quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

A Formação das Nações Latino-Americanas

 

  • Sobre a autora: Maria Ligia Prado é uma historiadora paulista, especializada em História da América Latina, com enfoque no século XIX. Prado graduou-se em História pela Universidade de São Paulo (USP), em 1971. Pela mesma instituição, conquistou os títulos de mestre e doutora. Atualmente é professora titular da USP, onde leciona a disciplina de História da América Independente. Entre suas obras, estão: a) O Populismo na América Latina; b) A América Latina no Século XIX: telas, tramas e textos; c) Reflexões sobre a Democracia na América Latina. 



A Formação das Nações Latino-Americanas - Maria Ligia Prado - Editora Atual



Introdução - A autora coloca nesta introdução sua perspectiva ao abordar a formação das nações latino-americanas. Segundo a mesma, existiriam duas perspectivas equivocadas. A primeira trata os países da região de forma homogênea, ou seja, considera-os parte integrante de um mesmo tronco histórico-social. Esta abordagem levaria a um desconhecimento das particularidades de cada país. Por outro lado, existiria uma perspectiva contrária que se limita a enumerar a diversidade da região, sem apontar uma linha de comunicação entre esses países. Buscando se diferenciar desses dois caminhos, Ligia Prado insiste na existência de uma particularidade histórica dentro da região, porém, visa elaborar reflexões generalizadas que busquem interligar as trajetórias dessa diversidade de países. Afinal, apesar de conterem sua especificidade, esses países estão situados na mesma região e por isso contém similaridades. Para a realização deste exercício, a autora se utiliza de uma análise comparativa entre os países analisados. Não podendo abarcar todos os países latino-americanos, a obra foca em alguns como: Colômbia e México (analisados no capítulo 2); Argentina, Chile e Paraguai (analisados no capítulo 3); Cuba e Nicarágua (analisados no capítulo 4); e o Brasil (analisado no capítulo 5). No primeiro capítulo, a autora faz um debate sobre o processo de colonização, visto na América Espanhola e Portuguesa. 

01) O sistema colonial que a independência veio destruir 

A pergunta a ser respondida pela autora é a seguinte: o que veio a independência política destruir? Seu objetivo no capítulo é analisar, brevemente, as características gerais da colonização na América Espanhola e Portuguesa. Começando pela América Espanhola, sua base era representada pela autoridade máxima do rei da Espanha, então visto nas colônias através das figuras dos vice-reis (quatro no total), dos governadores e dos corregedores. Todos esses eram os braços e as pernas do monarca em solo americano e estavam na região sob suas ordens e nomeação. Também existia a presença do Conselho das Índias e da Casa de Contratação de Sevilla, entidades que atuavam institucionalmente como desmembramentos da Coroa Espanhola. O Conselho ajudava o rei em suas funções legislativas, executivas e judiciárias sendo um órgão administrativo da coroa; já a Casa de Contratação, com sede em Sevilla e depois transferida para Cádiz, foi uma empresa monopolista estatal espanhola que tinha como função administrar os negócios da coroa no chamado "Novo Mundo". A partir de 1764, a administração colonial passou por mudanças que visaram uma maior eficiência. Com isso, foi adotado o sistema de intendências, extinguindo as figuras dos governadores e corregedores. Os novos intendentes tinham funções semelhantes aos cargos extintos, mas agora concentrados num único cargo. A ação fez a coroa espanhola centralizar mais poder em suas mãos, enfraquecendo as liberdades municipais. 

O sistema de intendências foi acompanhado de um aumento dos impostos nas colônias, mas também foram vistas flexibilizações por parte da coroa espanhola. Entre essas flexibilidades, estavam: a quebra do monopólio de Cádiz, então concentradora dos negócios envolvendo as colônias, sendo permitido que nove portos espanhóis mantivessem relações comerciais com a América; na América, o sistema de porto único foi derrubado, sendo permitido a comercialização em outros vinte; por fim, estabeleceu-se oficialmente o comércio entre colônias. Porém, 
Entretanto, o comércio com outras nações continuava interditado. Esta era uma das principais aspirações dos produtores e comerciantes criollos (filhos de espanhóis nascidos na América), que acreditavam ser o comércio livre a alavanca fundamental para o crescimento da economia, ou melhor dizendo, para o crescimento de seus lucros. Havia ainda outras proibições, como as relativas às atividades manufatureiras, sempre que estas colidissem com os interesses metropolitanos (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 8). 

Diante deste cenário, os criollos foram aqueles que se levantaram contra o sistema colonial espanhol. Eles se indignavam com o fato dos espanhóis terem privilégios nas colônias, principalmente por estes estarem nos principais postos administrativos, seja no Estado, Exército ou Igreja. Sendo assim, "Vendo a eles fechadas as portas das carreiras administrativa e política, esses setores se radicalizaram e passaram à crítica ao sistema colonial, transformando-se assim em importantes figuras do processo de emancipação" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 9). Ligia Prado ainda aponta o privilégio vivido por duas instituições: o Exército e a Igreja. Sobre os militares, ela pontua: 

Os militares possuíam um foro particular que os livrava da submissão à Justiça comum, ainda que fossem réus de crime. A esse foro militar só estavam afeitos os oficiais e suboficiais, e não a soldadesca (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 9-10).

Esses oficiais e suboficiais eram, em sua maioria, espanhóis e a soldadesca era composta majoritariamente por indivíduos nascidos na colônia; fato que evidencia bem para quem se direcionava os privilégios do sistema colonial. A Igreja Católica foi outra instituição que gozou de alto privilégio, destacando-se sobretudo por sua riqueza. Suas altas rendas eram obtidas de três formas: a) através do arrecadado de suas propriedades rurais ou urbanas, então inumeráveis; b) através de dízimos, cobrado pela Coroa sob ordem papal; c) através das chamadas capelanias e censos, sendo a primeira uma renda perpétua deixada para uma igreja (ou convento) em troca de missas e a segunda eram rendas obtidas através de propriedades da Igreja concedidas a terceiros em troca de renda anual. Explorando bem essas três vias de arrecadação, a Igreja Católica se tornou a instituição mais rica da América Espanhola, sendo consequentemente um dos elos de apoio do sistema colonial. Inclusive, a relação entre coroa e clero era vista claramente por intermédio do padroado, direito outorgado pelo papa que permitia o rei espanhol nomear bispos, arrecadar impostos (como os dízimos, citados acima) e até criar dioceses e paróquias. Assim como o Exército, a Igreja também tinha um foro especial que a diferenciava do restante da sociedade. Entretanto, a autora deixa claro a existência de cisões dentro do clero, sendo os setores mais baixos mais sensíveis a posições contestadoras e críticas. 

Por sua vez, os índios e mestiços sofriam na pele uma situação oposta. Segundo mostra Ligia Prado, os índios "Estavam isentos de pagar os dízimos à Igreja na maior parte da América espanhola, mas eram obrigados a pagar um tributo individual ao rei" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 11). Já os mestiços, chamados em várias regiões de "castas", sofreram com um enorme estigma social por sua origem "ilegítima" e foram proibidos de usarem armas, ouro, seda e até de receberem as ordens religiosas. Tanto índios quanto os mestiços, passavam por um problema semelhante: a escravidão por dívida. Essas dívidas eram contraídas facilmente, através de um pequeno empréstimo do patrão. Caso não conseguisse pagar sua dívida, não só seria escravizado, como poderia fazer os seus filhos doarem essa dívida como herança. Além de índios e mestiços, em geral trabalhadores rurais, os chamados obrajes (manufaturas) reuniam trabalhadores que eram tratados como verdadeiros prisioneiros. A América Espanhola também foi palco da escravidão negra, apesar desses estarem mais concentrados no trabalho doméstico, situação bem diferente da vista no Brasil. A mão-de-obra negra foi mais presente no Caribe, sendo um dos elos principais do comércio açucareiro na região. 

Os homens preocupados com a destruição do sistema colonial, receberam forte influências das ideias produzidas na Europa, principalmente dos franceses que tinham seus escritos presentes clandestinamente na região. Segundo Prado, os ideais desses homens eram o seguinte: 

As ideias de liberdade, de igualdade jurídica, da legitimidade da propriedade privada, da educação como remédio para os grandes males, da necessidade do império da lei, do progresso e da felicidade geral do povo estavam todas presentes nos projetos desses líderes liberais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 13-14).

Dentre esses homens, guiados pelo ideal de liberdade, a autora cita: Bolívar, San Martín, Mariano Moreno, Bernardo de Monteagudo, José Cecílio del Valle etc. Entre os anos de 1810 e 1820, esses homens lutaram contra um inimigo em comum: a Espanha e seu sistema colonial. Adiante, a autora descreve rapidamente alguns objetivos e ideias desses libertadores. Para Simón Bolívar, liberdade significava a destruição do sistema colonial espanhol e a consequente formação de nações livres que pudessem, entre outras ações, comercializar com quem tivesse interesse. Como um criollo, Bolívar buscava a liberdade econômica e independência política. Já para Jean Jacques Dessalines, líder da revolução haitiana, liberdade representava o rompimento com a França e a extinção da escravidão num país marcado pela exploração da mão-de-obra negra. Já para os líderes mexicanos Miguel Hidalgo e José María Morelos, liberdade significa a desvinculação da Espanha, mais a partilha de terra para os oprimidos. Ambos defendiam, inclusive, que as terras da Igreja fosse dividida entre os mais pobres. Apesar de tantos anseios, o que marcou o processo de independência na América Espanhola foi a lógica do "independência primeiro, reformas depois". 

Com a vitória desses processos libertadores, a América se tornava livre do jugo espanhol e os criollos tornavam-se os novos setores dominantes na região. Finamente caía o monopólio real e se abria o comércio e a economia, agora sem a intervenção metropolitana. O Estado foi reorganizado, visando os interesses dos criollos, e dentro desta nova conjuntura ações como o fim do foro especial do Exército e da Igreja e quebra do monopólio colonial foram realizadas. Em suma, a autora assim resume a vitória desses processos libertadores e o Estado que se fundava a partir de então: 

Esse Estado esteve sempre preocupado com a manutenção da ordem social; os setores mesmo divergentes das classes dirigentes sempre se aliaram, sustentando o Estado, em momentos em que a ordem instituída foi ameaçada pelos de abajo. As constantes revoltas de índios, de camponeses e de escravos contribuíram para o fechamento autoritário do Estado. Entretanto, algumas concessões foram feitas. Aboliu-se o tributo indígena e acabaram-se, ou melhor, aplainaram-se as distinções de castas. A escravidão negra foi abolida, mais cedo ou mais tarde, nos países independentes, tendo permanecido apenas (além do Brasil) nas ilhas de Cuba e Porto Rico, ainda sob o domínio espanhol (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 17-18).

Sobre a América Portuguesa, resumida ao caso brasileiro, Ligia Prado busca diferencia-la da experiência hispânica e tece uma importante comparação entre essas duas experiências que pode ser vista no seguinte trecho: 

A colonização da América portuguesa guarda características bastante particulares no contexto latino-americano. A importância da produção do açúcar nos dois primeiros séculos da colônia não se comparava à riqueza dos metais preciosos explorados em algumas regiões da América espanhola, como México e Peru. Essa diferença substancial marcou muito fortemente, desde cedo, as formas assumidas pelas duas colonizações. Ao lado disso, na América espanhola a presença vigorosa das culturas pré-colombianas exigira um empenho e um rigor na conquista e na evangelização inteiramente desconhecidos no Brasil. A Coroa espanhola, deve-se acrescentar, era ainda mais poderosa e mais rica que a de Portugal. A organização institucional de Portugal se exerceu em moldes menos rígidos que os conhecidos na América espanhola. Do ponto de vista administrativo, havia uma centralização excessiva em Lisboa de todas as decisões sobre a colônia, com uma estrutura burocrática rígida, mas um tanto ineficiente (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 18).

O sistema colonial português, assim como o espanhol, desenvolveu uma forte política movida a monopólios e privilégios durante todo o período colonial. A diferença entre as duas experiências seria, segundo a autora, uma maleabilidade no caso português. O poder local, visto através dos latifundiários, era exercido através do Senado da Câmara que tinha sede nas vilas e cidades da colônia. Diferente dos hispânicos, a propriedade da terra garantia acesso a privilégios e riquezas, sendo um pré-requisito para a participação da política local. Os chamados "homens bons", eram os dominadores na política local. Sobre a relação com a Igreja, ela teve uma expressão menor em comparação a América Espanhola. Era uma instituição menos rica, apesar do padroado também existir. Também diferente do caso hispânico, o clero manteve uma relação íntima com os latifundiários locais, sendo comum o filho mais novo desse proprietário ser posto para a carreira eclesiástica. E seguindo o caso espanhol, o Exército na América Espanhola beneficiava os "bens nascidos".

Também seguindo os espanhóis, a Coroa Portuguesa foi protagonista de algumas reformas que visaram uma maior eficiência da máquina colonial. Entretanto, as manufaturas permaneciam sob rígido monopólio metropolitano. A manutenção desse e outros privilégios, fizeram os colonos se rebelarem contra o sistema colonial português, acusado de corrupto e ineficiente. Esses colonos reivindicavam pautas como: comércio livre, fim dos privilégios para os nascidos em Portugal, diminuição de impostos etc. A vinda da família real portuguesa foi um marco no processo de independência do Brasil, pois representou a abertura da então colônia (depois transformada em Reino Unido de Portugal e Algarves) para o comércio exterior, em particular, a Inglaterra. A abertura do comércio para os ingleses representava o fim do pacto colonial. Inicialmente, os colonos locais não desejavam uma ruptura abrupta de Portugal, desejando uma monarquia dual que concedesse direitos como a liberdade de comércio. Mas com a intenção portuguesa de recolonização, os setores locais se unificaram em torno da independência que conquistaram em 1822. A independência brasileira colocou no poder D. Pedro I, o sucessor do trono português, mostrando que o processo rompeu timidamente com o sistema colonial. Apesar da conquistada liberdade comercial alcançada, três pilares construídos durante o período colonial foram mantidos, foram eles: a escravidão, o poder dos proprietários de terras e o regime monárquico. 

02) A Igreja e o Estado Nacional 

Neste segundo capítulo, a autora debate a formação dos Estados mexicano e colombiano, onde a divisão ficou marcada entre conservadores (apoiados pela Igreja) e liberais (defensores da independência). Mas quem eram esses dois atores políticos? Eles tiveram extrema importância no século XIX e foram protagonistas nas disputas que acarretaram nos processos de independência da América Espanhola. Os conservadores se caracterizavam como aqueles que, em aliança com o clero e o Exército, defendiam o sistema colonial e suas estruturas como o foro especial e a política orientada pela fé. Defendiam a monarquia como regime política ideal, unindo desta forma Estado e Igreja. Eram a favor de uma educação religiosa e, consequentemente, contrários a ideia de um Estado laico. Enquanto que os liberais foram aqueles que defenderam arduamente o Estado laico e a consequente separação entre Estado e Igreja, assim como defendiam o fim do foro especial. O clero basicamente era o responsável pela divisão dessas duas forças políticas. 

Começando pelo México, a autora analisa a situação do país após seu processo de independência. Os mexicanos viviam uma forte crise econômica, com a agricultura passando por um processo de estagnação. Existia também a ausência de infraestrutura, como estradas e ferrovias, que possibilitassem o escoamento das mercadorias com facilidade. Enfim, o país vivia um período conturbado, causado pela transição de colônia para nação independente. O projeto conservador, capitaneado pela força da rica e poderosa Igreja, defendia a construção de uma monarquia forte e coesa. Lucas Alamán foi o principal ideólogo do conservadorismo mexicano da época. Já José Luis Mora foi o principal ideólogo do liberalismo mexicano. As disputas entre esses dois atores políticos duraram cerca de 50 anos no México, tendo os conservadores a hegemonia política inicial, apenas afetada em 1854 coma Revolução de Ayutla; responsável por colocar os liberais no poder. Sobre esta revolução, diz a autora: 

Ayutla abriu um período de reformas para o México. Em 1855, a Lei Juárez aboliu os foros militares e eclesiásticos; em 1856, pela Lei Lerdo, os bens da Igreja eram desamortizados (desamortizar é sujeitar ao direito comum os bens de mão-morta, que são bens inalienáveis, isto é, intransferíveis), acontecendo o mesmo com as terras das comunidades indígenas. Em 1857, jurava-se uma nova Constituição vigente até 1917 (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 26).

A Constituição de 1857 tornava o México um Estado federativo e guiado por três poderes (executivo, legislativo e o judiciário). Foi um texto constitucional que garantiu as ideias liberais, como o direito a propriedade privada. Após seu estabelecimento, as disputas entre liberais e conservadores desembocaram numa guerra civil, onde os últimos tomaram o poder através de Maximiliano, imperador austríaco. Com o acirramento da oposição liberal, Maximiliano foi deposto e fuzilado, sob ordens de Benito Juárez. Nesta época de guerra civil, as relações entre a Igreja e os liberais se atenuaram, pois os últimos nacionalizaram os bens eclesiásticos sem indenização, como uma resposta ao envolvimento do clero na reação conservadora. Com a derrota dos conservadores, os liberais intensificaram seu projeto que foi visto através do desenvolvimento da propriedade individual onde, na prática, incentivou o desenvolvimento do latifúndio já que "essas reformas foram alvissareiras para os grandes proprietários, que puderam comprar as terras camponesas a preço vil e ainda passaram a dispor de mão-de-obra, agora "livre" dos meios de subsistência e apta a lhes vender sua força de trabalho"  (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 28). 

