quinta-feira, 18 de abril de 2019

História das Ciências Sociais no Brasil



  • Sobre o autor: Sérgio Miceli (foto abaixo) nasceu no Rio de Janeiro em 1945 e atualmente é professor da Universidade de São Paulo (USP), além de membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Graduou-se em Ciências Sociais em 1967 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), seu mestrado foi realizado na USP em 1971 com sua dissertação se intitulando "A noite da madrinha - ensaio sobre a Indústria Cultural no Brasil". Essa dissertação foi inovadora, sendo o primeiro trabalho na USP a tratar da Indústria Cultural e suas implicações no país. Além disso, quebrou um paradigma na produção sociológica uspiana, então influenciada pelos trabalhos vinculados aos conflitos entre Brasil Agrário x Brasil Moderno, encabeçado por Florestan Fernandes. Já seu doutorado foi realizado na França, na Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais, sob orientação do sociólogo Pierre Bourdieu. O título de sua tese foi "Intelectuais e classes dirigentes no Brasil, 1920-1945". A presente obra resumida foi organizada por Miceli, mas também contou com a colaboração dos seguintes intelectuais: a) Fernanda Arêas Peixoto; b) Fernando Limongi; c) Heloisa Pontes; d) Lilia Moritz Schwarcz; e) Maria Arminda do Nascimento Arruda; f) Maria Hermínia Tavares de Almeida; g) Paul Freston. 



História das Ciências Sociais no Brasil - Volume 01 - Sergio Miceli (org.) - Editora Sumaré




Capítulo 04 - Mentores e Clientelas da Universidade de São Paulo - Fernando Limongi

O capítulo organizado por Limongi é uma compactuação dos capítulos I, II e IV de sua dissertação de mestrado intitulada "Educadores e empresários culturais na construção da USP". Ele é dividido em três partes, são elas: a) A universidade: projeto da elite cultural paulista; b) Os educadores profissionais e o ensino paulista; c) Os formandos da FFC. Na primeira parte do texto, Limongi afirma que sua preocupação está em identificar as origens doutrinárias que se baseou a campanha em prol da criação de uma universidade em São Paulo. Para isso sua análise tem como recorte os textos de Mesquita Filho (A comunhão paulista e A crise nacional) e as ações da Liga pelo Voto Secreto. Os participantes dessa liga, assim como da luta pela criação de uma universidade em São Paulo, giravam em torno da empresa jornalística O Estado de S. Paulo, sendo essa fundamental para a difusão de seus princípios e propostas. Dentre as lideranças desse jornal temos: Júlio Mesquita, Mesquita Filho e Armando de Salles Oliveira.

A origem dos educadores que viriam a lutar pela criação da primeira universidade no Brasil se encontra na Liga Nacionalista, organização criada tendo como pautas: o serviço militar obrigatório; a adoção do voto secreto e obrigatório; reformas políticas moralizadoras; erradicação do analfabetismo e a assimilação do imigrante à cultura nacional. Segundo afirma Silvia Levi Moreira, uma estudiosa da organização, "A Liga Nacionalista se constituía num 'estágio' quase obrigatório para aqueles indivíduos com pretensões a se projetarem na arena política" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 137). Segundo autores como Edgar Carone, Levi Moreira e Paulo Nogueira Filho a Liga Nacionalista estava associada ao PRP e graças a um teor crítico em relação ao partido acabou sendo uma espécie de embrião do futuro Partido Democrático. Apesar de criticar práticas do PRP, a Liga Nacionalista mantinha aproximações com o partido sendo algumas figuras como João Sampaio, Abelardo Cerqueira César e Rui Paula Souza membros das duas organizações. 

Essas figuras que tentavam ingressar na política através da Liga Nacionalista, encontravam dificuldades em adentrar num campo dominado por velhos oligarcas. No caso paulista, velhos produtores de café. E viram as dificuldades aumentarem após as disputas internas no PRP ocasionar o fechamento do partido. As constantes brigas entre os setores cafeeiros pelo controle do partido ocasionou um cerco interno maior com o intuito de preservar sua dominação. Com isso, a partir de 1916 as eleições para a Comissão Executiva do partido que eram realizadas anualmente, passam a ser feitas a cada quatro anos. O objetivo era reduzir as constantes disputas por cargos, estabilizando o partido. Os quatro anos coincidia com o período de governo. Tudo piorou a partir de 1922 quando a Comissão Executiva passou a ser escolhida por intermédio de convites dos que então participavam do grupo.

