sexta-feira, 24 de maio de 2019

Celso Furtado - O Subdesenvolvimento e as ideias da Cepal



  • Sobre o autor: Reginaldo Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.



Celso Furtado: O subdesenvolvimento e as ideias da Cepal - Reginaldo Moraes - Editora Ática


01 Introdução - O livro contém 05 capítulos, uma conclusão e um apêndice escrito por Roberto Campos. No capítulo 02 (pois o primeiro capítulo é a introdução), Reginaldo analisa os documentos oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação dos países em desenvolvimento na conjuntura do pós-guerra (leia-se pós Segunda Guerra Mundial). A preocupação desse capítulo concentra-se nos diagnósticos dados pelos que se detiveram no estudo sobre esses países. No capítulo 03, se analisa o conceito "círculo vicioso da pobreza" desenvolvido por Ragnar Nurkse. Esse conceito trata dos empecilhos encontrados pelos países subdesenvolvidos na busca por seu desenvolvimento, sendo essencial para os teóricos cepalinos. No capítulo 04, a centralidade da vez será na análise sobre os documentos fundadores da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) que tiveram elaboração do economista argentino Raul Prebisch. Se analisa a visão da relação entre centro e periferia para esse autor, assim como as propostas de superação dos entraves encontrados nessa relação. No capítulo 05, chegamos finalmente em Celso Furtado e na sua vasta obra. Reginaldo analisará suas ideias sobre as razões da estagnação, assim como suas propostas no campo econômico e político. As influências sofridas por Furtado também são trazidas, principalmente as envolvendo o economista britânico Lord Keynes. No capítulo 06 debata-se as propostas dos cepalinos, que buscam a formação de uma terceira via que vá além da bipolarização socialismo versus liberalismo. Por fim, após uma breve conclusão da obra, Reginaldo trás a visão de um adversário dos cepalinos: o economista Roberto Campos.

02) O mundo partido das Nações Unidas - A conjuntura que vai dar origem a Cepal será a do pós-guerra. O pontapé inicial é dado através do que conhecemos como Doutrina Truman, ou seja, a ideia de que a democracia só seria fortalecida com base no fortalecimento de um Estado de bem-estar social que promovesse a paz e evitasse a instabilidade. O receio de uma onda de instabilidade era bastante forte dessa doutrina que leva o nome de um presidente norte-americano, pois a URSS que representava o bloco socialista tinha saído vitoriosa e com bastante prestígio da guerra que teve como desfecho a derrota do Nazifascismo. E foi com essa preocupação que a ONU, com seu Departamento de Assuntos Econômicos, reuniu estudiosos dispostos a investigar a situação em que estava os países subdesenvolvidos da época. A ajuda a esses países, agora representava a condição para o desenvolvimento da economia mundial. 

Reginaldo analisa as ideias encontradas em dois relatórios, frutos dessas investigações. São eles: a) National and International Measures for Full Employment de 1949; b) Measures for the economic development of underdeveloped countries de 1951. Esses relatórios concluem que as dificuldades que os países subdesenvolvidos encontravam era gerado por uma lógica econômica que beneficiava os países desenvolvidos e industriais. Logo, a transformação qualitativa desses países não seria fruto apenas de uma mudança interna, mas também fazia-se necessária uma modificação externa ligada a circulação de capitais no plano internacional. 

No que tange a mudanças internas, os estudiosos expuseram algumas condições necessárias para que se iniciasse o processo de superação do subdesenvolvimento. Em primeiro lugar, o povo daquele país deve desejar o progresso e as transformações que sua procura acarreta. Para que se desperte esse sentimento de transformação no seio do povo, as instituições devem agir no caminho do seu incentivo e com isso evitar problemas. Entre as ações que cabem as instituições, temos: 
  • Evitar governos instáveis ou arbitrários, pois onde impera a instabilidade e/ou a arbitrariedade inexiste segurança que os homens necessitam para garantir os frutos dos seus esforços; 
  • Combater formas de propriedade consideradas atrasadas como a propriedade de tipo comunal ou o latifúndio;
  • Rechaçar as discriminações de raças e de oportunidades, pois elas inibem a iniciativa empreendedora que os homens detém.
Sendo assim, diz o relatório de 1951 citado por Reginaldo: "Antigas filosofias têm de ser varridas; velhas instituições sociais têm de ser desintegradas: laços de casta, credo e raça têm de ser queimados; e grande número de pessoas que não podem acompanhar o progresso têm de ter suas expectativas de uma vida confortável frustradas" (MORAES, Reginaldo. São Paulo: 1995, p. 13). Uma educação leiga e reformas sociais como a agrária são passos fundamentais para a consolidação de um Estado Moderno que busque a superação do subdesenvolvimento. Nada disso é fácil, mas sem a implantação de controles não se chegará na promoção da justiça social que se almeja. Quando lemos controle, leia-se uma agenda estatal sobrecarregada.No mais, exige-se vigor dos governos; planejamento da inteligência que deve conduzir esse processo e disciplina da comunidade. 

