes de formar uma ampla oposição aos gastos públicos que logo se transformaria em aversão ao governo. 

V. Por fim, os autores encerram o capítulo apontando o fator individualismo, presente nas Jornadas de Junho. Cada brasileiro se viu intimado a mostrar sua indignação, mesmo que sem uma organização. Esse individualismo, em que cada um buscou expressar sua revolta, mostrou "que, para um grupo expressivo de manifestantes, a preocupação principal não fosse com as consequências de sua mobilização, mas em saber quando seria a próxima" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 184-185). A lógica do nacionalismo temporário, visto em períodos de Copas, foi transplantado para as Jornadas de Junho que desenvolveu uma sensibilidade emotiva (e crítica) com prazo de validade. 

10) Um megapaís chamado Brasil

I. Encerrando o capítulo, os autores buscam tecer reflexões gerais sobre o Brasil e a principal questão colocada é: "quando o futuro chegará e se tornará presente?". Há tempo que se produz sobre a questão da modernidade no Brasil. A busca por essa modernidade, sempre projetada para o futuro, se revigora a partir de 1930, através de diversas transformações que ocorrem no país. Durante esse processo, criamos teorias que reforçam o hibridismo e a singularidade no Brasil; visto como uma grande nação mestiça. Ao mesmo tempo somos uma sociedade marcada por grande desigualdade social e com uma das piores distribuições de renda do mundo; problemas amenizados recentemente após a subida do PT em 2003. E foi nesse cenário de redução das desigualdades que o Brasil buscou se mostrar ao mundo, através dos megaeventos esportivos. A variedade de pautas vistas nas Jornadas de Junho, mostram que a questão da cidadania no país ainda é um dilema a ser enfrentado, mesmo diante de avanços recentes. Talvez essa ânsia por mudanças seja um fator que fizeram as manifestações evoluírem da luta pela redução dos preços das passagens de ônibus para uma variedade de pautas como: necessidade de transparência dos gastos públicos, fim da corrupção, maiores investimentos a áreas como saúde e educação etc. A Copa das Confederações e a preparação para a Copa do Mundo de 2014, acabou servindo de contexto de uma problemática antiga. Mesmo buscando alcançar essa modernidade que a projete no futuro, o Brasil em sua singularidade consegue combinar aspectos modernos com práticas antigas como o trato com a coisa pública. Segundo os autores, a modernidade brasileira apresenta um caráter sincrético e os dilemas modernos de fazer as coisas com antecedência e planejamento, tiveram forte representação e repercussão por conta dos megaeventos esportivos e das consequentes Jornadas de Junho.  Diante disso, "Esses movimentos nos ensinam várias coisas, desde o uso efetivo das mídias sociais para mobilizar os jovens até novas formas de atuação política" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 201). Por fim, "As manifestações dos jovens podem significar muitas coisas; entre elas certamente se encontra a busca da construção de uma cidadania mais efetiva que se traduza no atendimento de direitos e reivindicações de um grupo que quer mais direitos e acesso a bens e serviços" (DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. Campinas-SP, 2014, p. 202)