Nesse contexto a Liga Nacionalista encontra em sua militância uma crítica as práticas de caráter centralizador do PRP. Com isso, "A Liga Nacionalista tinha forte acento moralista, refletindo a reação das classes profissionais urbanas - cujo bastião era a cidade de São Paulo - contra as atas falsas dos chefes políticos do interior. Era o nacionalismo de classe-média" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 140). Seus integrantes, em sua maioria, eram alunos e professores da Faculdade de Direito o que prova que a classe que dominava a organização eram camadas urbanas educadas. Mas a crítica aos coronéis do PRP não diz tudo sobre esse "nacionalismo de classe-média", creditado a Liga Nacionalista. A luta por eleições mais transparentes também passava pelo combate aos imigrantes. A denúncia da Liga Nacionalista dizia respeito ao alistamento de imigrantes, principalmente italianos, que o PRP fazia em busca de votos. Essa crítica a aproximação PRP/imigrantes, desenvolveu entre os membros da Liga Nacionalista um forte teor xenofóbico, representado pela não aceitação de brasileiros naturalizados nas fileiras da organização.

Os imigrantes e sua forte presença na cidade de São Paulo (em 1920 os estrangeiros ultrapassavam a marca de 30% dos habitantes da cidade) foi a ponta que ligou os membros da Liga Nacionalista a educação. A educação cumpriria um importante papel de integrar o imigrante ao Brasil, mergulhando esse estrangeiro nas nossas raízes culturais. Com isso, "Em seu ideário, a assimilação dos imigrantes à nação era uma tarefa prioritária, a exigir uma atuação enérgica e decidida do Estado no setor educacional" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 141). A constatação dos educadores vinculados a Liga Nacionalista era de que a qualificação dos imigrantes era superior a dos brasileiros. Um fator que agravava a crítica aos imigrantes era que esses desenvolviam escolas administradas paralelas ao Estado, sendo a educação baseada na sua língua materna e não no português. Sobre esse debate, afirma Sampaio Dória, um dos principais líderes da Liga Nacionalista:
A alfabetização do povo é, na paz, a questão nacional por excelência. Só pela solução dela, o Brasil poderá assimilar o estrangeiro que aqui se instala em busca da fortuna esquiva. Do contrário, é o nacional que desaparecerá absorvido pela inteligência mais culta dos imigrantes. Não há como fugir ao dilema: ou o Brasil manterá o cetro dos seus destinos, desenvolvendo a cultura de seus filhos, ou será dentro de algumas gerações absorvido pelo estrangeiro, que ele aflui. (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 141/142).
Nessa relação com o PRP, a aproximação da Liga Nacionalista com Washington Luís será um divisor de águas. Washington, saudado pelo jornal O Estado de S. Paulo após ser eleito governador da cidade, convida Sampaio Dória para ocupar a Diretoria Geral de Instrução Pública. Finalmente era chegada a hora da implantação do projeto educacional pensado pelo grupo. Mas implantada a Reforma em 1920 (sobre essa reforma, ela será melhor discutida no decorrer do capítulo), Dória teve que demitir-se do cargo em 1922. Nesse mesmo ano, mais uma vez entra em cena eleições fraudulentas que impedem a vitória de candidaturas extra-oficiais que a Liga Nacionalista apoiara. É com essa profunda decepção, tanto com Washington Luís quanto com o processo eleitoral, que Mesquita Filho (assim como Dória, outra figura ligada a Liga Nacionalista) publica "A comunhão paulista" no jornal O Estado de S. Paulo. Nesse texto,
Mesquita Filho procura justificar o desinteresse do paulista ilustrado pela 'política militante'. A justificativa encontra-se na completa falta de ideias a marcar a prática política do Estado, desconhecedora da 'missão fundamental dos bandeirantes para com a construção e grandeza da nacionalidade'. Os 'políticos militantes' não partilhariam destes ideais; 'é que os norteia um único desejo: mandar a todo transe, custe o que custar'. (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 143).
Era moralmente correto o afastamento da elite cultural paulista da política mesquinha que se encontrava à cidade. Essa visão do Mesquita Filho foi compartilhada pelos membros da Liga Nacionalista, então representada pelo que Limongi chama de "empresários culturais". Dentre os principais: o já mencionado Mesquita Filho e o escritor Monteiro Lobato. A grande contradição de uma crítica a "política militante" feita por Mesquita Filho estava na ligação do seu jornal, O Estado de S. Paulo, com essa política no início dos anos de 1910. A ligação de Júlio Mesquita com a chamada Dissidência Paulista é nítida, tendo se tornado acionário do jornal no período que essa facção começa a se desenvolver sendo O Estado de S. Paulo seu porta-voz. Outra contradição está na atuação da Liga Nacionalista e do próprio jornal envolta da Revolução de 1924. A pública declaração de apoio da Liga Nacionalista a revolta tenentista liderada por Isidoro Dias Lopes, fez a organização ser fechada pelo Governo Federal em agosto de 1924. O jornal O Estado de S. Paulo também sofreu represálias por apoiar os revoltosos, sendo suas atividades suspensas por alguns dias. Em suma,
Seja qual for a natureza exata destes contatos e possível colaborações, o certo é que os membros desta 'elite intelectual' não abandonam o seu ideário e não deixam de refletir sobre as condições políticas do país e, mais especificamente, sobre a situação de marginalização política a que se viam confinados (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 146)
Isso fica claro até após o fim da Liga Nacionalista, quando Monteiro Lobato organiza e lidera a chamada Liga pelo Voto Secreto que trazia um documento assinado por 24 intelectuais (todos ex-membros da Liga Nacionalista). O documento enfatizava a importância da implantação do voto secreto como meio de estabilizar o país, impedindo que caminhássemos para uma convulsão social semelhante a Rússia. O documento, em resumo, afirma: "O raciocínio geral é este: se meu voto, estudado, ponderado, calculado, livre, tem de ser anulado pelo voto do meu criado, que é um imbecil, sem discernimento nem cultura, prefiro ficar em casa. E não há outro raciocínio no caso. Desse modo temos automaticamente afastado das urnas justamente os homens possuidores de capacidade natural de voto" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 147). O voto secreto inverteria essa lógica, dando espaço para os homens virtuosos adentrarem na política.