Todas essas propostas encontradas no relatório e descritas acima, não são novidade na história. Encontramos propostas parecidas na teoria econômica, principalmente no escritos de Stuart Mill como bem mostra Reginaldo na obra. Enfim, é dentro desse contexto e após essas análises iniciais que a Cepal é fundada. Primeiro surgindo num período experimental de três anos e depois tornando-se permanente na ONU. 

03) O círculo vicioso da pobreza: Ragnar Nurkse - Ragnar Nurkse observa que existe um "equilíbrio de subdesenvolvimento", ou seja, uma lógica mantenedora que visa manter a situação desses países estacionária. Ele compara essa lógica com a do "equilíbrio de subemprego", identificado por Keynes nos países desenvolvidos. E é sob influência de Nurkse que os teóricos cepalinos concluirão que o subdesenvolvimento é um problema de ordem estrutural representado pela bipolaridade centro versus periferia. Assim Nurkse define a lógica do círculo vicioso da pobreza, 
O incentivo para o uso de capital é limitado pelo pequeno tamanho do mercado; o pequeno tamanho do mercado é devido ao baixo nível de produtividade; o baixo nível de produtividade é devido à pequena quantidade de capital usado na produção, a qual, por sua vez, é devida ao pequeno tamanho do mercado e, assim, um país é pobre porque é pobre (Nurkse, 1951, p. 18).
Sendo assim, Nurkse conclui que em certas sociedades faz-se necessário a presença estatal no que tange ao combate a essa estagnação viciosa. Entre deixar o confronto e julgamento pelo sistema de preços e a alocação de recursos sob um organismo centralizador e planejador; Nurkse escolhe a segunda opção como método de superação dos problemas. Com isso, Nurkse quebra a lógica puramente técnica das decisões e dar a economia uma forte conotação política. Por isso ele se difere do pensamento clássico.

04) O ovo da serpente: a gestação da Cepal - Chegamos as ideias que motivaram a fundação e a ação da Cepal. Prebisch é o grande formulador das ideias centrais do pensamento cepalino, buscando criar uma síntese entre socialismo e liberalismo que ao socializar o excedente econômico combateria as desigualdades. Sua obra principal - considerada central para a compreensão do pensamento cepalino - é "O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas" onde ele contesta a visão clássica de que o progresso técnico tende a ser repartido igualmente entre a coletividade humana. Para Prebisch:
As grandes vantagens do desenvolvimento da produtividade não chegaram à periferia em medida comparável com que lograram desfrutar as populações dos grandes países. Daí as diferenças acentuadas entre os níveis de vida das massas nestes e naquela, e as notórias discrepâncias entre suas respectivas forças de capitalização (MORAES, Reginaldo. São Paulo: 1995, p. 36).
A proposta de Prebisch para a superação desse problema passa por uma política econômica intervencionista, protecionista e industrializante. Essa política seria liderada pelo Estado, tendo em vista o caráter ostentatório das elites periféricas que buscam a todo momento imitar um modelo de vida do centro. Essa industrialização liderada pelo Estado visa reter na periferia os frutos do progresso técnico, rompendo a lógica viciante da divisão internacional do trabalho. Para a execução desse projeto, o pensamento cepalino recorre a valorização da técnica assim como se coloca como um otimizador da economia de mercado e não seu destruidor. Reginaldo identifica o desafio desse pensamento:
Os cepalinos terão pela frente um desafio angustiante: persuadir os privilegiados de que o projeto reformador lhes convém. Desse modo, apela-se a uma reestruturação do comércio internacional 'com um mínimo de transtornos e a recíproca compreensão dos interesses em jogo' (Cepal, 1951, p. 176) e alude-se à vizinhança ideológica dos planos cepalinos com os projetos de assistência técnica do governo norte-americano, acrescentando que o desenvolvimento latino-americano interessa aos programas econômicos dos países exportadores de manufaturas. Ao que tudo indica, busca-se desse modo mostrar o caráter supostamente não-antagônico das reformas (MORAES, Reginaldo. São Paulo: 1995, p. 51)
05) Furtado, entre o sonho e o plano  -