Em meio a guerra civil entre conservadores e liberais, o México ainda foi palco de rebeliões populares (como a Revolução Mexicana de 1910) e conflitos contra outros países (como os EUA e a França, durante a passagem de Maximiliano no país). A estabilidade política e o crescimento econômico só chegaria no país através do governo de Porfirio Díaz, importante liberal responsável pela derrota de Maximiliano e da reação conservadora. Díaz estabeleceu no país um regime ditatorial que encerrou os conflitos internos e proporcionou a consolidação do Estado mexicano. Seu governo durou até a já citada Revolução de 1910, responsável pela Constituição de 1917. No mais, o projeto vencedor no México foi o liberal que acabou consolidando a subjugação da Igreja ao Estado. As reformas feitas pelos liberais foram essenciais para o desenvolvimento do capitalismo no México, organizando o mercado de trabalho. Tudo isso foi feito com vários custos, entre eles a desapropriação do camponês índio de suas terras comunais, transformando a terra em propriedade individual e consequentemente, em mercadoria.

Durante o predomínio da ditadura de Porfirio Díaz, o positivismo ganhou bastante relevância no México, sendo suas ideias introduzidas na construção do Estado nacional. Em suma, "A vitória dos liberais pedia uma ideologia que garantisse a ordem social sempre ameaçada pelos de abajo e ao mesmo tempo justificasse e sustentasse a ditadura porfiriana. Essas ideias também deveriam dar espaço à existência do anticlericalismo e indicar o lugar subalterno da Igreja, vista diante do Estado como uma instituição do passado"  (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 31). O governo de Díaz, desta forma, consolidou à vitória do projeto dos liberais. 

A Colômbia seguiu um caminho inverso. Os colombianos tiveram sua independência consolidada em 1819, sendo formada a chamada República Gran Colômbia. Após isso, houve o desmembramento desta república e a constituição de três países diferentes: a Colômbia, a Venezuela e o Equador. Tendo os comerciantes criollos como protagonistas do processo de independência, a Colômbia manteve a escravidão em suas primeiras Constituições e, além do mais, buscou de imediato desestruturar as terras indígenas com o intuito em atender as demandas dos grandes proprietários de terras. Esses novos dominadores, passaram a ocupar os mais altos cargos administrativos do Estado colombiano e desenvolveram uma forte centralização no Poder Executivo. Desta maneira, "A Constituição restringia a cidadania, a nacionalidade e o sufrágio, exigindo que certas funções, como a de presidente da República ou a de senador, fossem preenchidas por homens que tivessem certo nível de renda"  (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 33). Neste cenário, os conservadores (ligados ao grandes proprietários de terras escravagistas, pela Igreja, pelo Exército e por altos burocratas) defendiam os interesses do clero e a permanência da escravidão. Já os liberais tinham em suas propostas a separação entre Estado e Igreja, a abolição da escravidão, liberdade de pensamento, redução do poder do Executivo, fim do foro especial etc. Assim como no caso mexicano, eram propostas políticas que não se comunicavam e que tinham na Igreja seu elo divisor. 

Em 1849, através de José Hilario López, os liberais colombianos chegam ao poder e colocam em prática uma série de medidas. Entre essas medidas: diversificação das exportações, proporcionando desenvolvimento econômico; descentralização das rendas públicas, afetando diretamente na força exercida pelo Poder Executivo; expulsão dos jesuítas, afetando os interesses da Igreja; e, por fim, a abolição da escravidão que contrariava os proprietários de terras. López também foi responsável pela separação entre Estado e Igreja, tornando laico o Estado colombiano em 1853. Todas essas medidas foram respondidas pelos conservadores que, liderados pela Igreja, buscava lutar contra o fim de seus privilégios. O exemplo citado pelos conservadores, como Miguel Antonio Caro, era o Equador que em 1869 promulgou uma Constituição que colocava como cidadão apenas os declarados católicos. As medidas liberais iniciadas por López, foram mantidas pelo governo de Tomás Cipriano Mosquera que desamortizou os bens da Igreja. Em suma, 

O liberalismo desse período representava os interesses básicos da burguesia comercial, e assim as medidas implantadas propunham uma liberalização do comércio, sobretudo o internacional, e a organização de um Estado laico que pusesse em prática a inserção da economia colombiana no âmbito internacional (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 36).

O Estado liberal começou a entrar em crise a partir da década de 1870, por conta de uma grave crise econômica causada a decadência da produção do tabaco; um dos principais produtos de exportação. A estagnação econômica levou o país a uma guerra civil, onde os conservadores saíram vitoriosos, através do projeto chamado de Regeneração. Liderado pelos fazendeiros de café, em aliança com o clero, este novo projeto visava uma centralização política que garantisse uma infraestrutura de exportação. O governo Rafael Nuñéz, foi responsável pelo retorno do catolicismo como religião oficial, assim como devolvia a Igreja os bens nacionalizados que estavam sob propriedade estatal; perdoando os bens adquiridos por indivíduos. A religião voltava a invadir a educação, retornando inclusive as universidades. Diante deste cenário, Ligia Prado assim resume a formação do Estado colombiano, que contou com a vitória política dos setores conservadores: 

De forma muito diferente da ocorrida no México, na Colômbia as ideias positivistas pouco penetraram. Ideologicamente, a Igreja foi a vencedora e em nome dela propunham-se o progresso material e o advento da "civilização e das luzes". As classes proprietárias viram na Igreja conservadora a única força ideológica capaz de manter a ordem social. É importante frisar que até hoje a influência da Igreja na Colômbia é extraordinária e que ela se destaca, no quadro das Igrejas da América Latina, como uma das mais conservadoras e tradicionais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 37).

03) O caudilhismo e o Estado Nacional 

O vice-reinado do Rio da Prata continha uma heterogeneidade e complexidade que resultou em processos políticos específicos. A região abarcava o que conhecemos hoje como Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e norte do Chile. A Argentina se dividia, basicamente, em três polos: Buenos Aires; região a margem do Rio Paraná como Santa Fé e Corrientes; e o interior,  como Córdoba, Tucumán etc. O Uruguai, sofreu com as ambições territoriais de Brasil e Argentina. Neste capítulo, Ligia Prado foca na formação dos Estados nacionais na Argentina, Chile e Paraguai. 

A Argentina foi marcada pelo fenômeno do caudilhismo. Após conquistar sua independência sob forte atuação de Buenos Aires, o país viveu uma fragmentação representada pelo conflito entre as três regiões que descrevi acima. Buenos Aires se interessava pela construção de um Estado liberal, com três poderes e com um sistema representativo. Porém, defendia uma centralização focada na cidade, o que contrariava os interesses das outras regiões e desenvolvia uma disputa regionalista no país que perdurou décadas. Após a independência conquistada em 1816, sob liderança de San Martín, a Argentina organizou uma Constituição em 1819 que alicerçava o poder de Buenos Aires. Mas já em 1820, a cidade foi deposta do poder por caudilhos do litoral, vigorando no país uma forte autonomia das províncias. Apesar da rápida tentativa de unificação pelo governo Bernardino Rivadavia, a Argentina retrocedeu e teve como característica o poder autônomo de suas províncias, desconhecendo um Estado organizado e alicerçado com bases nacionais. Esse poder provinciano, permitiu o poderio dos caudilhos que são assim conceituados pela autora: 

Ainda que muitas vezes fosse um grande fazendeiro, o caudilho confundia-se, pela sua vida rude e pelas qualidades pessoais de coragem e destreza, com seus seguidores, aos quais, no entanto, tratava com indiscutível autoridade. Os caudilhos representavam sempre interesses regionais; portanto, eram, em sua grande maioria, ardorosos defensores do federalismo como forma de organização política. As ideias liberais, ao lado de uma postura mais urbanizada e ilustrada, passaram a ser sinônimos de estrangeirismo e exótica imposição. Os caudilhos tinham apoio popular, como mostra a composição das tropas irregulares conhecidas como montoneras (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 41).

Neste período de predomínio dos caudilhos, um deles se destacou: tratou-se de Juan Manoel de Rosas que conseguiu dividir o cenário político argentino entre rosistas e anti-rosistas. Após várias disputas entre caudilhos, entre eles José Maria Paz (representante das províncias do interior e que seria derrotado em 1831), Estanislao López (representante de Santa Fé, aliado de Rosas e morto em 1838) e Juan Facundo Quiroga (representante de La Rioja e assassinado em 1835), Rosas conseguiu o controle do país. O poder sob Rosas era exercido de forma autoritária, sem Constituição, leis estabelecidas e em nome dos interesses de Buenos Aires. A política externa da Argentina foi delegada por todas as províncias a Rosas, tornando-se este um caudilho com poderes excepcionais. Sua política era baseada em pactos políticos, sem construção de uma Constituição. O período Rosas foi marcado por uma brutal repressão aos adversários políticos, muitos enviados para o exílio. E foi no exílio que se construíram as figuras que iriam derrubá-lo, entre elas, Domingo Faustino Sarmiento. 

Crítico do caudilhismo rural, Sarmiento colocava em Rosas a responsabilidade sob o atraso em que vivia a Argentina, colocando como necessária sua derrubada. Sarmiento era um liberal que desejava colocar a Argentina sob os trilhos da civilização, se impondo ao caudilhismo rural e antiliberal. Região pouco valorizada pela Coroa Espanhola, a Argentina foi marcada pela pouca força da Igreja na região, tornando-a um ator político secundário. Porém, por conta de suas ideias liberais, Sarmiento recebeu oposição do clero que passou a defender os interesses dos caudilhos. Rosas e Sarmiento acabaram desenvolvendo uma luta política que divide até hoje os políticos argentinos, sendo o primeiro reivindicado por setores nacionalistas e o segundo por setores liberais. O fato é que Rosas foi derrubado após uma árdua luta armada que envolveu o governador de Entre Ríos, o caudilho do Partido Blanco do Uruguai e até o Brasil. Desta forma, "os vitoriosos propuseram a formação de um Estado nacional com elementos de unidade e elementos de federação" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 45). 

Apesar da derrota de Rosas, a unidade foi afetada, pois Buenos Aires decidiu se separar das demais províncias. A Constituição aprovada à revelia de Buenos Aires, tornava a Argentina um Estado liberal, republicano e federal com um projeto nacional anti-rosista. Buenos Aires só se vincula ao restante do país em 1860, após longos e complexos conflitos. A unificação total do país só seria de fato consolidada após Bartolomé Mitre, político de Buenos Aires, vencer as eleições presidenciais, fato que ocorreu em 1862. Mitre foi responsável pela transformação de Buenos Aires em capital federal do país. Após uma grave crise econômica, decorrente dos anos de conflitos internos, a Argentina só viria viver sua prosperidade econômica nos anos de 1880 "quando a produção do trigo e posteriormente a criação de gado para exportação da carne transformaram a Argentina - que então recebia enormes contingentes de imigrantes - num país rico e próspero (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 47). Enfim, assim a autora encerra a análise sobre o caso argentino: 

Concluindo, pode-se dizer que os anos que vão das lutas pela independência à consolidação do Estado, na década de 1860, foram tempos de submissão total ao caudilhismo localista e eleição de certos interesses econômicos - os da agropecuária - como sendo os interesses nacionais. Foram esses segmentos das classes proprietárias que se apossaram do aparelho do Estado para pôr em prática o projeto econômico-social a eles mais conveniente. A Argentina da prosperidade econômica era a Argentina dos pampas úmidos de Buenos Aires e do litoral cerealista (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 47).

Diferente da Argentina, o Chile construiu seu Estado Nacional com mais tranquilidade e estabilidade. Os motivos desta estabilidade são, basicamente, dois. O primeiro é creditado a situação geográfica do Chile, um país pequeno e espremido pelo oceano pacífico e as cordilheiras dos Andes. Mas além da geografia favorável, os chilenos também tiveram a seu favor uma "uniformidade dos interesses econômicos e a eficácia na subordinação dos dominados" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 48). A subordinação dos dominados foi conquistada graças a aliança estável, desde o século XVIII, entre grandes proprietários de terras e comerciantes. Na economia, o predomínio no período colonial foi a produção do trigo, sendo mantida essa hegemonia até depois da independência do país. Porém, lentamente, o eixo econômico do Chile foi se transferindo do trigo para a mineração que acabaria se tornando a principal atividade do país. 

O processo de independência chileno foi conquistado sob liderança de Bernardo O'Higgins, com ajuda do exército de San Martín, e teve menos transtornos que o visto na Argentina. Apesar disso, também existiu no país disputa entre liberais e conservadores, com vitória inicial dos últimos. A hegemonia conservadora, sob liderança de Manuel Prieto e Diego Portales, durou até os anos de 1860 e foi responsável pela construção do Estado Nacional chileno. Sobre o projeto conservador vencedor, pontua a autora: 

Sua proposição de um Estado unitário, centralizado, com poderes excepcionais do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário, consagrou-se na Constituição aprovada em 1833. Além disso, pela Constituição, o Executivo tinha direito de decretar o estado de sítio, constituir conselhos permanentes de guerra ou tomar medidas energéticas contra os opositores políticos, no caso, os liberais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 49).

O Estado centralizado do Chile, recebeu os exilados políticos argentinos, como Sarmiento, sendo considero referência para os políticos anti-rosistas que desejam o fim do domínio caudilho. Entre as ações realizadas pelos conservadores na área econômica, tivemos: "Ao lado da prosperidade da agricultura (centralizada no trigo, principalmente), houve estímulo à produção mineira e às manufaturas têxteis, além da construção de estradas de ferro, abertura de caminhos e uma efetiva proteção à frota mercante" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 49). A forte centralização e autoritarismo do Estado conservador, foi motivo de uma ferrenha oposição liberal, representada pelos setores médios da sociedade chilena, os novos proprietários mineiros que buscavam protagonismo frente à agricultura e os manufatureiros que também faziam frente os proprietários de terras. A vitória liberal foi alcançada sem movimentos golpistas ou violentos, sendo uma passagem pacífica e legal. Sobre a vitória dos liberais e suas ações, pontua Maria Ligia: 

Nesse período deu-se uma virada no eixo mais dinâmico da economia chilena, que passou da agricultura para a mineração. A Guerra do Pacífico, entre o Chile e a aliança Peru-Bolívia (1879-1883), consolidou o domínio da produção mineira, já que com a guerra o Peru perdeu para o Chile suas ricas terras salitreiras (e a Bolívia ficou sem saída para o mar). A economia do país passou a girar em torno da exploração do carvão, do salitre e, posteriormente, do cobre; os capitais nacionais, que haviam sido pioneiros nesses investimentos, começaram então a ser suplantados por capitais estrangeiros, ingleses num primeiro momento e norte-americanos em seguida (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 50). 

No mais, a autora assim encerra sua análise sobre a formação do Estado Nacional chileno: 

Concluindo, o que caracterizou a formação do Estado Nacional chileno foi a ausência do caudilhismo e a precoce organização de um Estado forte e centralizado, que traduzia exatamente a uniformidade dos interesses econômico-sociais dominantes. Sua articulação com os centros econômicos mundiais levou os anos 80 a um embate entre interesses nacionais anteriormente consolidados e interesses internacionais (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 51).

Por fim, Maria Ligia analisa a formação do Estado paraguaio. Durante o período colonial, o Paraguai foi uma área secundária na visão dos espanhóis colonizadores e, com isso, teve sua organização social dominada basicamente pelos jesuítas. Os jesuítas comandavam as chamadas reduções, áreas onde os trabalhadores paraguaios (de origem indígena em sua maioria) colhiam erva-mate, principal produto da região. Esses religiosos dominavam a economia local e, consequentemente, também exerciam forte influência ideológica exercida com base numa férrea disciplina que proporcionou uma considerável prosperidade econômica na região. Porém, os jesuítas foram expulsos de toda a América Espanhola em 1767, após atritos com a Coroa e as suas terras passaram para as mãos do Estado espanhol. Mas em 1811, o Paraguai acompanhava os acontecimentos vistos no Vice-Reinado do Rio da Prata e declarava sua independência do jugo espanhol. 

O líder do país passava a ser Gaspar Rodríguez de Francia, contrário a aproximação com Buenos Aires. A primeira ação de Francia no poder foi isolar o Paraguai, demarcando bem suas diferenças com os argentinos. Ele exerceu o poder de forma autoritária e centralizada, com base no Consulado francês. Em 1814 Francia foi declarado ditador e, dois anos depois, Perpétuo. Desta forma, ele exerceu o poder de forma centralizada, sem uma Constituição, sem divisão dos poderes e com base exclusivamente na sua figura pessoal. Desta forma, "Em 1815, Francia nacionalizou os bens da Igreja; em 1824, suprimiu as comunidades religiosas, confiscando-lhes os bens, que passaram para o domínio do Estado. Em 1830, decretou o fim dos dízimos eclesiásticos" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 53). Além da política, Francia também centralizada a economia do país. Criou as estâncias da pátria, terras estatais arrendadas aos camponeses, e estabeleceu uma sólida aliança com o Exército; principal instituição do seu governo. 