Em suma, busca-se não só dar espaço para essa elite intelectual como também faz-se necessário distingui-la dos "políticos militantes" e também dos imigrantes. Daí surge a educação como forma de formar, desenvolver e educar as elites orientadoras das questões sociais e políticas a serem impostas. Logo, "A 'elite cultural', assim, encontra-se empenhada em uma dupla cruzada, procurando se distinguir ao mesmo tempo dos 'políticos profissionais' e dos 'imigrantes materialistas', buscando erigir uma escala de valores que lhe seja própria, em que o poder e o dinheiro sejam termos acessórios e subordinados" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 149). Deste contexto surge o primeiro texto com menção direta a criação de uma universidade, o texto "A crise nacional" de Mesquita Filho, também publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Nesse texto, Mesquita inicia sua reflexão afirmando que a crise que passava o país remonta do afastamento da elite intelectual da vida política do país após a proclamação da República. E quais os motivos que fez essa elite se afastar da vida política após a queda do Império? Segundo Mesquita Filho,
No Império, as 'elites intelectuais' encontravam as condições ideias para participar da vida política, pois esta repousava sobre a presença de uma 'massa homogênea de cidadãos livres' (1925, p. 7). Com a proclamação da República, que coincide com a perda desta homogeneidade, em função da abolição da escravatura e da imigração, ocorre o retraimento da 'opinião pública' e sua substituição, na direção dos negócios de Estado, pela 'oligarquia'. (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 150)
Miceli mostra mais detalhes do texto de Mesquita Filho na nota de rodapé. Afirma ele sobre a abolição, "entrou a circular no sistema arterial do nosso organismo político a massa impura e formidável de dois milhões de negros, subitamente investidos das prerrogativas constitucionais" (Mesquita Filho, 1925, p. 9). Sobre o imigrante: "penetrava em nosso meio no propósito inabalável de fazer fortuna, sem preocupação alguma de ordem cívica" (1925, p. 21). Apesar disso a presença do imigrante era benéfica, pois gerava "integração na nacionalidade, a sua presença em determinadas regiões ia afastando a toxina africana" (Mesquita Filho, 1925, p. 23). A volta das elites culturais se dava graças a uma homogeneização do corpo eleitoral, um processo bastante desenvolvido em São Paulo, graças o crescimento da pequena propriedade e consequente enfraquecimento do latifúndio. Esses pequenos produtores também traziam equilíbrio a balança por se mostrarem camadas que também se diferenciava do crescente proletariado urbano. A cereja do bolo estava na transparência do processo eleitoral, através do voto secreto, gerando as condições ideias para a volta completa dos setores intelectuais a vida política. Por fim, o texto termina afirmando a necessidade de aliar reforma política com educacional entrando a criação de uma universidade no terreno da última. Com isso,
A universidade é definida como 'organismo concatenador da mentalidade nacional', uma vez que nela se formam 'essas admiráveis legiões de estudiosos desinteressados, que no ambiente sereno das bibliotecas e dos laboratórios indicam, em todas as nações cultas do universo, as diretrizes seguras por onde trilham confiantes os homens de ação (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 152).
E qual seria a tarefa desses intelectuais? Para Mesquita seria desenvolver uma "fórmula intelectual" que baseada numa "ideal unidade de doutrina", buscaria dotar o povo de princípios que ligasse "passado histórico" com as imaginadas "tendências naturais da nacionalidade". Outro papel importante creditado a universidade seria a responsabilidade em formar professores secundaristas, tornando possível a estruturação do ensino no país. Em suma, a ideia da criação de uma universidade no Brasil surge creditando a ela dois papéis: formar elites desinteressadas que dotem o povo de princípios valorosos e a formação de professores secundaristas que estruture o ensino básico do país.

Se na primeira parte do capítulo Limongi debateu a contextualização histórica em que estavam inseridos os educadores paulistas, nesta segunda ele avança para a atuação desses educadores do ponto de vista prático. Trás a origem, percurso e preocupação da chamada "Escola Nova", movimento de educadores que são ligados as ideias já debatidas da Liga Nacionalista. É aqui que podemos enxergar a atuação desses intelectuais pela reforma educacional que eles professavam como aliada a uma reforma política.

Os critérios base para entender esses educadores, são dois: a) o afastamento de princípios político-partidários e a consequente aproximação de fundamentos técnicos que vão dar ao movimento a alcunha de "educadores profissionais"; b) a luta pela expansão do topo do sistema de ensino, sendo suas ações direcionadas para o desenvolvimento do Ensino Superior voltado para a formação de professores. Dentro desses princípios, Limongi busca mostrar a linha entre a Reforma de 1920 de Dória que projetou a Faculdade de Educação, passando pelo curso de aperfeiçoamento de professores primários em 1931, o Instituto de Educação em 1933, até chegar na criação da USP em 1934. Essa cadeia de acontecimentos tem uma ligação que o texto busca identificar e analisar.

Primeiramente, faz-se necessário destacar - e Limongi logo vem a destacar - a importância de dois aliados desse movimento de educadores: o já citado jornal O Estado de S. Paulo e também a forte presença de uma intelectualidade européia, especialmente francesa, que atuaram no país somando na luta pela criação de uma universidade. Sobre a atuação desses intelectuais franceses, Limongi destaca o papel desempenhado pelo Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura. Mas qual o contexto do ensino paulista durante a República Velha?

Durante esse período, se viu um atraso no desenvolvimento do Ensino Superior e Secundário. Até 1930, o estado de São Paulo contava com apenas três ginásios públicos (um na capital e dois no interior) e mais quatro faculdades (Faculdade de Direito de 1827, de Medicina de 1913, Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz de 1901 e a Escola Politécnica de 1894). Sendo assim, o ensino público paulista baseava-se à educação básica e ensino normal onde o segundo era complementar ao primeiro. Desses dois, à educação básica se desenvolvia com mais rapidez enquanto o ensino normal tinha estagnado. Essa estagnação era por conta da única escola normal do estado, a Normal da Praça, que logo não conseguiria formar professores na mesma quantidade que se expandia o ensino primário. Comandados pedagogicamente por Caetano Campos e Rangel Pestana, a Normal da Praça focava no preparo de professores como sinônimo de sucesso da República. E quais as medidas tomadas frente ao problema de mais turmas e menos professores? Foi aberto uma facilidade maior no acesso ao magistério, sendo possível que estudantes egressos das escolas complementares (aquelas optativas ao ensino primário) pudessem se formar mesmo com uma formação frágil. Esses chamados complementaristas, não formados nas escolas normais, começaram a ocupar os postos de professores substitutos para cobrir a escassez de profissionais e logo se tornariam a maioria do ensino primário.

Nesse novo contexto, a Normal da Praça permaneceu com seu status. Se preocupando com a boa formação de professores, permaneceu formando poucos profissionais que agora começavam a se encaminhar para funções de alto status no aparelho de ensino paulista. E apesar da expansão do ensino normal a partir de 1910, sendo criada dez novas escolas, a Normal da Praça permaneceu com seu prestígio sendo considerada normal secundária enquanto as demais normais primárias. Surge daí a primeira divisão entre os educadores paulistas:

A) Tradicionalistas, ligados aos coronéis do café, preocupados com a expansão da base do sistema visando reproduzir mais eleitores;
B) Renovadores, ligados aos educadores profissionais, preocupados em privilegiar o topo do sistema visando a formação de professores sob fortes critérios técnicos.

Dentro desse contexto,
A criação das novas escolas normais contribuiu para ampliar os contatos entre o ensino básico e o superior. O diploma de uma normal podia ser equiparado ao obtido no secundário por intermédio de exames especiais. A opção pelo curso normal, levava uma vantagem evidente sobre o ensino médio regular pelo fato de ser profissionalizante e, por certo, menos exigente. Por outro lado, em um sistema educacional tão pouco desenvolvido, as normais recém-criadas multiplicavam a oferta de vagas, abrindo novos horizontes de ascensão social (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 162)
Se a política de não expansão do ensino normal trouxe falta de profissionais, a expansão veio trazer o excesso de profissionais formados. É neste novo cenário que as disputas entre tradicionalistas versus renovadores se acirram, tendo os primeiros ligações com as reformas de 1925 e 1927 e os últimos com a reforma de 1920. A origem dos renovadores data de Antonio Sampaio Dória, docente da Normal da Praça que acreditava trazer consigo novas ideias pedagógicas. Membro da Liga Nacionalista, assumiu na gestão Washington Luís cargo na Diretoria da Instrução Pública. Foi lá que liderou a Reforma de 1920, tendo como base ideias presentes na Liga Nacionalista. O objetivo central era o combate ao analfabetismo, considerada por Miceli sob meios "estatístico-produtivista". E como Dória buscava combater esse problema? Buscava combater, "diminuindo pela metade o tempo previsto oficialmente para a escolarização mínima seria possível obter com as mesmas classes e professores o dobro de alunos alfabetizados" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 167). O discurso de combate ao analfabetismo era apenas isso: discurso e, ainda mais, falacioso. O que se viu de fato foi a busca do desenvolvimento no topo do sistema, ou seja, as atenções foram voltadas para a formação de professores com base num reforço do controle burocrático.