Após o falecimento de Francia, Carlos Antonio López assumiu o Paraguai e procurou introduzir medidas modernizadoras, buscando resolver antigos problemas com os países vizinhos. Com a morte de Antonio López, assumiu seu filho, Francisco Solano López, que buscou dar continuidade à política do seu pai. Por conta de seu alto poderio militar, o Paraguai representou uma ameaça para seus vizinhos, fazendo a Argentina de Mitre declarar guerra ao país com o intuito de garantir a segurança do território argentino. O Brasil, que também acumulava atritos com os paraguaios por conta da navegação dos rios Paraná e Paraguai, resolveu entrar no conflito ao lado dos argentinos. O Uruguai também entrou no conflito contra os paraguaios, formando a Tríplice Aliança. Além desses três países, a Inglaterra participou do embate como financiadora. Desta forma, o Paraguai teve que enfrentar as forças militares de três países, mais o financiamento de uma potência européia. Estava assim formada os fatores que levariam a Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870, e que foi o conflito bélico mais destrutivo visto na América Latina. O Paraguai foi destroçado, tendo no final sua população resumida por mulheres, idosos e crianças. Como resumo do caso paraguaio, mostra a autora: 

O Estado paraguaio, organizado de forma autoritária e centralizado na figura do ditador, traduzia, de um lado, a ausência de uma classe proprietária poderosa, que poderia ter imposto uma direção diversa ao processo político do país; e, de outro, reagia de forma defensiva a seus vizinhos, especialmente Buenos Aires [...] O fato de a Coroa e depois o Estado paraguaio possuírem terras em grande quantidade resultou na configuração de um poder extraordinário, que, entretanto, se desmoronou diante da força militar superior dos inimigos externos (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 56).

04) O imperialismo e o Estado Nacional

Neste quarto capítulo, a autora trabalha com a formação dos Estados Nacionais em Cuba e na Nicarágua; países afetados diretamente pela ingerência imperialista. Por conta desta ingerência, Ligia Prado afirma que é um equívoco tratar o imperialismo como uma força poderosa externa que tudo domina. Caso tudo conseguisse dominar, não teríamos nesses dois países analisados a experiência de revoluções (não analisadas no capítulo) de natureza anti-imperialista. Essas duas revoluções mostram, com clareza, que a ingerência imperialista na região não é aceita de modo passivo pelos agentes políticos locais. 

Mas analisando o caso cubano, a autora mostra que o país foi um dos últimos a se libertar da dominação espanhola, juntamente com Porto Rico. Os cubanos chegaram a organizar um processo de independência em 1868, mas este foi fracassado, graças a não adesão dos grandes proprietários de terras ao movimento. Motivo: a independência ameaçava a existência da escravidão, de quem esses proprietários se beneficiavam, numa região dominada economicamente pela produção do açúcar. Porém, a abolição da escravidão em Cuba foi conquistada na década de 1880, apesar da contrariedade desses setores. Desta forma, nada mais impedia o processo de independência no país que finalmente estourou em 1895, sob liderança de José Martí. Crítico da dominação espanhola e também norte-americana em Cuba, Martí morreu antes do início da luta armada que levou Cuba à independência política da Espanha. Os EUA participaram ativamente desta luta, contrários aos espanhóis. Mas os norte-americanos não participaram do processo de independência cubano à toa, como bem demonstra Maria Ligia no seguinte trecho: 

Os Estados Unidos tinham em Cuba, desde o começo do século XIX, grandes interesses em termos do comércio do açúcar. Esses interesses aumentaram com o correr do século XIX, surgindo investimentos diretos também na esfera da produção, com a compra de terras e a montagem de usinas. Até a revolução socialista, os Estados Unidos foram o principal mercado consumidor desse produto (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 59).

Finalizado o processo de independência cubano, desenvolveu-se no país uma corrente que passou a defender a anexação do novo país aos EUA. Essa corrente foi duramente criticada por liberais cubanos, como José Antonio Saco. E mais, existia nos EUA uma corrente que defendia o mesmo em nome do chamado "Destino Manifesto". Cuba não foi anexada oficialmente aos EUA, porém, na Constituição cubana foi colocada a Emenda Platt que "votada e aprovada pelo Congresso cubano em 1901, que no parágrafo terceiro consagrava o princípio da intervenção legal do governo dos Estados Unidos nos assuntos internos de Cuba" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 61). Além da Emenda Platt, os EUA solidificaram seu domínio na ilha caribenha através do Tratado de Arrendamento de Bases Navais e Militares, assinado em 1903. No mesmo ano, também foi assinado o Tratado de Reciprocidade, "pelo qual os Estados Unidos impuseram tarifas preferenciais a seus produtos no mercado cubano, vencendo assim a concorrência alemã, em contrapartida à preferência dada a alguns poucos produtos cubanos no mercado norte-americano" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 61). Nesse mesmo período, o inglês tornou-se língua obrigatória nas escolas cubanas, assim como o estudo da história dos EUA. O dólar se tornou moeda corrente no país caribenho que só criaria sua moeda nacional em 1915. 

No século XX, os investimentos norte-americanos em Cuba aumentaram, ganhando seu ápice nos anos de 1920. Segundo Maria Ligia: 

Em 1930, quando os investimentos norte-americanos estavam de modo geral suplantando os ingleses, Cuba concentrava os valores mais altos desses capitais. Nesse ano os Estados Unidos investiram 644 milhões de dólares no Brasil, 709 milhões no México, 807 milhões na Argentina e 1 bilhão e 66 milhões em Cuba (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 62-3).

Apesar de todo esse aparato norte-americano na ilha, Cuba conseguiu desenvolver uma atuante oposição, engajada em movimentos sociais e que se colocaram contrários aos governos instituídos. A futura Revolução Cubana, em 1959, é a prova de que os países que sofrem ingerências imperialistas não assimilam passivamente este processo de dominação e criam suas redes de resistência.  

Sobre o caso nicaraguense, a autora deixa claro que a América Central é bastante diversa e os processos de independência na região não aconteceram de forma unificada. Região pobre, acabou recebendo pouca atenção da Coroa Espanhola que não conseguiu tornar a América Central um todo unificado e integrado. A Nicarágua acabou se diferenciando de vários países da região por conta de sua localidade geográfica que permitia a construção de um canal, ligando os oceanos Atlântico ao Pacífico. Diante da independência, conquistada em 1821, este era a situação do Estado Nacional nicaraguense: 

Um Estado débil, mal-estruturado, sem um exército organizado e que traduzia a ausência de projetos político-ideológicos sustentados por uma classe ou uma fração de classe nacional. Essa fraqueza do Estado espelhava, na realidade, a fragilidade da economia nicaraguense, alicerçada em uma tradicional produção de anil e na criação de gado para o mercado regional bastante restrito (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 65).

Após um longo período de domínio conservador, os liberais chegaram ao poder na Nicarágua, através de José Santos Zelaya; responsável pela introdução do país na então modernizadora cultura do café. Zelaya "pôs em prática uma série de medidas liberais, como a desamortização das terras eclesiásticas e a desarticulação da propriedade comunal indígena" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 65). Ele também foi responsável pela abertura de estradas de ferro, abertura de portos sendo responsável pela formação da infra-estrutura da economia nicaraguense. Por ser crítico as intervenções inglesas no país, Zelaya foi minado e deposto por intermédio de um golpe conservador em 1909, com apoio de ingleses (principais consumidores do café nicaraguense) e norte-americanos. Com a queda de Zelaya, os EUA introduziu seus interesses sobre a Nicarágua. Segundo a autora: 

Ao lado do setor cafeeiro, que Santos Zelaya representava, encontrava-se um setor mais tradicional, o dos criadores de gado. Os interesses dos cafeicultores não foram suficientemente fortes para imporem-se nacionalmente como os dominantes. Essa falta de unidade num conjunto já muito débil possibilitou a penetração aberta e direta do domínio norte-americano (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 66).

A intervenção norte-americana na Nicarágua foi direta com direito a presença militar no país centro-americano. As tropas norte-americanas permaneceram no país entre 1912 a 1933, acumulado a um controle direto dos EUA das alfândegas, do Banco Nacional, das estradas de ferro e das linhas de vapores do governo nicaraguense. O desembarque das forças militares dos EUA, também fez a Nicarágua assinar um tratado que permitia os norte-americanos construírem no país um canal. Mas a dominação ianque gerou revolta no país e essa revolta foi unificada em torno Augusto César Sandino. O Sandinismo foi responsável pela construção de um guerrilha, contrária as intervenções estrangeiras no país. Assim, 

Da mesma forma que Cuba, a Nicarágua sofreu ingerência direta dos Estados Unidos. A rebeldia contra essa ingerência indevida esteve sempre presente na história nicaraguense, com Zeledón em 1912, Sandino em 1928, a Frente Sandinista a partir de 1961 [...] A oposição aos interesses norte-americanos passava fundamentalmente por uma oposição interna a certos setores dominantes. A derrubada de Somoza, liderada pelas classes populares, representou a derrubada de interesses externos e internos convergentes (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 67).

05) O regime monárquico e o Estado Nacional 

Por último, Maria Ligia debate o caso brasileiro em particular neste capítulo final. Como já foi pontuado no primeiro capítulo, o Brasil alcançou sua independência mantendo pilares construídos durante o período colonial. Institucionalmente falando, a Constituição de 1824, garantiu oficialmente a permanência de privilégios, vistos através da permanência da escravidão e a garantia da grande propriedade. Além do mais, a Constituição de 1824 foi extremamente autoritária e centralizadora, criando um quarto poder (o Moderador) que, basicamente, garantia poderes amplos ao monarca. O Senado era vitalício e o voto censitário, completando a lista de privilégios intocados. Sobre este quarto poder: "O Poder Moderador conferia ao imperador poderes excepcionais, como o de dissolver a Câmara, nomear e demitir ministros, suspender magistrados, e constituía para seus adeptos "a chave de toda organização política"" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 68-9). 

O Período Regencial, vivenciado a partir de 1831, deu esperanças de aberturas liberais no país. O Conselho de Estado, criado por D. Pedro I, foi extinguido e as Assembleias Provinciais ganharam mais autonomia e relevância política. Porém, foi um período marcado por conflitos sociais. Entre eles: a Cabanagem, no Pará; a Sabinada, na Bahia; e a Balaiada, no Maranhão. Além dessas, ocorreu uma revolta mais grave para os interesses dominantes: a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, que durou longos 10 anos. Essas revoltas mostravam o descontentamento com o Império e a resposta para isso foi o chamado Golpe da Maioridade, que adiantou a posse de D. Pedro II, então com apenas 15 anos de idade. Sobre o Segundo Reinado, pontua a autora: 

O Estado que se consolidava com o novo imperador fazia uso, através de reformas político-administrativas (1841-1842), dos velhos meios para impor autoridade. Voltava o Conselho de Estado, fortalecia-se o Poder Moderador, reforçava-se o Exército. A representação política permanecia elitista e censitária e a conciliação dos dominantes tornava segura a exploração dos dominados. Salvava-se a unidade territorial, sustentava-se a escravidão como instituição e garantia-se a propriedade da terra nas mãos dos grandes fazendeiros, com a Lei de Terras de 1850 (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 71).

Na prática, o Segundo Reinado tornou-se uma continuação do Primeiro, mantendo sua natureza centralizadora e autoritária que se reproduzia através do enfraquecimento da autonomia das províncias e fortalecimento do Poder Moderador.  Assim como nos países hispânicos, a oposição entre conservadores e liberais, também foi vista no Brasil. Porém, esses dois atores políticos tiveram suas peculiaridades no país, começando pela Igreja que, diferente do caso hispânico, não representou um marco divisor consolidado entre esses dois blocos. Pelo contrário, o clero em diversas ocasiões estiveram aliados aos liberais, situação incomum nos nossos vizinhos. E isso ocorreu porque, "a Igreja do Brasil, tanto na colônia como, depois, no Império, esteve firmemente subordinada ao Estado. Assim, não se podem alinhar tão marcadamente e definir posições liberais ou conservadoras tomando a Igreja como parâmetro" (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 72). 

Durante o Primeiro Reinado, os liberais lutavam principalmente pela redução do poder absoluto do imperador. Desejavam uma maior participação do Poder Legislativo e das províncias. O exército, por exemplo, deveria estar subordinado ao Legislativo e não ao imperador. Outras críticas reproduzidas eram: os privilégios concedidos aos portugueses, a falta de liberdade de pensamento e a consequente perseguição aos opositores. Também se posicionaram contra o Senado vitalício, o Conselho de Estado e ao fortalecimento do Poder Moderador. Porém, com o tempo, os liberais passaram a adotar medidas cada vez mais conservadoras sendo, em sua maioria, defensores da monarquia constitucional como regime político. Por que essa defesa dos liberais a monarquia? Explica Ligia Prado: 

A unidade territorial aparecia como uma extraordinária conquista, que precisava ser preservada a qualquer preço. Em nome dela, muitas concessões ao conservadorismo foram feitas. O exemplo republicano da América espanhola, com o caudilhismo e a fragmentação, atemorizava não apenas os proprietários rurais, mas também os setores urbanos liberais, mais intelectualizados. Unidade e monarquia vinham juntas; para salvar uma, era preciso sustentar a outra (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 73).

As revoltas durante o período regencial, ampliaram ainda mais o movimento dos liberais brasileiros em torno dos conservadores. As diferenças entre conservadores e liberais no Brasil não ficaram muito nítidas, como a vista na América Espanhola. Se os conservadores defendiam a monarquia, os liberais a consideravam um "acidente útil", visando evitar a fragmentação do país. Mas quem compunha os partidos liberais e conservadores? Baseada nas reflexões de José Murilo de Carvalho, a autora defende a seguinte ideia sobre a composição desses partidos: 

Para ele, o Partido Conservador representava uma coalizão de burocratas e proprietários rurais, e o Partido Liberal uma coalização de profissionais liberais e proprietários rurais. As medidas centralizadoras defendidas pelos conservadores respondiam às aspirações dos fazendeiros de áreas agrário-exportadoras de colonização mais antiga, como Pernambuco, Bahia e, principalmente, Rio de Janeiro. As áreas "mais novas", como Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, tinham seus fazendeiros preferencialmente no Partido Liberal, que eram favoráveis a medidas descentralizadoras (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 76).

Resumindo a formação do Estado Nacional brasileiro, afirma Ligia: 

O regime monárquico, a manutenção da unidade territorial, a subordinação da Igreja e das Forças Armadas ao Estado, a fluidez ideológica dos partidos políticos traduziam a força e a coesão dos interesses escravistas dominantes. Estes foram capazes de estabelecer uma "transição pacífica" da Colônia ao Império, feita sem grandes perturbações sociais e de modo a manter intactos seu poder e vigor e a sufocar todas as manifestações contestadoras da ordem vigente. As tentativas de reforma acabaram sendo sempre mais brandas e tênues do que a sua proposição inicial, já em si tímida (PRADO, Maria Ligia. São Paulo: Atual, 1994, p. 77).

Por fim, a autora pontua que o mito do império detentor da ordem e unidade foi responsável por um certo preconceito dos brasileiros aos países da América Espanhola, sofredores dos males da fragmentação e do caudilhismo.  

Considerações Finais

Nas considerações finais, Maria Ligia coloca a importância da ideologia liberal nos processos de independência política na América Latina. Mas também mostra o fracasso do ideal liberal que, buscando evitar a inserção dos dominados na política, optaram pela via do autoritarismo como meio de manter seus privilégios. Diante deste autoritarismo, as massas dominadas demonstraram fraqueza e imaturidade política, sucumbindo as rédeas dos dominadores. Essa imaturidade, lembra a autora, não significou passividade. O que ocorreu foi a falta de uma canalização das exigências dos de baixo. Os liberais não enfrentaram apenas as revoltas populares, também se viram contra os conservadores, como nos casos mexicano e colombiano. Cuba e Nicarágua, mostram a ingerência externa e o poder do imperialismo na região, colocando em dúvida a ideia de um Estado Nacional soberano e autônomo. Na Argentina, o projeto liberal só conseguiu êxito após a queda de Rosas; e no Brasil, os grupos liberais entraram em aliança com os conservadores em nome da permanência da escravidão, da monarquia e da unidade nacional. 

Nesta disputa entre liberais e conservadores, o Positivismo exerceu importante papel no caso mexicano e brasileiro. Porém, não teve a mesma força no caso colombiano, onde a Igreja conseguiu manter sua hegemonia ideológica sobre a sociedade. Em suma, a autora coloca que seu objetivo foi analisar as especificidades na formação dos Estados Nacionais latino-americanos, focalizando nas lutas sociais e conflitos políticos que os envolveram. Ela acredita que esta abordagem é mais frutífera que outras, como a da dependência ou da herança colonial, que tratam a América Latina de forma genérica e sob esquemas pré-construídos. 

 

 

 

  

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

O Governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil 1961-1964


  • Sobre o autor: Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, ou simplesmente Moniz Bandeira, nasceu em Salvador-BA no dia 30 de dezembro de 1935. Foi professor universitário, cientista político e historiador. Seu foco de pesquisa foi a política externa brasileira, principalmente, analisando a relação que o país estabeleceu com a Argentina e os EUA. Moniz tem origem aristocrática, sendo descendente de Garcia D'Ávila, filho de Tomé de Sousa. Graduou-se em Direito e doutorou-se em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). De orientação socialista, foi filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e um dos fundadores da Política Operária (POLOP). Após o golpe civil-militar de 1964, rumou para o Uruguai junto com o presidente deposto João Goulart. Voltou algumas vezes para o Brasil, mesmo na clandestinidade, chegando a ser preso por dois anos. Entre suas principais obras, podemos citar: a) Formação do Império Americano; b) Presença dos Estados Unidos no Brasil; c) O Governo João Goulart; d) A Desordem Mundial. Como acadêmico, lecionou na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sendo professor visitante em várias outras universidades no Brasil e do mundo. Moniz Bandeira faleceu no dia 10 de novembro de 2017, aos 81 anos, na Alemanha, onde era cônsul honorário na cidade de Heidelberg. 

O Governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil 1961-1964 - Moniz Bandeira - Civilização Brasileira


De Vargas a Goulart 

Nesta espécie de introdução, Moniz Bandeira faz um breve resumo da história do Brasil, indo da chegada de Vargas ao poder em 1930 até o governo Jango. A partir de 1930, o país intensifica seu processo de industrialização, contrariando interesses estrangeiros como os envolvendo à Inglaterra e os EUA. Diante da crise por qual passava o capitalismo, o governo de Getúlio Vargas passava a interferir na economia com a finalidade de mediar as relações de trabalho e romper os bloqueios que travavam o nosso desenvolvimento industrial. Resumindo tal postura, afirma o autor:
Vargas, cuja ditadura refletia uma estratégia de compromisso, atrelou o proletariado urbano à fração da burguesia vinculada ao mercado interno, mediante a legislação social, e atribuiu ao Estado decisivo papel no desenvolvimento do País, explorando as contradições interimperialistas para concretizar importantes empreendimentos, como a implantação da primeira usina siderúrgica nacional, em Volta Redonda (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 15).
Deposto por um golpe de Estado em 1945 (com o aval dos EUA, segundo Moniz), Vargas retornou ao poder em 1951 e deu continuidade ao seu projeto nacionalista de desenvolvimento, então abandonado por Eurico Gaspar Dutra; marechal que presidiu o Brasil de 1946 a 1951 e alinhado aos interesses norte-americanos. Sobre o seu retorno, afirma Moniz:
Assim, a partir de 1951, Vargas instituiu o monopólio estatal do petróleo, elaborou o projeto da Eletrobrás, negociou com cientistas alemães a compra de tecnologia nuclear, encareceu as importações de bens de capital, por meio da Instrução 70, da SUMOC, e tentou o controle sobre as remessas de lucros para o exterior (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 16).
Diante de tais ações, Vargas sofreu fortes represálias:
Tais iniciativas, objetivando a equacionar os problemas de energia, a induzir a fabricação de máquinas e equipamentos no Brasil e a conter a evasão de capitais, afetavam naturalmente interesses monopolísticos de poderosos cartéis, que investiram contra o Governo, para derrubá-lo, em aliança com a burguesia comercial, beneficiária dos negócios de importação e exportação (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 16).
Essa ferrenha oposição ao governo Vargas nos anos 1950, teve como principal representante à UDN. Carlos Lacerda foi o principal civil oposicionista ao governo que também encontrava opositores no seio militar, aglutinados na Cruzada Democrática. Tanto Lacerda quanto os oficiais ligados à Cruzada Democrática, eram filiados à UDN. Com o suicídio de Vargas em 1954, as intenções golpistas dos udenistas foram freadas e novas eleições deram vitória a JK do PSD. No mesmo pleito eleitoral, Jango do PTB foi eleito vice-presidente. Os dois só conseguiram ocupar seus respectivos cargos após intervenções de militares legalistas em novembro de 1955. Porém, JK não seguiu as diretrizes de desenvolvimento nacional iniciadas por Vargas, sendo um aliado dos interesses estrangeiros. Como descreve Bandeira, o governo JK:
Manteve a Instrução 113, da SUMOC, provocando um dumping no mercado nacional de máquinas e equipamento. E orientou a industrialização, não para os setores de base, para a produção de bens de capital, segundo o projeto de Vargas, mas, sim, para a fabricação de bens duráveis de consumo, ou seja, automóveis, eletrodomésticos etc. Os interesses estrangeiros, não mais podendo deter o desenvolvimento do Brasil, procuraram dirigi-lo e ajustá-lo à redivisão internacional do trabalho, empreendida pelo sistema capitalista após a guerra de 1939-1945 (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 17-18).
JK obrigava o capital estrangeiro a investir no Brasil. Caso contrário, perderiam mercado para as concorrentes nacionais. Por conta desse investimento, o governo JK concedeu diversas vantagens ao capital estrangeiro como favores fiscais, a Instrução 113 e a Lei de Tarifas (atualização da Instrução 113) que permitiu que eles importassem máquinas e equipamentos obsoletos sem restrições, negando o mesmo direito as empresas nacionais. As consequências foram danosas para a economia nacional:
A Instrução 113 tanto prejudicou o crescimento da indústria nacional de bens de produção, que possibilitaria ao País substituir as importações num setor vital para a reprodução capitalista, quanto incentivou a transferência do controle acionário de empresas brasileiras para as corporações internacionais, em outras palavras, animou o fenômeno conhecido como desnacionalização. E a industrialização prosseguia sob o comando de capitais estrangeiros, cujos países de origem se reservavam a produção de bens de capital, a tecnologia e o nervo financeiro, como condição de sua preeminência, na redivisão internacional do trabalho (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 18).
Tal política econômico gerou uma crise, pois tal expansão industrial atingiu um limite, graças ao frágil mercado interno. Diante de uma população que não tinha condições de consumir os bens duráveis de consumo, as fábricas tiveram uma ociosidade que segundo Moniz, variava entre 30% a 60%. Propostas surgiram da crise. A primeira visava expandir o mercado interno, implementando a reforma agrária e limitando remessas de lucro para o exterior. Além disso, propunha expandir o comércio exterior com a América Latina, África e Bloco Socialista. Já a segunda proposta, ligada aos interesses conservadores das classes dominantes, propunha restrição de crédito e compressão dos salários; seguindo uma agenda econômica que tentaram aplicar no país após o suicídio de Vargas.

Qualquer mudança progressista tornava-se cada vez mais difícil, por conta do processo de desnacionalização da economia. Agora, os grupos estrangeiros também dominavam setores estratégicos do Estado, subordinando os interesses da infraestrutura econômica sobre a superestrutura política e jurídica. Mas por ter como vice-presidente o trabalhista Jango, o governo JK encontrou certa estabilidade, apesar da crise encontrada no fim do seu mandato. Se a economia se desnacionalizou de um lado, a classe operária se desenvolveu por outro, tendo o PTB como um de seus principais representantes políticos. As tensões vistas por conta da crise descrita acima (vistas em invasões de terra e greves de variados setores), marcou o final do governo JK. Nas eleições seguintes, a classe dominante abraça a figura de Jânio Quadros que vence com o apoio das oligarquias financeiras e da UDN.

Através da Instrução 204 da SUMOC, Jânio alinhava a política econômica do Brasil aos interesses do FMI, fazendo o que Café Filho e JK não tiveram coragem suficiente para realizar. A nova política econômica propunha: "Sua política de combate à inflação teria como complemento a compressão dos salários, a contenção do crédito e outras medidas, que sacrificaram os trabalhadores, as classes médias e os setores mais débeis da burguesia" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 21). Tal política aumento o custo de vida da população, o que afetou diretamente na popularidade de Jânio. Vendo a aprovação ao seu governo ruir, resolveu optar por um caminho golpista, porém, não o caminho clássico de união com as Forças Armadas.

Jânio resolveu renunciar ao governo, visando uma reação contrária que lhe proporcionasse o retorno com base em um consenso nacional. Por isso que, se alinhava à direita por sua política econômica anti-popular, também confraternizada com à esquerda ao estabelecer uma relação exterior independente em meio ao auge da Guerra Fria. Porém, seus planos não deram certo. Segundo Moniz, "Seu plano consistia em renunciar ao Governo, comovendo as massas, e levar as Forças Armadas, sob o comando de Ministros reacionários, a admitir sua volta como ditador, para não entregar o poder a João Goulart, que se reelegera Vice-Presidente da República" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 21).

Após a renúncia de Jânio, seus ministros militares (Silvio Heck na Marinha, Odilo Denis no Exército e Grun Moss na Aeronáutico), começaram a articular um golpe de Estado visando impedir a posse do vice-presidente Jango; então em viagem oficial à China. Porém, os militares golpistas não contaram com a articulação do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que logo conseguiu o apoio do comandante do III Exército (o mais forte do país), Machado Lopes. A resistência iniciada por Brizola, logo tomaria várias partes do Brasil. Ocorreram sublevações militares em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Goiás, o governador Mauro Borges, seguiu o exemplo de Brizola. Greves estouraram pelo país e diante de tal cenário, o Legislativo não abraçou as tentativas golpistas. Outro fator que fez o golpe não ser executado naquele momento, foi o não apoio do presidente John Kennedy a tal investidura.

Frustrada à tentativa de golpe, Jango assume o cargo de presidente mas sob o regime parlamentarista, o que significava limitações de seus poderes. O deputado Tancredo Neves foi o responsável pelos acordos que garantiram à posse de Jango sob o regime parlamentarista, então sob total oposição dos parlamentares petebistas que acusavam tal investida de "golpe branco". Brizola foi outro ferrenho opositor do parlamentarismo, chegando a propor a Jango que invadisse Brasília com o apoio militar do III Exército, fechasse o Congresso Nacional e convocasse uma Constituinte em até 60 dias. Porém, apesar de ter tudo ao seu favor, Jango não aceitou tal proposta e aceitou assumir com seus poderes reduzidos. Diferente de Jânio, visava alcançar o poder pelas vias constitucionais e não golpistas.

Capítulo 01 - Goulart, populismo e trabalhismo. Origens e evolução do PTB. Ascensão e queda do Ministro do Trabalho. A República Sindicalista e a campanha contra o movimento operário.

O capítulo visa traçar o histórico de Jango que vai desde seus tempos como fazendeiro em São Borja, até sua entrada no Ministério do Trabalho no então segundo governo Vargas. Concomitantemente, Moniz Bandeira acaba fazendo um resgaste histórico do partido político que Jango fez parte: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). João Belchior Marques Goulart nasceu em São Borja e foi filho de um grande fazendeiro da região, o senhor Vicente Goulart. Como filho primogênito, Jango passou a administrar os negócios do pai após seu falecimento. Vicente acumulou uma significante riqueza ao trabalhar comprando e vendendo gado, deixando nas mãos do filho um negócio próspero. Hábil administrador, Jango soube aumentar a riqueza herdada e nos tempos do governo Dutra, segundo Moniz, realizava com o Banco do Brasil vultuosas transações bancárias oriundas da venda de gado. Segundo o autor, Jango e sua família era dono de mais de 30 mil cabeças de gado, sendo um dos homens mais ricos da região que fica na fronteira do Brasil com a Argentina.

Jango ingressou no PTB de São Borja e se aproximou de Getúlio Vargas após o fim do Estado Novo, em 1945. Tal aproximação ganhou grandes contornos, pois Jango concedia apoio moral a um ex-presidente que vinha sendo esquecido pelos antigos aliados. Logo se notou sua habilidade para o universo político, muito graças a suas raízes. Segundo Moniz,
Valeu-lhe também enorme capacidade de comunicação com a massa. Goulart, da mesma forma que Vargas, era natural da zona de Missões, onde o caudilho se retemperava e sua autoridade se impunha, à medida em que ele se confundia com os peões, nas cavalgadas e nas fainas, vencendo coxilas e recebendo as lufadas do minuano. O modo de produção da pecuária extensiva, na situação dos pampas, gerava uma convivência social mais aberta, mais democrática (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 26).
Tal raiz fez Jango ter extrema facilidade em manter diálogo com os setores populares da sociedade, como o movimento sindical que tanto o estimou durante sua trajetória política. Ainda segundo Moniz, a pecuária extensiva em que ele atuava no Rio Grande do Sul, diferente da monocultura cafeeira ou açucareira, não visa sua atuação na exportação e por vender carne para frigoríficos muitas vezes de origem estrangeira, criavam atritos com setores do capital estrangeiro. Essa raiz foi a base para o desenvolvimento do sentimento nacionalista, visto em Jango durante sua vida política. Seu nacionalismo, aliado a uma capacidade imensa de dialogar com variados setores sociais, fez de Jango uma importante liderança política do país apesar da sua constatada timidez na vida privada. De imediato, Moniz visa se afastar de análises que buscam associá-lo ao conceito de populismo. Segundo o historiador baiano:
Não se pode, contudo, considerá-lo um populista, como frequentemente se faz. Essa designação deve encerrar um significado político preciso e, aplicada indistintamente a Vargas, Goulart, Quadros, Ademar de Barros e tantos outros, perde, na generalização, o rigor científico e, em consequência, a utilidade teórica e prática (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 27).
Em nota, Moniz ainda cita um trecho da obra O Dilema da América Latina, escrito pelo antropólogo Darcy Ribeiro, em que esse afirma o seguinte sobre o conceito de populismo e sua utilização no Brasil e na América Latina:
O conceito de populismo, vulgarizado pela sociologia política de ótica norte-americana e francesa, parece consistir numa contra-imagem correspondente aos países atrasados, das formas de liderança política tradicional dos regimes republicanos, tal como estes se tornaram viáveis nos Estados Unidos e na França. Nesta acepção, o conceito se refere, de fato, às carências de nossos políticos subdesenvolvidos que apelam para a demagogia, a fim de alcançar o poder ou para manter-se nele. Assim definido, o termo populismo foi aplicado aos mais diversos protagonistas da vida pública latino-americana, sem reconhecer suas diferenças nem explorar seu valor explicativo (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 27).
Dito isso, o autor busca trazer os conceitos de populismo para dois autores e, em seguida, faz uma comparação de tais conceituações com a trajetória política de Jango. Pois bem, o primeiro autor a ser citado por Moniz é o cientista político Francisco Welfort onde o populismo seria uma expressão individualizada da política que, contendo suas raízes na pequena-burguesia, implica na dissolução das contradições de classe em nome de uma ideia vaga chamada de povo. Já para Donald MacRae, uma das principais características do populismo é criar movimentos sociais e políticos, não uma estrutura partidária. Assim sendo, "Seu programa se resume na personalidade do líder, no carisma, que sublinha o desespero das classes médias urbanas e rurais, adormentando parte do proletariado, com o objetivo não de reformar e sim de manter o status quo" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 27-28). Esse tal líder carismático normalmente surge em contextos políticos de intensa pressão, sendo seu objetivo amansar as massas frente à crise.

Para Bandeira, Jango não pode ser enquadrado como um populista mas sim como reformista. Sua trajetória mostra que ele não debilitou às massas como é característico das lideranças populistas descritas acima, pelo contrário, Jango buscou organizar politicamente esses setores contrariando interesses do grande capital nacional e internacional. Logo, sua figura se diferencia de reais populistas como Jânio Quadros e Ademar de Barros. Em defesa do Jango reformista e não populista, afirma Moniz:
De acordo com a tipologia de Darcy Ribeiro, era um reformista. E sua política se assentou fundamentalmente na massa organizada, nos sindicatos e num partido político, o PTB, bem ou mal um partido de composição operária, cuja práxis mais se assemelhava à da Social-Democracia européia depois da guerra de 1914-1918, nas condições históricas do Brasil, do que à práxis do populismo (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 28).
O PTB que Jango liderou, foi um partido fundado após o fim do Estado Novo e, assim como o PSD, surgiu como uma vertente do bonapartismo varguista. A atuação do petebistas se concentrava no meio urbano, tendo forte inserção no proletariado e em setores da pequena-burguesia. O partido tinha forte base no sindicalismo, sendo o Ministério do Trabalho seu principal palco de atuação do ponto de vista institucional. Ainda sobre esse partido, diz o autor:
A burocracia, que o ordenava, pauto-lhe as atividades pelo economicismo (luta salarial), restrita sua ação política à disputa nas eleições. Nos atritos de classes, o PTB intermediava, acomodando as reivindicações dos operários aos limites tolerados pelo capitalismo, ao mesmo tempo em que sofreava a exploração excessiva de sua força de trabalho (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 29).
Por sua luta dentro dos marcos tolerados pelo sistema capitalista, os petebistas receberam a alcunha de pelegos pelos seus adversários. Tais indicativos de suas atuações, comprovam as aproximações que o partido tinha com a Social-Democracia europeia e distinguindo Jango, então seu líder, de um populista. Além do mais, vale destacar os objetivos que fizeram Vargas incentivar a fundação do PTB. Para ele o partido não era socialista, mas socializante. Com isso, se distinguia do PSD e da UDN, representantes da classe dominante, e ainda conseguia neutralizar o avanço do PCB (considerado por Moniz como o partido mais avançado para os trabalhadores) entre os setores populares.

Com o tempo o PTB acabou se tornando, segundo a perspectiva de Bandeira, em um partido socialista defensor de importantes reformas sociais. O partido conseguia unir defesa pela intervenção estatal na economia mais um posicionamento anti-imperialista, fazendo-o ser mal visto por latifundiários e empresários nacionais e estrangeiros. E foi após o suicídio de Getúlio, em 1954, que a organização firmaria sua posição no campo da esquerda ao basear-se na Carta Testamento deixada pelo ex-Presidente; carta essa que denunciava as ações do capital estrangeiro no país em aliança com empresários locais que desestabilizaram seu governo. Já nas eleições seguintes ao suicídio o PTB ganharia forte representatividade no parlamento, tornando-se num dos principais alvos dos conservadores civis e militares.

Feita essas observações, Moniz Bandeira entra um pouco na trajetória política do Jango e inicia sua reflexão em 1953, ano em que foi nomeado para o Ministério do Trabalho no segundo governo Vargas. Sua atuação como ministro durou apenas 08 meses, mas foram suficientes para tornar Jango uma liderança nacional do PTB. Sofrendo duros ataques da direita, orquestrada pelo jornalista da UDN Carlos Lacerda, Jango seria pressionado por Getúlio para renunciar ao cargo de ministro, após propor um aumento salarial de 100% que recebeu oposição dos empresários. Tal proposta reforçava a campanha dos conservadores e reacionários que acreditavam que Jango desejava implantar no país uma República Sindicalista, sob influência do argentino Perón. Como ministro, Jango defendeu: "revisão dos níveis de salário mínimo, congelamento dos preços, extensão das leis sociais aos trabalhadores do campo e fiscalização pelos próprios operários do cumprimento da legislação trabalhista" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 31-32).