Entre as medidas do Dória temos: maior exigência para a obtenção do diploma nas escolas normais, extensão da duração dos cursos nas escolas complementares, substituição do professor polivalente por aquele especialista em determinada matéria, unificação das escolas normais sob o nível de superior etc. Outra ideia da reforma de 1920 era a criação, sob responsabilidade de Washington Luís, da Faculdade de Educação que teria como tarefa o preparo de professores, diretores de escola, inspetores. Como consequência da reforma de 1920, temos: "Dados os altos 'custos' impostos aos candidatos ao magistério, as normais passarão por um rápido processo de esvaziamento e, em pouco tempo, volta a ocorrer um déficit de professores que passam a ser recrutados sem o valorizado diploma" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 169). E quais os efeitos positivos? Foi a partir da reforma liderada por Dória que princípios racionalizadores começaram a ser implantados na administração do aparelho de ensino paulista. Isso acabou entrando em choque com as práticas clientelistas, realizadas pelos oligarcas do café.

As Reformas de 1925 e 1927 vem a desfazer as ações de Dória, privilegiando os interesses do chamado grupo dos tradicionalistas. Sendo assim, "Segundo determina a reforma de 1925, o ensino primário volta a ser de quatro anos, obrigatório e gratuito dos 7 aos 12 anos. Além disso, a incipiente burocratização adotada por Dória é desmontada, extinguindo-se, por exemplo, as delegacias regionais de ensino. A influência política dos chefes locais nas nomeações e na carreira dos mestres voltava a encontrar as condições ótimas para prosperar" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 170). A reação dos renovadores a reforma dos tradicionalistas, veio em 1926 sob o Inquérito sobre a Instrução Pública, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo e sob coordenação de Fernando de Azevedo. É a partir da crítica a reforma dos tradicionalistas que os renovadores passam a ter ajuda externa. O intelectual francês George Dumas passa a ser forte colaborador dos educadores ligados a Dória, sustentando entre várias ideias a necessidade vital de criação de uma universidade no Brasil aos moldes franceses. O objetivo dessas universidades permanecia o mesmo: formar elites desinteressadas e professores secundaristas. A busca é pelo controle sobre a formação de profissionais da área, sendo o discurso de expansão da cidadania mera retórica de um liberalismo meramente doutrinário. O foco estava na expansão do topo do sistema educacional e não com a base.

O ensino secundário, aquele que dava acesso ao superior, ganhava tanta notoriedade para esses profissionais que em termos empresariais logo começaria a aparecer frutos positivos. Dória cria e gere junto com Almeida Júnior e Lourenço Filho o Liceu Nacional Rio Branco que logo começa a disputar prestígio com escolas secundárias tradicionais como o Ginásio do Estado da Capital e os Colégios São Luiz e São Bento. Destaca Miceli que,
Em última análise, a campanha pela criação da universidade está ligada à luta pelo controle do setor educacional tomado em seu conjunto. Caso viesse a ocorrer a expansão que o sucesso da iniciativa do empresário educacional Sampaio Dória anunciava, o controle sobre as instâncias de formação de profissionais para o setor, está claro, garantiria a força do grupo, fornecendo-lhes as armas para que suas concepções de ensino pudessem inspirar e guiar a formação de novos profissionais (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 179). 
Entre 1927 e 1929, temos o ápice da campanha pela criação de uma universidade em São Paulo. A Revolução de 30, apesar dos constrangimentos futuros, trás esperanças para grupos políticos como o Partido Democrático (herdeiro da Liga Nacionalista) que buscava um lugar ao sol na política. Os educadores profissionais ainda ganhavam uma projeção nacional com a reforma educacional imposta por Fernando de Azevedo no Distrito Federal em 1927. Os pensadores paulistas ultrapassavam as fronteiras do estado expandido suas ideias centrais que eram: ensino laico, expansão das escolas públicas e igualdade de acesso para ambos os sexos. A partir de 1930, os renovadores voltam ao controle da educação paulista, afetado pelas reformas de 1925 e 1927. A burocratização como organização administrativa retorna a cena; professores leigos formados em condições emergenciais são exonerados e substituídos por concursados; uma regulamentação da carreira é estipulada e em 1931 se cria um curso de aperfeiçoamento de professores primários. Esse curso oferecia "ensino em nível superior de psicologia, sociologia, filosofia, história da educação e outros" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 183). Um Código de Educação do Estado de São Paulo é criado como exemplo mor da racionalização em curso. É da junção desse curso de aperfeiçoamento com instituições como a Faculdade de Educação, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), Escola Politécnica de São Paulo, Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz, Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito e Faculdade de Farmácia e Odontologia que surge em 1934 a Universidade de São Paulo (USP).

Na última parte do texto, Miceli analisa o perfil dos estudantes nos primeiros anos da USP focando nas turmas da FFCL e comparando com outros centros. As turmas analisadas em específico são as de 1934, 1935, 1936 e 1937. Para o primeiro ano de matrículas, em julho de 1934, foram matriculados 182 alunos. Um número razoável para o início das atividades. Segundo o depoimento do professor francês Fernand Braudel sobre o perfil desses primeiros estudantes, temos a seguinte informação: "Minhas primeiras aulas foram em francês, e na sala havia representantes do governador, amigos de Júlio de Mesquita Filho, o dono do jornal O Estado de S. Paulo, e diversos grã-finos que deixavam carrões estacionados na porta." (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 188).

Do segundo semestre de 1934 para o primeiro semestre de 1935, foi vista uma redução brusca no número de estudantes. Dos 182 estudantes iniciais, apenas 37 renovaram suas matrículas. Incríveis 80% dos alunos desistiram de permanecer no curso que haviam se inscrito 06 meses antes, tendo os cursos de Física, Química e História Natural um esvaziamento total das salas. O perfil dessa primeira turma, matriculada em 1934 e já de saída em 1935, ajuda a explicar as desistências. Pois, "a quase totalidade dos inscritos, 91% para ser preciso, foram dispensados de prestar vestibular, ou por apresentarem um diploma superior, ou por apresentarem certificado de matrícula em instituição de ensino superior. Uma clientela, supõe-se, com auxílio da descrição de Braudel, orientada muito mais pela busca de ilustração, vida social e novidades, do que por novas alternativas profissionais" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 189).

O ano de 1935 representou um número de 12 alunos a menos em comparação com 1934. Os alunos que vinham de outras instituições, sendo dispensados do vestibular, permaneceram sendo a maioria dos matriculados sendo seguidos por aqueles que se prestaram ao exame. O aumento quantitativo de 1935 só foi possível com a adoção dos chamados "comissionados", então professores primários que tinham suas atividades suspensas para que pudessem se formar na FFCL. De 100 inscritos, 85 foram aprovados. O chamado comissionamento representou uma flexibilidade no acesso ao Ensino Superior, pois a maioria dos seus ingressantes eram oriundos de escolas normais e não secundaristas. Para a admissão desses estudantes foi necessário a aprovação do Conselho Universitário. Sobre a mudança de perfil de 1934 para 1935, afirma Pierre Monbeig: "Quando de sua instalação, a Faculdade atraíra alguns moços já nutridos de boa cultura, alguns dos quais, graças à sua idade, já com uma soma regular de conhecimento ou, em todo caso, com inegável maturidade de espírito. O contingente do segundo ano, composto, na sua maior parte, de professores comissionados, de moças, sobretudo, mais jovens que os primeiros, ofereceu ao professor um material completamente diferente. De um lado, uma minoria desejosa sobretudo de completar a sua cultura geral, tendo o gosto das ideias e das discussões; de outro lado, um grupo de jovens, animado de grande ardor para o trabalho, conhecendo perfeitamente as suas possibilidades, mas sabendo também que, antes de mais nada, são professores e que por esta razão foram enviados à Faculdade. Os desejos de uns e de outros são diferentes, e esta situação formula o problema da faculdade." (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 191).

O ano de 1936, o terceiro da universidade, mostrou a permanência do problema das desistências. Dos  37 segundanistas que haviam entrado na turma de 1934, 32 se inscreveram para seu terceiro e último ano de curso. A evasão da segunda turma, matriculada em 1935, permanecia alta apesar de não ser maior que a taxa de desistência da primeira turma de 1934. De 218 alunos matriculados em 1935, 86 renovaram suas matrículas e desses 64 eram comissionados. No ano de 1936, outro incentivo foi buscado para atrair estudantes  FFCL: a criação de bolsas. As verbas para as bolsas eram oriundas da Secretaria de Educação e se destinavam para aqueles que não eram comissionados. Mesmo assim, viu-se o menor número de matriculados: 84 alunos. Desses 30 foram dispensados do vestibular, 12 comissionados, 7 bolsistas e 35 ingressantes via vestibular. Das bolsas criadas, a estratégia usada foi oferecê-la a estudantes que estavam no segundo ou terceiro ano de curso. O objetivo era reduzir as taxas de desistências que chegavam a superar o de matriculados.