Porém, apesar de sua renúncia, Jango permaneceu sendo fortemente atacado pelos conservadores. Lacerda, através do seu jornal Tribuna da Imprensa, chegou ao ponto de publicar uma carta falsa em que supostamente Jango combinava com Antônio Brandi, deputado argentino, uma cooperação sindical entre Brasil e Argentina com treinamento militar de operários e contrabando de armas via a Uruguaiana. "O inquérito realizado pelo General Emílio Maurell Filho concluiu que a carta era "incontestavelmente falsa", forjada por dois criminosos, Cordero e Malfussi, conforme depois se comprovaria" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 33). O caso ficou conhecido como Carta Brandi e visava manchar a imagem de Jango frente aos militares e a sociedade civil. Além disso eles visavam atingir o movimento sindical, criminalizando-o sob o pretexto de uma aliança com a Argentina peronista. Com o PCB na ilegalidade, os conservadores e reacionários visavam suprimir o PTB, então representante institucional dos trabalhadores naquele momento.

Capítulo 02 - As divergências com o Governo Kubitschek. O programa das reformas de base e as mudanças constitucionais. O PTB como organização de esquerda.

Apesar das campanhas difamatórias, Jango conseguiu ser eleito Vice-Presidente nas eleições de 1955 com o acréscimo de ter tido meio milhão a mais de votos que Juscelino Kubitschek; então eleito Presidente. As urnas deram uma resposta aos golpistas que tentaram derrubar Vargas em 1954. O PTB ficou responsável pelas pastas da Agricultura e do Trabalho, sendo responsável nesta última pela adoção do movimento sindical à política desenvolvimentista do governo JK. Porém, a aliança PSD-PTB também foi marcada por divergências e a principal delas foi vista durante o ano de 1959 quando Lucas Lopes, então Ministro da Fazenda, começou a adotar uma série de medidas econômicas alinhadas ao FMI. Entre essas medidas, estavam: restrição do crédito, benefícios a exportadores, redução de subsídios à importação de trigo e petróleo, além do aumento do salário mínimo que apenas visasse recompor o pode de compra dos trabalhadores. 

Tais medidas afetavam a base social do PTB e foram logo criticadas por Jango que chegou a enviar uma carta ao Senador Benedito Valadares, então presidente do PSD, expressando sua insatisfação com o alinhamento do governo as propostas do FMI. Nesta carta, diz Jango: "os grandes interesses não só se colocam muitas vezes em antagonismo com os interesses superiores do povo, como também procuram conquistar a própria máquina administrativa do Estado para assumir as rédeas de sua direção econômica" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 37). Na mesma carta, Jango pede o apoio do PSD para a aprovação de projetos que visem o desenvolvimento autônomo do país. No total são apresentados 14 projetos, dentre eles: projeto 1 471/49 que visa regular o exercício do direito de greve, atendendo a uma pauta do movimento sindical; projeto 3 563/57 que visa instituir uma proteção jurídica ao trabalhador rural, criando o abono da família rural; projeto 3 406/D/53 que define os casos para à desapropriação de terras por interesse social; projeto 1/59 referente a remessa de lucros para o exterior; projeto 4 280-G/54 que autoriza a criação da Eletrobrás etc. 

Diante dessas queixas, o governo JK passa a se distanciar do FMI mas não avança nas reformas propostas por Jango. A dificuldade em colocar tais reformas adiante, sempre foi expressada por Jango que enxergava à Constituição de 1946 como o principal empecilho, pois foi construída em um contexto em que predominou os interesses daqueles que nutriam ódio e o rancor ao ex-presidente Vargas. O posicionamento de Jango e do PTB com relação a aproximação entre o governo e instituições financeiras internacionais, eram prova da evolução política por qual passavam o Vice-Presidente e seu partido. Como diz Moniz, 
Estas reflexões - apontamentos do próprio punho de Goulart - mostram que sua consciência evoluiu no sentido de uma concepção social-democrática, ou seja, socialista das chamadas reformas de base, à proporção que o desenvolvimento econômico brasileiro, entalhado por monopólios  oligopólios, ressaltava as desigualdades sociais e regionais (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 40).
A evolução individual de Jango era acrescentada pelo fortalecimento político e ideológico do PTB que entre 1958 e 1962, não só viu sua bancada aumentar de 66 para 116 deputados como também foi palco de uma maior consistência ideológica. Tal consistência ficou nítida com o surgimento do Grupo Compacto, onde se reuniram um conjunto de petebistas que foram responsáveis pela radicalização do partido, chegando até a se posicionar criticamente as ações de Jango. Foi nesse período que chegou a surgir a ideia de organizar um Congresso Trabalhista que, segundo Moniz, não vingou por conta de diversos fatores. Mas a ideia de organizá-lo já dava grande mostra de que o PTB se apresentava como um partido socialista, tendo como projeto político as reformas de base propostas por Jango. Essas propostas, centradas na transformação do atrasado Brasil rural através de uma reforma agrária, não representava mero devaneio eleitoreiro e populista. Pelo contrário, encarnava uma evolução do PTB encarar os problemas ligados a sociedade brasileira. 

Capítulo 03 - Goulart e o parlamentarismo. Fatores da inflação. Início da conspirata. Aquestão da Hanna e a política externa independente. O caso da ITT.

Moniz Bandeira contesta a ideia de que Jango estava despreparado para ocupar o cargo de Presidente em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. Naquela altura, Jango encontrava-se mais capacitado que Jânio e talvez até do que JK, para assumir tal posto. Segundo o autor, sua capacidade de comandar o país estava em três pontos: a) Jango era um político de projeção nacional e não um provinciando; b) tinha definido um projeto de governo, baseado nas reformas de base; c) e acumulava uma experiência política comprovada nos vários cargos que ocupou durante sua trajetória. Em 1961, Jango assumia à Presidência após ser: bacharel em Direito, secretário de Justiça do Rio Grande do Sul, deputado estadual, deputado federal, ministro do Trabalho e duas vezes eleito vice-presidente que, naquela época, acumulava o cargo de presidente do Senado Federal. 

Se Moniz não coloca em prova a competência de Jango, por outro lado, adverte que seu o governo já começa limitado pelo sistema parlamentarista. Em um contexto que o país necessitava de um governo forte, Jango encontrava-se frágil graças à nova forma de governo. Além do mais, Jango herdara uma crise econômica gerada pelos últimos anos do governo JK e intensificada por Jânio. Apesar de tecer críticas ao sistema parlamentarista, o autor admite que o primeiro gabinete chefiado por Tancredo Neves tinha fortes inclinações nacionalistas que ficaram claras quando, "ao cancelar, por proposta do Deputado Gabriel Passos, Ministro de Minas e Energia, todas as concessões e jazidas de ferro feitas ilegalmente ao truste norte-americano Hanna Co., e manteve a política externa independente"   (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 46)

Política externa bastante criticada por Carlos Lacerda, o principal nome da direita naquele momento. A independência na política externa foi posta em prática em iniciativas como reatamento das relações com a União Soviética (prometidas e não cumpridas por Jânio) e rechaço das sanções impostas à Cuba pelos EUA. Inclusive, o posicionamento do Brasil no caso cubano foi motivo fortes atritos com os EUA. Após San Tiago Dantas, então ministro das relações exteriores, se posicionar neutro em relação à proposta de invasão do território cubano; os norte-americanos direcionaram ameaças ao Brasil, ação bastante criticada pela opinião pública brasileira da época. 

As encampações realizadas por Leonel Brizola, então governador do Rio do Grande do Sul, pioram ainda mais a relação entre o Brasil e os EUA. Brizola encampou a Companhia Telefônica Nacional, uma empresa subsidiária da ITT (International Telephone & Telegraph); e a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, subsidiária da American & Foreign Power (Bond & Share). A reação ianque foi imediata, pressionando Jango para que revertesse a situação causada por seu cunhado. Diante das encampações e hesitação de Jango em atender aos interesses das empresas norte-americanas, o parlamento dos EUA colocou em pauta a emenda Hickenlooper que suspendia qualquer tipo de ajuda a países que tivessem sido sede de desapropriações de empresas norte-americanas. 

Brizola deu início a um debate nacional que colocava sob perspectiva a nacionalização de setores estratégicos da economia nacional. Isso acontecia porque, mesmo oferecendo um serviço obsoleto, essas empresas estrangeiras usufruíam do monopólio de diversos desses setores. O conflito entre os interesses nacionais e estrangeiros, gerando a pauta de nacionalização de setores estratégicos, tem início já no governo Vargas; então responsável pelos estudos iniciais que dariam origem a Eletrobras. E sobre a importância desta empresa, Jango, em 1962, na sua primeira mensagem ao Congresso Nacional, assim tratou o setor elétrico brasileiro:
dar solução a problemas como o das tarifas, o da eletrificação rural e da uniformização de frequência e encaminhar providências tendentes ao aproveitamento racional do potencial hidrelétrico e à utilização rentável dos combustíveis e dos materiais atômicos na geração de energia elétrica (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 51).
Estava lançada a preocupação com o setor elétrico. Não foi por acaso que o projeto da Eletrobras foi finalizado durante seu governo, criador da empresa em junho de 1962. Em viagem aos EUA em abril de 1962, Jango acenou para a possibilidade de comprar empresas norte-americanas que controlavam setors estratégicos da economia brasileira, porém, não firmou qualquer tipo de compromisso com a ideia. E, pelo contrário, "não se mostrou muito receptivo à insistência de Kennedy para que apoiasse resolutamente a Aliança para o Proogresso e, perante o Congresso norte-americano, exprimiu seu ceticismo, os receios de dificuldades quanto à execução aquele programa, sobretudo se não houvesse espírito de confiança e respeito recíproco entre os governos dos dois países que o realizariam"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 52).

À viagem não rendeu frutos para Jango que, em sua volta, realizou ações contraditórias. Primeiro, visando acenar para a ideia de compra das empresas estrangeiras propostas por Kennedy, criou a Comissão de Nacionalização de Empresas Concessionárias de Serviço Público (CONESP). Todavia, criou a Eletrobras, o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear que centralizava na figura do Estado à pesquisa e exploração deste setor energético. Essas últimas ações trataram de acirrar as diferenças entre os interesses nacionais e estrangeiros, colocando a conciliação do governo Jango/Tancredo em uma encruzilhada. Com isso, "A luta de classes se radicalizava assim a contradição antiimperialista, entrelaçando-a com ela, e se estendia ao campo, no assédio ao Governo"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 53). As classes dominantes nacionais se internacionalizavam, associando-se aos interesses estrangeiros, logo, a consequência direta deste processo era a aproximação entre luta nacionalista e reivindicação social dos trabalhadores, pequena-burguesia e demais setores nacionais da sociedade brasileira. A consciência nacional se desenvolvia sob impulso das contradições do capitalismo. 

Capítulo 04 - A questão agrária. O duelo entre Goulart e o Congresso. A emergência do proletariado e o surgimento do CGT. A luta pelo plebiscito.

Moniz começa o capítulo debatendo a questão agrária que já vinha sendo palco de intensos conflitos no campo, desde o governo JK. Foi durante esse governo que surgiu o maior movimento social rural do Brasil daquela conjuntura: as Ligas Camponesas. A proposta de reforma agrária, defendida por Jango, causava furor na direita. A burguesia brasileira, vinculada ao latifúndio, se opunha ferozmente a proposta e para isso passaram a defender a inviolabilidade do artigo 141 da Constituição de 1946, "que previa o pagamento de indenização justa e prévia, em dinheiro, para as desapropriações por interesse público" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 55). Esse artigo foi a principal barreira que o governo Jango encontrou na tentativa de implantar uma reforma agrária no país.

O governo era pressionado pela direita, não desejosa da reforma agrária, mas também por setores da esquerda como o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Árduo defensor da democratização da terra, Brizola pressionou o governo à esquerda e propunha a reforma agrária mesmo que isso significasse o rompimento com a Constituição de 1946. Porém, Brizola não se limitou a simples pressão ao Governo Federal e, enquanto governador, procurou agir contra o latifúndio gaúcho como mostra Moniz no seguinte trecho: 
Em fevereiro de 1962, perante multidões de lavradores sem terra, Brizola desapropriou duas fazendas (Sarandi e Camaquã), ao noroeste do Rio Grande do Sul, mediante o depósito de pequenas quantias, autorizadas pelo Judiciário, como se fossem a justa indenização. Essa atitude provocou a reação dos pecuaristas, que aumentaram Cr$ 7,00 no quilo da carne, com o objetivo de jogar o povo contra o Governo gaúcho, e elaboraram um manifesto, responsabilizando sua política de reforma agrária pelo clima de tensão e de intranquilidade no Estado (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 56).
A situação política esquentava e isso fez as siglas partidárias tomarem posição, desnudando seus interesses de classe. E foi em meio a luta pelas reformas de base que o PSD, ligado umbilicalmente com o latifúndio, se afastou do PTB e se aproximou do seu aliado ideológico natural: a UDN. Neste contexto de cisão entre PTB e PSD que caiu o gabinete chefiado por Tancredo Neves, o primeiro construído em tempos de parlamentarismo. Auro de Moura Andrade, parlamentar o PSD, se colocou a disposição para formar um novo gabinete. Porém, seu nome não foi bem recebido pelo movimento sindical que logo tratou de organizar uma greve geral contra sua indicação. 

A greve geral contra o nome de Auro, mostrava o amadurecimento da luta urbana. E se surgiram no campo importantes movimentos como as já citadas Ligas Camponesas, nos centros urbanos se formaram as centrais sindicais com destaque para duas: o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o Pacto da Unidade e Ação (PUA). Entretanto, Moniz apesar de reconhecer a importância dessas organizações, tece críticas as mesmas: "Aquelas entidades, entretanto, padeciam do mal de todo o sindicalismo brasileiro - o baixo nível de organização, com uma percentagem média de filiados da ordem de 25%. Na verdade, cingidas às cúpulas, nunca chegaram a existir, senão artificialmente, não tendo ramificações mais profundas na massa" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 59).

Apesar disso, a pressão do movimento sindical surtiu efeito e o gabinete Auro não foi construído. E com isso, Brochado da Rocha (nome ligado a Brizola) foi o responsável pela formação de um novo gabinete que durou dois meses. Brochado exigia do Congresso Nacional poderes extraordinários para que pudesse implementar as reformas de base. O mesmo Congresso procrastinava com a decisão sobre o plebiscito, defendido pelo governo Jango como essencial para pôr fim ao imobilismo causado pelo sistema parlamentarista. O caso do plebiscito chegou no meio militar que passou a pressionar os parlamentares pela aprovação da emenda. Amaury Kruel, Osvino Ferreira Alves, Peri Beviláqua e Jair Dantas Ribeiro foram alguns militares próximos a Jango que foram responsáveis por essa pressão. A instabilidade do parlamentarismo, permitiu que o plebiscito fosse defendido até pela burguesia. Neste contexto, apesar da contrariedade de parlamentares da UDN, PSP e PSD, o plebiscito foi aprovado pelo Congresso Nacional e marcado pela janeiro de 1963. Tal aprovação foi uma importante vitória do governo Jango na busca pelas reformas de base. 

Capítulo 5 - A articulação do empresariado contra o Governo. A criação do IBAD e do IPES. A atuação da CIA e o papel da Embaixada dos Estados Unidos.

Até o plebiscito, o Congresso Nacional que Jango nomeasse um nome responsável pela formação do gabinete provisório e essa tarefa foi dada a Hermes Lima. Nomeado Hermes, Jango passou a atuar ativamente pela defesa do presidencialismo que foi defendido por amplos setores da sociedade brasileira; incluindo opositores do governo que reconheciam a instabilidade gerada pelo parlamentarismo. 

Porém, Moniz foca neste capítulo a nova articulação dos opositores com a fundação do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Ambas instituições mantinham íntimas relações com  CIA, segundo Moniz. O IPES, por exemplo, se colocava como contrário a radicalização política da esquerda e da direita, mas sua prática era clara: causar um clima de instabilidade, vinculando Jango aos comunistas. Um de seus principais objetivos com essa prática, era minar o governo dentro das Forças Armadas. Para isso contou com o auxílio sofisticado da Escola Superior de Guerra, liderada pelo general Golbery do Couto e Silva. Mas sua influência não ficou restrita aos meios militares, pois invadiu também jornais e demais veículos de comunicação. Tudo, claro, com alto investimento de entes privados como mostra Bandeira: 
Somente a Light & Power, entre dezembro de 1961 e agosto de 1963, concorreu mensalmente para a sua caixa com a quantia de Cr$ 200 000,00 autorizada por um dos seus Diretores, Antônio Gallotti (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 67).
O autor também lembra que outras empresas investiram no IPES, como as alemãs Mannesmann e Mercedes Benz. Já o IBAD, segundo Moniz, atuava diretamente com a CIA e junto com a Ação Democrática Popular (ADEP) foi responsável pela organização da campanha eleitoral de políticos comprometidos com o capital estrangeiro e a oposição as reformas de base. Com o alto investimento, o IBAD se alastrou tutelou outras entidades como: Ação Democrática Parlamentar (ADP), Campanha da Mulher Democrática (CAMDE), Frente da Juventude Democrática (FJD), Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres (REDESTRAL, vinculada ao Rio de Janeiro) e o Movimento Sindical Democrático (MSD, vinculado a São Paulo). 