A Tabela I analisa o "Número de Calouros por Modalidade de Ingresso". De 1934 a 1937, enxergamos o seguinte perfil dos calouros da FFCL: 59% egressos de outras instituições de ensino superior e por isso dispensados do vestibular; 20,2% vestibulandos; 18,1% comissionados; e 2,6% de bolsistas. Um total de 617 estudantes entraram na análise, sendo os Anuários da FFCL a fonte do autor. Os comissionados começaram a entrar na FFCL na segunda turma (1935) e os bolsistas a partir da terceira turma (1936). Já a Tabela II analisa o "Número de Formandos por Modalidade de Ingresso". De 1934 a 1937, enxergamos o cenário dos formandos da FFCL: 15,5% eram egressos de outras instituições de ensino superior e por isso dispensados do vestibular; 26,2% eram vestibulandos; 44,4% eram comissionados; e 13,9% de bolsistas. Como podemos ver, os comissionados foram aqueles que mais se formaram na FFCL seguindo dos que prestaram vestibular. Os dispensados do vestibular e os bolsistas vem em seguida, respectivamente. As fontes da Tabela II foram as seções de alunos da FFCL, IME, IF, ICB. Em suma, a maior fonte de recrutamento (os egressos de outras instituições de ensino superior), por outro lado, tinham a mais baixa taxa de persistência no curso.

Os estudantes egressos de outras instituições de ensino superior representavam a faixa dos mais velhos da FFCL, enquanto os vestibulandos representavam os mais novos. Sobre os vestibulandos, afirma Limongi: "De cada 100 alunos que prestavam vestibular, 40 diplomavam-se. Eram poucos os alunos para quem a FFCL era a primeira alternativa tentada no ensino superior, como também poucos se formavam. Se dependesse tão somente destes alunos, a FFCL teria poucas chances de sobrevivência." (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 195). Os bolsistas tem participação ínfima no ingresso a FFCL, mas representam um número significativo quando analisamos o número dos formandos. Muitos que entraram pedindo dispensa do vestibular, acabaram recebendo bolsa, sendo um estímulo para a continuidade no curso. Por fim, os comissionados representavam a maioria daqueles que se formavam na FFCL. A cada 100 comissionados, 74 concluíam seu curso. Isso ocorreu porque "As possibilidades de reorientação de suas vidas profissionais, e sobretudo, a de ingressar no corpo docente da FFCL, não eram incentivos desprezíveis e sem importância para a explicação deste sucesso." (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 196).

Conclui Limongi, "O importante, no momento, é ressaltar a dependência da FFCL em relação ao que estamos definindo como demanda e rendimento induzidos, isto é, comissionados e bolsistas. Nos quatro primeiros anos de vida da FFCL, 58,3% dos formandos, para citar cifras exatas, dependeram de um desses estímulos para concluir seu curso, deles dependendo basicamente a própria sorte de iniciativa." (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 196). Em seguida, questiona o autor: a sustentação da FFCL através de recursos externos como a garantia de bolsas, não representava uma contradição ou fraqueza do projeto inicial pensado por aqueles que lutaram pela formação da universidade? A tal "elite desinteressada" não se via na prática. Sobre a natureza da FFCL nos seus primeiros anos, afirma Monbeig: "Essa situação se reflete na finalidade mesma da faculdade. Destina-se ela verdadeiramente a fornecer professores ao ensino secundário? Os estudantes, interrogados pessoalmente, testemunham essa dúvida. Tornar-se necessário dar aos estudos da Faculdade uma finalidade prática: no dia em que os estudos tiverem a certeza de encontrar uma situação garantida e estável, como conclusão de seus anos de trabalho, tornar-se-ão mais numerosos e será então possível e indispensável fazer uma seleção estrita entre eles. Mas, até lá, que valor e importância dar o título que não consubstancia senão vaidades humanas?".

Se o objetivo dos mentores da FFCL era competir com as faculdades profissionais, fracassaram na missão. Os filhos da elite, permaneceram concluindo o ensino secundário e indo direto para essas faculdades profissionais, então existentes antes mesmo da fundação da USP em 1934. O perfil da FFCL, pelo contrário, era totalmente diversificado e por isso diferente das faculdades profissionais. Comparando o perfil dos estudantes da FFCL com os das faculdades profissionais, Limongi organiza as tabelas III, IV, V e VI.

As Tabelas III e IV traçam o perfil dos estudantes das faculdades profissionais. Na Tabela III intitulada "Tipo de Escola Secundária Cursada pelos Formandos das Faculdades Profissionais", temos o seguinte perfil desses estudantes: 26% são oriundos de escolas religiosas; 48% são oriundos de escolas particulares laicas; e 26% são oriundos de escola pública. As fontes para a Tabela III são as seções de alunos da FFCL, IME, IF e IB. Já a Tabela IV intitulada "Diplomados das Faculdades Profissionais segundo Local de Conclusão do Curso Médio", temos o seguinte resultado: 73% desses estudantes concluíram seus estudos na capital paulista; 23% no interior e 04% no grupo de outros.