As ações dessas siglas não se resumiram as cidades e tiveram representação no campo brasileiro. Visando freara candidatura de Miguel Arraes em Pernambuco e também dividir as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, o IBAD ajudou a fundar o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE). O SORPE teve como liderança os padres Antonio Melo e Paulo Crespo que além do IBAD, também receberam auxílio da CIA. Segundo Moniz, "O SORPE, sob a direção discreta de Padre Crespo, conseguiu, inclusive, o controle da Federação dos Sindicatos Rurais, legalizada em outubro de 1962, pelo então Ministro do Trabalho, João Pinheiro Neto"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 70)

As Forças Armadas também eram alvo dos grupos. Além da Cruzada Democrática que desde os anos de 1950 tentava golpear a democracia brasileira sob o pretexto de combate ao comunismo, o IBAD e IPES recrutou oficiais de diferentes escalões para atuarem de acordo com os seus interesses. Através de uma CPI, capitaneada por parlamentares como Rubens Paiva e Eloy Dutra, ficou comprovado a origem do financiamento dessas instituições que "procedia do estrangeiro, remetido para o Brasil através do Royal Bank of Canada, Bank of Boston e First National City Bank"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 71). Porém, os recursos não provinham apenas do estrangeiro como demonstra Moniz no seguinte trecho: 
Segundo o Governador Miguel Arraes, com documentos, informou à CPI, o IBAD também recebeu contribuições de companhias estrangeiras, instaladas no Brasil, entre as quais a Texaco, Shell, Ciba, Cross, Schering, Enila, Bayer, General Eletric, IBM, Coca-Cola, Standard Brands, Souza Cruz, Remington Rand, Belgo-Mineira, AEG e Coty, na maioria norte-americanas (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 72).
Além dessas empresas, Moniz ainda cita a embaixada dos EUA como articuladora dos negócios, também contribuindo para o financiamento de organizações de direita que se colocavam como "democráticas"; sendo uma espécie de marca registrada mande in USA. Em entrevista ao Diário de Notícias, março de 1962, Brizola denunciava publicamente os conluios da embaixada norte-americana contra o governo brasileiro. O consulado dos EUA em todo o país serviram de base para as articulações golpistas que culminariam na derrubada de Jango. 

Capítulo 6 - Fortalecimento da esquerda nas eleições de 62. O bloqueio de Cuba. A proposta de Kennedy para intervenção e a recusa de Goulart. As pressões americanas.

Apesar de toda articulação da direita em conluio com os EUA, à esquerda obteve um positivo resultado eleitoral em 1962. Miguel Arraes foi eleito Governador de Pernambuco, Brizola foi eleito Deputado Federal pelo estado da Guanabara e o PTB conseguiu duplicar sua presença no Congresso Nacional. Enquanto isso, as relações do Brasil com os EUA se intensificavam após a decisão dos norte-americanos em bloquear e invadir Cuba; visando desbaratar as bases de mísseis soviéticos presentes na ilha. Jango, obviamente, se recusou a apoiar tal empreitada justificando sua defesa ao não-intervencionismo e a autodeterminação dos povos além da sólida tradição pacífica do país. Em vez de colaborador do conflito, o governo Jango se propôs a ser um mediador, objetivando soluções pacíficas. 

Apesar desse posicionamento, o governo Jango se mostrou vacilante e dúbia na OEA. Em primeiro lugar, Jango orientou o embaixador brasileiro, Ilmar Pena Marinho, a apoiar a inspeção de navios que chegassem a Cuba, ou seja, foi favorável ao bloqueio dos EUA. Ao mesmo tempo orientou que o embaixador votasse a favor de medidas preliminares a qualquer uso de força, colocando uma observação prévia da ONU para saber de realmente o país estaria com material bélico; o que limitava as ações dos EUA. Por último e evidenciando essa dubiedade, Pena Marinho se absteve da votação que recomendava a invasão armada contra Cuba. 

Essa não subordinação de Jango aos interesses intervencionistas dos EUA, gerou conflitos entre os países e uma forte pressão de Kennedy que chegou a afirmar que seu país não poderia auxiliar o Brasil em sua grave crise econômica em que estava mergulhada. Robert Kennedy, irmão do presidente, chegou a viajar para o Brasil e teve uma conversa com o Jango. A pauta: a penetração comunista em seu governo, o comércio desenvolvido com países socialistas e a situação de empresas norte-americanas no país. A resposta de Jango a essas questões foi incisiva: 
Ele repeliu a investida de Robert Kennedy, a propósito da alegada penetração comunista no Governo e redarguiu-lhe que o problema sindical era de foro interno, não comportando interferência de nações estrangeiras. Sobre ascompras no Bloco Socialista, ponderou que o Brasil daria preferência aos Estados Unidos, se eles lhe oferecessem as mesmas condições vantajosas de comércio, sem dispêndio de divisas. E a respeito da ambição da Hanna respondeu-lhe que o Brasil não discriminava as empresas privadas norte-americanas, mas exigia que elas submetessem ao plano siderúrgico do Ministério de Minas e Energia (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 86).
O que Robert veio fazer aqui, representando o governo norte-americano, foi chantagear o Brasil prometendo não conceber mais ajuda (leia-se empréstimos), caso Jango não colaborasse com seus interesses. E como Jango, apesar de negociar, não cedia as imposições, a pressão sobre o seu governo pelos norte-americanos só aumentou.

Capítulo 07 - A vitória no plebiscito. O significado da "ajuda" americana. San Tiago Dantas em Washington. O impasse do Plano Trienal. As contradições na área do Governo.

Mesmo diante das pressões norte-americanas, Jango sai vitorioso após cerca de 9 milhões de brasileiros votarem sim para o presidencialismo. Na prática, ele foi eleito novamente após o plebiscito e teria maiores poderes que nos tempos do parlamentarismo. Sua vitória foi reconhecida nos EUA, através do tradicional The New York Times. Entretanto, Moniz afirma que não quis assumir seu mandato de forma plena, ou seja, montando um ministério eminentemente de esquerda que avançasse com as reformas de base com ou sem aceitação do Congresso Nacional. Pelo contrário, optou por uma postura moderada, assim descrita pelo autor: "Seu propósito era deixar que a onda passasse, evitando a radicalização, para depois retomar, firmemente, o caminho das reformas. Por isso dividiria a vitória com o PSD" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 88).

Com esse objetivo, Jango montou seu primeiro ministério com figuras que Moniz cunhou como de centro-esquerda. Figuras como João Mangabeira, Celso Furtado, San Tiago Dantas, Hermes Lima e Almino Afonso se fizeram presentes. Sobre o economista Celso Furtado, foi responsável (desde o gabinete de Hermes Lima, o último do parlamentarismo) pelo Plano Trienal, "que tinha como escopo a continuidade do desenvolvimento do País, dentro de um programa antiinflacionário, cuja essência consistia na preparação e no desencadeamento de uma recessão atenuada" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 89). Já sobre San Tiago Dantas, disse o autor: "Por sua vez, San Tiago Dantas, nomeado Ministro da Fazenda como Gordon antecipara, tomou uma série de medidas para a estabilização da moeda, antes de viajar aos Estados Unidos, com o objetivo de negociar novos empréstimos e o reescalonamento da dívida brasileira" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 89). Além do mais, "E batizou com o rótulo de esquerda positiva aqueles que se dispunham a colaborar para a realização das reformas de base, de acordo com o esquema da Aliança para o Progresso" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 89)

Apesar do aceno de San Tiago Dantas e dos esforços de Celso Furtado, a economia brasileira permanecia desajustada e com forte contribuição dos EUA nesse desajuste. Já a ajuda prometida pela Aliança para o Progresso, permaneceram pendentes até que o Brasil se submetesse as exigências norte-americanas. Entre essas exigências, estavam a adoção da política econômica do FMI e a reversão das expropriações de empresas norte-americanas. E ao invés de receber investimentos norte-americanos, o que existia era uma transferência de capitais do Brasil para os EUA, como bem mostra Moniz no seguinte trecho: 
De acordo com as cifras oficiais US$ 1.814 milhões, em empréstimos e investimentos, entraram no Brasil, entre 1947 e 1960, e saíram, no mesmo período, US$ 2.459 milhões, sob a forma de remessas de lucros e de juros, deixando um saldo negativo da ordem de US$ 645 milhões, que, em realidade, era muito maior, pois, sob a rubrica Serviços, ainda se evadiram mais US$ 1.022 milhões, como remessas clandestinas de lucros (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 91).

E mais especificamente sobre o período do governo Jango, temos o seguinte cenário:

Como também a subcomissão do Hemisfério Ocidental, da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, comprovaria, os investimentos diretos daquele país no Brasil, entre 1961 e 1962, somaram apenas US$ 21 milhões, enquanto as transferências de lucros de suas empresas montaram a US$ 59 milhões, dando-lhes um saldo positivo da ordem de US$ 38 milhões, naqueles dois anos. Em 1963, além das remessas de lucros, no valor de US$ 13 milhões, as companhias norte-americanas retiraram do Brasil como retorno de capital mais de US$ 8 milhões. Naquele ano, o Brasil não recebeu nenhum investimento direto dos Estados Unidos, cujo saldo foi mais uma vez positivo, totalizando US$ 21 milhões (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 92).

Esses fatos proporcionaram as empresas norte-americanas tirar mais dólares do Brasil do que investir, ocasionando num controle sufocante sobre a economia brasileira "mediante reinvestimentos em cruzeiros, alimentando a crise do balanço de pagamentos, com remessas de lucros e fraudes cambiais, a exemplo do superfaturamento e do sobrefaturamento, nos negócios de importação e exportação" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 93). Tudo isso fazia o governo Jango ficar refém dos interesses norte-americanos, tendo seus ministros da Fazenda que renegociar a dívida externa do país a cada três meses. A pressão sofrida pelos EUA e a aguda crise econômica dela decorrente, criava o seguinte dilema para o governo: 

A crise econômica atingira um ponto que impunha uma definição de classe. A intervenção cirúrgica, de um modo ou de outro, se tornara necessária. A questão consistia em saber de que lado se cortaria a carne. Ou o Governo completava as medidas de estabilização monetária, de acordo com o figurino do FMI, comprimindo os salários etc., ou reorientava o desenvolvimento do País no sentido da redistribuição de renda, mediante crescente intervenção do Estado na economia, com a limitação dos lucros extraordinários, controle das remessas para o exterior, tabelamento de preços, reforma agrária, enfim, medidas drásticas e transformações de base, de caráter democrático e nacional. Qualquer das duas opções ultrapassava a força do Governo para exigir um governo de força (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 95).

De imediato, Jango buscou seguir uma linha moderada que se colocava crítico da extrema-esquerda e da guerra ideológica promovida pela direita. Seguindo as orientações de San Tiago Dantas, buscou um diálogo com o FMI através de medidas como a eliminação dos subsídios ao petróleo, trigo e papel. Também organizou uma Comissão Interministerial, visando a compra das empresas Bond & Share e da ITT, condições impostas pelos EUA. Com isso, temeu-se nos círculos de esquerda que Jango se inclinasse à direita. Entretanto, tais medidas econômicas do FMI não poderia ir muito longe, tendo em vista a ligação e compromisso do governo com o movimento sindical. Movimento que começava a ganhar espaço e força fora da tutela governamental, através de várias organizações. Logo, o movimento sindical se tornou um ferrenho opositor do Plano Trienal de Furtado e da aproximação de San Tiago com os EUA e o FMI. Por sua vez, o governo não retiraria direitos trabalhistas, pois até visava expandi-lo em várias ações como a sindicalização do movimento camponês, legalização do CGT etc. Segundo Moniz: 

Essa tentativa de restabelecer o cálculo econômico e, portanto, manter a continuidade da acumulação capitalista, sem penalizar os trabalhadores, constituiu a grande contradição que liquidaria não apenas a política econômico-financeira de Furtado e San Tiago Dantas, mas, também, o Governo de Goulart e o próprio regime democrático. As medidas adotadas de acordo com o receituário do FMI, longe de sustar a inflação, aceleraram a alta do custo de vida, não tendo Goulart condições para conter nem os salários nem os preços, que disparavam. A crise social aprofundou-se no redemoinho da inflação e corroeu o prestígio do Governo, acossado tanto pela direita quanto pela esquerda (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 98).

O clima ficaria ainda mais tenso quando Brizola, em plena rede nacional, denunciou em maio de 1963 a aproximação entre San Tiago Dantas e os EUA, acusando a compra da AMFORP e das subsidiárias da ITT de crime de lesa-pátria. 

Capítulo 08 - O escândalo da AMFORP. A queda de San Tiago Dantas e a reação de Washington. Sargentos e radicalização nas Forças Armadas. As medidas econômicas e nacionalistas do Governo.

O discurso de Brizola em rede nacional, denunciando os acordos do governo com os EUA, expôs publicamente que a AMFORP havia recuperado o que tinha investido no país e que ainda se beneficiava de lucros ilegais. Mas diferente de San Tiago Dantas e de Roberto Campos, então embaixador do Brasil nos EUA, o presidente Jango não estava inclinado a facilitar a vida das empresas norte-americanas. Pelo contrário, após as subsidiárias norte-americanas estabelecerem o preço a ser pago pelo governo brasileiro, Jango afirmou que o processo só seria concluído após um estudo minucioso de técnicos brasileiros. Seu objetivo era preservar os interesses do país e não ceder facilmente as pressões. Apesar dessas ações do presidente, a comissão interministerial nomeada por ele, se colocou favorável a compra das empresas de acordo com os preços estabelecidos. E, apesar da suspensão das negociações por conta desse imbróglio, o aceno a AMFORP não foi bem visto pela esquerda, recebendo o governo fortes críticas de figuras como Brizola. A direita, de forma oportunista, também buscou surfar na onda nacionalista e Carlos Lacerda chegou a criticar as negociações. Cedendo as pressões da esquerda, Jango muda o ministério, demitindo San Tiago Dantas, então figura chave na aproximação do governo com os EUA. Essa demissão teria o seguinte impacto político: 

A queda de San Tiago Dantas do Ministério da Fazenda, com todas as repercussões que acarretou, inclusive sobre os entendimentos para a compra da AMFORP, representou um momento decisivo na evolução política da crise brasileira, influindo na conduta que dali por diante os Estados Unidos adotariam em relação ao Governo Goulart. Seu afastamento marcou o fim das promessas, a ruptura dos compromissos com Washington, a completa desilusão de Kennedy quanto à possibilidade de Goulart conter a espiral inflacionária e o fluxo de messas, que se avolumava como um alude. E a crise econômica e financeira, estremecendo toda a estrutura da sociedade burguesa, acentuou a diferenciação dos interesses de classe (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 103).

Os grupos em torno da Frente de Mobilização Popular (FMP), sob liderança de Brizola, passaram a pressionar o governo pelas reformas de base. O CGT ameaçou uma greve geral, tendo como pauta o avanço das reformas e a mudança na Constituição. Foi um período de intensa radicalização dos movimentos sociais que visavam transformações reais e estruturais no país. Esse clima refletia não só sobre os operários, como também entre o campesinato e as Forças Armadas. Entretanto, Jango não estava à altura daquele processo político e sua moderação impedia o avanço das reformas pedidas por esses movimentos. Segundo Moniz: 

O nacional-reformismo se revelava impotente para atender às necessidades políticas da época. As massas caminharam adiante das direções. Os posicionamentos passaram à frente das personagens. Goulart, pelo seu temperamento, não era homem de decisões prontas e imediatas. Atormentava-o a necessidade de tomar atitudes drásticas. Preferia o diálogo, a conciliação. Avaliava todas as opções e suas consequências, consultando a uns e a outros. Devido à sua origem rural, esperava, pacientemente, o momento de plantar e o momento de colher. Tentara evitar a radicalização, recusando-se a assumir plenamente a vitoria que obtivera com o plebiscito e impor ao Congresso ou contra o Congresso as reformas de base. Construíra sua carreira pública em campo aberto, por vias sempre pacíficas e recusava-se, agora, como Presidente, a implantar as reformas ao preço da derrocada das instituições democráticas (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 104).

Dentre as vacilações desse nacional-reformismo que Jango representava, o autor cita a nomeação de Carvalho Pinto, expoente da burguesia paulista, como substituto de Dantas no Ministério da Fazenda. Inclusive, Moniz afirma que essa nomeação teve influência de Dantas que, enxergando o cenário de radicalização, aconselhara Jango a se afastar da "esquerda menos responsável", representada por Brizola, buscando criar um ambiente de diálogo que desse espaço a uma "esquerda mais responsável". O objetivo seria a construção de um governo forte e respeitado, fazendo algumas reformas por vias constitucionais, preservando-se enquanto liderança política que poderia vir a disputar as eleições de 1965. Apesar da nomeação de um nome atrelado as classes dominantes locais, Jango não viu suas relações com os EUA melhorar. Pelo contrário, os norte-americanos passaram a suspender créditos da Aliança para o Progresso que poderiam ser destinados ao Brasil e, além do mais, passou a investir apenas em estados e municípios onde os governadores e prefeitos fossem opositores do governo. Diante desse isolamento externo, Jango se viu diante do seguinte dilema: 

O bloqueio aos créditos externos impôs um dilema a Goulart: ou ceder a Washington e, além de comprar a AMFORP, adotar o programa de estabilização do FMI, ou recorrer a medidas de caráter nacionalista, entre as quais a aplicação da lei que limitava as remessas de lucros para o exterior. Ceder a Washington significava, fundamentalmente, ter que congelar os salários nos seus níveis mais baixos, intensificando a apropriação da mais-valia pelas classes dominantes, a fim de assegurar a continuidade da acumulação interna de capital e manter a taxa de reinvestimentos, sem prejuízo das remessas de lucros. Isto se tornava dia-a-dia mais difícil, inviável mesmo, pelos métodos normais de repressão, em face da ascensão do proletariado. E adotar medidas antiimperialistas, como a limitação das remessas de lucros, implicava desencadear uma ofensiva contra os interesses dominantes, impossível de sustentar dentro dos limites constitucionais da democracia (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 107-108).