As Tabelas V e VI traçam o perfil dos estudantes da FFCL. Na Tabela V intitulada "Diploma de Curso Médio apresentado pelos Formandos da FFCL", encontramos o seguinte perfil: 56% eram oriundos do ensino normal e 44% do ensino secundário. Na Tabela VI intitulada "Diplomados das FFCL segundo Local de Conclusão de Curso Médio", encontramos: 53% concluíram seu curso médio na capital; 42% no interior e 5% encaixados na opção outros. "Ou seja, enquanto a maior parte dos alunos que ingressavam nas faculdades profissionais receberam sua formação escolar nas principais escolas particulares da capital (o Liceu Nacional Rio Branco, Ginásio Paulistano), ou em tradicionais escolas mantidas pela Igreja (como o Colégio São Luiz ou o São Bento, ou ainda no aristocrático Ginásio do Estado da capital, o diplomado da FFCL fez seu curso médio no interior, em escolas públicas, em geral municipais, quando não em escolas normais do interior" (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 201/202).

Com isso, "Para o normalista, a FFCL oferecia a chance de obtenção de um diploma superior e, por seu intermediário, reforçava suas chances de sucesso em carreiras intelectuais. De outra parte, para os egressos de cursos secundários, com passagem ou não pelas faculdades profissionais, a FFCL oferecia a oportunidade de que os investimentos anteriores na educação formal pudessem ser melhor aproveitados. Muitos dos alunos passíveis de inclusão neste caso foram 'atraídos' e 'mantidos' na FFCL por intermédio de bolsas. A carreira científica se apresentava, por um lado, como canal de mobilidade social ascendente, por outro, como recurso para os que, ameaçados pelas transformações sociais em curso, podiam ser abrigados pela universidade"  (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 204).

Não só na integração dos normalistas ao Ensino Superior a FFCL foi pioneira. A presença de diplomados da FFCL com sobrenomes imigrantes nas quatro primeiras turmas representam no mínimo 13,4% dos estudantes. Além de descendentes de imigrantes, a FFCL também incluiu mulheres em suas fileiras. "As faculdades profissionais apresentaram-se, basicamente, como universos reservados ao homens. Na Escola Politécnica, nas turmas escolhidas não se registra a formatura de única mulher, ausência que perdura até 1946. A Faculdade de Direito assinala a presença de algumas poucas mulheres por turma"  (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 206). Na Faculdade de Direito, nos quatro anos que Limongi analisa, de 982 formados apenas 24 eram mulheres. Na Faculdade de Medicina 14 eram as mulheres formadas de 341 diplomados. Enquanto isso na FFCL as mulheres representavam 42,8% dos formados. O comissionamento era o principal ingresso das mulheres, representando 70% desse tipo de ingresso a FFCL. Nos quatro anos analisados, 80 mulheres se formaram (entrando por diferentes tipos de ingresso) de um total de 187 formandos.  Conclui Limongi,
Em suma, as seções de humanidades são aquelas que mais pronunciadamente se diferenciam das faculdades profissionais, quer pela alta presença de normalistas, de mulheres, de comissionados e dos ingressantes mais velhos. Estes pontos estão inter-relacionados e, em boa medida, o comissionamento pode ser tomado como o elemento mais influente na determinação dessas características da amostra  (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 208).
Após 1937, Limongi afirma que não tem informações precisas sobre a continuação ou não do perfil anteriormente traçado, mas adianta que indicações mostram que o cenário pouco se modificou. O comissionamento foi regulamentado estipulando uma carga de 33 professores primários a ingressarem. O ingresso de normalistas foi finalmente equiparado aos secundaristas. As ideias expressas desde a Reforma de 1920, que na prática desenvolvia mais o ensino superior que o básico, acabou acarretando a formação de professores para ocuparem não o ensino secundário (objetivo na teoria) mas a ocupar espaços vazios no próprio ensino superior. Um em cada quatro formandos acabaram desenvolvendo suas carreiras na própria FFCL. Outros acabaram se inserindo em outros espaços da carreira acadêmica como o caso de Paulus Aulus Pompéia que se transferiu para a montagem do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A inserção na FFCL desses formandos foi só aumentando na medida em que os iniciais professores estrangeiros iam se retirando do país.

Concluindo o capítulo e mostrando como o projeto da FFCL acabou frustrando seus objetivos imaginados, conclui Limongi, "Ao contrário do que postulou Monbeig, a seleção de 'vocações científicas' acabou se impondo como prioridade na fase de expansão em detrimento da formação de professores secundários cujo impulso só se daria com a expansão do sistema de ensino médio iniciada nos anos 50"  (MICELI, Sergio. (org.). et al. Sumaré, 2001, p. 218).