De qualquer modo, a reação dos EUA em investir apenas em estados e municípios administrados por opositores de Jango, mostrava o tom provocador e ousado dos norte-americanos. Como resposta, Jango não colocaria obstáculo sobre a lei de remessa de lucros para o exterior, aprovada pelo Congresso Nacional em 1961. Após buscar o diálogo e receber como resposta a provocação, Jango passou a se posicionar de forma mais incisiva. Outra resposta de Jango, visando o combate a evasão ilegal de capitais, foi a seguinte: 

Durante a sua administração, Goulart regulamentou a lei que punia o abuso do poder econômico, estruturando e instalando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). com a tarefa de fiscalizar o seu cumprimento. E, concomitantemente com os estudos para a regulamentação da lei de remessas, procurou estancar a evasão ilegal de divisas, que se processava através do subfaturamento e do sobrefaturamento (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 112).

O estudo e fiscalização sobre a evasão de capitais foi uma saída encontrada pelo governo de reduzir a sangria que o país passava, pois tal evasão era uma das principais causas do déficit na balança de pagamentos. Essa ação possibilitava Jango resistir ao cerco armado pelos EUA. 

Capítulo 09 - Realizações do Governo de Goulart. A retomada do projeto de Vargas. Fechamento do IBAD. Os militares e as greves políticas. O levante dos sargentos de Brasília.

Além dessas ações visando a recuperação da economia nacional, Jango buscou a diversificação das relações diplomáticas e comerciais do Brasil, aproximando-se da China, de países africanos, latino-americanos e dos enquadrados no Bloco Socialista. Essa foi mais uma maneira de buscar superar o cerco norte-americano. Tivemos, então, uma política externa independente dos interesses norte-americanos fato visto já na defesa de Jango pela autodeterminação de Cuba; país recém palco de uma revolução socialista. Na educação, através do Plano Nacional de Educação, Jango buscou investir pesado no setor visando um valor de Cr$ 9,8 bilhões para o ensino primário e Cr$ 7 bilhões para o ensino médio. No trabalho, Jango protagonizou as seguintes iniciativas: 

Na área do Ministério do Trabalho, o Governo de Goulart determinou a venda, com financiamento a longo prazo, dos conjuntos residenciais construídos pelos Institutos de Previdência Social em todo o Brasil, beneficiando cerca de 100 000 famílias, iniciou a execução do projeto de instalação de hospitais regionais da Previdência Social e instituiu a aposentadoria especial em função da natureza do serviço. Também incentivou a formação de sindicatos rurais, cujo número saltou de 300, em julho de 1963, para cerca de 1 500, em março de 1964, reconheceu a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (CONTAG) e determinou a regulamentação do Estatuto do Trabalhador Rural (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 116).

Além disso, Jango foi responsável por outras ações em outras áreas, como a regulamentação do Código Brasileiro de Telecomunicações, criando o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL). Eram as bases para a futura fundação da Embratel. Jango também foi responsável pela criação da Eletrobrás, estatal estratégica que teria papel fundamental na ampliação da produção energética do país. Em sua gestão, a Vale do Rio Doce, outra importante estatal, começou a construir o porto de tubarão que tinha como finalidade a exportação de minério de ferro. Também negociou um acordo com a Iugoslávia, buscando ligar o porto ao país socialista, investimento na siderurgia nacional com as receitas das exportações. Por fim, "inaugurou três grandes usinas (Usiminas, Cosipa e Ferro e Aço de Vitória) e autorizou à Petrobrás atividades no setor de distribuição a granel de derivados de petróleo, concedendo-lhe, finalmente, o monopólio para o fornecimento aos órgãos do Governo, autarquias e empresas estatais, até então a cargo dos trustes internacionais" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 117).

Buscando seguir o que foi iniciado por Vargas, o governo Jango buscou investir na industrialização do país. Porém, suas atenções se voltaram para a produção de bens de capital e não de bens de consumo. Se contrapondo a Instrução 113, criada por Café Filho e mantida por JK, que impedia o desenvolvimento da indústria de bens de capital Jango criou a Instrução 242 da SUMOC. Essa instrução "proibiu, terminantemente, o registro de financiamento estrangeiro para a importação de máquinas e equipamentos que a indústria nacional pudesse fabricar" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 118). Esse conjunto de ações, visando o desenvolvimento de um capitalismo autônomo, sofreu forte oposição dos EUA que viram suas empresas serem prejudicadas. Essa escolha de Jango em trilhar o projeto varguista de desenvolvimento nacional, convenceu ainda mais o imperialismo norte-americano a caminhar rumo a um golpe de Estado. A crise econômica e política que o país era palco, suscitou a necessidade de uma solução pela força.

Nesse mesmo período, o governo enfrenta o fechamento do IBAD com base em documentos que comprovavam sua atuação criminosa, visando a tomada do poder por intermédio de corrupção eleitoral. Esses documentos ganharam respaldo da Comissão Parlamentar de Inquérito que os encaminharam para os Poderes Executivo e Judiciário. Esses documentos mostravam a Jango a interferência estrangeira, leia-se CIA, na arena política brasileira. Além do mais, o governo também teve que enfrentar árduos embates nas Forças Armadas que se recusavam a aceitar a participação política do movimento sindical e camponês. Até mesmo militares que compunham o governo, se mostraram críticos a participação popular no curso político do país, sendo Peri Beviláqua e Jair Dantas Ribeiro, este último ministro da Guerra. De acordo com Moniz: 

O proletariado não tinha o direito de participar da política, pois as classes dominantes julgavam que somente elas deviam influir nas decisões do seu Estado. A democracia não podia ser tão democrática assim. Seria comunismo. A legalidade, subversão. Na verdade, todos os esforços de organização e mobilização da vontade popular assombravam a burguesia. O CGT, as Ligas Camponesas e outras organizações de massa, por mais débeis que fossem, eram como espectros que lhe tiravam o sono. E, de uma forma ou de outra, Goulart se identificava com aquele movimento que parte das Forças Armadas queria reprimir (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 120-121).

O caldeirão político só aumentava o calor. Jango enfrentou uma verdadeira divisão dentro das Forças Armadas em que de um lado estava a oficialidade conservadora, e outro outro sargentos ligados as pautas do movimento sindical. No campo, as constantes revoltas camponesas, proporcionadas graças a sindicalização do campesinato incentivada pelo governo, gerou o desconforto dos latifundiários que lançaram diversos manifestos contra Jango e o "perigo comunista" que seu governo representava. E, diante dessa pressão, Roberto Campos renuncia ao cargo de embaixador brasileiro nos EUA, imaginando ou sabendo como aquele processo político terminaria. A renúncia representou uma oposição de Campos ao governo que não foi capaz de cumprir os acordos estabelecidos por ele com os norte-americanos. Por fim, piorando o clima de radicalização, Jango teve que enfrentar dias após a renúncia de Campos com uma sublevação de sargentos das Forças Armadas. Esses sargentos chegaram a ocupar importantes prédios públicos em Brasília e se colocavam contra a decisão do STF que não reconheceu a candidatura de sargentos. Como afirma Moniz, o movimento continha vários infiltrados, responsáveis por dividir ainda mais as Forças Armadas. O levante foi controlado pelo governo, mas a proposta de parlamentares trabalhistas, visando conceder direitos políticos para que os sargentos disputassem as eleições, foi visto como um insulto e desrespeito a hierarquia pela oficialidade. Sobre a organização das esquerdas em meio a esses conflitos, disse Moniz: 

Naquele momento, no entanto, não era a esquerda que organizava milícias para substituir as Forças Armadas. Os grupos dos onze, ainda embrionários, não dispunham de armas e não chegavam sequer a constituir uma organização política e militar, com um programa de revolução social. As Ligas Camponesas também. Os principais líderes da esquerda, sobretudo os comunistas, ainda confiavam no espírito democrático e na vocação legalista das Forças Armadas. E as correntes mais radicais, de composição pequeno-burguesa, não só eram fracas, numericamente reduzidas, como não julgavam a deflagração de guerrilhas, enquanto a legalidade subsistisse. Não contavam com recursos de espécie alguma para armar milícias ou mesmo com mandos de autodefesa (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 124). 

Porém, a direita sim se organizava militarmente com o objetivo de derrubar o governo e se levantarem contra possíveis tentativas de resistência. Sobre a organização da direita, diz o autor: 

Elementos vinculados ao Marechal Odilio Denis armavam os fazendeiros, no sul do País, e o mesmo o Almirante Sílvio Heck fazia no Estado do Rio de Janeiro e em Minas Gerais, distribuindo petrechos bélicos, conseguidos por intermédio do Governador de São Paulo, Ademar de Barros, e do jornalista Júlio Mesquita Filho, diretor de O Estado de São Paulo. Em vários pontos do território nacional havia campos de treinamento para guerrilha, montados, clandestinamente, pelos militares que conspiravam contra o Governo de Goulart, desde 1961 (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 124).

Moniz também cita focos armados da direita em outros estados, como Goiás, Alagoas etc. Enquanto a esquerda se prendia a valores democráticos abstratos, a direita se organizava política e militarmente para o golpe de Estado. 

Capítulo 10 - Os preparativos para a contra-revolução. O papel de Vernon Walters e dos agentes da CIA. Boinas Verdes no Brasil. A tentativa de decretar o estado de sítio.

Moniz afirma que no período em análise, surgiram várias organizações paramilitares de direita que recebiam pesado patrocínio de opositores internos e externos do governo. Dentre as várias organizações fundadas no período com o intuito de desestabilizar Jango e, se preciso fosse, se levantar violentamente contra seu governo tivemos o Grupo de Ação Patriótica, Patrulha da Democracia, Ação de Vigilantes do Brasil etc. Alguns relatórios do CSN conseguiu colher informações sobre esses grupos e repassaram para Jango. Entretanto, "Goulart acreditava que, com o apoio popular, neutralizaria qualquer tentativa de golpe de Estado. E seus dois principais assessores militares não estiveram à altura dos acontecimentos" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 129). Esses assessores citados por Moniz, foram Jair Dantas Ribeiro (Ministro da Guerra) e Assis Brasil (Chefe da Casa Militar da Presidência). As consequências disso seriam trágicas: 

Sua tolerância, entretanto, permitiu que a conspirata se alastrasse no seio das Forças Armadas, tendo como um dos eixos principais a Escola Superior de Guerra, apelidada de Sorbonne, cujos ideólogos, amigos do coronel Vernon Walters e engajados no anticomunismo da guerra fria, passaram da concepção sobre a inevitabilidade do confronto atômico entre os Estados Unidos e a União Soviética para a doutrina da guerra contra-revolucionária, sempre ao compasso do Pentágono (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 130).

Essa articulação golpista, fez Lacerda dar uma polêmica declaração ao jornal Los Angeles Times em que afirmou que existia uma discussão entre os militares em dar um golpe imediato no Jango ou controlá-lo até o fim do mandato. A declaração gerou desconforto no governo que tentou, fracassadamente, impor um estado sítio que recebeu oposição até da esquerda, temerosa de que a ação repercutisse no movimento sindical e camponês. Com o fracasso do estado de sítio, Jango assistiu ao desenvolvimento silencioso de um equipado aparato militar que se organizava contra o seu governo. Esse aparato ocupou várias regiões do país e teve forte participação de norte-americanos. Pois, "Desde 1961, aproximadamente, o Departamento de Estado começara a solicitar ao Itamarati visto para militares norte-americanos, que entravam no Brasil sob os mais diferentes disfarces (religiosos, jornalistas, comerciantes, Corpos da Paz etc.), dirigindo-se a maioria para as regiões do Nordeste" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 136). E "Realmente, até 1963, o Itamarati concedera mais de 4.000 vistos e recebera solicitação para mais 3.000, cujo atendimento os militares nacionalistas brasileiros obstaram" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 137).

Esses militares norte-americanos no Brasil, estavam no país organizados em bases que poderiam se levantar em caso de alguma agitação política ou caso o governo tivesse uma forte inclinação à esquerda. São chamados por Moniz de boinas-verdes e tiveram forte presença no Brasil (e em outros países) durante o governo Kennedy, então preocupado com a repetição de uma outra Revolução Cubana no continente. E, como diz Moniz no final do capítulo, "Curiosamente, o Presidente dos Estados Unidos que mais preconizou a necessidade de reformas foi o que mais intensificou a agressão imperialista, sob todas as suas modalidades, no Brasil" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 139). Era a doutrina da contra-insurreição ou da guerra anti-revolucionária em curso no país. 

Capítulo 11 - A conspiração militar e a participação dos Estados Unidos. O assassínio de Kennedy. O plano de levante. Os informes da SFICI. A ofensiva política de Goulart.

Para os EUA a situação política no Brasil levaria a um conflito armado em que seria necessária sua intervenção. Para os imperialistas, existia uma ameaça de cubanização do país, tendo em vista uma suposta presença de comunistas no governo de Jango. O cenário estava posto e acarretava no seguinte: 

A noção de pátria para setores da burguesia brasileira não ultrapassava os limites da propriedade privada, da mesma forma que para o imperialismo norte-americano suas fronteiras se estendiam até onde se encontrassem explorações da Standard Oil, laboratórios da Johnson & Johnson, usinas da Bond & Share, empreendimentos da ITT, minas da Hanna, lojas da Sears, agências do City Bank, fábricas da Coca-Cola e outros empreendimentos industriais e financeiros. E num país como o Brasil, onde o capital era predominantemente estrangeiro e o trabalho nacional, as lutas de classes aprofundavam a contradição antiimperialista e com ela se identificavam (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 142).

Esse cenário de conflitos e a expectativa dos EUA, foi alimentada por Júlio de Mesquita Filho que não só assumiu a possibilidade do Brasil se tornar uma nova Cuba, como alertou os norte-americanos para que ficassem preparados frente a iminente guerra nuclear que se aproximava. Dias após essa fala, o presidente Kennedy foi assassinado nos EUA (segundo Moniz, por um homem ligado a CIA e que estaria à serviço de forças reacionárias à direita de Kennedy) e a impressão era de que a nova política externa dos EUA passaria por uma maior rigidez, fato que aconteceu com a subida de Lyndon Jonhson ao poder. Kennedy não era contrário aos interesses imperialistas dos EUA, pelo contrário, era um de seus portas vozes chegando a reconhecer golpes na América do Sul como os vistos na Argentina e no Peru. Além disso, vinha impondo duras restrições ao Brasil. Entretanto, o que era cobrado dele seria a intensidade dessas ações imperialistas, sofrendo com isso forte oposição de forças políticas ainda mais agressivas que o seu governo. A política externa do novo presidente viria para atender a esses setores, sedentos por dominação. 

Com Johnson os EUA, através do seu Departamento de Estado, passava de uma posição defensiva para uma ofensiva contra o Brasil. Nesta ofensiva, contaria com o auxílio de forças políticas nacionais como o trio Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Ademar de Barros que seriam encarregados de liderarem uma sublevação contra o governo em seus respectivos estados. Mesmo tendo conhecimento dessas manobras, Jango se sentiu acuado em agir, principalmente após a fracassada tentativa de estado de sítio em represália as declarações conspiracionistas de Lacerda. Nesse mesmo contexto, Jango viu Carvalho Pinto, ministro da Fazenda, se afastar do cargo e levar com aquele o único elo que ligava o governo as classes dominantes locais. Diante disso, Moniz afirma que Jango se aproxima definitivamente dos setores populares, o que é visto através de várias ações como: 

Estendeu aos trabalhadores do campo os benefícios da Previdência Social, assistência médica, auxílio-doença e a aposentadoria tanto por invalidez como por idade, assinou Decreto obrigando as empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de 100 empregados a proporcionar-lhes ensino elementar gratuito, e enviou ao Congresso mensagem que concedia ao funcionalismo público o 13º salário e instituía a escala-móvel para o reajuste de seus rendimentos, direitos já aprovados para os operários (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 148).

Afetando diretamente os interesses das empresas estrangeiras, Jango: 

Tabelou os óleos lubrificantes, vendidos pela Esso, Shell, Texaco etc., quebrou o domínio da Gas Ocean sobre o mercado brasileiro e outorgou à Petrobrás o monopólio das importações de petróleo, através das quais, até então, as refinarias particulares, mancomunadas com os trustes estrangeiros, transferiam recursos do País para o exterior, fraudulentamente, pagando por um tipo de óleo mais caro, quando, na verdade, recebiam outro de qualidade inferior (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 149).

Para coroar, aprovou a lei de remessa de lucros para o exterior. Para Moniz, "as atitudes de Goulart, antes sempre inclinadas ao entendimento, indicavam que ele aceitara o desafio e demonstravam, claramente, que já não mais nutria qualquer ilusão de compromisso, muito menos com os Estados Unidos, cuja hostilidade ao seu Governo transparecia em todos os atos" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 150). Com a ofensiva política de Jango, estavam dadas as razões para a articulação do golpe de Estado. 

Capítulo 12 - A implementação do Acordo Militar Brasil-EUA à revelia de Goulart. A guerra revolucionária de Bilac Pinto. Aguçamento das lutas sociais. Alternativas de Goulart.

Mas se Jango estava na ofensiva, o mesmo poderia ser dito de seus adversários. O então ministro das relações exteriores, Araújo Castro, assinou um acordo militar entre o Brasil e os EUA à revelia do governo. O acordo reforçava compromissos com os norte-americanos e foi firmado a mando de Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército. Moniz lembra que pelos serviços prestados, Araújo foi o único ministro de Jango a não ser cassado após o golpe, ganhando como prêmio a embaixada do Brasil nos EUA. Junto a essa medida, o presidente da UDN, Bilac Pinto, inicia uma intensa guerra psicológica ao governo que veicular que Jango em aliança com os comunistas estavam prestes a desencadear uma guerra revolucionária no país. Mas segundo o autor, "não estava em curso nenhuma guerra revolucionária. Esta não era a estratégia do PCB nem os grupos mais radicais da esquerda, de origem pequeno-burguesa, dispunham de armas, forças e condições para tentar a conquista do Poder"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 154). 

Na cidade e no campo, o cenário era de aguçamento das lutas sociais. A inflação chegara a níveis galopantes e o movimento sindical organizava greves em protesto a queda do custo de vida dos trabalhadores. A burguesia, não só rejeitava as propostas de elevação dos salários, como pretendia rebaixá-los "a fim de aumentar a apropriação do excedente econômico e manter a continuidade da acumulação capitalista, afetada pela crise"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 154). Entretanto, necessitava de um governo aliado para que reprimisse o movimento dos trabalhadores, diante do rebaixamento dos salários. A proibição das greves, a intervenção nos sindicatos e o fechamento do CGT não era propostas endossadas por Jango que, ao contrário, tinha compromissos e vinculações políticas com o movimento sindical. Segundo Moniz, "Ao longo de 1963 houve 50 greves no Rio de Janeiro. Só em 15 dias de janeiro de 1964 houve 17"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 155). No campo, a situação era semelhante e os latifundiários temiam os camponeses, então organizados em ligas. Sobre o conflito no campo, tivemos o seguinte cenário: 

Em novembro de 1963, 4 dos 200.000 trabalhadores agrícolas, que paralisaram os engenhos de açúcar do Município de Jaboatão (Pernambuco), tombaram em tiroteio com a Polícia. Em fevereiro, a greve se alastrou por todo o Estado e abrangeu 300.000 trabalhadores agrícolas, muitos dos quais, armados com paus, foices, peixeiras, velhas espingardas de caça e outros petrechos, interditaram as estradas de acesso aos engenhos e às usinas, lançando sobre elas tambores de óleo. E as invasões de terras se sucediam em várias regiões do País, particularmente na Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais e Goiás, sendo neste último Estado os trabalhadores agrícolas se reuniram com 29 líderes sindicais e decidiram ocupar as glebas administrativas, desde que, em assembléias, julgassem que havia condições (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 155).

Jango, vendo a inércia do Congresso Nacional em avançar rumo a reforma agrária, decidiu desapropriar terras às margens das rodovias federais e açudes doando-as a lavradores pobres. Essa ação gerou desconforto entre os latifundiários e foi realizada pela Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA), sob ordem direta do presidente. Jango reconhecia a existência de dois Brasis, um dos explorados e outro dos privilegiados, sendo impossível conceder direitos a uns sem afetar os outros. Desta forma, "Estava consciente da injustiça social. E, sendo latifundiário, deflagrara um processo de reforma que contrariava seus próprios interesses pessoais e de classe. Isto lhe carreou o ódio feroz de todos os que também possuíam vastas extensões de terra. E esse ódio se somou ao dos industriais e comerciantes, principalmente os vinculados ao capital estrangeiro, que o hostilizavam, desde 1953, por causa de suas atitudes em defesa dos direitos dos trabalhadores e da economia nacional"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 156). Em meio a essa radicalização, San Tiago propõe uma frente única e ampla que acabou sem êxito, frente a não aceitação do PSD por parte de Brizola e por seu lado o PSD se opunha a presença do PCB, temendo a legalidade do partido que ainda se encontrava ilegal no país. A legalidade do Partidão era um tabu no Brasil e Jango era continuamente atacado por manter relações políticas com os comunistas no movimento sindical, apesar desses não ocuparem cargos no governo, como então acusava a direita. Sobre a relação amistosa entre Jango e os comunistas, disse Moniz: 

Como um democrata, Goulart realmente não discriminava os comunistas, com os quais o PTB mantinha tradicional aliança, pelo menos desde 1954. Essa aliança constituía uma condição indispensável à unidade do movimento operário e à preservação de uma frente popular em defesa das posições nacionalistas. Nem o PTB nem os comunistas podiam rompê-la sem prejuízo de suas próprias posições e dos trabalhadores. O PTB, naturalmente, limitava a ação dos comunistas e, em certa medida, atrelava o sindicalismo à política burguesa. Porém, as massas operárias, que antes votaram no PCB, com a cassação do seu registro eleitoral, integraram-se no PTB, principalmente no Rio Grande do Sul, modelando ou, de certo modo, condicionando o seu comportamento, o que lhe estreitava a margem de conciliação com a burguesia. E Goulart sentiu assim a necessidade de dilatar o horizonte do movimento trabalhista, antes restrito às reivindicações de aumento salariais, e imprimir ao seu Partido uma coloração política e ideológica, nacionalista e reformista (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 158).

A guinada de Jango à esquerda, se deve ao afastamento do PSD, contrário a reforma agrária proposta pelo governo, e a radicalização da direita. Diante da ofensiva dos adversários e do distanciamento dos antigos aliados, Jango passou a se apoiar na esquerda para não perder seu compromisso com as pautas dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, acreditava na legalidade e visava cumprir esses compromissos dentro da ordem constitucional. Assim, "O que interessava a Goulart, verdadeiramente, era o prestígio com as massas, o apoio popular, a liderança dos assalariados"  (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 159). Seu objetivo era impor mudanças com base na pressão popular aos parlamentares e diferente do que diziam seus adversários, Jango não tinha o rompimento constitucional como horizonte. Desta maneira, Moniz coloca que a conjuntura criou uma polarização entre a direita belicosa versus a esquerda legalista. Sobre essa polarização, afirma o autor: 

Em tais circunstâncias, diante de uma direita belicosa, a salvação do Governo se tornara difícil. A esquerda, paralisada pelas perspectivas nacional-reformistas, não se armara, ao contrário do que Bilac Pinto e outros oráculos da guerra revolucionária anunciavam. Acreditava na vocação democrática e no espírito legalista da maioria das Forças Armadas, confiando em que os oficiais nacionalistas e o grosso dos sargentos se oporiam, como em 1961, a qualquer intento de derrubada do Presidente da República. Suas palavras de ordem se resumiam à convocação da greve geral e à mobilização popular para resistir ao golpe de Estado (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 161-162).

Como bem demonstrou os fatos, Jango estava no máximo a chegar nas fronteiras da legalidade, sem rompê-la. Por fim, visando mostrar ao Congresso o apoio popular a seu governo, Jango convocou o histórico comício de 13 de março, no Rio de Janeiro. Outros estados também organizariam atos em defesa das reformas de base no mesmo dia. Jango visava com essa convocação mostrar que se caísse, seria de pé e com o apoio dos trabalhadores organizados. 

Capítulo 13 - As reformas de Goulart. A proposta de reforma agrária. As  marchas da Família. O papel de Castelo Branco. A CIA e o motim dos marinheiros. O levante de Minas Gerais.

No discurso na Central do Brasil, realizado no dia 13 de março de 1964, Jango anunciou uma série de novas medidas implantadas via decreto como: desapropriação de terras públicas às margens de açudes e rodovias, tabelamento dos preços dos aluguéis de imóveis desocupados etc. Lideranças nacionais de esquerda, como Miguel Arraes e Brizola, estiveram presente no ato. Em seguida ao ato, o governo enviou para o Congresso Nacional uma série de reformas a serem analisadas como a reforma agrária, universitária, política etc. Segundo Moniz: 

Estas reformas, evidentemente, não visavam ao socialismo. Eram reformas democrático-burguesas e tendiam a viabilizar o capitalismo brasileiro, embora sobre outros alicerces, arrancando-o do atraso e dando-lhe maior autonomia. A reforma agrária, que a burguesia nacional, retardatária, raquítica e umbilicalmente vinculada ao latifúndio, não tivera condições de executar, constituía, sobretudo, um instrumento para a ampliação do mercado interno, necessária ao desenvolvimento do próprio parque industrial do País (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 164).

Sobre a reforma agrária, aquela que sofreu mais oposição por parte do imperialismo e das classes dominantes locais, Bandeira explica um pouco como seria sua prática: 

A reforma agrária, proposta por Goulart ao Congresso, orientava-se pelo princípio de que "o uso da propriedade é condicionado ao bem-estar social", não sendo a ninguém "lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade". Assim, mediante pagamento em títulos públicos de valor reajustável, o Governo poderia desapropriar todas as terras não exploradas ou "parcelas não exploradas de propriedade parcialmente aproveitadas, quando excedessem a metade da área total". A produção de gêneros alimentícios para o mercado interno teria prioridade sobre qualquer outro emprego da terra, tornando-se obrigatória sua existência em todos os estabelecimentos agrícolas ou pastoris (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 165).

A desapropriação das terras acumuladas ao foco no fortalecimento do mercado interno, foram medidas consideradas como absurdas para as classes dominantes, mantidas em seus privilégios graças a grande propriedade e sua lógica exportadora. A medida também afetava diretamente os interesses estrangeiros que se beneficiavam do caráter agroexportador da nossa economia. A proposta de reforma agrária, afirma Moniz, transforma Jango em uma figura política não populista; acusação levantada costumeiramente contra seu governo. Isso porque, "Ninguém faz populismo às custas do direito de propriedade, o único direito inviolável para as classes dominantes" (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 165). O ato na Central do Brasil serviu para motivar ainda mais as ações golpistas que tomaram as ruas, através da Marcha da Família com Deus e pela Liberdade. Com financiamento da CIA e das classes dominantes locais, essas manifestações acabaram seduzindo grande parcela da classe média, então afetada pela crise econômica que castigava o país. O apelo religioso e a campanha anticomunista, foram as bases ideológicas dessas manifestações, que contaram com o apoio da imprensa reacionária. Jango não impediu as manifestações, mas agiu contra seus financiadores: impôs a suspensão de empréstimos e créditos aos empresários ligados ao movimento. Moniz coloca tal medida como tardia, mas serviu para exemplificar o nível de contradição entre o governo e as classes dominantes. 

Em meio a radicalização, o Ministro da Guerra Dantas Ribeiro pede afastamento para a realização de uma cirurgia. Moniz cogita a possibilidade do ministro já ter conhecimento das articulações golpistas, optando então se retirar para evitar tanto a traição direta ao presidente quanto o combate com seus colegas de farda. Tendo ou não conhecimento, o fato é que sem sua presença, a articulação golpista liderada por Castelo Branco ganhou um impulso. Com a ausência de Dantas Ribeiro, os golpistas aguardam um motivo para colocar números finais ao governo e ele veio através da revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro. A insubordinação dos marujos, causou ainda mais revolta nos almirantes após a libertação dos revoltosos pelo Ministro da Marinha. Esse foi o motivo principal que desencadeou no golpe. Sobre as ligações da CIA com o líder desse movimento, disse Moniz: 

O Comandante Ivo Acioly Corseuil, Subchefe da Casa Militar da Presidência da República, avisou a Goulart e ao Almirante Mota que o líder do movimento, José Anselmo dos Santos, marinheiro de 1º classe e não cabo como se celebrizou, era agente do serviço secreto, provocador, trabalhando para a CIA. Não se tratava de conjetura e sim de informação, oriunda da própria Marinha (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 170).

Essa revolta gerou uma crise, desencadeando na troca de ministro no Ministério da Marinha, tendo o substituto aprovado a libertação dos revoltosos, já citado acima. A quebra na hierarquia militar foi um motivo para a conspiração golpista avançar, derrubando a Constituição à serviço de interesses estrangeiros. E contando com o apoio dos governadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul os golpistas se levantaram inicialmente em Minas Gerais que, através do seu governador, Magalhães Pinto, se organizara para estabelecer em solo mineiro um governo paralelo que receberia reconhecimento e apoio dos EUA em caso de resistência por parte do governo. A sublevação em Minas Gerais, aconteceu sem a ordem de Castelo Branco, mas foi através dela que o golpe deu seu primeiro passo rumo à vitória. 

Capítulo 14 - Os Estados Unidos e a Operação Brother SAM. Pressões contra o CGT. Tentativas de resistência. O colapso militar, fracasso da greve geral e queda do Governo.

O autor inicia este último capítulo, trazendo detalhes da operação Brother Sam, liderada pelos EUA, e que teria sido posto em prática numa eventual resistência do governo. Contando com colaboração interna, como a do general Castelo Branco, a operação tinha planos de interferir direta e militarmente no Brasil. Apesar de inicialmente pessimista com relação ao adiantamento da conspiração golpista, Castelo Branco superestimou Jango que não tinha mais condições de resistência, diante da fissura nas Forças Armadas contra seu governo. Contestando o discurso anticomunista que fundamentou ideologicamente o golpe, escreve Moniz: 

Nos dois anos em que o golpe de Estado se desenvolveu, Goulart ouviu de muitos oficiais superiores frases como esta: "Os oficiais não estão contra o seu Presidente, mas, sim, contra o comunismo". O comunismo. Eis a chave da questão. Que era, porém, o comunismo? Havia sovietes no Rio de Janeiro ou em São Paulo? Não. Goulart se propunha a abolir a propriedade privada dos meios de produção? Não. O comunismo era o CGT, esse esforço de organização e unificação do movimento sindical, que as classes dominantes, pretendendo comprimir os salários, queriam interceptar. Era a sindicalização rural. Era a reforma agrária. Era a lei que limitava as remessas de lucros. Era tudo o que contrariava os interesses do imperialismo norte-americano, dos latifundiários e do empresariado. O comunismo era, enfim, a própria democracia que, com a presença de Goulart na Presidência da República, possibilitava a emergência política dos trabalhadores (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 178).

E mais, 

Efetivamente, pela primeira vez no Brasil, a pressão dos trabalhadores alcançava o nível da Presidência da República, influenciando o comportamento e as decisões políticas do Governo. Este fato aguçou a crise de dominação de classe, à medida em que a burguesia, na trilha do imperialismo norte-americano, bandeou-se, para a oposição e não sobrou a Goulart como respaldo, em meio a turbulência social, senão a massa de assalariados. E essa contradição entre o Estado burguês, intacto, e o Governo trabalhista liquidaria Goulart, a menos que ele se dispusesse ou a liderar uma revolução social, arrostando as consequências de uma guerra civil e da intervenção norte-americana, ou a capitular diante das massas dominantes e permitir a repressão dos organismos de representação popular (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 178).

Não era o perfil político de Jango ser um líder revolucionário, pois ele sempre foi um reformista. Quando militantes do movimento sindical lhe pediram armas para resistir, ele negou prontamente e negou a banhar o solo brasileiro de sangue. Evitou o quanto pôde uma guerra civil que assolaria o país em caso de resistência. O sucesso do golpe seguiu a seguinte cronologia: Jango viaja do Rio de Janeiro para Brasília, de Brasília parte para o Porto Alegre e, após saber que o Congresso Nacional declarou a presidência vaga, optou pelo exílio no Uruguai. A vacância do cargo foi dada por Ranieri Mazzili, então presidente da Câmara de Deputados. Mazzili ocupou o cargo de presidente provisoriamente e de forma inconstitucional, sem ao menos existir a votação de um impechment contra Jango. Essa manobra inconstitucional, tendo em vista que Jango ainda se encontrava em território nacional, foi reconhecida pelos EUA de imediato e desanimou ainda mais Jango na construção de uma possível resistência. Entendo a resistência como uma aventura, Goulart opta pela não resistência, reconhecendo o fim do seu governo. A derrota para Moniz significou o seguinte: 

Era a consequência da política de conciliação, da perspectiva nacional-reformista, das ilusões democráticas, não só de Goulart como de vasto segmento da esquerda, que não avaliara devidamente o caráter de classe do Estado e o papel das Forças Armadas no seu conjunto, e não se armara, material e ideologicamente, para enfrentar o golpe de Estado. Os trabalhadores, sem um programa de reivindicações políticas próprias, não se bateram e se deixariam violentar, sem a menor resistência (BANDEIRA, Moniz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p. 182).

O resultado foi a consumação do golpe, considerado por Moniz como antipopular e antinacional. Um golpe, prontamente reconhecido pelos EUA, que tratou logo de reprimir todo foco de contestação a nova ordem que se impunha. Essa nova ordem deu seu cartão de visitas por intermédio do Ato Institucional nº 1 que cassou diversos mandatos, retirando os direitos políticos das principais lideranças do país como Brizola e Arraes. Na presidência, subiu ao poder Castelo Branco, colocando finalmente no poder as forças políticas que tentavam golpear a democracia brasileira desde o governo Vargas e que foram contidas diante de seu suicídio. Finalizando a obra, Moniz assim descreve a Ditadura Militar que se instala no país a partir de 1964: 

A crise das instituições transformou-se, desde então, na instituição das crises, como o estabelecimento de um estado de exceção, escorado pelos monopólios internacionais, que, mediante um processo de contra-revolução permanente, impuseram sua hegemonia econômica e política à sociedade brasileira.